Normas fundamentais e negócios processuais no novo Código de Processo Civil

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Transcrição:

Normas fundamentais e negócios processuais no novo Código de Processo Civil Gilberto Andreassa Junior* Rogéria Dotti* A poucos dias de entrar em vigor o novo Código de Processo Civil, ganha importância o debate de temas até então pouco explorados pela doutrina e que poderão influenciar a aplicação de várias regras processuais. Em um primeiro momento, vale recordar as principais tendências do novo código: priorização do mérito (instrumentalidade das formas), cooperação real entre as partes e o juiz da causa (princípio da cooperação), fortalecimento do dever de fundamentação (art. 489, 1º e 2º, NCPC), amplo contraditório (art. 10º, NCPC), busca efetiva pela conciliação entre as partes litigantes (art. 334, 8º, e art. 335, NCPC), respeito aos precedentes judiciais, e, por fim, a valorização da vontade das partes em relação aos atos do processo. Dito isso, cumpre delimitar e analisar as normas fundamentais do processo civil que estão elencadas nos doze primeiros artigos do Código, os quais certamente possuem enorme influência sobre as demais alterações trazidas pelo legislador. Em uma leitura perfunctória do artigo 1º do NCPC 1, percebe-se que o legislador, de certa forma, deixou de lado o formalismo presente no CPC/73, trazendo o que alguns doutrinadores chamam de neoprocessualismo, que seria a atuação do direito processual com vistas ao direito constitucional (neoconstitucionalismo). Tal fato decorre do movimento que se instalou no Poder Judiciário no início dos anos 2000, o qual prioriza os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição Federal. No artigo 2º fica estabelecido que o processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei. Aqui resta consagrado o princípio da demanda, também conhecido como princípio dispositivo em sentido material. O artigo 3º reproduz o que já encontramos no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal. Trata-se do direito fundamental de acesso à justiça 2. E os parágrafos do mesmo dispositivo prevêem a permissão da arbitragem e a busca incessante na solução consensual dos conflitos. 1 Art. 1 o O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código. 2 Art. 3º. Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

Conforme citado no início do texto, a nova lei tem uma preocupação bastante relevante em relação à conciliação entre as partes. Diversamente do que ocorre no CPC/73, a partir da entrada em vigor do CPC/2015, as partes serão intimadas/citadas a comparecer na audiência conciliatória antes mesmo de apresentar qualquer tipo de manifestação no processo. Ademais, quando uma das partes tiver interesse na conciliação/mediação, a mesma se torna obrigatória para ambas, sob pena de aplicação de multa (art. 334, 8º, NCPC) 3. Já no artigo 4º, extrai-se que as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa 4. Ou seja, trata de confirmação do que prevê o art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal 5. Tal premissa certamente está relacionada a um desejo geral da população, a qual anseia por um Poder Judiciário mais ágil. Por outro vértice, é evidente que não se pode confundir a busca pela razoável duração do processo com um processo célere, mas que não assegure garantias constitucionais essenciais como, por exemplo, o devido processo legal. Adiante, o NCPC, em seu artigo 5º, determina que aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé. Trata-se, claramente, do dever geral de probidade. O mais relevante é que tal norma introduz um dever de respeito à boa-fé objetiva, seguindo uma tendência do direito privado já constante no Código Civil de 2002. Ou seja, para além da verdadeira intenção das partes, é fundamental que estas atuem de acordo com um padrão médio e esperado de conduta. Tal mandamento complementa o artigo 77 do NCPC que explicita os deveres dos litigantes e de seus procuradores. Na forma subjetiva, a boa-fé pode ser compreendida como um estado de consciência, ou seja, constitui o dever das partes em agir com veracidade, completude e lealdade (art. 77, I, II e III, NCPC). Objetivamente, a boa-fé pode ser traduzida como um dever de comportamento, isto é, devem as partes cumprir todas as ordens judiciais e não praticar inovação ilegal no estado de fato ou de direito da causa (art. 77, IV e VI, NCPC). Em síntese, é possível descrever o artigo 5º do NCPC como um verdadeiro 3 Enunciado 61 do ENFAM. Somente a recusa expressa de ambas as partes impedirá a realização da audiência de conciliação ou mediação prevista no art. 334 do CPC/2015, não sendo a manifestação de desinteresse externada por uma das partes justificativa para afastar a multa de que trata o art. 334, 8º. 4 O art. 139, inciso II, reafirma o compromisso do NCPC: O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: velar pela duração razoável do processo. 5 A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

princípio, enquanto que os artigos 77 a 81 assumem a função de regras, disciplinando deveres e impondo sanções. Mais à frente, estabelece o NCPC um dos princípios mais importantes e que certamente norteará as decisões tomadas pelas partes e pelos juízes: o princípio da cooperação. O art. 6º do NCPC determina que todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. Ou seja, as partes deixam de agir de forma individualizada e passam a atuar em conjunto com o juiz na busca de uma solução. Institui-se assim um espaço não apenas de julgamento, mas de resolução de conflitos 6. Um bom exemplo está elencado no art. 357, 3º, do NCPC: se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações. Percebe-se, assim, que tanto o magistrado como as partes devem se engajar na causa, a fim de que a decisão final seja a mais justa possível. No dever de cooperação do juiz se incluem o dever de esclarecimento 7, dever de diálogo 8, dever de prevenção 9 e o dever de auxílio para com os litigantes 10. Importante mencionar que a doutrina não é pacífica com relação ao princípio da cooperação entre as partes. DANIEL MITIDIERO, por exemplo, entende que esta só pode ser exigível entre as partes e o juiz, não na relação entre os próprios litigantes. Na visão do autor, no processo civil as partes perseguem interesses divergentes. Vale dizer: cada qual persegue seu próprio interesse 11. O artigo 7ª, por sua vez, refere-se ao princípio da isonomia, o qual já está colacionado no caput do artigo 5º, da Constituição Federal 12. Ao estabelecer que é 6 CUNHA, Leonardo Carneiro. Negócios jurídicos processuais no processo civil brasileiro, in Negócios Processuais, Coleção Grandes Temas do Novo CPC. Coord. Antonio do Passo Cabral e Pedro Henrique Nogueira. Salvador: Editora JusPodivm, 2015, p. 49. 7 Cumpre solicitar às partes esclarecimentos acerca das petições e pedidos genéricos. Por outro lado, juiz também tem o dever de esclarecer as partes acerca de suas decisões (art. 489, 1º e 2º, e 491, NCPC). 8 Juiz consulta e ouve todas as partes antes de decidir sobre qualquer questão, ainda que seja possível decidir de ofício (art. 9º e 10º, NCPC). 9 Juiz deve advertir as partes sobre os riscos e deficiências das manifestações e estratégias por elas adotadas, permitindo a correção sempre que possível (ex. art. 321, NCPC). 10 Exemplos: art. 139, VI, e 437, 2º, NCPC. 11 MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil como prêt-à-porter? Um convite ao diálogo para Lênio Streck. Revista de Processo 194. Pág. 62. Vide, do mesmo autor, Colaboração no processo civil, 3ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. 12 Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.

assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório, o legislador procurou reforçar o direito fundamental à isonomia que já estava positivado, mas muitas vezes era deixado de lado pelos julgadores. A importância do mandamento constitucional é tamanha que o NCPC reiterou o princípio no artigo 139, inciso I. Ainda se utilizando de mandamentos da Carta Magna, a nova lei colacionou no artigo 8º os princípios da proporcionalidade, razoabilidade, legalidade, publicidade e eficiência. Outro ponto a ser destacado é a questão do amplo contraditório (artigos 9º e 10º). O artigo 9º assegura que não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida, salvo as exceções previstas posteriormente (incisos I, II e III). Já no art. 10 fica estabelecido que o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício. Como se vê, não bastasse a necessária cooperação entre os participantes do processo e o dever de fundamentação por parte dos juízes, o NCPC se preocupou em conceder às partes o direito ao contraditório, ainda que a matéria possa ser decidida de ofício pelo juiz (ex. prescrição). Isto certamente poderá reduzir recursos, uma vez que as partes, através do contraditório, podem auxiliar na construção de melhores decisões judiciais. Observe-se, neste aspecto, que em relação às sentenças sem julgamento de mérito o magistrado passa a ter inclusive a possibilidade de retratação com a interposição do recurso de apelação (art. 485, 7º). Ou seja, o juiz da causa, diante dos argumentos do apelante, pode rever sua própria decisão. Por fim o legislador delimitou nos artigos 11 e 12 o dever de fundamentação por parte dos juízes, assim como a necessidade de julgamento das demandas em ordem cronológica. Fato é que o 12º artigo merece um texto próprio, sobretudo porque a tendência é de que o mesmo seja substancialmente alterado pelo Congresso Nacional antes mesmo da entrada em vigor do NCPC. Mas, a pergunta que poderia surgir é: qual a relação entre essas normas fundamentais e os negócios processuais? Em outras palavras, os valores inerentes ao novo Código de Processo Civil podem influenciar a interpretação dessas convenções sobre processo? A resposta é clara: o legislador de 2015 propõe um processo dialógico (arts. 9º e 10), marcado pela cooperação (art. 6º) e pela resolução conjunta dos conflitos. Tal ideário

tem grande vinculação com o princípio do autorregramento da vontade 13, o qual constitui o fundamento para os negócios processuais. Nesse sentido, o processo cooperativo surge como uma alternativa entre o modelo publicista (onde domina a posição central do juiz) e a concepção garantista ou adversarial (com ampla autonomia das partes). Ele harmoniza a tensão entre liberdade individual e poder estatal. O processo cooperativo nem é processo que ignora a vontade das partes, nem é processo em que o juiz é um mero espectador de pedra 14. No chamado negócio processual (art. 190, NCPC), versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. E, nos termos do que prevê o art. 200, o negócio processual produz efeitos desde logo, independendo de homologação judicial na grande maioria dos casos 15. A presente técnica processual é inovadora e concede força às partes, isto porque podem elas criar procedimentos para ouvir testemunhas, suprimir recursos e afastar efeito suspensivo na apelação. A base é a arbitragem. O raciocínio é simples: se as partes podem inclusive retirar do Poder Judiciário a solução de um conflito de interesses, atribuindo-o a um árbitro, não deve haver óbice à sua manutenção perante o Poder Judiciário mas em um processo por elas redesenhado 16. A propósito, o Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), grupo formado por professores de processo civil de todo o Brasil, já vem se manifestando a respeito da admissibilidade dos seguintes negócios processuais: pacto de impenhorabilidade, acordo para ampliação ou redução de prazos das partes de qualquer natureza, dispensa consensual de assistente técnico, convenção para afastar a possibilidade de execução provisória, dentre outros. Merece destaque o Enunciado nº 06: o negócio jurídico processual não pode afastar os deveres inerentes à boa-fé e à cooperação. Obviamente, a implementação do negócio processual deve obedecer certos limites, não podendo as partes fazer acordo para modificação da competência absoluta 13 DIDIER JR, Fredie. Princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo civil, in Negócios Processuais, Coleção Grandes Temas do Novo CPC. Coord. Antonio do Passo Cabral e Pedro Henrique Nogueira. Salvador: Editora JusPodivm, 2015, p. 19. 14 Ibidem, p. 22. 15 A própria lei, contudo, excepciona a hipótese de desistência da ação, ocasião em que os efeitos só ocorrem após a homologação judicial (art. 200, único). 16 TALAMINI, Eduardo. Um processo pra chamar de seu: nota sobre os negócios processuais, in Migalhas, 21 de outubro de 2015. Disponível em: <www.migalhas.com.br/depeso/16,mi228734,61044- Um+processo+pra+chamar+ de+seu+nota+sobre+os+negocios+juridicos>. Acesso em 13.01.2016.

e/ou acordo para supressão da primeira instância (Enunciado nº 20 do FPPC) 17. Também não se pode acordar a não intervenção do Ministério Público ou a dispensa dos requisitos da petição inicial (art. 319). Ainda, não será considerada válida convenção préprocessual oral (art. 4º, 1º, da Lei n. 9.307/1996 e 63, 1º, do CPC/2015). Em suma, o princípio do autorregramento da vontade não pode atingir normas processuais voltadas à proteção de direitos indisponíveis. Nesse sentido não é possível negócio processual que afaste o reexame necessário ou que trate de qualquer outro tema reservado à lei 18. O que se percebe, na realidade, é que com os mandamentos do NCPC os advogados ganham uma importância ainda maior, pois deverão esclarecer seus clientes acerca das possibilidades supracitadas em eventual contrato perante terceiro. Outras iniciativas que também podem ser adotadas pelas partes em contratos bilaterais são: renúncia ao duplo grau de jurisdição e número máximo de testemunhas em caso de eventual demanda judicial, distribuição dinâmica do ônus da prova (convenção sobre prova), limite de perícia e indicação de quem supostamente irá custear, julgamento antecipado do mérito convencional. Ainda poderá ser criado procedimento para ouvir testemunhas em cartório e, inclusive, já poderão as partes tratar de eventual execução (por exemplo, afastando a impenhorabilidade de bens de família). Por outro lado, a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), em encontro realizado em agosto de 2015, editou 62 enunciados de interpretação às novas regras. Tal entendimento tende a ser seguidos pelos juízes. O Enunciado nº 37, por exemplo, estabelece que são nulas, por ilicitude do objeto, as convenções processuais que violem as garantias constitucionais do processo, tais como as que: a) autorizem o uso de prova ilícita; b) limitem a publicidade do processo para além das hipóteses expressamente previstas em lei; c) modifiquem o regime de competência absoluta; e d) dispensem o dever de motivação. Importante lembrar que o próprio NCPC, em seu art. 190, parágrafo único assegura que de ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade. Ainda, em seu art. 63, 3º, determina que antes da citação, a cláusula de eleição de foro, se abusiva, pode ser reputada ineficaz de ofício pelo juiz, 17 Não são admissíveis os seguintes negócios bilaterais, dentre outros: acordo para modificação da competência absoluta, acordo para supressão da primeira instância. (Enunciado nº 20 do FPPC, aprovado no encontro em Salvador nos dias 08 e 09 de novembro de 2013). 18 CUNHA, Leonardo Carneiro. Op. cit., p. 59.

que determinará a remessa dos autos ao juízo do foro de domicílio do réu. Em outras palavras, a própria lei estabelece uma forma de controle por parte do magistrado. Nesse sentido, prevendo questões futuras, a ENFAM procurou formular enunciados limitando a atuação dos litigantes. Por exemplo, na visão dos magistrados presentes ao encontro, a regra do art. 190 do CPC/2015 não autoriza às partes a celebração de negócios jurídicos processuais atípicos que afetem poderes e deveres do juiz, como por exemplo a limitação dos poderes de instrução ou do controle de legitimidade das partes. Nessa mesma linha, há relevante ponderação de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero ao sustentarem que a jurisdição tem funções muito mais amplas, as quais não podem ser resumidas a mera resolução da controvérsia. Daí a crítica a uma preocupação exclusivamente limitada ao interesse das partes 19. Conforme já mencionado, tanto a ENFAM quanto o FPPC procuraram estabelecer orientações, através de enunciados, a fim de que a interpretação dos novos dispositivos ocorra da melhor maneira possível. Afinal, ainda que as garantias constitucionais não sejam negociáveis 20, é possível estabelecer alterações quanto ao procedimento e quanto aos deveres, ônus e faculdades. Vale aqui citar, em especial, os Enunciados nºs 16 a 21 do FPPC. 21 Dentre eles, o Enunciado nº 18 estabelece que há indício de vulnerabilidade quando a parte celebra acordo de procedimento sem assistência técnico-jurídica. Isto é, ao elaborar contratos 19 Porém, olhando-a de modo mais distante, é fácil perceber que a jurisdição tem funções muito mais amplas, que não podem ser resumidas à solução da controvérsia das partes. Por isso se mostra preocupante essa virada do processo em direção a centrar suas preocupações na resolução do litígio e, particularmente, no interesse das partes envolvidas. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: teoria do processo civil, vol. I, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 532. 20 Não se podem estabelecer regras que eliminem, por exemplo, garantias constitucionais, mas se podem estabelecer alterações procedimentais, desde que não ofendam aquelas garantias. São situações absolutamente distintas. WAMBIER, Luiz Rodrigues. Sobre o negócio processual previsto no CPC/2015, in Cadernos Jurídicos da OAB Paraná, série especial Novo CPC, nº 58, maio de 2015, fls. 03. 21 Enunciados: (16) O controle dos requisitos objetivos e subjetivos de validade da convenção de procedimento deve ser conjugado com a regra segundo a qual não há invalidade do ato sem prejuízo; (17) As partes podem, no negócio processual, estabelecer outros deveres e sanções para o caso do descumprimento da convenção; (18) Há indício de vulnerabilidade quando a parte celebra acordo de procedimento sem assistência técnico-jurídica; (19) São admissíveis os seguintes negócios processuais, dentre outros: pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo de recurso, acordo para não promover execução provisória; pacto de mediação ou conciliação extrajudicial prévia obrigatória, inclusive com a correlata previsão de exclusão da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de exclusão contratual da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de disponibilização prévia de documentação (pacto de disclosure), inclusive com estipulação de sanção negocial, sem prejuízo de medidas coercitivas, mandamentais, sub-rogatórias ou indutivas; previsão de meios alternativos de comunicação das partes entre si; (20) Não são admissíveis os seguintes negócios bilaterais, dentre outros: acordo para modificação da competência absoluta, acordo para supressão da primeira instância; (21) São admissíveis os seguintes negócios, dentre outros: acordo para realização de sustentação oral, acordo para ampliação do tempo de sustentação oral, julgamento antecipado do mérito convencional, convenção sobre prova, redução de prazos processuais.

contendo negócios processuais/procedimentos, importante a presença de advogados de ambas as partes, a fim de que futuramente não se alegue abusividade ou desconhecimento das regras. Ademais, em atendimento ao Enunciado nº 38 da ENFAM, somente partes absolutamente capazes podem celebrar convenção pré-processual atípica (arts. 190 e 191 do CPC/2015). Mas há pontos polêmicos. De um lado, o Fórum Permanente de Processualistas Civis emitiu o Enunciado nº 21, afirmando ser possível a convenção entre as partes para realização de sustentação oral ou acordo para ampliação do tempo da mesma. Por outro, a ENFAM concluiu que por compor a estrutura do julgamento, a ampliação do prazo de sustentação oral não pode ser objeto de negócio jurídico entre as partes (Enunciado nº 41). Qual será então a orientação a ser seguida? A resposta virá depois de algum tempo de debate, mais precisamente após a aplicação prática das novas normas do Código de Processo Civil. De qualquer forma, como alerta Flávio Luiz Yarshell, o sucesso ou o fracasso das novas disposições depende do esforço e da boa vontade de todos os envolvidos. Só então saberemos se caminhamos, de fato, para uma nova era 22. * GILBERTO ANDREASSA JUNIOR. Advogado. Professor Universitário. Mestre em Direito Constitucional. Especialista em Direito Processual Civil Contemporâneo. Membro Efetivo do Instituto dos Advogados do Paraná. Membro Honorário da Academia Brasileira de Direito Processual Civil. Membro de Comissões da OAB/PR. Autor de livros e artigos. * ROGÉRIA DOTTI. Advogada. Doutoranda e Mestre em Direito Processual Civil (Direito das Relações Sociais) pela Universidade Federal do Paraná. Conselheira nata e Ex- Presidente do Instituto dos Advogados do Paraná. Foi Coordenadora Geral da Escola Superior da Advocacia ESA, da OAB/PR. 22 YARSHELL, Flávio Luiz. Convenção das partes em matéria processual: rumo a uma nova era?, in Negócios Processuais, Coleção Grandes Temas do Novo CPC. Coord. Antonio do Passo Cabral e Pedro Henrique Nogueira. Salvador: Editora JusPodivm, 2015, p. 80.