O Quinas vai às compras Esperas aqui, Quinas. Lindo menino disse a Bé, afagando a cabeça do cão, que a olhava com uns olhos brilhantes e esperançados. Havia cheirinhos tentadores por ali, e ele estava com apetite. Aliás, ele estava sempre com apetite, e o delicioso aroma a pão quente que lhe chegava através da porta do supermercado estava a dar-lhe a volta à cabeça. A Bé seguiu atrás da mãe, olhando-o por cima do ombro. Não vamos demorar muito disse para o cão, esperando que ele ficasse tranquilo. 5
Ele não estava habituado a ser deixado sozinho, mas a mãe quis passar na loja quando voltavam do passeio no parque. Talvez seja melhor eu ficar com ele disse a Bé, ansiosa. A mãe sorriu. Ele fica bem, Bé. É só uma voltinha rápida, e eu preciso que venhas comigo. Têm ali, em exposição, uns adoráveis bolos de aniversário e pensei que tu pudesses escolher um, para que o encomendássemos com antecedência para o teu dia de anos. Animada, a Bé aceitou. Voltamos já, Quinas! O pequeno cão ficou a olhar para a dona e soltou um ligeiro ganido. Onde é que ela ia? Puxou a trela, tentando segui-la, mas a Bé tinha-o amarrado a uma argola de metal presa na parede. A Bé e a mãe entraram na loja, e dirigiram-se para os bolos que estavam lá ao fundo. 6
Oh! Olha-me para isto! disse a Bé, admirando os bolos expostos, apontando para um com uma sereia no topo e com a cauda a rodeá-lo. E há ali um, lindo, com um cão, mas é um dálmata. Achas que fariam um bolo com um jack russell parecido com o Quinas?
A mãe pareceu duvidar. Não sei, mas podemos perguntar. Um bolo de chocolate, com uma cobertura castanha e branca acrescentou a Bé, esperançada. Subitamente, a mãe franziu o sobrolho. Mas o que é que está a acontecer ali? Dois assistentes da loja, seguidos por um segurança que falava pelo walkie-talkie, passaram a correr para o final do corredor. Curiosa, a Bé virou-se, tentando ver para onde se dirigiam. Não, aparentemente ele não é muito feroz, mas nunca se sabe dizia o guarda através do walkie-talkie. Horrorizada, a Bé olhou para a mãe, com os olhos arregalados. Tinha um terrível pressentimento de que sabia quem era aquele «ele». Tu prendeste bem o Quinas, não foi, Bé? perguntou a mãe. 9
Sim, claro! disse a pequena rapidamente. Mas tu bem sabes como ele é acrescentou. A mãe anuiu sombriamente. Sabia, e bem. O Quinas só estava com a família há três meses, mas, mesmo em tão pouco tempo, já tinha conseguido causar uma enorme quantidade de problemas. Apesar de tudo, a Bé ainda esperava que todo aquele alarido não tivesse que ver com eles, e que o seu cãozinho estivesse sentado onde o deixara, quieto, calado e ansioso pela chegada da dona. Mas, de repente, um latido agudo ecoou na loja, e o Quinas atravessou o corredor, com a trela a arrastar-se atrás dele, e com os restos de um pacote de biscoitos, aparentemente caros, na boca. O pequeno cão largou o pacote e saltou para os braços da dona, lambuzando-lhe, deliciado, a cara toda: estava muito feliz por revê-la. 10
Temos de tirá-lo daqui, Bé murmurou a mãe, pegando no que restava do pacote. Entretanto, o segurança aproximou-se. O cão é vosso? perguntou, com cara de poucos amigos.
Desculpe! disse a Bé afogueada. Eu deixei-o amarrado lá fora, deixei mesmo, juro! Só que ele deve ter conseguido desprender a trela e veio à minha procura. É que nós ainda mal tínhamos acabado de entrar, e queríamos demorar-nos muito pouco tempo murmurou a mãe. Vamos já levá-lo para casa e é claro que vou pagar pelos biscoitos. Vejam se isto não volta a acontecer! disse o segurança severamente e, como a Bé e a mãe se apressavam a sair, acrescentou: E comprem um livro que vos ensine a dar nós! Francamente, Bé! Nunca me senti tão envergonhada disse a mãe, corada, pagando rapidamente pelos biscoitos. Acho que nunca mais conseguirei entrar aqui! O Quinas inclinou-se sobre o ombro da Bé, olhando tristemente para trás, despedindo-se daquele lugar com tantos cheiros bons. Estava 12
feliz por ter encontrado a Bé, mas não conseguia perceber porque tinham de ir-se embora assim tão de repente. A Bé e a mãe voltaram para casa o mais depressa que puderam, com o Quinas a correr a seu lado. A cara da mãe ainda estava avermelhada, do constrangimento, e a Bé pensava se o que acontecera iria fazer com que ela não tivesse um bolo de aniversário. Certamente que a mãe iria superar aquilo, não é? Agora, provavelmente, não era a melhor altura para falar da festa. Estava desejosa de ter uma festa do pijama, mas a mãe não lhe parecera muito interessada nessa ideia. Quando a Bé lhe falou no assunto, ela disse que iria pensar, e ainda não tinha decidido nem que sim nem que não. A mãe da Bé não tinha a certeza se havia espaço no pequeno quarto da filha para mais alguém, embora a Bé tivesse calculado que chegava bem para a 13
Tina, a sua melhor amiga, assim como para as suas amigas Liliana e Lídia, nem que ficassem todas apertadas no chão. Mas eu prendi-o mesmo, mamã disse a Bé, em voz baixa. A mãe olhou para ela e suspirou. Eu sei, Bé. A culpa não foi tua. Não devia ter sugerido deixá-lo sozinho à porta da loja. Ele ainda é pequeno e não entendeu o que estava a acontecer. A Bé olhou para o Quinas. O cão olhava- -a, com aqueles olhos brilhantes, e ela não conseguiu deixar de sorrir. Por vezes suspeitava que o Quinas adorava ser traquinas, mas gostava dele na mesma. 14