Controle populacional de Microcystis panniformis. (Cyanobacteria) através de radiação ionizante



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Transcrição:

Controle populacional de Microcystis panniformis (Cyanobacteria) através de radiação ionizante Erika Cavalcante-Silva a*, Maria do Carmo Bittencourt-Oliveira b, João Dias de Toledo Arruda-Neto a,c a - Instituto de Física, Universidade de São Paulo (USP), Rua do Matão, Travessa R, 187, São Paulo-Brasil. erika.cavalcante@gmail.com b - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ), Rua Pádua Dias, 11, São Paulo-Brasil c- Faculdade de Engenharia São Paulo (FESP), São Paulo-Brasil * Autor de correspondencia: Tel. + 55 11 34294128 erika.cavalcante@gmail.com PALAVRAS CHAVE: radiação gama; radiossensibilidade; cianobactéria. ABSTRACT Microcystis panniformis Komárek et al. (Cynobacteria) is common specie in tropical aquatic environment systems, which are often related with blooms and toxins production. The use of ionizing radiation is considered a promising process for population control in water reservoirs for public supply.the gamma radiation is a very penetrating one, giving thus rise to deleterious effects, particularly when absorbed by molecules playing an important role in many cell metabolical processes like e.g. enzymes and the DNA. This 1

work aimed at the radiosensitivity investigation of the axenic strain Microcystis panniformis when submitted to gamma radiation doses of 4, 5 and 6 kgy, by means of its survival curves. In this sense, Microcystis panniformis samples from cultivation in tubes were irradiated throughout. Survival curves, and growth curves of the control samples, were obtained by cell counting with a conventional optical microscope. The counting were performed in samples after elapsed times of 24 h (first day), 48 h (second day) and120 h (Fifh day), since the end of the irradiations. The survival curves were analyzed after subtracting from each point an estimate of the number of cells which aroused by reproduction after the observation times. In the case of cell populations irradiated with 4 kgy the following daily cell death rates were obtained: 9.92%, 20.27% and 76.40%, for the 1 st, 2 nd e 5 th observation days, respectively. It was observed in samples irradiated with 5 kgy a decrease in the cell population size between the 1 st and the 2 nd days of 22.3% to 67%, respectively. For irradiations with 6 kgy, on the other hand, cell death was considerably higher, namely, 88.14% of the initial population in the 1 st day, while in the 2 nd day nearly the whole population have died (99.94%), and in the 5 th day not a single cell was counted. All these results undoubtedly demonstrate that Microcystis panniformis is a very radioresistant microorganism, nearly ranking with Deinoccocus radiodurans which requires from 8 to 10 kgy to completely deplete its population (mentioned in the Guinness Book of Records as the most resistant living organism in the planet). It is now quite understandable why populations of Microcystis panniformis require such high doses, since doses as high as 4 and 5 kgy were not sufficient to kill more than 80% of the initial population after 24 hours. 2

RESUMO Microcystis panniformis Komárek et al. (Cyanobacteria) é uma espécie comum em ecossistemas aquáticos tropicais que freqüentemente está relacionada às florações e produção de toxinas. O uso de radiação ionizante é visto como um processo promissor no seu controle populacional em mananciais utilizados para abastecimento de água. A radiação gama é muito penetrante, produzindo efeitos deletérios quando absorvida por moléculas que são importantes nos diversos metabolismos das células. Entre essas estão as enzimas e o DNA. O objetivo deste trabalho foi o de investigar o comportamento da curva de sobrevivência de uma linhagem de Microcystis panniformis quando submetida a doses de 4, 5 e 6 kgy de radiação gama. O experimento consistiu das irradiações de M. panniformis cultivada em tubos de ensaios. As curvas de crescimento (do controle) e de sobrevivência foram obtidas por contagem de células via microscopia óptica convencional. Nesses casos as contagens foram realizadas nos tempos de 24 h (1 o dia), 48 h (2 o dia) e 120 h (5 o dia), cronometrados a partir do final das irradiações. As curvas de sobrevivência foram analisadas subtraindo-se das contagens uma estimativa do número de células que teriam sido geradas no transcorrer dos tempos de observação. No caso da população irradiada com 4 kgy obtivemos para o 1 o, 2 o e 5 o dias as seguintes taxas diárias de morte celular: 9,92%, 20,27% e 76,40%, respectivamente. Os cultivos irradiados com 5 kgy tiveram uma queda no número de células de 22,3% e 67% para o 1 o, 2 o dia, respectivamente. Para a população irradiada com 6 kgy as taxas diárias de morte celular foram muito maiores por exemplo, no 1 o dia morreu cerca de 88,14% da população inicial, enquanto que no 2 o dia a população estava reduzida a menos de 99,94% da inicial. No 5 o dia, já não havia mais células. Esses resultados mostram que a Microcystis panniformis é uma cianobactéria radioresistente. O controle populacional de M. panniformis requer altas doses de radiação ionizante, uma vez 3

que doses consideradas altas como 4 e 5 kgy não foram suficientes para matar mais de 80% da população em 24 h. INTRODUÇÃO Durante a Era Proterozóica o fluxo de radiação ultravioleta na superfície da Terra foi provavelmente alto e de diferente composição espectral. A razão foi a ausência da camada de ozônio durante o Arqueano e provavelmente durante a maior parte do proterozóico (Rothschild, 1999). A alta exposição dos organismos fotoautotróficos à radiação ultravioleta e à luz visível deu origem a uma seleção de cianobactérias que desenvolveram um excelente mecanismo de reparo para os danos causados pela radiação ultravioleta no DNA (Sinha, 2008). Segundo Rothschild (1999), um papel importante da radiação ultravioleta na evolução foi a indução de efeitos mutagênicos. Há uma diferença entre danos no DNA e mutação. Danos no DNA refere-se por exemplo a quebras nos cromossomo, produção de fotoprodutos, etc., levando a um conformação não natural dessa molécula. Mutação refere-se a mudanças nas seqüências do DNA, incluindo rearranjos, substituições e deleções de bases. Em outras palavras, mutação é hereditário, enquanto que danos no DNA não. Estudos têm mostrado que algumas cianobactérias são bastante resistentes a altas e baixas doses de radiação gama (Kraus, 1969; Asato, 1971; Billi, 2000; Hereman et al., 2007; arruda et al., 2009). Radiação gama é uma radiação eletromagnética como os raios-x ou luz natural, mas com freqüência e energia bem mais elevada. Trata-se, portanto de uma radiação bastante penetrante, com inúmeras aplicações em diferentes segmentos que demandam Ciência e Tecnologia (Farooq et al., 1993; Thompson and Blatchley, 2000; Sommer et al., 2001; Imamura et al. 2002). A radiação ionizante causa danos diretos e 4

indiretos na molécula de DNA. Os efeitos diretos ocorrem quando o DNA é ionizado pela incidência da radiação, enquanto que nos efeitos indiretos o DNA é ionizado por radicais livres produzidos pela radiólise da água no citosol (Jones et al., 1994; Agarwal, 2008). O organismo escolhido para este estudo foi Microcystis panniformis Komárek et al. (Cyanobacteria, Chroococcales) que é geralmente encontrada na superfície de corpos de água eutrofizados. Por tratar-se de um organismo gram-negativo, fotoautotrófico e procarioto constitui excelente objeto de estudo para radioresistência. O objetivo deste trabalho é investigar a radioresistência de uma linhagem de Microcystis panniformis quando submetida a altas doses de radiação gama, pela observação do comportamento da curva de sobrevivência. MATERIAIS E MÉTODOS Foi coletada uma amostra de água do reservatório de Barra Bonita, situado no estado de São Paulo (22 o 32' 34,5" S, 48 o 29' 26,4 W), que possui florações de Microcystis panniformis. A coleta foi feita através de um arrasto horizontal na camada sub-superficial do reservatório, utilizando-se uma rede de plâncton de 25 µm de abertura de malha. Uma colônia de M. panniformis foi isolada em tubos de 10 ml contendo o meio BG-11 (Rippka et al., 1979), modificado por Bittencourt-Oliveira (Bittencourt-Oliveira, 2000), e utilizando técnicas de micromanipulação com um microscópio (Nikon E200, Melville, NY, USA). A linhagem clonal, não axênica e tóxica de Microcystis panniformis Komárek et al. BCCUSP100 pertence a Brazilian Cyanobacteria Collection- University of São Paulo (BCCUSP100). A linhagem cresceu em meio BG-11, sob condições controladas de cultivo em uma câmara climática com: (22 ± 1) o C de temperatura, fotoperíodo 14:10 claro:escuro e 5

intensidade luminosa de (30± 1,0) µmol.photons.m -2.s -1 (fotômetro LI-COR, mod. LI-250, com sensor esférico subaquático). O inóculo foi cultivado em erlenmeyers e ao atingir a fase exponencial de crescimento, 40 ml foram deslocados para tubos de ensaios um dia antes de cada tratamento. Após a transferência de recipientes, os cultivos foram submetidos, em triplicata, aos seguintes tratamentos: a) irradiação com dose de 4 kgy; b) irradiação com dose de 5 kgy; e c) irradiação com dose de 6 kgy. Todas as irradiações foram realizadas na fonte de Cobalto ( 60 Co) modelo Gamma-cell 220, MDS Nordion, Otawa, Canadá. Amostras foram coletadas periodicamente nos tempos 0 (equivale a coleta de amostra 1 hora antes do tratamento), 1º, 2º e 5º dia. Foram preservadas em solução de lugol acético 4%. A densidade celular utilizada nas curvas de crescimento e sobrevivência foi estimada a partir de contagens em hemocitômetro Fuchs Rosenthal com auxílio de um microscópio binocular Olympus. Esses resultados foram expressos como número de células por ml. Foi estabelecido um número mínimo de 400 células contadas de forma a se obter um erro de aproximadamente 10% para um nível de confiança de 95% (Guillard, 1973). RESULTADOS Todos os resultados referentes a número de células por ml foram normalizados (N C ), isto é, foram divididos pelos valores obtidos em t = 0, dia em que se coletaram as amostras sem a aplicação dos tratamentos (irradiações). Desta forma, os gráficos apresentam para t = 0 o valor N C = 1. Na Figura 1 apresentamos uma curva de crescimento típica de M. panniformis em ausência de estresses, ou seja, dose zero (D=0) e temperatura de 22 o C (T = 22 o C). 6

1,5 1,4 1,3 N C 1,2 1,1 1,0 0,9 0 1 2 3 4 5 t(d) Figura 1 - Curva de crescimento típica de M.panniformis na ausência de estres (D=0). As curvas de crescimento obtidas sob a ação de um ou mais estresses foram denominadas curvas de sobrevivência. Os resultados estão nas Figuras 2 e 3, observandose que o tempo t = 0 (medido em dias) corresponde ao instante em que a amostra foi transferida para os tubos de ensaio, sendo que neste momento não houve exposição à radiação gama. Os tratamentos foram aplicados um dia após a transferência e as contagens de células foram realizadas nos dias subseqüentes (t = 1, 2 e 5). Foram realizados 3 tipos de tratamentos, sendo adotada a seguinte nomenclatura para os tubos: A Cultivos irradiados com 4 kgy; B Cultivos irradiados com 5 kgy; C Cultivos irradiados com 6 kgy. 7

A escolha das doses iguais ou superiores a 4 kgy deveu-se ao fato de que já existiam resultados obtidos com 3 kgy com esta mesma linhagem de Microcystis panniformis, BCCUSP100. Observou-se também que para doses inferiores a 3 kgy o número de mortes celulares não é significativo (Arruda-Neto et al., 2009). A Tabela 1 exibe o número de sobreviventes dos 3 experimentos realizados neste ensaio. Tratamento Dia 1 Dia 2 Dia 5 Irradiação 4 kgy 5636666 4988889 1476667 Irradiação 5 kgy 6600000 2800000 ------- Irradiação 6 kgy 1017222 0,005052 0,000156 Controle 6723889 7400833 8329444 Tabela 1 Número de células por ml dos experimentos com 4, 5 y 6 kgy. A Figura 2 mostra o comportamento dos cultivos após três tipos de tratamentos com radiação gama. Vinte quatro horas (t=1) após a aplicação do tratamento A ocorreram cerca de 10% de mortes, enquanto nos tratamentos B e C esta quantidade foi superior, 22.9% e 88.1%, respectivamente. Este número aumentou 48 h após a aplicação do tratamento (t=2), ocorrendo 20.3%, 67.3% e 99.9% de mortes para as doses de 4 kgy, 5 kgy e 6 kgy, respectivamente. A quantidade de mortes aumentou com o passar do tempo. No 5º dia o tratamento com 4 kgy apresentou um índice de morte de 76.40%, chegando a 99.81% no 15ºdia (dado não informado). Já no 5 o do tratamento com 6 kgy o número de mortes foi de 99.99%, e no 15º dia não havia evidências de células vivas. Os cultivos relativos ao experimento com 5 kgy continuaram a exibir mortes celulares após o 2º dia. 8

N C 1,1 1,0 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0,0-0,1 4 kgy 5 kgy 6 kgy 0 1 2 3 4 5 t (d) Figura 2 Curva de sobrevivência média dos grupos irradiados com doses de 4 kgy, 5 kgy e 6 kgy. 1,0 Fração de sobrevivência 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0 24h 48h 4,0 4,5 5,0 5,5 6,0 Dose (KGy) Figura 3 - Curva de sobrevivência à radiação com gama com doses 4, 5 e 6 kgy. 9

DISCUSSÃO A Microcystis panniformis apresenta uma alta radioresistência em comparação a outras bactérias e cianobactérias. De fato, Kraus (1969) observou resistência à radiação de algumas espécies de bactérias e cianobactérias, propondo a definição de três categorias quanto à LD 90 : Sensíveis, Moderadamente Resistentes e Altamente Resistentes. Na categoria Sensíveis, que são as espécies que morreram com doses menores ou iguais a 4 kgy, encontra-se a Microcystis aeruginosa. Este resultado contrasta com o resultado obtido neste trabalho com a Microcystis panniformis, pois o número de mortes atingindo a LD 90 foi obtido a partir da dose de 6 kgy, 24 horas após a aplicação da radiação gama. Segundo a classificação de Kraus (1969) a cianobactéria aqui estudada está inserida na categoria Moderadamente Resistente, onde a LD 90 varia entre 4 kgy a 12 kgy. O ombro de reparo observado na Figura 3, referente à 24 h após tratamento com 4 kgy, indica que essa cianobactéria possui um mecanismo de reparo eficaz. Os eficientes mecanismos de reparo das cianobactérias são esperados, visto que seus antecessores evoluíram numa atmosfera de radiação-uv irrestrita pela ausência de camada de ozônio durante a Era Pré- Cambriana (Asato, 1972). O aumento de mortes celulares 48 h após a aplicação da radiação gama nos 3 cultivos nos leva a acreditar que a difusão passiva dos radicais livres, devido à hidrólise da água ocasionada pela radiação (Alpen, 1991), poderia ser um dos grandes responsáveis pela ocorrência de mais danos celulares e, conseqüentemente, a continuidade de mortes depois dos tratamentos. Doses utilizadas para matar cianobactérias são consideradas altas quando comparadas com outros organismos procariotos. Por exemplo, em uma determinada linhagem de E. coli, 10

a dose necessária para obter inativação desta bactéria é de 80 Gy, quando se tratar de células vegetativas, e de 250 Gy quando forem células esporuladas (Taghipuor, 2004). Estas doses foram testadas anteriormente (Cavalcante-Silva, 2006) na nossa linhagem de Microcystis panniformis e não apresentou interferência na curva de crescimento desta cianobactéria. Em conclusão, estas doses são consideradas baixas para matar o microrganismo aqui estudado. Porém, outro estudo mostrou que a bactéria Gram-positiva Deinococcus radiodurans resiste extraordinariamente a altas doses de irradiação ionizante, 17 kgy, sem sofrer qualquer tipo de mutação (Daly, 1994). CONCLUSÕES 1- A Microcystis panniformis é uma cianobactéria radioresistente. Mais especificamente, esse microrganismo resiste bem e com rápida recuperação a doses de até 4 kgy. 2- Essa alta resistência à radiação ionizante sugere que mecanismos de proteção contra danos causados pela radiação foram desenvolvidos devido a ausência de proteção pela camada de ozônio durante a Era Pré-Cambriana. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Agarwal R, Rane SS, Sainis JK. 2008. Effects of 60 Co γ Radiation on thylakoid membrane functions in Anacystis nidulan. Journal of Photochemistry and Photobiology, 91: 9-19 Alpen EL. 1991. Radiation Biophysics. Prentice-hall, New Jersey, United States Arruda-Neto JDT, Bittencourt-Oliveira MC, Friedberg EC, Cavalcante-Silva E, Schenberg ACG, Oliveira MCC, Hereman TC, Mesa J, Rodrigues TE, Shtejer K, Garcia F, Louvison M, Paula, CR, Garcia C. 2009.Static electric fields interfere in the viability of cells exposed to ionizing radiation. International Journal of Radiation Biology, 85: 314 321 Asato Y. 1971. Photorecovery of gamma irradiated cultures of blue-green alga, Anacystis nidulans. Radiation Botany 11: 313-316 11

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