EFEITOS TERAPÊUTICOS RÁPIDOS NA ANGÚSTIA: a clínica com crianças (Palavras-chave: psicanálise; angústia; clínica com crianças; efeitos terapêuticos rápidos) Maria Cristina Maia de Oliveira Fernandes Diante da questão-tema do XV Encontro Brasileiro do Campo Freudiano, trago um fragmento de caso clínico para pensarmos as intervenções a serem feitas na angústia na clínica com crianças, aliada a possíveis efeitos terapêuticos rápidos. Parece-me importante sublinhar que efeito terapêutico rápido é absolutamente distinto de uma psicoterapia breve. Esta teria por objetivo, a extirpação do sintoma que ameaça o bem estar do sujeito, em oposição a um efeito terapêutico que atua no gozo que comporta o sintoma, relançando o sujeito angustiado, a uma outra posição diante do Outro, operando retificações, a partir da relação transferencial e da interpretação. O que nos interessa aqui é relevar os efeitos terapêuticos do encontro dessa criança com um analista após a emergência da angústia diante do real. A mãe de Sarah, uma menina de 10 anos, me procura muito preocupada para falar de sua filha. Vivem as duas, outro filho de 7 anos e uma irmã da mãe em um minúsculo apartamento de um prédio antigo da cidade, comercial em sua quase totalidade, sem área externa para circulação. As crianças estudam pela manhã e passam as tardes sozinhas no apartamento, trancados. A mãe e a tia trabalham e só estão com eles à noite e nos finais de semana. Em uma dessas tardes, Sarah escuta um barulho estrondoso que vinha da janela do único quarto. Ao abri-la para certificar-se do que ocorrera, depara-se com o corpo de um homem que havia acabado de se jogar. A imagem que lhe ficou, foi a do rosto que olhava para ela. A partir desse episódio, não parava de chorar, não queria mais ir à escola, não dormia, não ficava sozinha em momento algum, tinha medo de tudo. Ficou paralisada, limitada em seus recursos simbólicos para se haver com o acontecimento. Sugeri receber Sarah o mais rápido possível para escutá-la e operar uma intervenção na angústia desencadeada. Chega ao consultório uma menina franzina, desconfiada, mas sem dificuldades para me contar o que ocorrera. Fala rápido, treme e relata que não sabe o que lhe aconteceu. Vê todo o tempo, a imagem cristalizada daquele rosto morto, de olhos abertos, como se quisesse me dizer algo, ela diz. Pergunto-lhe o que ela imagina que ele
poderia lhe dizer. Talvez pedir socorro, sei lá! Acho que ele vai aparecer de novo a qualquer momento. Temos, assim, a cena e o sintoma. Para Freud, o unheimlich diz daquilo que nos é familiar, mas que, ao mesmo tempo, pode tornar-se estranho e muito assustador. Quer dizer, o exterior é também interior. Ele reconheceu no conto de Hoffman, O Homem de Areia, um dos mais terríveis medos entre as crianças: ficar cego por ter os olhos roubados. Uma ameaça à imagem, uma falta. É o estranho que confere ao sujeito, a sensação de desamparo, diante do inexplicável. A verdadeira dimensão clínica da angústia seria, pois, o que Freud chamou de inquietante familiaridade que reside no coração do ser de cada sujeito. Mas Freud também relacionou o estranho e o feminino, que seria o mais familiar por estar relacionado à origem do sujeito, seu nascimento, mas também à morte e propôs duas soluções para pensar que o estranho tem a ver com o real que ultrapassa as barreiras do interno/externo, provocando angústia: a volta dos mortos como espíritos e a morte como fantasma de retorno ao seio materno. Em seu Seminário X, Lacan nomeou o unheimlich de Freud como a dobradiça indispensável para abordar a questão da angústia 1. Aí, ele desenvolve a teoria do objeto a. Quer dizer, onde Freud traz o estranho como algo que deveria permanecer oculto, mas veio à luz, Lacan sugere o objeto a como o que provoca a angústia, quando de sua proximidade, quando a falta falta..diante da estranheza do olhar do morto/ vivo, Sarah se confronta com o enigmático do desejo do Outro, à pergunta sobre o que ela representa para o Outro. O encontro com o real que se lhe impôs de forma abrupta, lhe precipitou em um desamparo proveniente de um exterior que lhe era íntimo. Lacan se questiona sobre o momento em que o sujeito se vê afetado pela angústia e responde que é quando ele se vê afetado pelo desejo do Outro: d (A). Se vê afetado de maneira imediata, não dialetizável e, por isso, ela não engana. Sarah fez um desenho onde dá uma interpretação do pai: trata-se do desenho de uma família. Ela começa tentando desenhar o pai e não consegue, apaga inúmeras vezes. Pergunto-lhe se está difícil fazer o pai, ela diz que queria desenhar um topete nele, mas que ele vai ficar assim mesmo: sem topete. 1 Lacan, J. O Seminário, Livro X, A angústia. Tradução do Centro de Estudos Freudianos, aula de 28 de novembro de 1962.
Um corpo que cai diante de si, sem possibilidade de mediação simbólica, traz para essa menina, o real de um pai que cai no desejo da mãe e, enquanto função, deixa muito a desejar, largando-a a mercê de um desejo materno avassalador, o que se traduziu em uma angústia insuportável. Pierre Naveau, em seu texto O gozo do pai e o desejo da mãe, diz que uma vez que o sujeito se torna o olhar, ela se torna um objeto, ele sucumbe ao objeto. Em analogia ao caso por ele relatado, podemos dizer que foi nesse momento que, sem saber, a criança sentiu a ameaça de tornar-se objeto de gozo do Outro: a criança é o olhar, diz ele. No desenho (na última página), Sarah está à frente da família, com os braços abertos, armada para protegê-los, talvez numa tentativa de sustentar a existência dessa família desfalcada. Na ordem, estão ela, o pai, o irmão e a mãe atrás. Mostro que ela a filha - está bem maior que a mãe. Ela ri e diz que ela pode ser a mãe e a mãe pode ser ela, tanto faz. A analista diz que não, que ela é uma, a mãe é outra, mas que parece que ela não sabe disso. A angústia irrompe e assinala o ponto em que o pai sem topete, fraco, não pode defendê-la como no desenho, onde ela toma a frente da família e tem que fazê-lo com seu corpo frágil de criança - mostra sua impotência em separá-la do desejo da mãe, em dar garantias que ela não está ali para saturar a sua falta. Na história de Sarah, há um pai que desapareceu de repente quando ela tinha 3 anos ( sabe aquela história foi comprar cigarro e não voltou mais?... pois, foi assim, relata a mãe). Durante esses 7 anos de ausência, ele tentou contato e marcou encontro duas vezes; encontros frustrados pois ele não apareceu. Depois da separação, a mãe teve um namorado que nunca levou em casa, e desde que acabou esse relacionamento, não teve mais ninguém, só vive para os filhos e para o trabalho, segundo ela. As referências paternas que tem Sarah, são de um homem covarde, fraco, que não teve condições de assumir uma família. As notícias que têm dele através da avó materna, é que constituiu outra família, a quem também abandonou e hoje vive sozinho. Não dá pensão aos filhos nem se interessa por saber deles, sequer telefona. No entanto, poder construir um pai, ainda que sem topete, parece ter possibilitado a Sarah, lidar com esse real sem lei, atravessar esse encontro fortuito com o louva-a-deus gigante ao qual Lacan se refere em seu seminário.
Cinco entrevistas após o primeiro encontro, a mãe telefona à analista e comunica que Sarah não mais retornará ao consultório porque não precisa mais : está bem, passaram os medos, está dormindo bem, voltou ao normal, segundo ela. Além disso, tirar dinheiro do orçamento familiar para custear a análise de Sarah, tem sido um sacrifício desmesurado para todos. Para escrever esse caso, tive a curiosidade de me certificar se o efeito terapêutico havia sido definitivo (por contato telefônico) e qual não foi minha surpresa ao escutar da mãe que há males que vêm para bem, pois Sarah estava muito mudada: tranqüila, mais madura, mais interessada nas tarefas da escola, até mais feliz, eu diria. Por ser muito religiosa, atribuía as mudanças de Sarah ao que Deus lhe colocara no meio do caminho, à prova pela qual ela havia passado, num absoluto não querer saber que o encontro com um analista, causa efeitos terapêuticos inclusive, rápidos na vida de um sujeito e que o deus-pai enquanto função, enquanto metáfora, também opera milagres. BIBLIOGRAFIA Barros, Maria do Rosário do Rêgo. Sintomatizar a angústia, desangustiar o medo? (Texto sem referência bibliográfica, enviado por e-mail para mim) Freud, S. O Estranho. Em Obras Completas, vol. XVII. Rio de Janeiro: Imago, 1976. Lacan, J. O Seminário, Livro X, A angústia. Tradução do Centro de Estudos Freudianos, aula de 28 de novembro de 1962. Lacan, J. De los nombres del padre 1ª ed. Buenos Aires: Paidós, 2005. Miller, Jacuqes-Alain y otros. Efectos terapéuticos rápidos. Conversaciones con Jacques-Alain Miller en Barcelona - 1ª ed. Buenos Aires: Paidós, 2005, 152 p. Naveau, Pierre. O gozo do pai e o desejo da mãe. Em Curinga 15/16, Belo Horizonte: EBP-MG, 2001 - Semestral Vieira, Marcus André. A inquietante estranheza: do fenômeno à estrutura. Em Latusa 4/5, Revista da EBP Seção Rio, Rio de Janeiro, abril/2000