CUSTOS DE PRODUÇÃO DE LEITE DA FAZENDA DIAMANTE E O PREÇO DO LEITE

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Transcrição:

CUSTOS DE PRODUÇÃO DE LEITE DA FAZENDA DIAMANTE E O PREÇO DO LEITE Sebastião Teixeira Gomes 1 1. INTRODUÇÃO O abastecimento de leite no Brasil, há muito tempo, experimenta períodos de crise, causando preocupação entre produtores, consumidores e autoridades governamentais responsáveis pelo equacionamento de políticas para o setor leiteiro. O País vive atualmente um desses períodos de crise no abastecimento de leite, motivando significativas importações desse produto. Para muitos pecuaristas e estudiosos do assunto, uma das principais razões dessa situação diz respeito a deficiências na política para a pecuária leiteira ou, como afirmam outros, de modo mais contundente, à ausência de política para a pecuária leiteira, como de resto para todo o setor agrícola. Entre os componentes de política para a atividade leiteira, o preço do leite sempre assumiu posição de destaque, principalmente porque é um preço administrado pelo governo. A questão que se levanta, freqüentemente, é que o preço não condiz com os custos de produção, levando ao empobrecimento dos pecuaristas. A partir dos argumentos anteriores, esse trabalho se propõe a analisar os custos de produção de leite de uma propriedade que em muitos aspectos se assemelha à do produtor típico da Região Sudeste do Brasil. 2. CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE LEITEIRA A análise refere-se à propriedade do Sr. Boaventura Álvares Gomes, localizada no município de Ubá-MG. Para melhor entendimento dos resultados, passa-se, a seguir, a caracterizar a propriedade examinada. 1 Professor da UFV e consultor da EMBRAPA/CNPGL. Escrito em 28-12-86. 1

A fazenda Diamante possui 98 ha, dos quais 86 são utilizados em pastagens, 4 ha, em capineiras e o restante, em culturas e matas. Na área de pastagens predomina a topografia acidentada com 52 ha, vindo a seguir a baixada seca com 24 ha e a baixada úmida com 10 ha. Nas áreas acidentadas observa-se uma forte competição entre o capim "Gordura" e a grama "Batatais", sendo que, com o passar do tempo, a grama está vencendo essa disputa e invadindo parte significativa das pastagens da propriedade. Nas áreas de baixada seca, além de plantas nativas, existe ainda o capim "Jaraguá" e a "Braquiária" e nas áreas de baixada úmida, o capim-angola. A taxa de lotação média das pastagens durante todo o ano é de 0,8 UA/ha. Os 4 ha em capineira são de capim "Elefante" - variedade Cameron, com a produtividade de 45 t/ha/ano. Além de adubação orgânica à base de esterco de curral (12 carros/ha/ano), é também feita adubação química (125 kg/ha/ano) com nitrocálcio. O rebanho é formado por um reprodutor 5/8 Holandês-Zebu e as demais categorias animal possuem em torno de 1/2 sangue Holandês-Zebu, sendo 40% Holandês-Guzerá e 60% Holandês-Gir. As categorias vacas em lactação, reprodutor e bezerros mamando recebem alimentação suplementar durante todo o ano. Essa alimentação é constituída de capim- Elefante picado (20 kg/ua/dia) e farelinho de trigo (1,20 kg/ua/dia). Os minerais são distribuídos à-vontade, nos cochos, numa mistura que contém sal comum, farinha de ossos e concentrado mineral. No que se refere a cuidados sanitários, são aplicados vacinas contra aftosa, manqueira e brucelose. São combatidos sistematicamente bernes, carrapatos e vermes, além da aplicação de medicamentos nos casos de doenças dos animais. Por dificuldades de venda do leite da segunda ordenha, o produtor realiza apenas uma ordenha. À tarde, os bezerros são colocados junto as suas mães para mamar. Apenas no caso de bezerras e dos machos com potencial para se tornarem bons reprodutores é administrado o aleitamento artificial. O sistema de cobertura é controlado, ficando o reprodutor em área separada dos pastos das vacas e novilhas. A produtividade média do rebanho durante todo o ano é de 4,7 litros de leite por vaca em lactação/dia. A taxa de natalidade está em torno de 67%, com 20 vacas em lactação, num total de 30 fêmeas aptas à procriação. 2

O proprietário faz, com muita precisão, os controles de cobertura, nascimento, vacinações, produção de leite (o controle leiteiro é feito 2 vezes ao mês) e de receitas e despesas. A atividade leiteira é, com grande vantagem, a mais importante da fazenda Diamante. Em termos de área utilizada, 94% destinam-se à pecuária e, na composição da renda bruta da propriedade, 91% são provenientes dessa atividade. 3. ANÁLISE ECONÔMICA Após a caracterização da atividade leiteira, em seus aspectos zootécnicos, examinam-se agora os aspectos econômicos dessa fazenda. Antes porém é necessário fazer um esclarecimento sobre a metodologia de cálculo do custo de produção de leite. A pecuária é uma atividade de produção conjunta; isto é, produzem-se simultaneamente leite, carne e esterco. Assim, por exemplo, quando se alimenta um rebanho, obtêm-se como resultado leite, carne (bezerros nascidos, animais jovens mudando de categoria e animais ganhando peso) e esterco. Como é muito difícil, ou quase impossível, separar o destino do alimento, nos três produtos, é também muito difícil calcular o custo de produção de um litro de leite. Não é correto chamar de custo de um litro de leite o resultado da divisão do custo global pelo total da produção de leite. Alguns artifícios podem ser usados para contornar esse problema. Um desses artifícios consiste em transformar as rendas provenientes da venda de animais e de esterco em litros de leite. Isso é feito dividindo-se tais rendas pelo preço do leite. O resultado obtido é somado à produção efetiva de leite, obtendo-se uma produção artificial de leite que servirá de divisor no cálculo do custo de um litro de leite. Feitas essas considerações, examinam-se agora a renda e os custos de produção da fazenda Diamante, no período novembro/85 a outubro/86, a preços de outubro/86. A Tabela 1 mostra, de início, um resultado até certo ponto surpreendente: a renda proveniente do leite representa apenas 51% da renda total da exploração leiteira. Na explicação desse resultado, dois aspectos merecem destaque: a) O grau de sangue do rebanho está em torno de 1/2 Holandês-Zebu (1/2 HZ), o que significa facilidades nas vendas de bezerros e animais descartados para fins de produção de carne. O mesmo não aconteceria, caso o rebanho apresentasse um elevado grau de sangue Holandês; b) O preço 3

do leite apresentou nos últimos anos uma tendência mais desfavorável que a do preço da carne, fazendo com que seja melhor negócio para o pecuarista criar melhor dos bezerros. No período 1973/84, a nível de produtor da Zona da Mata-MG, o preço do leite, em valores reais, decresceu 29% ao ano, enquanto o preço do boi gordo decresceu 9% ao ano. Nesse cálculo, usou-se como deflator o índice de preços pagos pelos produtores de Minas Gerais da F.G.V.. Ainda para enfatizar a deterioração do preço do leite nos últimos anos, cita-se, como exemplo, a evolução de preços de três fatores de produção. No período 1973/84, na Zona da Mata-MG, o preço do farelo de algodão, em valores reais, cresceu à taxa de 47% ao ano, o de aluguel de pastagem, 43% ao ano e o de vaca, com produção de 5-10 litros, 4% ao ano. Nesse cálculo, usou-se como deflator o preço do leite recebido pelos produtores. Ainda em relação à composição da renda, os registros da fazenda Diamente mostram que o proprietário, atualmente, não está utilizando todo o potencial leiteiro de seu rebanho. Em épocas anteriores, esse mesmo rebanho produziu, em média, 6,5 a 7 litros de leite por vaca lactação/dia e em torno de 2.000 litros por lactação. Em outras palavras, a menor produtividade atual (4,7 L/vaca em lactação/dia) é proposital, em função dos preços relativos dos componentes da renda e dos insumos. Retornando à Tabela 1, observa-se que os gastos com mão-de-obra contratada e com concentrados representam 53% do custo operacional efetivo. Esse resultado mostra que a atenção do proprietário para reduzir custos de produção deve ficar voltada para esses componentes. A diferença entre a renda e o custo operacional efetivo foi de Cz$68.277,00 no ano. Isso equivale a 85 salários mínimos (Cz$804,00) ao ano ou 7 salários por mês. Entretanto, essa diferença não é suficiente para pagar a depreciação das benfeitorias e máquinas mais os serviços de administração do proprietário (estimados em 2 salários mínimos por mês), uma vez que a diferença entre a renda e o custo operacional total foi negativa. Esse resultados permitem três importantes conclusões: a) A exploração leiteira da fazenda Diamente é, no curto prazo, viável do ponto de vista econômico, porque a diferença entre a renda e os desembolsos diretos é positiva; b) Tudo permanecendo constante, a tendência no longo prazo é pela descapitalização da propriedade, visto que o saldo obtido não remunera a depreciação de benfeitorias e máquinas mais os serviços de 4

administração do proprietário; c) Essa situação vem se sustentando porque, além da descapitalização da propriedade, o proprietário se submete a uma remuneração muito baixa pelos seus serviços. Com algumas qualificações, essas conclusões se aplicam para a maioria das propriedades que produzem leite no Brasil. A seguir, serão examinados os dados contidos na Tabela 2. Na montagem dessa Tabela utilizou-se do artifício de transformar a renda proveniente de animais e de esterco em litros de leite. Para isso, dividiu-se Cz$82.500,00 (73.500+9.000) por Cz$2,50 (preço recebido pelo produtor por 1 litro de leite). O resultado foi de 33.000 litros, que, somados à produção efetiva de 34.375 litros, dão 67.375 litros/ano; que é a produção utilizada como divisor no cálculo do custo de 1 litro de leite. Outro ponto que também merece ser esclarecido refere-se à renda proveniente de animais. Ela foi obtida a partir da seguinte fórmula: VRF - VRI + V - C, onde: VRF = valor do rebanho no final do ano (out. 86); VRI = valor do rebanho no início do ano (nov. 85) a preços de out. 86; V = valor dos animais vendidos durante o ano a preços de out. 86; C = valor dos animais comprados durante o ano a preços de out. 86. Esse procedimento tem a vantagem de captar possíveis mudanças no inventário animal durante o ano, em termos de valores reais, isto é, descontada a inflação. O custo variável médio, que é igual ao custo variável total dividido pela produção de leite (34.375 + 33.000 = 67,375 litros), foi de Cz$1,53, enquanto a renda por litro (que é igual ao preço do leite) foi de Cz$2,50. Esse resultado indica que o produtor não tem motivos para abandonar, no curto prazo, a exploração leiteira, porque os custos variáveis estão sendo cobertos. Praticamente, o custo variável total (Tabela 2) equivale ao custo operacional efetivo (Tabela 1). Isto é, o custo variável total é igual ao custo operacional efetivo mais os juros sobre o capital de giro. O custo fixo médio, que é igual ao custo fixo total dividido pela produção de leite (34.375 + 33.000 = 67.375 litros), foi de Cz$3,19. Como pode ser observado, o custo fixo médio é 2,1 vezes maior que o custo variável médio e 1,3 vezes maior que a renda por litro. Essa significativa magnitude do custo fixo médio está relacionada a dois fatores: a) A produção de fazenda Diamante está baixa em relação ao patrimônio imobilizado na atividade leiteira e b) Ainda que o argumento anterior seja verdadeiro, não se pode deixar 5

de reconhecer que a atividade leiteira exige um grande investimento de capital para o seu funcionamento. Aliás, essa característica, aliada à baixa liquidez do capital imobilizado, é que faz com que muitos pecuaristas permaneçam na atividade, mesmo contra sua vontade. O custo total de produção de 1 litro de leite foi de Cz$4,72 contra um preço de Cz$2,50 por litro. Isto é, o custo é 1,9 vezes maior que o preço recebido. A conseqüência imediata dessa constatação é o empobrecimento contínuo e acelerado do pecuarista de leite. 4. CONCLUSÕES Conforme referência no início desse trabalho, o Sr. Boaventura Álvares Gomes, proprietário da fazenda Diamante, localizada no município de Ubá-MG, em muitos aspectos assemelha-se ao produtor de leite típico da Região Sudeste, com as devidas adaptações, em função do tamanho da propriedade. Assumindo como verdadeira tal afirmativa, as conclusões extraídas desse estudo podem servir de subsídio para a reorientação de uma nova política para o setor leiteiro nacional. Entre outras, esse trabalho permite as seguintes conclusões: 1. O gargalo maior da atividade leiteira, na atualidade, não diz respeito ao processo de geração e difusão de tecnologias, sim, à política de tabelamento de preço de leite, que remunera muito pouco os pecuaristas; 2. Muitos pecuaristas, como é o caso desse proprietário, possuem estoque de conhecimento sobre a exploração leiteira suficiente para aumentar substancialmente a produção e a produtividade do setor. Entretanto, isso não é praticado porque a evolução do preço do produto é muito menor que a dos insumos, e em razão do elevado grau de descapitalização das propriedades leiteiras. Neste caso, querer não é poder; 3. O preço recebido pelos pecuaristas é muito inferior ao custo de produção do leite. Isso vem acontecendo há bastante tempo, provocando um contínuo empobrecimento do setor. Apesar da descapitalização das propriedades leiteiras, a situação deficitária se sustenta porque os pecuaristas remuneram muito pouco seus próprios serviços. 6

4. Uma das medidas com grande potencial de reorganizar o abastecimento de leite no Brasil diz respeito a uma remuneração diferenciada por qualidade do produto. Em outras palavras, remunerar mais aos verdadeiros produtores de leite, porque atualmente não há estímulo para uma produção que seja estável durante o ano e que seja de boa qualidade. 7

Tabela 1 - Renda e custo operacional da produção de leite da fazenda Diamante no período nov/85 a out/86. Valores corrigidos para out/86. Especificação Cz$ no ano A - RENDA Proveniente do leite 85.937,00 Proveniente de animais 73.500,00 Proveniente de esterco 9.000,00 TOTAL 168.437,00 B - CUSTO OPERACIONAL Mão-de-obra contratada para manejo do rebanho 31.356,00 Concentrados - farelo de trigo 21.803,00 Forragens verdes 17.354,00 Aleitamento artifical (alguns bezerros) 5.250,00 Minerais 1.580,00 Medicamentos 7.595,00 Combustíveis 1.820,00 Impostos e taxas 3.622,00 Reparo de máquinas e benfeitorias 9.830,00 Custo operacional efetivo 100.210,00 Mão-de-obra familiar 19.296,00 Depreciação de máquinas e benfeitorias 49.278,00 CUSTO OPERACIONAL TOTAL 168.784,00 RENDA (-) CUSTO OPERACIONAL EFETIVO 68.227,00 RENDA (-) CUSTO OPERACIONAL TOTAL (-) 347,00 Fonte: Anotações do proprietário da Fazenda Diamante. 8

Tabela 2 - Renda e custo total da produção de leite da Fazenda Diamante, no período de nov./85 - out./86. Dados corrigidos para out./86 Especificação Cz$ no ano Cz$/litro A - RENDA Proveniente do leite 85.937,00 Proveniente de animais 73.500,00 Proveniente de esterco 9.000,00 TOTAL 168.437,00 2,50 B - CUSTOS VARIÁVEIS Mão-de-obra contratada para manejo do rebanho 31.356,00 0,47 Concentrados (farelo de trigo) 21.803,00 0,32 Forragens verdes 17.354,00 0,26 Aleitamento artificial (alguns bezerros) 5.250,00 0,08 Minerais 1.580,00 0,02 Medicamentos 7.595,00 0,11 Combustíveis 1.820,00 0,03 Impostos e taxas 3.622,00 0,05 Reparos de benfeitorias 5.080,00 0,08 Reparos de máquinas e equipamentos 4.750,00 0,07 Juros sobre capital de giro (6% a.a./2) 3.006,00 0,04 TOTAL 103.216,00 1,53 C - CUSTOS FIXOS Administração (mão-de-obra familiar) 19.296,00 0,29 Depreciação de benfeitorias 36.283,00 0,54 Juros sobre capital investido em benfeitorias (6% a.a.) 60.120,00 0,89 Depreciação de máquinas 12.995,00 0,19 Juros sobre capital investido em máquinas (6% a.a.) 4.998,00 0,08 Juros sobre capital investido em animais 39.720,00 0,59 Uso da terra (aluguel de pastagens) 41.062,00 0,61 TOTAL 214.474,00 3,19 CUSTO TOTAL (VARIÁVEIS + FIXOS) 317.690,00 4,72 RENDA - CUSTOS VARIÁVEIS 65.221,00 0,97 RENDA - CUSTOS FIXOS (-) 46.037,00 (-) 0,69 RENDA - CUSTO TOTAL (-) 149.253,00 (-) 2,22 Fonte: Anotações do proprietário da fazenda Diamante. 9