PARECER Trata-se de comunicação feita pela Excelentíssima Dra. Sabrina Azevedo Castro de Carvalho, titular do Núcleo de Família de São João de Meriti, informando que vem se deparando com muitos casos de separação judicial e/ou extinção de união estável de casais que são titulares de financiamentos imobiliários de imóveis subsidiados pelo programa Minha Casa Minha Vida. Informa que não é possível a alienação ou locação destes imóveis por determinação legal expressa do referido programa habitacional. Aduz, ainda, que, quando não há acordo entre os cônjuges/companheiros sobre a divisão do imóvel, há a preocupação do cônjuge que se retira do lar com a configuração da usucapião familiar, prevista na Lei 12.424/11, em favor do cônjuge que permanece sozinho no imóvel financiado. Requer, assim, subsídios para a defesa do cônjuge que se retira do lar, impedindo a configuração da usucapião familiar, motivo pelo qual solicita parecer desta Coordenadoria. Incialmente cabe esclarecer que o programa Minha Casa Minha Vida, em sua versão original, já determinava que os contratos de financiamento imobiliário subvencionados pelo programa deveriam ser formalizados, preferencialmente, em nome da mulher (artigos 35 da Lei 11.977/09). Posteriormente, a alteração realizada pela Lei 12.693/12 passou a determinar que os contratos que tenham como beneficiária uma mulher chefe de família podem ser firmados por ela independentemente da outorga do cônjuge, excepcionando expressamente a regra contida nos artigos 1647 a 1649 do CC, bem como que podem ser registrados no registro de imóveis sem a exigência de documentos relativos ao eventual cônjuge. Neste sentido, o artigo 73-A (caput e 1º) da Lei 11.977/09. Percebe-se, então, que mesmo havendo vínculo de casamento ou união estável, o contrato de aquisição e financiamento do imóvel será celebrado apenas pela mulher, sem a participação do homem, bem como registrado apenas em seu nome junto ao registro imobiliário.
Além de a mulher ser a única a figurar como adquirente no título aquisitivo dos imóveis do programa minha casa minha vida, a mesma lei também determina que em caso de dissolução do casamento ou da união estável, independentemente da participação de cada um dos consortes na aquisição do imóvel, ou do regime de bens adotado pelo casal, a propriedade do imóvel, como regra, será exclusivamente da mulher. Neste sentido dispõe o art. 35-A da Lei 11.977/09, acrescido pela Lei 12.693/2012) : Art. 35-A. Nas hipóteses de dissolução de união estável, separação ou divórcio, o título de propriedade do imóvel adquirido no âmbito do PMCMV, na constância do casamento ou da união estável, com subvenções oriundas de recursos do orçamento geral da União, do FAR e do FDS, será registrado em nome da mulher ou a ela transferido, independentemente do regime de bens aplicável, excetuados os casos que envolvam recursos do FGTS. Parágrafo único. Nos casos em que haja filhos do casal e a guarda seja atribuída exclusivamente ao marido ou companheiro, o título da propriedade do imóvel será registrado em seu nome ou a ele transferido. Tais dispositivos legais foram inseridos na Lei 11.977/09 por força da Medida Provisória 561, editada no dia 08/03/2012 (considerado dia internacional da mulher), e têm como escopo proteger os filhos menores do casal (pois, a princípio, a propriedade do imóvel pertence àquele que tem a guarda unilateral dos filhos), bem como a mulher, considerada, na maior parte das hipóteses de rompimento do vínculo entre o casal, em situação mais vulnerável que o homem. Trata-se de norma que instrumentaliza uma ação afirmativa, que visa compensar ou equacionar a desigualdade material histórica entre homens e mulheres, assegurando concretude ao princípio constitucional da igualdade substancial, e não meramente formal. Insere-se, portanto, entre as normas que
buscam assegurar a isonomia efetiva entre homens e mulheres, pois, impõe um tratamento jurídico diferenciado para compensar uma desigualdade ainda existente no plano fático, assim como a Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), cuja constitucionalidade, inclusive, já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal. Resta claro, portanto, que de acordo com o texto legal em vigor, com o fim do casamento ou da união estável, o imóvel adquirido durante a vida em comum será registrado exclusivamente em nome da mulher se : 1) o casal teve filhos e a sua guarda é exclusivamente da mãe; 2) o casal teve filhos e houve acordo/decisão judicial para guarda compartilhada; 3) o casal não teve filhos. Em caso de guarda unilateral da prole pelo pai, a este será transferida ou registrada a propriedade do imóvel. A exceção a esta regra ocorre nos casos em que a compra do imóvel, embora submetida ao programa Minha Casa Minha Vida, envolveu recursos do FGTS de qualquer dos cônjuges/companheiros, quando então deve ocorrer a partilha do imóvel, dentro das regras estabelecidas para o regime de bens adotado. Diante da normatização do tema, constata-se que, não sendo a aquisição feita com recursos do FGTS ou não ficando o varão como guardião exclusivo da prole comum, a propriedade do imóvel adquirido na constância da união pertencerá, de pleno direito, unicamente à mulher. Desnecessário, portanto, que esta postule usucapião familiar para a consolidação da propriedade integral do bem imóvel em seu nome, bem como qualquer medida do cônjuge varão visando obstaculizar esta usucapião. Diante do acima exposto, havendo separação/rompimento da união estável do casal, restaria ao cônjuge varão, neste caso, a postulação de perdas e danos em face de sua ex-cônjuge ou companheira, a fim de receber o valor equivalente à sua meação, ou, ao menos, à parte do imóvel pago durante a vida em comum, já que não teria direito à propriedade do imóvel. Outra solução possível para a defesa do cônjuge/companheiro varão seria a postulação do direito à propriedade sobre a metade do imóvel, arguindo-se, neste caso, incidentalmente, a inconstitucionalidade dos artigos
35-A e 73-A da Lei 11.977/09, por violação à clausula constitucional da igualdade entre homens e mulheres, prevista no art. 5º, inciso I, da Constituição Federal, bem como à regra de igualdade de direitos entre os cônjuges, prevista no art. 226, 5º, também da Constituição Federal. A guisa de exemplo, cumpre destacar que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na Arguição de Inconstitucionalidade n.º 1.0702.12.054293-2/002, reconheceu a inconstitucionalidade do art. 35-A da Lei 11.977/09, por violação do princípio constitucional da igualdade entre os homens e as mulheres, assim como aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. 1 Sendo esta a manifestação da coordenadoria cível, coloco-me à disposição da Nobre Colega para o que mais entender necessário. Cintia Regina Guedes Matrícula n 835.249-4. Coordenadoria Cível 1 INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE - JUÍZO DE PRELIBAÇÃO REALIZADO PELO ÓRGÃO FRACIONÁRIO - QUESTÃO CONSTITUCIONAL - PRELIMINAR SUSCITADA DE OFÍCIO DE NÃO CONHECIMENTO - REJEIÇÃO - PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO. Reconhecida a argüição de inconstitucionalidade de determinada norma legal pela Turma Julgadora (órgão fracionário), que decidiu pela impossibilidade de prosseguir no julgamento da causa sob pena de desobediência do artigo 97, da CRFB, tem-se por atendida a segunda parte do artigo 481, do CPC, suficiente a ensejar a análise da questão constitucional pelo colendo Órgão Especial. v.v.p. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. NÃO CONHECIMENTO. AUSÊNCIA DO JUÍZO DE PRELIBAÇÃO PELO ÓRGÃO FRACIONÁRIO. O exame da questão constitucional pelo Órgão Especial impõe ao órgão fracionário a realização do juízo de prelibação, com prévio acolhimento da tese de inconstitucionalidade, nos termos do art. 481 do CPC. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 35-A DA LEI 11.977/09. OFENSA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE. O art. 35-A, da lei 11.977/09, com redação dada pela Lei 12.693/12, viola o princípio constitucional da igualdade entre os homens e as mulheres e os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. ACÓRDÃO : Vistos etc., acorda, em Turma, o ÓRGÃO ESPECIAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em REJEITAR A PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO INCIDENTE, VENCIDO O RELATOR E, NO MÉRITO, ACOLHER O INCIDENTE. ( ARG INCONSTITUCIONALIDADE Nº 1.0702.12.054293-2/002 - COMARCA DE UBERLÂNDIA - REQUERENTE (S): TERCEIRA CÂMARA CÍVEL - REQUERIDO (A)(S): ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS - INTERESSADO: PAULO SERGIO CANDIDO TAVARES, PRISCILA BARBOSA MARTINS. REL. DES. WAGNER WILSON FERREIRA)