Caudais ecológicos em pequenos aproveitamentos hidroeléctricos: comparação de métodos de definição com base em dois casos de estudo.

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Transcrição:

Caudais ecológicos em pequenos aproveitamentos hidroeléctricos: comparação de métodos de definição com base em dois casos de estudo. Maria M. PORTELA Professora Auxiliar. IST. DECivil, Av. Rovisco Pais, 149-1, Lisboa, +351 218418142, mps@civl.ist.utl.pt RESUMO As principais variáveis necessárias à caracterização de habitats aquáticos em rios e, consequentemente, ao estabelecimento do regime de caudais de manutenção ecológica a garantir em pequenos aproveitamentos hidroeléctricos, são, de modo geral, dependentes dos caudais naturais, os quais determinam intrinsecamente as características morfológicas, hidráulicas e, por extensão, biológicas dos cursos de água, contendo, assim, a informação necessária para definir a organização física do meio fluvial e o funcionamento biológico do ecossistema. Por tal motivo, o estabelecimento do regime de caudais de manutenção ecológica para uma dada secção de um curso de água é frequentemente fundamentado na análise das características da série de caudais afluentes em regime natural a tal secção. Tanto quanto se tem conhecimento, os caudais ecológicos afectos a pequenos aproveitamentos hidroeléctricos têm sido, até à data, essencialmente fixados em percentagens das médias dos respectivos caudais médios diários (ou módulos), pressupondo-se o seu lançamento prioritário para jusante das obras de retenção, desde que os caudais naturais afluentes permitam. Por parte das entidades licenciadoras, detectam-se, contudo, indícios de que outros métodos poderão vir a ser impostos. No anterior contexto, comparam-se diferentes métodos de estabelecimento de caudais ecológicos em pequenos aproveitamentos hidroeléctricos baseados na utilização de registos hidrométricos e analisam-se algumas das consequências relativas de tais métodos, em termos de características hidráulicas dos regimes de escoamento a que conduzem e de volumes afectos a fins ecológicos e, consequentemente, à produção hidroeléctrica. Palavras-chave: Pequenos aproveitamentos hidroeléctricos (AHE), caudais de manutenção ecológica. 1

1. INTRODUÇÃO O reconhecimento de que os parâmetros morfológicos, hidráulicos e, por extensão, biológicos dos cursos de água dependem intrinsecamente dos caudais naturais que neles ocorrem, conduziu ao desenvolvimento de critérios e de métodos para estabelecimento de caudais ecológicos ou de regimes de caudais de manutenção ecológica baseados nas características das séries de caudais afluentes em regime natural, com ênfase para os valores daqueles caudais e para a sua variabilidade natural. Até à data e tanto quanto se tem conhecimento, os caudais ecológicos afectos aos pequenos aproveitamentos hidroeléctricos (AHE) que, na sequência da legislação iniciada pelo Decreto-Lei 189/88, de 22 de Maio, têm vindo a ser executados em Portugal Continental, resultaram basicamente da adopção de percentagens, frequentemente da ordem de 2.5 a 5%, dos módulos plurianuais (ou simplesmente módulos) relativos às secções dos cursos de água onde são executadas as tomadas de água daqueles aproveitamentos. Desde que os caudais naturais permitam, o lançamento para jusante dos caudais ecológicos assume, geralmente, carácter prioritário relativamente às demais utilizações. Admite-se, contudo, que trabalhos recentes no âmbito, com ênfase para o apresentado em INAG, DSP (22), suscitem, por parte das entidades licenciadoras, a adopção de outros critérios de definição de caudais ecológicos que, prefigura-se, poderão comprometer a viabilidade do tipo de empreendimentos em causa. De facto, tratam-se de aproveitamentos hidroeléctricos com reduzida dimensão (com potências inferiores a 1 MW) e explorados geralmente a fio-de-água ou, quanto muito, dispondo de pequenas albufeiras com capacidade de regularização diária, o que, face à irregularidade intra-anual que caracteriza o regime hidrológica em Portugal Continental, conduz a números anuais médios de horas de utilização da potência que dificilmente excedem 2 5 h, facto que se traduz em mais valias técnico-económicas frequentemente marginais. No anterior contexto e no sentido do completamento do trabalho iniciado em PORTELA, et al. (23), comparam-se diferentes métodos de estabelecimento de caudais ecológicos em pequenos aproveitamentos hidroeléctricos baseados na utilização de registos hidrométricos e analisam-se algumas das consequências relativas de tais métodos, em termos de características hidráulicas do regime de escoamento que pressupõem e de volumes afectos a fins ecológicos e, consequentemente, à produção hidroeléctrica. 2. CAUDAIS DE MANUTENÇÃO ECOLÓGICA 2.1. Considerações prévias De entre os diferentes métodos para estabelecimento do regime de caudais de manutenção ecológica analisar-se-ão resumidamente três, de carácter estritamente hidrológico e de implementação e caracterização expedita, tendo em conta a informação hidrométrica que geralmente precede o dimensionamento hidrológico-energético de um AHE: métodos i) do caudal base, ii) apresentado em INAG, DSP (22) e iii) do perímetro molhado. Procede-se à comparação expedita dos caudais ecológicos que decorrem de tais métodos com os caudais que, nos termos do respectivo licenciamento, se encontram efectivamente implementados em dois pequenos aproveitamentos hidroeléctricos, em exploração em no norte de Portugal há alguns anos. 2.2. Método do caudal base O método do caudal base, desenvolvido originalmente na Catalunha e presentemente bastante utilizado em Espanha, permite interpretar a informação contida nas séries (históricas) de caudais referentes a uma dada secção de um curso de água, com o fim de estabelecer para a mesma um caudal mínimo. O método, que recorre a caudais médios diários em regime natural (e não a caudais médios mensais como a maior parte dos métodos baseados em registos hidrológicos), integra na sua 2

aproximação metodológica um conjunto de conceitos limnológicos que cobrem diferentes e importantes aspectos da gestão ecológica de rios e que, no global, configuram um regime de caudais de manutenção ecológica, pretendendo, assim, criar propostas de gestão racional para a conservação de rios regularizados. De facto, o método em referência inclui vários tipos de caudal que são ou não calculados de acordo com as necessidades de cada sistema fluvial regularizado, destacando-se, entre tais caudais, o caudal mínimo absoluto a manter no curso de água ou caudal base, Qb, e a série de caudais de manutenção a assegurar no sistema fluvial ao longo do tempo, geralmente com uma base mensal. No caso de rios permanentes regularizados por barragens, o caudal base é o elemento chave da proposta de regime de caudais, uma vez que grande parte dos restantes parâmetros estão condicionados por ele. O seu estabelecimento para uma dada secção de um curso de água processa-se a partir do estudo das descontinuidades na tendência de variação dos caudais mínimos verificados na série histórica de caudais médios diários afluentes, por aplicação de um procedimento baseado em médias móveis. A expressão matemática que traduz o método é dada por: j µ p,s = 1 s k = s j q p+ k 1 k= 1 em que s e o incremento de tempo para cálculo da média móvel (propondo-se que varie de 1 a 1), p, o número de ordem da média móvel dentro do intervalo escolhido (variando de 1 a 365-s), j, o ano considerado e q, o caudal médio diário no dia p+k-1 do ano j. Tendo em conta os ciclos de vida relativamente curtos das espécies que frequentam os sistemas fluviais, considera-se ser adequada a utilização de séries de caudais médios diários com um mínimo de dez anos (PALAU e ALCAZAR 1996). Em princípio, o caudal base obtido deve ser suficiente para manter um nível adequado de habitabilidade no segmento fluvial considerado. O caudal de manutenção, Qm, é o caudal mínimo que deve circular no rio num dado intervalo de tempo e decorre da aplicação de um factor de variabilidade temporal ao caudal base. Tal factor, que tem por função adequar a sequência de caudais mínimos às variações do diagrama cronológico dos caudais em regime natural, é normalmente definido numa base mensal, embora possa ser estabelecido para outra escala de tempo, até ao dia. Numa base mensal, o caudal de manutenção é dado pela seguinte equação: Qmes i Q mi = Qb Qmes min em que Qmi é o caudal de manutenção para o mês i, Qb, o caudal base, Qmes i, a média do caudal médio no mês i (caudal mensal médio no mês i) e Qmes min, a menor das médias dos caudais mensais médios. Os caudais Qmes i e Qmes min são avaliados com base no período de registos adoptado na definição de Qb. 2.3. Método apresentado em INAG, DSP (22) ALVES e BERNARDO (22) in INAG, DSP (22), pp. 3.1 a 3.27, propõem um método aplicável a Portugal Continental para determinar o regime de caudal ecológico a garantir a jusante de aproveitamentos hidráulicos e que admitem conduzir a um regime modificado que, na sua variabilidade intra anual, mimetiza o regime natural. Tal método, para o qual se adoptará a designação simplificada de método INAG, DSP (22), considera a divisão de país nas três regiões especificadas no Quadro 1, que os autores identificam como hidrologicamente homogéneas, cada uma com um regime de caudal ecológico associado, definido à escala mensal, com base nos quantis obtidos a partir das curvas de duração dos caudais médios diários referentes aos sucessivos meses. 3

Quadro 1 Definição dos caudais de manutenção ecológica de acordo com o método apresentado em INAG, DSP (22). Região ou sub-região Norte do rio Tejo, excluindo a sub-região Terra Quente Sul do rio Tejo Terra Quente Outubro q75 qmed q5 Novembro q75 q25 q5 Dezembro q75 (q5+q25)/2 q75 Janeiro q75 q5 q75 Fevereiro q9 q5 q75 Março q9 q5 q75 Abril q9 q5 q9 Maio q9 q5 q9 Junho q9 q5 q75 Julho q75 qmed q5 Agosto q75 qmed qmed Setembro q75 qmed qmed No anterior quadro qmed representa o caudal médio no mês em questão (caudal mensal médio) e o caudal qα é tal que, em média, em α% do número de dias desse mês ocorrem caudais médios diários superiores ao mesmo. O índice α representa, portanto, a estimativa amostral da probabilidade de excedência associada a qα determinada, para esse mês, com base na série de registos disponíveis de caudais médios diários. 2.4. Método do perímetro molhado O método do perímetro molhado, também designado por método dos transeptos, teve aplicação considerável a partir do trabalho de White (1976), que desenvolveu um procedimento baseado na análise comparativa entre os caudais que se escoam num curso de água e os correspondentes perímetros molhados, no pressuposto de que existe uma relação directamente proporcional entre tais perímetros e a capacidade biogénica do rio. O método requer que, para uma dada secção de um curso de água caracterizada pelo respectivo perfil transversal, seja obtida a curva que relaciona os caudais, Q, que aí se escoam com os perímetros molhados, P, que lhes correspondem curva (Q,P). O caudal, Qpm, que decorre do método corresponde ao caudal, de entre os mais baixos caudais escoados, para o qual a anterior curva denota uma inflexão Figura 1. Perímetro molhado, P Figura 1 Método do perímetro molhado. Caudal associado ao método do perímetro molhado Caudal, Q A aplicação do método do perímetro molhado pressupõe, não só a selecção das secções dos cursos de água que deverão ser objecto de determinação dos caudais de manutenção ecológica, como também a explicitação do modelo a aplicar no cálculo hidráulico subjacente ao procedimento. 3. CASOS DE ESTUDO 3.1. Características gerais e dados de base 4

Como casos de estudo, destinados à aplicação dos métodos de definição dos caudais de manutenção ecológica anteriormente apresentados e à consequente comparação dos regimes hidrológicos a que conduzem com os efectivamente implementados, seleccionaram-se os dois pequenos aproveitamentos hidroeléctricos identificados por Projecto 1 e Projecto 2 a que correspondem as características resumidas no Quadro 2, PORTELA et al. (23). Complementam a informação do quadro precedente os perfis apresentados na Figura 2. No caso do Projecto 1, tais perfis foram retirados de cartografia de pormenor à escala 1/2 e referem-se à secção sensivelmente do açude e a uma secção cerca de 7 m a montante daquela obra. Não se obteve nenhum perfil a jusante do açude pois o curso de água encontra-se, aí e desde há largas décadas, bastante artificializado. Relativamente ao Projecto 2, em que se recorreu a cartografia de pormenor à escala 1/1, os perfis extremos de montante e de jusante distam cerca de 4 m do perfil referente à secção do açude. Quadro 2 Principais características dos Projectos que constituem os casos de estudo. Característica Projecto 1 Projecto 2 Dimensão da séries de caudais médios diários afluentes 34 anos 45 anos em regime natural à tomada de água (período) (1966/67 a 1999/2) (1955/56 a 1999/2) Afluência anual média, deduzida do consumo a montante =35.4 =4.4 da tomada de água (hm 3 ) Módulo (m 3 /s) 1.12 1.28 Regime de exploração: fio-de-água Com eclusagem Com regularização diária parcial Capacidade de regularização na albufeira (m 3 ) 25 Caudal de dimensionamento (m 3 /s) 1.8 2.2 Caudal ecológico valor (l/s) (percentagem do módulo) Qeco=35 (~3%) Qeco=64 (~5%) Queda média equivalente para cálculo energético (m) 195.5 155.2 Produção anual média (GWh) E =1. E =8.38 Declive médio do talvegue no trecho de inserção do açude (%).75% 1.2% Cota 253 252 251 25 249 248 (MD) Montante Açude Projecto 1 (ME) 5 1 15 2 25 Distância (m) Cota 495 493 491 Projecto 2 Montante 489 Açude Jusante 487 1 2 3 4 Distância (m) Figura 2 Perfis dos cursos de água nos trechos de inserção das obras de retenção. (MD) (ME) Anota-se que, encontrando-se ambos os Projectos em exploração há menos de uma dezena de anos, a análise efectuada, que se resume neste artigo, utilizou, não as curtas séries de caudais médios diários relativas aos períodos de exploração, mas antes séries mais longas, obtidas por transposição para as secções das tomadas de água dos aproveitamentos das séries de caudais médios diários registadas em estações hidrométricas. Para o efeito utilizaram-se os registos de caudais médios diários referentes às estações hidrométricas de Cabriz (7I/4), na ribeira de Sampaio, no caso do Projecto 1, e de Santa Marta do Alvão (5K/1), no rio Louredo, no caso do Projecto 2. Após preenchimento das falhas de registos de caudais médios diários, procedeu-se à transposição das séries completas para as secções das tomadas de água dos aproveitamentos, 5

PORTELA et al. (23). Tanto o preenchimento de falhas, como a transposição utilizou o procedimento proposto por PORTELA e QUINTELA (2; 22a; 22b) que, para o efeito, foi aplicado a nível diário. Obtiveram-se, assim, séries completas de caudais médios diários afluentes às tomadas de água dos Projectos 1 e 2 com dimensões de, respectivamente, 34 anos (1966/67 a 1999/2) e 45 anos (1955/56 a 1999/2). Para aplicação dos métodos objectos dos itens 2.2 a 2.4 elaboraram-se programas de cálculo automático computacional (escritos em linguagem de programação FORTRAN), FERREIRA et al., (23). Relativamente ao método do perímetro molhado, importa esclarecer que o respectivo cálculo se apoiou num procedimento expedito e aproximado, que consistiu, muito simplesmente, em pressupor escoamento em regime uniforme. Para o efeito, aplicou-se a fórmula de Manning-Strickler e recorreu-se à hipótese do regime uniforme tangente, aproximando a perda de carga unitária pelo declive médio do trecho de cada rio (Quadro 2). Tendo em conta as indicações apresentadas em CHOW (1985) pp. 116 a 123, complementadas pelo conhecimento dos trechos fluviais onde se inserem os Projectos e pela experiência precedente de aplicação de fórmula de Manning-Strickler a cursos de água do Continente, adoptou-se para o coeficiente que nela figura o valor de 1 m 1/3 /s. Arbitrado um dado caudal, a resolução em ordem ao perímetro molhado daquela fórmula utilizou uma solução numérica baseada no método iterativo directo. Em simultâneo com a obtenção do perímetro molhado, especificaram-se também as alturas do escoamento e as correspondentes velocidades médias. 3.2. Apresentação de resultados. Discussão No Quadro 3 resumem-se os caudais mensais de manutenção ecológica decorrentes de cada método aplicado. Relativamente ao método do perímetro molhado, os resultados do anterior quadro são suportados pela Figura 3 que, para cada secção considerada, fornece aquele perímetro em função do caudal escoado. Tal figura evidencia, não só a estreita dependência entre a forma da curva (Q,P) e a secção de cálculo, mas também o facto de a geometria local nem sempre conduzir ao ponto de inflexão pressuposto pelo método e que define o caudal Qpm. Julga-se que tais circunstâncias poderão comprometer o interesse prático do método em questão. Quadro 3 Caudais de manutenção ecológica. 6

Perímetro molhado (m) 14 12 1 8 6 4 2 Qpm=185 l/s Qpm=72 l/s Projecto 1 (secção de montante) Projecto 1 (secção do açude) Projecto 2 (secção de montante) Projecto 2 (secção do açude) Projecto 2 (secção de jusante)..5 1. 1.5 2. 2.5 Caudal (m 3 /s) Figura 3 Projectos 1 e 2. Perímetro molhado em função do caudal. Nas aplicações efectuadas, apenas para uma secção de cada Projecto foi possível identificar um caudal assimilável ao caudal Qpm pressuposto pelo método do perímetro molhado: designadamente 185 l/s, para o Projecto 1, e 72 l/s para o Projecto 2. Este último resultado está, contudo, nitidamente fora da gama dos menores caudais a que se refere o método. Não obstante este facto, entendeu-se que, tendo em vista proporcionar informação a futuras aplicações, teria interesse exemplificar dois possíveis procedimentos (identificados por 1 e 2) conducentes ao estabelecimento de doze caudais mensais de manutenção ecológica a partir dos caudais Qpm destacados na Figura 3. Assim e para cada Projecto, procedeu-se a uma espécie de rotação do respectivo caudal Qpm na proporção do volume médio afluente em cada mês, i, relativamente à afluência anual média,, (procedimento 1) ou ao máximo volume médio mensal, no Quadro 3. Uma primeira leitura de tal quadro denota a existência de situações anómalas, pelo menos em termos mensais médios e sobretudo em meses de Inverno, nos quais alguns dos caudais ecológicos alcançados se aproximam dos módulos plurianuais, o que desde logo levanta dúvida sobre a razoabilidade desses caudais. O quadro evidencia também uma grande disparidade entre caudais mensais de manutenção ecológica fornecidos pelos diferentes métodos, caudais que, aliás, podem exceder muito significativamente os que estão efectivamente implementados nos dois Projectos adoptados como casos de estudo. Importa, contudo, enfatizar que a apreciação de tais resultados não pode ser sustentada pela mera confrontação de caudais, devendo incidir também sobre a comparação dos regimes modificados a que aqueles caudais conduzem nos trechos dos cursos de água interferidos pelos pequenos aproveitamentos hidroeléctricos, designadamente, nos trechos compreendidos entre as obras de retenção e as secções de restituição das centrais hidroeléctricas. Assim e tendo por base a série, anteriormente estabelecida, de caudais médios diários afluentes à tomada de água de cada Projecto, bem como as principais características do Projecto (Quadro 2), procedeu-se à simulação da respectiva exploração diária de modo a determinar os caudais médios diários ocorrentes entre as secções da obra de retenção e de restituição da central para os diferentes regimes de caudais de manutenção ecológica atrás definidos, com excepção do relativo ao método do perímetro molhado, pois, conforme referido, julga-se que tal método pode enfermar de inconsistências pertinentes. As regras de operação implementadas no algoritmo computacional de simulação conferem prioridade ao lançamento dos caudais ecológicos. Os caudais remanescentes inferiores ou iguais ao caudal de dimensionamento do Projecto são desviados pelo circuito hidráulico e turbinados, só sendo devolvidos ao rio na secção de restituição da central. No caso do Projecto 2, o anterior turbinamento pressupôs a regularização diária parcial, compatível com a pequeníssima capacidade da albufeira. max (procedimento 2), conforme se explicita 7

Para cada regime de caudais de manutenção ecológica avaliou-se, ainda, a produção anual média de energia. Os resultados obtidos estão exemplificados nas Figuras 4 e 5. A primeira figura refere-se aos caudais mensais médios (i.e., às médias dos caudais médios mensais) nos períodos de simulação (34 e 45 anos nos Projectos, respectivamente, 1 e 2) e a segunda exemplifica a sequência de caudais médios mensais simulados para o período de dez anos entre 1976/77 e 1985/86 que incluiu anos variando desde muito húmidos (1978/79, com cerca de 18% da afluência anual média) a secos (198/81, com apenas sensivelmente 5% da afluência anual média). Caudal mensal médio (m 3 /s) 2. Sem Projecto De projecto (Qeco=35 l/s) Caudal base INAG, DSP (22) Caudal mensal médio (m 3 /s) 3. 2. Sem Projecto De projecto (Qeco=64 l/s) Caudal base INAG, DSP (22) 1. Projecto 1 1. Projecto 2.. Figura 4 Caudais mensais médios nos trechos dos cursos de água entre as secções das tomadas de água e de restituições das centrais. Caudal médio mensal (m 3 /s) Sem Projecto De projecto (Qeco=35 l/s) Caudal base INAG, DSP (22) Caudal médio mensal (m 3 /s) 8 Sem Projecto De projecto (Qeco=64 l/s) Caudal base INAG, DSP (22) 6 Projecto 2 Projecto 1 6 4 4 2 2 1976/77 1978/79 198/81 1982/84 1984/85 Ano 1976/77 1978/79 198/81 1982/84 1984/85 Figura 5 Caudais médios mensais nos trechos dos cursos de água entre as secções das tomadas de água e de restituições das centrais. Período de 1976/77 a 1885/86. Ano Verifica-se, de forma relevante e em termos práticos, que, não obstante a aparente disparidade entre regimes de manutenção ecológica, as séries de caudais nos trechos interferidos pelos dois pequenos aproveitamentos hidroeléctricos analisados, embora naturalmente diferindo das situações pristinas, sem Projectos, conduzem a uma variabilidade intra anual próxima entre si e que mimetiza o regime natural. Em complemento da anterior informação e tendo por base as secções para as quais se estimaram, embora com as reservas apontadas, valores de Qpm, obtiveram-se, ainda, as alturas e as velocidades médias de escoamento associadas aos diferentes regimes de caudais ecológicos Quadro 4 e Figura 6. Para comparação, optou-se por incluir nos resultados precedentes as características hidráulicas para o escoamento dos caudais modulares, embora se reconheça o seu escasso valor informativo. 8

Quadro 4 Alturas e velocidades médias do escoamento associadas aos diferentes caudais de manutenção ecológica e aos módulos. Altura do escoamento (cm) 45 4 35 Projecto 1 3 25 2 15 1 5 Altura do escoamento (cm) 7 Velocidade média do escoamento (cm/s) 35 3 25 2 15 1 5 Projecto 1 Velocidade média do escoamento (cm/s) 6 6 5 5 4 3 Projecto 2 4 3 Projecto 2 2 2 1 1 Situação de projecto Caudal base INAG, DSP, 22 Perímetro molhado, procedimento 1 Perímetro molhado, procedimento 2 Caudal modular Figura 6 - Alturas e velocidades médias do escoamento associadas aos diferentes caudais de manutenção ecológica e aos módulos. 9

Não obstante se reconhecer que os resultados precedentes têm interesse essencialmente em termos comparativos 1, verifica-se que, exceptuando o método apresentado em INAG, DSP, 22, e, especialmente para o Projecto 2, o procedimento 2 associado ao método do perímetro molhado (este último, pelas razões, aliás, anteriormente anotadas), os demais métodos, incluindo os caudais ecológicos efectivamente implementados, conduzem a alturas e velocidades médias do escoamento que, se se tiver em atenção os seus reduzidos valores, se julga poderem ser consideradas da mesma ordem de grandeza. Importa, talvez, realçar que os caudais ecológicos efectivamente implementados ou surgem enquadrados por alguns dos resultados dos métodos ensaiados ou não se afastam significativamente de tais resulatdos. Por fim, no Quadro 5 especificam-se as energias anuais médias produzidas em cada cenário, bem como as variações implicadas nas produções previstas a nível de projecto (com idênticos reflexos nas receitas anuais médias) pelos métodos de definição do regime de caudais ecológicos objecto das figuras precedentes. Quadro 5 Produções anuais médias associadas a diferentes regimes de caudais de manutenção ecológica. Projecto 1 Projecto 2 Produção anual média Produção anual média Valor Variação em relação Valor Variaçãoem relação à à situação de projecto situação de projecto (GWh) (%) (GWh) (%) Situação de projecto 1.9 -- 8.4 -- Caudal base 9.22 91 7.91 94 INAG, DSP (22) 7.91 78 6.74 8 Método do perímetro molhado procedimento 1 1.32 12 8.46 11 Método do perímetro molhado procedimento 2 9.62 95 6.53 78 Conclui-se, assim e em primeiro lugar, que não são evidentes as dependências entre caudais ecológicos e energias produzidas a partir do turbinamento das afluências remanescentes daqueles caudais. Da facto, está-se perante aproveitamentos, que se admite transcreverem o enquadramento da generalidade dos pequenos aproveitamentos hidroeléctricos, com exploração a fio-de-água ou basicamente a fio-de-água, ou seja, sem capacidade de resposta à acentuada irregularidade característica do regime hidrológico em Portugal Continental, e com caudais turbináveis limitados aos máximos deriváveis. Nas anteriores circunstâncias, pretender caudais ecológicos mais elevados em períodos do semestre húmido, em que as afluências naturais excedem por vezes muito significativamente os caudais máximos turbináveis, pode não se traduzir em reduções sensíveis das energias produzidas. Já impor caudais ecológicos mais elevados em épocas em que os caudais afluentes determinariam, por si só, o funcionamento parcializado das turbinas o que acontecerá no semestre seco e em parte significativa do semestre húmido, pode resultar em reduções acentuadas das energia produzidas. Importa, contudo, registar que, para os dois pequenos aproveitamentos hidroeléctricos que constituíram os casos de estudo, mesmo decréscimo ligeiros das energias produzidas, como os que ocorreriam para algumas das situações do Quadro 5, teriam comprometido a mais valia económica dos empreendimentos e, portanto, a sua concretização. Os benefícios de ordem ecológica pela utilização dos métodos mais exigentes de definição dos caudais ambientais, dificilmente quantificáveis e ainda não quantificados em Portugal, teriam pois como 1 Pois as pequenas alturas encontradas, especialmente para os caudais menores, são afectadas de incerteza acrescida (para além das simplificações de cálculo) devida à fisiografia dos leitos dos cursos de água que compreenderá certamente irregularidades (associadas, por exemplo, a pedras, vegetação, raízes ou entulhos diversos) que não podem transparecer nos levantamentos topográficos das secções de cálculo e que se admite apresentarem ordens de grandeza das próprias estimativas das alturas de água. 1

imediata consequência a supressão dos centros electroprodutores de energias limpas e endógenas que constituíram os casos de estudo, com as consequentes implicações de ordem económica e, mesmo, ambiental. De facto, a adequação de qualquer dos métodos utilizados à manutenção das funções ecológicas dos troços fluviais interferidos está ainda por demonstrar para as condições ecológicas portuguesas, já que nenhum estudo permitiu, até ao momento, monitorizar a evolução das comunidades biológicas presentes com a implementação dos vários regimes de caudais ambientais propostos na bibliografia. Importa, por fim, registar que se os caudais de manutenção ecológica decorrentes dos métodos alternativos brevemente equacionados se afiguram pertinentes em rios permanentes regularizados por barragens (situação que se julga estar, aliás, subjacente à concepção daqueles métodos), terão certamente pouco ou nenhum sentido em pequenos AHE em que, por si só, a imposição de um regime ecológico não assegura caudais fluviais uma vez que a capacidade de regularização ou não existe ou é perfeitamente irrisória. Não se dispondo de tal capacidade, dificilmente os caudais impostos serão cumpridos pela sequência natural das afluências. Pode, assim, ser-se conduzido a uma situação cuja eficácia, do ponto de vista ecológico, seja meramente aparente. BIBLIOGRAFIA CHOW, V. T. Open-channel hydraulics, 21 s t printing. International Student Edition, Singapore, 1985. FERREIRA, M. T., GODINHO, F. N. e PORTELA, M. M. Mitigação de impactes e gestão de ecossistemas aquáticos do sistema de transferência de água entre a bacia hidrográfica do Guadiana e a do Sado. Relatório final, Instituto Superior de Agronomia (ISA), Instituto Superior Técnico (IST), Lisboa, 23. INAG, DSP Caudais ecológicos em Portugal, Instituto da Água, Direcção de Serviços de Planeamento, Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, Lisboa, 22. PALAU, A. e ALCAZAR, J. The basic flow: an alternative approach to calculate minimum environmental instream flows. Proceedings of Ecohydraulics 2. 2 nd International Symposium on Habitat Hydraulics. Quebéc. Canada, 1996, pp. 547-558. PORTELA, M. M., EIRA LEITÃO, A. e GODINHO, F. N. O impacte ambiental de pequenos aproveitamentos hidroeléctricos: algumas questões pertinentes. II Simpósio sobre Aproveitamentos Hidroeléctricos: Hidroelectricidade: Equilíbrio e Sustentabilidade. Vila Real, UTAD, Portugal, 23. PORTELA, M. M. e QUINTELA, A. C. A altura do escoamento anual médio numa bacia hidrográfica como parâmetro de regionalização de informação hidrométrica. 1º Congresso sobre Aproveitamentos e Gestão de Recursos Hídricos em Países de Idioma Português. Rio de Janeiro, Brasil, 2. PORTELA, M. M. e QUINTELA, A. C. Assessment of the streamflow characteristics under unavailability of discharge data: the mean annual flow depth over the watershed as a regionalization parameter. The Portuguese case. European Geophysical Society, 22 EGS Conference, Nice, França, 22a. PORTELA, M. M. e QUINTELA, A. C. Evaluation of the water resources in Portuguese watersheds without streamflow data International Conference of Basin Organizations (Conferencia Internacional de Organismos de Cuenca). Madrid, Espanha, 22b. 11