MONITORIZAÇÃO AMBIENTAL DE UMA UNIDADE DE INCINERAÇÃO DE RESÍDUOS

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Transcrição:

MONITORIZAÇÃO AMBIENTAL DE UMA UNIDADE DE INCINERAÇÃO DE RESÍDUOS P. Mata; M. Coutinho Instituto do Ambiente e Desenvolvimento, Campus Universitário, 3810-193 AVEIRO, telf.:351 234 400 800, fax: 351 234 382 876 RESUMO A estratégia global para a gestão de resíduos define quatro níveis hierárquicos de acções a considerar: a minimização na fonte, a reciclagem, o tratamento (térmico, físico-químico ou biológico) e o confinamento adequado e seguro dos resíduos tratados ou inertes. Enquadrada num nível médio na hierarquia preferencial de soluções, a incineração surge como um dos possíveis tratamentos a considerar na eliminação/redução de certos grupos de resíduos perigosos como, por exemplo, compostos químicos orgânicos, pesticidas e organoclorados. Esta solução de tratamento de resíduos traduz-se na necessidade de criação de unidades industriais, neste caso, de unidades de incineração, cuja implantação torna necessária a avaliação integrada dos efeitos das respectivas emissões no meio envolvente. Tradicionalmente considerada como uma área sensível ao nível da reacção das populações envolvidas, o processo de incineração surge também associado a emissões de poluentes que, pelas suas características de persistência no ambiente, causam maior preocupação no que diz respeito à respectiva durabilidade dos efeitos e escala de dispersão. A exposição a poluentes ambientais envolve uma série de estádios, tendo o seu início com a libertação do poluente na fonte e o seu transporte através do ambiente. Deste modo, a avaliação integrada dos impactes produzidos por unidades industriais deste tipo deve ter em conta, não só as características de funcionamento específicas da fonte emissora e o respectivo mecanismo de rejeição dos poluentes, como também os mecanismos naturais de transmissão existentes no sistema ambiental onde se insere e a identificação das vias de exposição humana. No presente trabalho apresentam-se os conceitos e alguns resultados associados ao programa de monitorização ambiental de uma unidade de incineração de resíduos em Portugal, que inclui, para além do estudo de um conjunto diverso de descritores ambientais, o estudo da evolução dos aspectos psicossociais e da saúde pública das populações envolvidas. INTRODUÇÃO A actual gestão de resíduos, estabelece como prioridade a prevenção na produção de resíduos, seguida da reciclagem, valorização e incineração de resíduos e considera a deposição em aterro, uma solução de último recurso. Os custos associados à deposição de resíduos em aterro são cada vez maiores devido à escassez de espaço disponível, à preocupação em relação à contaminação de águas subterrâneas e às questões relacionadas com a saúde pública e ainda devido às medidas bastante restritivas da regulamentação europeia (1999/31/EC). Este conjunto de factores, 1/12

transformam a opção da incineração bastante atraente como solução na gestão de resíduos, tendo vindo a ser encarada como solução alternativa à deposição em aterro. Neste contexto, a incineração, ou o tratamento térmico, tem vindo a ser encarada como uma das soluções ambientalmente aceitáveis para tratamento de resíduos, nomeadamente para tratamento de RSU 1. Esta solução é particularmente eficaz na destruição de resíduos orgânicos perigosos e na redução do seu volume e peso (cerca de 90% e 75%, respectivamente). Igualmente relevante é a possibilidade de, através do calor gerado na combustão de resíduos, se poder produzir energia eléctrica ou ser utilizado como combustível em processos industriais. Tendo em conta a crescente apreensão provocada pelo aumento de instalações de unidades de incineração na Europa, a UE introduziu uma nova Directiva (2000/76/EC) sobre incineração de resíduos de forma a proteger os cidadãos e o ambiente do impacte causado pelo aumento do número de unidades deste tipo. Esta Directiva, regulamenta a dos incineradores e co-incineradores de resíduos e limita os valores de emissão de substâncias específicas. Esta acção legislativa pretende proteger os diferentes meios ambientais (ar, solo, águas superficiais e subterrâneas) e minimizar os riscos para a saúde pública resultantes da incineração de resíduos, implementando e mantendo dentro de condições operacionais restritas os requisitos técnicos e os valores limite de emissão destas unidades. Aspectos Conceptuais da Monitorização Ambiental Emissão e dispersão de poluentes A exposição a poluentes ambientais envolve uma série de estádios, tendo o seu início com a libertação do poluente na fonte e o seu transporte através do ambiente. Dependendo do tipo de emissão, o percurso dos poluentes pode iniciar-se através da atmosfera, através do solo ou através da água. Os mecanismos naturais de transmissão entre os diversos sectores ambientais encarregar-se-ão, qualquer que seja a via através da qual um determinado poluente seja emitido, de fazer chegar os seus efeitos aos receptores finais. A identificação das vias de exposição a poluentes considera, em geral, quatro factores: i) a fonte de emissão e o mecanismo de rejeição dos poluentes; ii) o meio de transporte ambiental (ar, solo, água); iii) os potenciais pontos de contacto com o meio contaminado; iv) a(s) via(s) de transmissão no ponto ou pontos de exposição (por exemplo, a inalação). O processo de incineração consiste na queima de substâncias, ocorrendo numa área fechada debaixo de condições controladas. Durante a queima, a câmara de combustão do incinerador é alimentada com resíduos. À medida que os resíduos são queimados uma fracção da sua massa é transformada em gases. Estes gases, podem atingir uma temperatura tal que os compostos orgânicos existentes, podem quebrar as suas ligações separando-os nos seus constituintes elementares. Estes elementos, combinam-se com o oxigénio formando gases estáveis que, por sua vez, são libertados para a atmosfera após atravessarem sistemas de despoluição. Os gases de exaustão produzidos pelo processo de combustão são 1 RSU: Resíduos Sólidos Urbanos. 2/12

primariamente compostos por dióxido de carbono, oxigénio, azoto e vapor de água. Dependendo da composição dos resíduos, no entanto, estes gases podem também conter constituintes indesejáveis, sub-produtos do processo de combustão, como são os gases ácidos (HCl, HF, SO 2, e NO x ), dioxinas e furanos, partículas potencialmente contaminadas com metais condensados (Cd, Hg), compostos orgânicos não voláteis e produtos da combustão incompleta dos resíduos, como por exemplo, o CO. Os níveis que estes sub-produtos podem atingir são altamente dependentes do tipo de tecnologia específica de cada unidade e dependem igualmente de uma série de outros factores como a composição dos resíduos, do tipo de sistema de incineração, assim como dos parâmetros de (por ex., temperatura e velocidade dos gases de exaustão). A identificação das inter-relações globais entre os diferentes sectores ambientais e a forma como cada um poderá ser afectado pela emissão de poluentes são aspectos que condicionam a concepção de um programa de monitorização, constituindo a sua base. É na análise das vias de comunicação entre os vários sectores ambientais que se consegue obter a relação entre as emissões e os receptores, partindo da compreensão dos processos através dos quais os poluentes atravessam o ambiente. Esta análise permite, por outro lado, estimar os níveis de contaminação prévios à instalação de uma unidade industrial. Tendo como objectivo a obtenção de resultados úteis, é necessário que os programas de monitorização ambiental sejam concebidos considerando os riscos específicos associados a uma determinada unidade industrial, entendida fonte emissora, e a avaliação dos níveis de dos contaminantes, ou seja, os níveis existentes antes do funcionamento da unidade. Os potenciais de pontos de contacto com o meio contaminado e as vias de transmissão deverão ser identificados e caracterizados tão exaustivamente quanto possível, assim como a população envolvida. Isto leva à necessidade de serem colocadas questões como Existe alguma comunidade residencial que possa ser afectada por contaminação? ou Nesta área, que tipos de actividades estão previstas para o futuro?. Neste contexto também é importante recolher dados sobre o comportamento humano, no que diz respeito aos seus hábitos e actividades, na área afectada. As vias de transmissão aos seres vivos incluem a ingestão, a inalação e o contacto dérmico. Uma vez caracterizados os factores de exposição e as propriedades toxicológicas dos potenciais contaminantes, torna-se necessário avaliar que tipo de riscos oferece uma determinada unidade, podendo requerer a avaliação de riscos a curto prazo (agudos) e/ou aqueles que poderão ter significado durante o tempo de vida dos seres humanos (crónicos). No entanto, os efeitos reais resultantes do funcionamento dessa unidade, podem apresentarse mascarados, i.e., o sistema no qual a unidade se insere não pode ser considerado um sistema fechado e, portanto, não podem ser ignorados os efeitos resultantes de factores externos a que os elementos desse sistema estão sujeitos mas que são independentes da unidade em estudo. Este facto surge muitas vezes relacionado com determinados poluentes persistentes, os quais, devido às suas características, podem ser transmitidos através de determinadas vias ao meio ambiental de que a unidade em estudo faz parte e aos seres humanos. A Figura 1 pretende esquematizar as principais inter-relações existentes entre os diferentes sectores de um sistema ambiental, no qual se insere uma unidade industrial, e as principais 3/12

vias de transmissão de poluentes, desde a sua emissão até à respectiva recepção pelos seres humanos. Salienta-se como exemplos do conjunto das inter-relações existentes a relação directa entre as potenciais contaminações ambientais e a saúde pública e, ainda, o aparecimento de stress fisiológico em alguns elementos da população circundante devido a uma percepção negativa do projecto. Rações Saúde Ambiental e Gestão de Resíduos Emissões industriais Inter-relações ambientais Vias de transmissão Figura 1 Avaliação integrada dos efeitos das emissões industriais Em concentrações suficientemente elevadas, quase todas as substâncias são tóxicas mas é a sua persistência que permite a permanência dos seus efeitos e a sua larga dispersão. Isto implica que os maiores problemas ambientais se encontrem associados a poluentes quimicamente estáveis (persistentes), significando um risco acrescido da sua permanência por um longo período de tempo num organismo vivo ou no ambiente. Nesta situação, existe a possibilidade, muito significativa, de ocorrência de efeitos crónicos. As características de persistência de determinadas substâncias, implicam também que o risco da ocorrência de danos por elas provocados se possam prolongar no tempo mesmo após a cessação das suas emissões. A razão pela qual metais como o mercúrio, o cádmio e o chumbo se encontram incluídos no grupo dos poluentes tóxicos mais importantes, está relacionado não só com os efeitos 4/12

agudos provocados pela sua elevada toxicidade mas também com o facto de serem elementos e, por isso, indestrutíveis. Certos compostos orgânicos, como os hidrocarbonetos aromáticos, por exemplo, não sendo indestrutíveis, afiguram-se notavelmente estáveis. Estes compostos podem, ainda, incrementar a sua estabilidade substituindo, parcia l ou totalmente, os átomos de hidrogénio por halogéneos, podendo incluir o flúor, o cloro, o bromo e o iodo. No grupo das dioxinas e furanos, por exemplo, o cloro substitui pelo menos um dos átomos de hidrogénio na estrutura molecular daqueles compostos. As substâncias com características de persistência podem, ainda, ser transportadas a grandes distâncias, por acção do vento ou através da água, antes de se degradarem. Atendendo ao ponto onde foram originadas, este tipo de substâncias tem, praticamente, efeitos, à escala global. A maioria dos poluentes persistentes é caracterizada não só pela sua estabilidade e toxicidade mas também pela sua capacidade de bioacumulação. O mercúrio e outros metais tóxicos, por exemplo, possuem a capacidade de se associarem a moléculas de proteínas. No caso dos compostos orgânicos, como as dioxinas e furanos, as suas características lipossolúveis determinam a extensão da sua bioacumulação. De uma maneira geral, a tendência bioacumulável de um composto orgânico aumenta com a substituição do número de átomo de hidrogénio por halogéneos. Como regra, pode dizer-se que halogenação dos compostos orgânicos aumenta quer a sua persistência, quer a sua capacidade para se acumular em tecidos vivos. Muitas destas substâncias têm uma toxicidade aguda insignificante mas a combinação das características de persistência e bioacumulação envolve o risco do seu gradual aumento nos tecidos vivos em concentrações susceptíveis de causar danos crónicos. De uma maneira geral pode considerar-se que, quanto maior for o período de exposição, maior é o risco de contaminação. O exemplo de uma unidade de incineração de resíduos em Portugal Tendo em conta as inter-relações existentes nos elementos inseridos num sistema ambiental, as características específicas das emissões de uma unidade de incineração, assim como o facto deste tipo de unidades normalmente constituírem motivo de contestação por parte das populações envolvidas, foi desenvolvido, implementado e executado um programa de monitorização ambiental de uma unidade de incineração de resíduos levado a cabo pelo Instituto do Ambiente e Desenvolvimento (IDAD). Este programa foi desenvolvido de acordo com um plano de acção que obedece aos seguintes requisitos:? Avaliar o impacte ambiental da instalação e do funcionamento da unidade de incineração;? Acompanhar a evolução da saúde pública;? Acompanhar a evolução das reacções psicossociais das populações;? Tratar, sistematizar e integrar toda a informação recolhida. De forma a responder aos requisitos mencionados, este programa é constituído por um conjunto integrado de três planos sectoriais: Plano de Monitorização Ambiental, Plano de Monitorização da Saúde Pública e Plano de Monitorização Psicossocial. 5/12

A unidade de incineração em estudo, iniciou o seu funcionamento no início do ano 2000, tendo-se efectuado, durante os anos de 1998 e 1999, um levantamento dos valores de diferentes contaminantes nos vários materiais, no sentido de obter uma caracterização tão exaustiva quanto possível da situação de, antes da entrada em funcionamento da unidade (Coutinho, et al,. Os resultados obtidos nos vários tipos de amostras recolhidas, dividem-se em dois grupos: os níveis ambientais, com recolha de amostras de ar ambiente, água, sedimentos e solo, e os níveis biológicos, onde se encontram incluídas, entre outras, amostras de folhas de couve-portuguesa, ovos de galinha, leite de vaca e alimento das vacas, composto principalmente por azevém. Neste último grupo incluem-se ainda análises a tecidos biológicos humanos, como sangue e leite materno. No âmbito deste programa inclui-se ainda a monitorização dos aspectos psicossociais das populações envolvidas, com o objectivo de avaliar o impacte causado pelo ruído, odores e gases emitidos por uma unidade de incineração de resíduos sólidos urbanos em termos de stress, ansiedade e depressão. Num raio de cerca de 10 km em torno da unidade de incineração situada na região do Porto, Portugal, foi seleccionado um conjunto de estações de monitorização. A maioria das estações consideradas situam-se próximo da unidade de incineração, nos subúrbios da cidade do Porto, tendo também sido incluída uma estação localizada no centro do Porto, para recolha de amostras de ar em zona de características urbanas. Para recolha de material agropecuário, foram escolhidas estações rurais inseridas na área em estudo. As amostras de água e sedimento foram recolhidas em três pontos num troço do rio Leça incluído na zona estudada. Na sequência da implementação e execução deste programa foi obtido, ao longo de cerca de cinco anos de actividades (Fevereiro de 1998 a Fevereiro 2003), um extenso conjunto de dados sobre os níveis de diferentes contaminantes em diversas matrizes ambientais e biológicas (Coutinho et al, 2000). Para cada um dos materiais indicados foram definidos parâmetros de controlo analítico, onde se incluem diversos metais como o mercúrio, o chumbo, o arsénio e o cádmio e ainda compostos orgânicos como, por exemplo, as dioxinas e furanos (Coutinho et al, 2003). Tendo em conta o tipo de material, foram estabelecidas frequências de amostragem e análise adequadas. Em anexo apresentam-se resultados obtidos para alguns materiais antes e depois da entrada em funcionamento da unidade de incineração em estudo. CONCLUSÕES O conhecimento das inter-relações globais entre os diferentes elementos que constituem um sistema ambiental e a identificação e caracterização dos potenciais pontos de contacto com o meio contaminado e das vias de transmissão existentes, são aspectos que constituem a base do desenvolvimento de um programa de monitorização ambiental e deverão ser objecto de estudo exaustivo. Este conhecimento permite, ainda, estimar os níveis de contaminação prévios à instalação de uma unidade industrial e pode, por outro lado, fornecer informações úteis sobre eventuais efeitos externos à dessa unidade. O conjunto de medições efectuado no âmbito do programa de monitorização ambiental de uma unidade de incineração de resíduos sólidos urbanos permitiu obter em Portugal níveis ambientais e biológicos de certas substâncias, como metais e dioxinas e furanos, em 6/12

diferentes materiais, incluindo tecidos biológicos humanos. Os valores encontrados nas várias matrizes não apresentam uma variação clara entre as fases de (antes do funcionamento da unidade) e de, podendo considerar-se os valores encontrados até ao presente como sendo níveis de background. AGRADECIMENTOS Os projectos que servem de suporte à aquisição dos dados apresentados neste artigo foram financiados pela LIPOR. REFERÊNCIAS Coutinho, M., Mata P., Pereira M. e Borrego,C.; Níveis ambientais e biológicos de dioxinas e furanos em Portugal, I Encontro Nacional de Dioxinas, 2003 (A aguardar publicação). M. Coutinho, M. Ferreira, J. Gomes, P. e Borrego, C. Atmospheric levels of PCDD/PCDF during the Test Phase of a municipal solid waste incinerator in Portugal. Organohalogen Compounds, Vol. 46, 447-450, 2000. Coutinho, M. Ferreira, J. Gomes, P. Mata, P. e Borrego, C. Atmospheric Baseline Levels of PCDD and PCDF in the Region of Oporto, Chemosphere, 2000. 7/12

ANEXOS Resultados obtidos no âmbito do programa de monitorização ambiental de uma unidade de incineração de resíduos Os dados reportados neste documento referem-se aos teores de Chumbo, Mercúrio e PCDD/F obtidos em vários materiais desde o início do programa de monitorização (Fevereiro de 1998) até ao presente (Fevereiro de 2003), comparando os níveis obtidos antes e depois da entrada em funcionamento da unidade de incineração. A apresentação de resultados efectua-se com recurso a representações gráficas dos parâmetros estatísticos de máximo, percentil 75, mediana, percentil 25 e mínimo, de acordo com o esquema representado na Figura A1. Máximo P75 Mediana P25 Mínimo Figura A1 - Representação gráfica de parâmetros estatísticos (mínimo, percentil 25, mediana, percentil 75 e máximo) Nos gráficos das Figuras A2 a A8 apresentam-se os níveis observados em cada um dos materiais referidos, designando a fase que corresponde ao período de monitorização antes do funcionamento da unidade de incineração como e o período a que corresponde a fase de funcionamento como. 8/12

Chumbo (ng Pb/Nm 3 ) Mercúrio (ng Hg/Nm 3 ) 40 40 1 1 30 30 20 20 10 10 (a) (b) PCDD/F (fg I-TEQ /Nm 3 ) 2000 2000 1500 1500 1000 1000 500 500 0 (c) Figura A2 Distribuição da população dos valores encontrados no ar ambiente: (a) Chumbo, (b) Mercúrio e (c) Dioxinas e Furanos 0 Chumbo (mg/l Pb) Mercúrio (mg/l Hg) 50 50 1,5 1,5 40 40 30 30 20 20 0,5 0,5 10 10 (a) (b) PCDD/F (ng I-TEQ /kg matéria seca) 6 6 5 5 4 4 3 3 2 2 1 1 (c) Figura A3 - Distribuição da população dos valores encontrados em sedimentos: (a) Chumbo, (b) Mercúrio e (c) Dioxinas e Furanos 9/12

Chumbo (mg/l Pb) Mercúrio (mg/l Hg) 20 20 1,5 1,5 15 15 10 10 5 5 0,5 0,5 (a) (b) PCDD/F (ng I-TEQ /kg matéria seca) 4 4 3 3 2 2 1 1 (c) Figura A4 - Distribuição da população dos valores encontrados em solos agrícolas: (a) Chumbo, (b) Mercúrio e (d) Dioxinas e Furanos Chumbo (mg/l Pb) Mercúrio (mg/l Hg) 0,8 0,8 0,6 0,4 0,6 0,4 0,2 0,2 (a) (b) PCDD/F (ng WHO-TEQ /kg matéria seca) 1 1 (c) Figura A5 - Distribuição da população dos valores encontrados em folhas de couve-portuguesa: (a) Chumbo, (b) Mercúrio e (c) Dioxinas e Furanos 10/12

Chumbo (mg/l Pb) Mercúrio (mg/l Hg) 5,0 5,0 0,8 0,8 3,0 3,0 0,6 0,6 0,4 0,4 0,2 0,2 (a) (b) PCDD/F (ng WHO-TEQ /kg matéria gorda) 2 2 15,0 15,0 1 1 5,0 5,0 (c) Figura A6 - Distribuição da população dos valores encontrados em ovos de galinha: (a) Chumbo, (b) Mercúrio e (c) Dioxinas e Furanos PCDD/F (ng WHO-TEQ /kg matéria gorda) 15,0 15,0 1 1 5,0 5,0 Figura A7 - Distribuição da população dos valores de Dioxinas e Furanos encontrados em amostras de leite de vaca 11/12

Chumbo (mg/l Pb) Mercúrio (mg/l Hg) 0,3 0,3 0,2 0,2 0,1 0,1 (a) (b) PCDD/F (ng WHO-TEQ /kg matéria seca) 3,0 2,5 1,5 0,5 3,0 2,5 1,5 0,5 (c) Figura A8 - Distribuição da população dos valores encontrados em amostras de azevém: (a) Chumbo, (b) Mercúrio e (c) Dioxinas e Furanos 12/12