ALGUNS IMPASSES ACERCA DA DINÂMICA DE SUPERVISÃO DA CLÍNICA PSICANALÍTICA EM UMA UNIVERSIDADE. Wânia Suely Silva

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Transcrição:

ALGUNS IMPASSES ACERCA DA DINÂMICA DE SUPERVISÃO DA CLÍNICA PSICANALÍTICA EM UMA UNIVERSIDADE Wânia Suely Silva Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Maranhão UFMA, Campus Universitário do Bacanga, Avenida dos Portugueses, s/n, Cep: 65085-580,São Luis Maranhão.E-mail: brh@elo.com.br. O objetivo do presente trabalho é apresentar os impasses acerca da dinâmica de atendimento e supervisão da clínica psicanalítica dentro de uma universidade. A referida clínica se sustenta em sua regra fundamental da associação livre, conduzida pelo fenômeno da transferência, ambos atravessados pela ética do desejo. Estamos apontando com isso que há uma especificidade do campo psicanalítico, que muitas vezes se torna incompatível ao academicismo. Diante da experiência clínica, dentro de uma universidade, lugar destinado a um saber constituído, a um saber-fazer e regido por uma ética tradicional, interrogamos de que modo se torna possível a transmissão da RESUMO psicanálise em uma instituição acadêmica, tendo em vista que a formação do analista não é acadêmica e o saber em causa é o do inconsciente. Nesse sentido, a prática analítica é orientada pelo não saber por parte daquele que a conduz. A fim de atingir os objetivos apresentados, recorremos à experiência de atendimento no Núcleo de Psicologia Aplicada da Universidade Federal do Maranhão, que conta com a participação de alunos do nono e décimo períodos, sob a supervisão de um professor. Foi ao longo dessa experiência que chegamos a alguns impasses que serão aqui explanados de forma mais interrogativa do que conclusiva. Palavras-chave: supervisão, clínica, psicanálise, ética, estágio, transferência. ABSTRACT SOMES IMPASSES ABOUT IN THE DYNAMICS AND SUPERVISION OF THE PSYCHOANALYSTC CLINIC INSIDE A UNIVERSITY The objective of this work is to present the impasses about the treatment dynamics and the supervision of the psychoanalyst clinic inside a university. This clinic is supported in its fundamental rule of free association, conducted by the transferring phenomenon, both going through by the desire ethic. By saying this, we are pointing out that there is a specificity of the psychoanalytic field that sometimes becomes incompatible with the academicism. Faced with the clinic experience, inside a university, placed destined to a constituted erudition, to a do-

erudition and ruled by a tradition ethic, we ask how it will be possible the transmission of psychoanalysis in an academic institution, bearing in mind the analyst upbringing is not academic and the erudition here is unconscious one. This way, the analytic practice is oriented by the non-erudition from the one who conducts it. In order to reach the objectives we resorted to the treatment experience of Núcleo de Psicologia Aplicada from the Federal University of Maranhão in which students from the ninth and tenth term take part in under a professor s supervision. Along this experience we reached some impasses which will be explained here in a more questioning way than conclusive. Key-words: Supervision, Clinic, Psychoanalysis, Ethic, Stage, Transferring. INTRODUÇÃO A clínica psicanalítica se sustenta em certos dispositivos, que não se tratam de prescrições como bem nos lembra Freud em seu texto Recomendações aos médicos que exercem psicanálise (1912) mas de elementos essenciais a sua condução. Permitem, assim, que sua prática seja reconhecida como especificamente analítica. Estamos nos referindo à regra fundamental da associação livre, sustentada pelo fenômeno da transferência, ambos atravessados pela ética do desejo. Tal ética interroga o sujeito em sua particularidade e não naquilo que se faz regra geral, universal. O sujeito nessa lógica é pensado para além da lei moral. Nessa direção, o objetivo do presente trabalho é apresentar a dinâmica de atendimento e supervisão da clínica psicanalítica dentro de uma instituição acadêmica, o que a coloca diante de vários impasses, tendo em vista que a formação do analista não está articulada ao ensino universitário. Escolhemos alguns desses impasses para apresentar e interrogar, estando certos de que as questões não estarão esgotadas, pelo contrário se abrem e nos convocam a pensá-las. Nesse enquadre, acreditamos que o norte que conduz o referido relato trata do que há na prática analítica em uma universidade que nos autoriza a reconhecê-la como analítica. CASUÍSTICA A clínica da qual trata nossa experiência ocorre no Núcleo de Psicologia Aplicada (NPA) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), estando, portanto submetida às normas acadêmicas que visam à graduação de alunos do curso de psicologia. O público-alvo dos atendimentos são pessoas de baixa-renda econômica, que não tem como se beneficiar do trabalho de clínicas particulares. São realizadas supervisões semanais dos casos atendidos pelos alunos. É a partir da escuta dos discursos daqueles que vem buscar os serviços do NPA que fazemos as discussões sobre a condução do tratamento, relacionando a teoria psicanalítica, ao exercício desta prática. Daí nos atermos à importância do discurso enquanto possibilidade do sujeito

dizer de si, escutando o quanto de desejo pode estar engajado em suas palavras. DISCUSSÃO A partir da experiência de supervisão da clínica psicanalítica no contexto universitário algumas questões foram se apresentando, sobretudo acerca da possibilidade de preservar o estatuto teórico-prático da psicanálise na academia. A formação do analista não é acadêmica e sua prática se sustenta no não saber por parte daquele que conduz o tratamento. Freud (1919) sempre evitou vincular a transmissão da psicanálise ao aprendizado do manejo técnico e sobre o seu ensino nas universidades diz: A inclusão da psicanálise no currículo universitário seria sem dúvida olhada com satisfação por todo psicanalista. Ao mesmo tempo, é claro que o psicanalista pode prescindir completamente da universidade sem qualquer prejuízo para si mesmo. Por que o que ele necessita, em matéria de teoria, pode ser obtido na literatura especializada e, avançando ainda mais, nos encontros científicos das sociedades psicanalíticas, bem como no contato pessoal com os membros mais experimentados dessas sociedades. No que diz respeito à experiência prática, além do que adquiri com a sua própria análise pessoal, pode consegui-la ao levar a cabo os tratamentos, uma vez que consiga supervisão e orientação de psicanalistas reconhecidos (p.217). Mas como se dá a supervisão da clínica psicanalítica na universidade? Mais especificamente na UFMA? Nossa reflexão sobre esse assunto se deu ao longo dos quatro anos de supervisão de estágio. Falaremos de alguns impasses aqui a partir deste lugar que não considero fácil, nem livre de angústia, o de supervisora, porém de onde as questões têm diferentes encaminhamentos em relação ao estagiário, aí estando enquanto aprendiz, aquele que espera um saber de um Outro de maior percurso aqui com maiúscula por tratar-se de um lugar, portanto, refere-se ao campo do simbólico de alguém que supostamente tenha esse saber, de onde o aluno possa se dar conta do que em seu fazer se constituiu como um ato analítico. Algumas indagações decorrem dessa situação. O que o supervisor deve pontuar na escuta do estagiário? Nesse contexto, o que estagiário espera passar ao supervisor, os significantes do seu paciente ou os seus? O que espera receber do supervisor? Seria um saber que o ensine a se desvencilhar de certas situações e conduzir bem o tratamento? Seria um saber fazer? Diante de tantas indagações posso a princípio dizer que a escuta é sempre a de significantes, nesse caso, o que importa é a escuta da escuta do estagiário, que se estiver embaraçado com os significantes do seu paciente dará testemunho disso na supervisão. Parece que aqui se está saindo de um campo meramente burocrático e acadêmico de cumprimento de um estágio curricular para um campo onde o que está sendo posto em causa não é apenas o conhecimento teórico e domínio da técnica e sim a própria análise do aluno, que através da supervisão pode se deparar com a insuficiência advinda de sua própria análise. Não estamos dizendo com isso que o conhecimento teórico acumulado ao longo de uma trajetória de estudos não conte e não seja importante, mas não garante que você não fique embaralhado na condução de um tratamento, pois é de

um outro saber que se trata. Fiquemos com as palavras de Martins (1995). Ao dirigir-se a um supervisor, é de um não-saber que vamos dar testemunho. Quer seja da própria análise, ou daqueles que conduzimos. O que se constrói nesse buraco pode ser um saber-fazer, mas, pode ser um fazer saber que não se sabe; furo que refaz para cada um de nós a psicanálise (p. 82). Quanto à análise recomendamos aos nossos estagiários um submetimento a um trabalho pessoal, é um contrato estabelecido sustentado na ética relacionada à prática analítica, embora não haja nenhum dispositivo acadêmico que regule esse contrato. É fato que aí encontramos mais alguns impasses: a academia não é lugar de formação de analistas, por esse motivo justamente, que nossos questionamentos recaem em como transmitirmos a prática analítica no contexto universitário. Ficamos em muitas situações divididos quanto ao manejo e à condução da clínica por parte dos alunos. A partir da nossa experiência, estamos encaminhando nosso trabalho no sentido de entendermos se tratar da formação de psicólogos, o que certamente relativiza nossa prática analítica. Por outra via, apontamos a particularidade do saber analítico, conduzindo a supervisão apoiada em uma escuta que prioriza os significantes do sujeito, este é convocado a falar de si a partir da associação livre, regido pela transferência. Como Lacan (1958) nos diz o fenômeno da transferência é o sustentáculo da ação da fala, e se a fala se mantém é porque há tansferência. É a partir de sua instalação que o paciente passa a dirigir seu sofrimento a um Outro; um sujeito suposto saber. Todo trabalho do estagiário do NPA é apoiado na transferência. Conceito este crucial na psicanálise, pois, trata-se da repetição, na atualidade, de modelos de relações infantis (LAPLANCHE, 1992). Na condução do tratamento, essa repetição é trabalhada a partir de um lugar outro, que não responda às demandas do sujeito, que não responda do lugar que o sujeito convoca o analista. A este cabe acolher e sustentar a demanda no sentido de tornar possível que reapareçam os significantes que a ela se fixaram assim há possibilidade de seu endereçamento a alguém que supostamente saiba do que o sujeito sofre. É nesse sentido que ele retorna para ser escutado, mal sabendo que apenas transfere a um Outro o saber que está nele mesmo. Apesar de não se tratar no NPA de um trabalho propriamente analítico, como já havíamos dito, pois é um curso universitário, conservamos a transferência enquanto dispositivo clínico-conceitual que utilizamos, e a consideramos essencial a uma prática que tome como referencial a psicanálise. Por essa via, é que nos deparamos com a problemática ética que rege nosso trabalho e nos interrogamos sobre o que deve sustentar a escuta que ali é feita. As éticas estão sempre organizadas pela busca do bem do sujeito e que bastaria colocá-lo dentro de certa normalidade para que ele esteja bem. Partem da idéia de que possível saber o que será bom para o outro e trabalham nesse sentido. Na psicanálise não se parte desses pressupostos; tanto não se sabe o que é bom para o outro quanto não se deseja nem o bem nem o mal do sujeito, o trabalho não vai nessa direção, que se assim fosse apenas repetiria o que já estaria ali posto na economia psíquica do

sujeito. Como Lacan (1958) nos diz:...o analista que quer o bem do sujeito repete aquilo em que ele foi formado, e até, ocasionalmente deformado. A mais aberrante educação nunca teve outro motivo senão o bem do sujeito (p.625). Mas como conduzir nosso trabalho no NPA sem cairmos na tentação de sermos considerados bonzinhos, muito queridos e tentados a fazer o bem? Como não nos preocuparmos em produzir manifestações imediatas de melhora do sofrimento do paciente, tendo em vista que é isso que ele demanda quando nos procura? Freud (1912) já nos advertia quanto aos perigos de um excesso de empenho para curar o paciente, isso que considerava ser movido por um orgulho terapêutico de ter feito o bem para o outro. Então, como ficamos em relação ao nosso trabalho na universidade, lugar destinado ao saber-fazer, ao conhecimento e domínio de técnicas? Como orientarmos uma prática que parte e se sustenta no não-saber por parte daquele que conduz o tratamento? Como transmitirmos aos alunos que, no caso da clínica psicanalítica, não se trata do ensino de uma técnica e sim de uma maneira de escuta? Uma escuta que suporta seus próprios silêncios, com pontuações muitas vezes enigmáticas que colocam o paciente para trabalhar, ao menos no sentido de questionar as certezas que seu pensamento construiu o que promove enquanto efeito a implicação do sujeito no seu sintoma. Acreditamos que com esse trabalho estamos buscando, senão respostas, já que optamos muito mais pela forma interrogativa, mas pelo menos encaminhamentos para essas questões, talvez o que estejamos de fato fazendo é uma convocação, convocação de trabalho. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FREUD, S. (1919) Sobre o ensino da psicanálise nas universidades. In: FREUD, S. Obras Completas Edição Standard, vol. XVII, Rio de Janeiro: Imago, 1977, p.217-223. (1912) Recomendações aos médicos que exercem psicanálise. In: FREUD, S. Obras Completas Edição Standard, vol. XII, Rio de Janeiro: Imago, 1977, p.149-160. LACAN, J. (1958) A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In LACAN. J. Escritos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar ed., 1998, p. 585-652. LAPLANCHE, J. Vocabulário de Psicanálise. São Paulo, Martins Fontes, 1992, p.80-82. MARTINS, A. A supervisão em psicanálise. Coletânea: 10 anos de psicanálise no Maranhão: textos dos membros da Escola de Psicanálise do Maranhão. São Luis, p. 76-82, 1995.