ANAIS 2010 ISSN O BARROCO DE CÁ, O BARROCO DE LÁ: ORIGENS, ASPECTOS, RESSONÂNCIAS, CARACTERÍSTICAS, AUTORES E OBRAS

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Transcrição:

O BARROCO DE CÁ, O BARROCO DE LÁ: ORIGENS, ASPECTOS, RESSONÂNCIAS, CARACTERÍSTICAS, AUTORES E OBRAS José Augusto Coppi (PG-CLCA-UENP/CJ) jacoppi@bol.com.br RESUMO Sabe-se que o Barroco desenvolveu-se por um período de 176 anos em Portugal e 167 anos no Brasil. Em sua produção literária voltou-se essencialmente para o uso de antíteses, uma de suas características mais marcantes. É a arte das oposições dado o conflito humano entre o materialismo renascentista e o espiritualismo medieval (GOULART & SILVA, 1974). Bento Teixeira Pinto, Gregório de Matos Guerra e Botelho de Oliveira são os escritores que se destacam na estética brasileira. Na portuguesa destacam-se D. Francisco Manuel de Melo, padre Manuel Bernardes, Frei Luís de Sousa e Sóror Mariana Alcoforado. Há um escritor que se destaca tanto no Barroco Português como no Barroco Brasileiro, padre Antônio Vieira. Desse modo torna-se interessante proceder análise comparativa entre o Barroco Português e o Brasileiro, na retomada de suas origens, no destaque de seus principais aspectos, de suas ressonâncias, das características, dos autores e obras. O presente artigo tem como objetivo destacar essas peculiaridades e mostrar a contribuição do Barroco para o enriquecimento da Literatura Brasileira e Literatura Portuguesa. Palavras-chave: Barroco. Análise Comparativa. Literatura Brasileira. Literatura Portuguesa. CONSIDERAÇÕES INICIAIS O Barroco ou Seiscentismo é uma estética que prevaleceu por mais de um século e meio, precisamente, 167 anos no Brasil e 176 em Portugal. Moisés (1984, p. 89) informa que no país lusitano, o Barroco inicia-se em 1580, dois anos após o desaparecimento de Dom Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir. Com o desaparecimento de seu rei, Portugal passa a sofrer o desencanto em ter que se submeter ao domínio espanhol. Tem início uma época de profunda angústia, pessimismo e desânimo da burguesia lusa sob a influência espanhola e da Igreja Católica às voltas com a Contra-Reforma e Inquisição. O império espanhol concentra-se no combate contra o Protestantismo e Racionalismo que se desenvolve na França, Holanda e Inglaterra. No Brasil inicia-se em 1601, aponta Fischer (2007, p. 121). Nessa época o Brasil é Colônia portuguesa, apresenta pouca atividade cultural concentrada na Bahia onde Salvador é a maior cidade de todas no século XVII, seguida de outras cidades portuárias e mineiras. É na cidade que se desenvolve a cultura letrada praticada pelos clérigos e funcionários da administração. 477

O século XVII é o século do açúcar, da Contra-Reforma, da guerra Holandesa, da restauração de Portugal, da consolidação na colônia de uma economia fundada na monocultura, escravidão negra e alienação das elites culturais. Entretanto, no Brasil colonial é também o século da pregação dos padres jesuítas, é o século de padre Vieira, salienta Picchio (1996, p. 105). Assim sendo, o presente artigo tem como objetivo retomar os acontecimentos da época para que se possa proceder análise comparativa, de forma ligeira, porém suficiente, entre o Barroco Português e o Barroco Brasileiro quanto as origens, aspectos, ressonâncias, características, autores e obras. ORIGENS Quanto à determinação de um critério da nacionalidade literária referente à esquematização de uma divisão em épocas e eras para a literatura brasileira, Amora (1964, p. 2) afirma que a moderna crítica literária considera dois quadros que a compõem: a luso-brasileira, que prevalece nos séculos XVI, XVII e XVIII e a nacional que engloba nossa história nacional. A literatura luso-brasileira desenvolveu-se dos meados do século XVI, ano de 1549 até o começo do XIX, ano de 1808. Esse período está dividido em primeira e segunda época. Na primeira, século XVI e XVII, situa-se o Quinhentismo e o Seiscentismo (Barroco). Coutinho (1976, p. 23) entende que a periodização estilística realça a formação da literatura brasileira concomitante com a origem da civilização e do homem brasileiro do século XVI, em pleno mundo espiritual e estilístico do Barroco. Fica completamente superada a antiga dicotomia entre literatura colonial e nacional. A literatura não é colonial pelo fato de ser produzida numa colônia. A literatura não se torna nacional apenas após a proclamação da independência de um país. A nossa literatura foi brasileira desde o primeiro momento, tal qual pode ser considerado brasileiro o homem que no Brasil se firmou desde o instante em que o europeu aqui chegou e aqui ficou. Dessa maneira, a literatura brasileira primitiva não é colonial, mas barroca e brasileira. De acordo com Bosi (1974, p. 39), pode-se falar em Barroco Brasileiro a partir da segunda metade do século XVIII quando o ciclo do ouro dava substrato material à arquitetura, escultura, música. Distinguem-se ecos da poesia barroca na vida colonial com Gregório de Matos, Botelho de Oliveira e as academias. Florescem cidades como Vila Rica, Sabará, Mariana, bem como despertam as cidades quinhentistas de Salvador, Recife, Olinda e Rio de Janeiro. É oportuno o relato que se segue: 478

Para efeitos cronológicos, os manuais estabeleceram como data para o barroco literário entre nós o ano inicial de 1601, edição da Prosopopéia, de Bento Teixeira, e o ano final de 1768, ano em que Cláudio Manuel da Costa publica suas Obras poéticas, marco da moda seguinte (FISCHER, 2007, p. 121/122). Candido e Castello (1973, p. 13) apontam que as origens da literatura brasileira, ou das manifestações literárias no Brasil-Colônia, sustentam-se no quinhentismo português e de modo mais direto ao seiscentismo peninsular. No primeiro século de nossa formação prevalecem a crônica histórica, o teatro popular e o modelo camoniano. No Barroco prevalecem as duas coordenadas literárias voltadas para o cultismo e o conceptismo. Quanto às origens do Barroco Português, Moisés (1984, p. 89) relata que em 1578, D. Sebastião desaparece na batalha de Alcácer-Quibir, marcando o fim as glórias portuguesas conquistadas desde a tomada de Ceuta (1415), a descoberta do caminho marítimo para as Índias (1498), da descoberta do Brasil (1500). Em 1580 Portugal sucumbe diante de dois acontecimentos de destaques: a morte de seu mais ilustre poeta, Luiz Vaz de Camões, autor de Os Lusíadas e a passagem do domínio português para o domínio espanhol sob o comando do herdeiro mais próximo de Dom Sebastião, o rei Filipe II. Termina a Renascença em Portugal e começa o Barroco que avançara pelo século XVII e meados do XVIII. O domínio espanhol sobre os portugueses estendeu-se pelo período de 60 anos, findando em 1640. ASPECTOS O Barroco no Brasil predominou de 160l a 1768. Bosi (1974, p. 39) informa que houve ecos do Barroco europeu no Brasil durante os séculos XVII e XVIII onde Gregório de Matos, Botelho de Oliveira, Frei Itaparica repetiram motivos e formas do Barroco ibérico e italiano. Na segunda metade do século XVIII é que se torna lícito falar-se em Barroco Brasileiro. Na poesia, além de Bento Teixeira Pinto, também se destaca Gregório de Matos Guerra. Na prosa destaca-se a oratória dos padres jesuítas, com ênfase ao padre Antônio Vieira. Além das características portuguesas, o Barroco Brasileiro apresenta peculiaridades próprias, como a visão nativista na poesia. Essa visão nativista pode ser considerada pitoresca ante o tipo de louvor que faz ao país. Na lírica amorosa, a mulher é retratada pela beleza e perigo, ao mesmo tempo é enaltecida e exorcizada. O Barroco em Portugal predominou de 1580 a 1756, relata Moisés (1984, p. 89). Inicia com o desaparecimento de Dom Sebastião e termina com o advento da Arcádia Lusitana, academia poética responsável pelo início do Arcadismo. Iniciado na Espanha e 479

introduzido em Portugal durante o reinado filipino, o movimento Barroco corresponde a uma profunda transformação cultural, cujas raízes constituem ainda objeto de discussão e divergência. Ele procurou conciliar o espírito medieval, considerado de base teocêntrica, e o espírito clássico, renascentista, de essência pagã, terrena e antropocêntrica, entendendo que conhecer e identificar-se com, assimilar o objeto ao sujeito, evidenciado que a dicotomia barroca, corpo/alma, luz/sombra, corresponde a dois modos de conhecimento: cultismo e conceptismo. Interessante ressaltar a observação de Candido & Castello (1973, p. 16) de que é quase impossível se fazer uma perfeita distinção entre Cultismo e Conceptismo. O Cultismo repousa no som e na forma, na exaltação sensorial, favorece a fantasia na busca de imagens e sensações, com ênfase ao jogo de palavras, ao uso de metáforas, hipérboles, analogias e comparações, manifesta-se uma expressão da angústia de não ter fé. O Conceptismo apóia-se no significado da palavra com certo abuso no jogo de vocábulos e raciocínio, agudeza ou sutileza do pensamento e misticismo ideológico, enfatiza a valorização do conteúdo/conceito, a parábola é usada com finalidade mística e religiosa. RESSONÂNCIAS No entender de Bosi (1974, p. 33), qualquer que seja a interpretação que se faça do Barroco é sempre necessário refletir quanto a sua condição de estilo pós-renascentista e, nos países germânicos, pós-reformista. É a estética que se refere a todas as manifestações artísticas do século XVII e começo do XVIII. Especificamente, na literatura, é o claro reflexo de uma época repleta de angústias. Nesse período, a reforma empreendida por Martinho Lutero e João Calvino dividiu os cristãos da Europa. Na ânsia de colocar um fim quanto à perda de fiéis, a Igreja Católica criou instituições florescentes na Península Ibérica com destaque para a fundação da Companhia de Jesus e fortalecimento da Inquisição. A Europa evoluiu cientificamente, mas Portugal e Espanha insistiram na defesa da cultura medieval, sendo que Portugal mergulhou num ambiente de pessimismo e desânimo por estar sob o jugo da Espanha. A burguesia lusitana viu seu poder extinguir-se diante da Espanha e da Igreja Católica com a Contra-Reforma. A estética Barroca em Portugal resultou do domínio espanhol, sofrendo, por consequência, influência espanhola, foco irradiador da estética Barroca. É na ação da nobreza, do clero espanhol, português e romano, que se desenvolve a maneira Barroco-Jesuítica num mundo já na defensiva preso à Contra-Reforma e ao império espanhol e em luta contra o Protestantismo e racionalismo que tomava corpo na França, Holanda e Inglaterra. O Barroco-Jesuítico não tem nítidas fronteiras espaciais, mas ideológicas. Floresce tanto na 480

Áustria como na Espanha, Brasil e México, entretanto, já não se reconhece na sóbria estrutura da arte coetânea sueca e alemã, cujo Barroco Luterano, voltado para a música de Bach, é infenso a extremos gongóricos da imagem e do som. Há um nexo entre o Barroco Hispânico-Romano e uma realidade social e cultural que se curva sobre si ante a agressão da modernidade burguesa, científica e leiga. CARACTERÍSTICAS Algumas características da literatura barroca são mencionadas por Goulart & Silva (1974, p. 250/25l). Mencionam que o Barroco é a arte das oposições geradas pelo conflito gerado na alma humana diante da luta entre o materialismo renascentista e o espiritualismo medieval, constituindo-se a antítese em sua característica mais marcante. Na temática barroca são explorados temas que refletem essas oposições, principalmente pelos poetas do século XVII. Outra característica é a busca insistente do feio, anormal, inusitado, cruel, sangrento, com descrição de cenas de batalhas, cadáveres em estado de putrefação, anormalidades físicas e morais. Outro aspecto explorado pelos autores do século XVII é o da transitoriedade da vida que, de certa forma, revela-se como a própria essência do Barroco, adquirindo uma intensidade dramática, uma vez que a consciência de sua curta duração desperta o desejo de tirar da vida tudo o que ela pode oferecer de bom. Também há uma valorização do sensorial. O Barroco conhece o mundo através dos sentidos, utiliza as imagens visuais, sem esquecer das sensações táteis, das cores, dos perfumes, dos sons. Busca-se a surpresa e a maravilha nas imagens, há um exagero na utilização de figuras de linguagem, principalmente a metáfora, a hipérbole, o hipérbato, o trocadilho e o paradoxo. No soneto Desenganos da vida humana metaforicamente, de Gregório de Matos (GOULART & SILVA, 1974, p. 252), podemos observar algumas características da literatura barroca. É a vaidade, Fábio, nesta vida, Rosa, que da manhã lisonjeada, Púrpura mil, com ambição dourada, Airosa rompe, arrasta presumida. É planta, que de abril favorecida, Por mares de soberba desatada, Florida galeota empavesada, Sulca ufana, navega destemida. É nau enfim, que em breve ligeireza, 481

Com presunção de Fênix generosa, Galhardias apresta, alentos preza: Mas ser planta, ser rosa, nau vistosa De que importa, se aguarda sem defesa Penha a nau, ferro a planta, tarde a rosa? No presente soneto pode-se notar que o tema volta-se para a transitoriedade da vida que é uma constante na estética barroca. Já, no primeiro quarteto, a presença do hipérbato que resulta em certa dificuldade de leitura. Lançando mão da ordem direta, tem-se: Fábio, a vaidade nesta vida é rosa que, lisonjeada de manhã, arrasta presumida mil púrpuras e rompe airosa com ambição dourada. Goulart & Silva (1974, p. 252/253) destacam ainda o vocábulo vaidade empregado metaforicamente. Destacam também os dois planos no qual se desenvolve a vida humana, a presunção e a fugacidade da vida. Há um retrato de que a vida é passageira e o homem aguarda sempre a morte, usando o autor uma série de antíteses para realçar a brevidade da vida e como a vaidade é inútil. Pode-se notar a tentativa de levar o homem retomar os esquecidos caminhos do espiritualismo medieval valorizando a vida que se inicia após a morte. AUTORES E OBRAS Bosi (1974, p. 41/51) faz uma abordagem sobre os autores que se destacaram na estética barroca brasileira: Bento Teixeira Pinto, Gregório de Matos Guerra, Manuel Botelho de Oliveira, Frei Manuel de Santa Maria Itaparica e padre Antônio Vieira. Segundo Candido & Castello (1973, p. 34/35), existem controvérsias quanto à identidade de Bento Teixeira Pinto. Acredita-se que tenha nascido no Porto, Portugal, em 1550. Sua obra Prosopopéia é um pequeno poema épico de 94 estrofes em oitava rima. Bosi (1974, p. 41) revela que a publicação do poema deu-se em 1601 e percebe-se a influência de Os Lusíadas, de Camões, desde a estrutura até o uso de chavões no emprego de mitologia e construções sintáticas. É uma obra apenas de valor histórico, não se reconhece nela qualquer peso literário. Louva os feitos militares do donatário da Capitania de Pernambuco, Jorge de Albuquerque Coelho e seu irmão Duarte Coelho, faz a descrição do Recife de Pernambuco e Olinda Celebrada. Natural de Salvador, Bahia, 1636, Gregório de Matos Guerra teve destaque apenas local, salienta Candido e Castello (1973, p. 70/71). Os pósteros não o conheceram, sua obra permaneceu inédita. Januário da Cunha Barbosa publicou versos de Matos pela primeira vez em 1829, numa antologia. Em 1881 foi reunida a primeira 482

coletânea satírica. Entre 1923 e 1933 publicou-se o resto de sua obra em edição desprovida de crítica não se podendo avaliar com segurança, fato que torna duvidosa a autoria de alguns poemas que lhe são atribuídos. Compôs poesias religiosas e líricas, atentas à estética do Barroco com abusos de figuras de linguagem. Fez uso do estilo cultista e conceitista, através de jogos de palavras e raciocínios sutis. Criticou todos os aspectos da sociedade baiana. Ninguém foge de sua postura ferina que atinge o brasileiro, o português, o negro, o índio, os ricos, o clero. Manuel Botelho de Oliveira é o representante maior do Gongorismo no Brasil, afirma Bosi (1974, p. 44). Natural de Salvador, Bahia, 1636, teve a capacidade de escrever com igual perícia em quatro idiomas e formas herdadas do Trovadorismo e dos Renascentistas. Sua obra Música do Parnaso ilustra bem o Gongorismo. É uma antologia que reúne poemas em português, espanhol, italiano e latim. Frei Manuel de Santa Maria Itaparica, Bahia, 1704, de acordo com Bosi (1974, p. 47), é autor de uma epopéia sacra intitulada Eustáquidos, em que se revela um fraco imitador de Camões. Por sua vez, padre Antônio Vieira, nascido em Lisboa, Portugal, 1608, foi um produtivo escritor do Barroco Brasileiro que se impôs como teórico e modelo, dividido entre Portugal e Brasil. Bosi (1974, p. 48) explica que existe um Vieira brasileiro, um português e um europeu. Essa riqueza de dimensões dá-se em virtude do caráter supranacional da Companhia de Jesus. Vieira foi um intérprete fantasioso da bíblia em função do popular Sebastianismo, entretanto viu frustradas as suas profecias, além de trair suspeita para as suas obras heréticas. Sobre Vieira é interessante transcrever: O padre Antônio Vieira (1608-1697), português de origem e de formação cultural, pregador régio e tribuno da restauração, embaixador de Portugal junto às cortes de França e Holanda, vítima do Santo Ofício e logo após maravilha dos romanos aos quais fala em italiano com o mesmo vigor e a mesma sutileza que o tornaram famoso na pátria, é uma das mais prestigiosas figuras da literatura portuguesa. [...] escreve a maioria de suas obras no Brasil sobre temas brasileiros: e morre no Brasil. Nesse sentido, Vieira é também escritor brasileiro, e a inclusão de seu nome nestas páginas (sem que isso perca seu lugar dentro da literatura portuguesa) afigura-se obrigatória (PICCHIO, 1996, p. 105). Moisés (1984, p. 94/104) apresenta a biografia dos principais autores do Barroco Português, a começar por padre Antônio Vieira, depois D. Francisco Manuel de Melo, padre Manuel Bernardes, Frei Luís de Sousa e Sóror Mariana Alcoforado. D. Francisco Manuel de Melo nasceu em Lisboa, Portugal, em 1608. É dono de uma obra vastíssima com poesias compostas, parte em português, parte em castelhano. 483

Escreveu também tratados morais, como a Carta de Guia de Casados, que não obstante a passagem dos séculos permanece atual com alguns lances ainda vivos quando se trata de casamento. Nascido em Lisboa, Portugal, em 1644, padre Manuel Bernardes compôs sua obra no silêncio do claustro. Aos trinta anos ingressou na Congregação do Oratório de São Filipe Néri. Sua obra opõe-se a de Vieira. Era contemplativo e místico por natureza, dono de uma fé inquebrantável. É um autêntico modelo da prosa Seiscentista através da linguagem conceptista, elegante, espontânea e precisa. Suas principais obras são: Pão partido em pequeninos, Luz e calor e Nova Floresta, que é sua obra mais conhecida, pois nela ele atingiu o apogeu de suas faculdades literárias. Frei Luís de Sousa, natural de Santarém, Portugal, 1555, antes de ingressar na vida religiosa chamava-se Manuel de Sousa Coutinho e fora casado com Dona Madalena de Vilhena, viúva de Dom João de Portugal que desapareceu na batalha de Alcácer-Quibir ao lado de Dom Sebastião. Teve com ela uma filha, D. Maria de Noronha que morreu ainda nova, motivo pelo qual ele e a esposa entraram para o convento, ele no Convento de São Domingos de Benfica, e ela, no de Sacramento. Compôs sua obra com severa interpretação dos fatos e documentos, usando uma linguagem castiça, fluente, plástica, evitando os excessos do Barroco, sendo modelo da melhor prosa do século XVII. Nascida em Beja, Portugal, em 1640, Sóror Mariana Alcoforado apaixonou-se por Nöel Bouton, conde de Saint-Léger, depois marquês de Chamilly e marechal de França que esteve em Beja para auxiliar Portugal na luta contra a Espanha. Ela teria trocado cartas com ele, das quais só restaram as escritas pela religiosa e que foram publicadas como Lettres Portugaises traduites em français. São cinco cartas de amor que ganharam relevo como documento humano, não visavam à publicação nem a ser encaradas como literatura, ressaltando-se, contudo, a contribuição do tradutor. O Padre Antônio Vieira é maior personalidade humana e cultural da época barroca. Nele se encontram as linhas que constituem o complexo quadro do Barroco Português. Foi acusado de heresia pela Inquisição por acreditar na ressurreição de D. João e profetizar para Portugal o Quinto Império em que o poder temporal caberia ao rei português e o espiritual ao Papa. No Brasil, ele combateu a escravidão dos indígenas e acabou expulso do Maranhão. Sua obra compreende Cartas e Sermões. Dono de uma linguagem dramática, revela-se um autor e ator cheio de vigor. Sua imaginação verbal e estilo de pensar, com seus paradoxos, o aproximam de Fernando Pessoa. Oportuno transcrever o poema Mensagem, em que o poeta assim se expressa sobre Vieira quanto à profecia do Quinto Império (BOSI, 1974, p. 50/51): O céu estrela o azul e tem grandeza. Este, que teve a fama e a glória tem, 484

Imperador da língua portuguesa, Foi-nos um céu também. No imenso espaço seu de meditar, Constelado de forma e de visão, Surge, prenúncio claro de luar, El-Rei Dom Sebastião. Mas não, não é luar: é luz do etéreo. É um dia; e, no céu amplo de desejo, A madrugada irreal do Quinto Império Doira as margens do Tejo. Moisés (1984, p. 108/109) destaca ainda que não se pode esquecer de mencionar como parte da poesia Barroca em Portugal as duas antologias mais importantes da poesia Seiscentista que são: Fênix Renascida e Postilhão de Apolo. A primeira, também intitulada Obras Poéticas dos Melhores Engenhos Portugueses foi publicada em cinco volumes por Matias Pereira da Silva, entre 1716 e 1728. Percebe-se o cultivo das típicas agudezas barrocas, apresenta temas lírico-amorosos e épicos. Entre os poetas que a compõem, destacam-se: Jerônimo Baía, Sóror Violante do Céu, Antônio da Fonseca Soares (Frei Antônio das Chagas), D. Tomás de Noronha, Diogo Camacho e Antônio Barbosa Bacelar. O Postilhão de Apolo é o título mais conhecido de um cancioneiro de longo título (Ecos que o Clarim da Fama Dá / Postilhão de Apolo montado no Pégaso...). Foi publicado em dois volumes: Eco I e Eco II, em 1761 e 1762, por D. José Ângelo de Morais. É uma coletânea que reúne poesias de variada temática, da jocosa a mais grave com influência do Gongorismo. Destacam-se os poetas: Eusébio de Matos, Bernardo Vieira Ravasco, Francisco Rodrigues Lobo e D. Francisco Xavier de Meneses. CONSIDERAÇÕES FINAIS Dessa maneira espera-se ter efetuado a contento a análise comparativa entre o Barroco Brasileiro e o Barroco Português, estética onde se destacam grandes escritores de língua portuguesa, em especial o padre Antônio Vieira. Situados no distante século XVII, os textos dos autores do período Barroco ainda encantam pela tentativa de fusão na alternância entre o racionalismo e irracionalismo, fé e materialismo, subjetividade e objetividade. Foi sem dúvida um período enriquecedor da linguagem literária que abriu perspectivas novas para os estilos posteriores na literatura portuguesa e brasileira. Apesar da poeira dos séculos, a herança barroca ainda influencia autores modernistas brasileiros como Carlos Drummond de Andrade, Caetano Veloso e Affonso Ávila. 485

REFERÊNCIAS AMORA, Antônio Soares. História da literatura brasileira (séculos XVI XX). São Paulo: Saraiva, 1965. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1974. CANDIDO, Antonio; CASTELLO, J. Aderaldo. Presença da literatura brasileira I: Das origens ao Romantismo. São Paulo: Difusão européia do livro, 1973. COUTINHO, Afrânio. Conceito de literatura brasileira. Rio de Janeiro: Pallas S/A, 1976. FISCHER, Luís Augusto. Literatura brasileira, modos de usar. Porto Alegre: L&PM Editores, 2007. GOULART, Audemaro Taranto; SILVA, Oscar Vieira da. Estudo dirigido de Gramática Histórica e Teoria da Literatura. São Paulo: Editora do Brasil, 1974. MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. São Paulo: Cultrix, 1984. PICCHIO, Luciana Stegagno. História da literatura brasileira. São Paulo: UNESP, 1996. Para citar este artigo: COPPI, José Augusto. O Barroco de cá, o Barroco de lá: origens, aspectos, ressonâncias, características, autores e obras. In: X CONGRESSO DE EDUCAÇÃO DO NORTE PIONEIRO Jacarezinho. 2010. Anais...UENP Universidade Estadual do Norte do Paraná Centro de Ciências Humanas e da Educação e Centro de Letras Comunicação e Artes. Jacarezinho, 2010. ISSN 18083579. p. 477 486. 486