Introdução ao Livro de Ezequiel - O teste dos limites teológicos



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Transcrição:

Introdução ao Livro de Ezequiel - O teste dos limites teológicos Ezequiel era sacerdote e pertencia à família sacerdotal da linhagem de Zadoque, e foi um dos que foram levados prisioneiros na primeira deportação babilônica em 597 a.c. Seu nome significa "Deus fortalece", aliás, bem apropriado para o momento que os hebreus estavam vivendo. Sua profecia, por ser um subproduto da primeira parte do cativeiro, se diferencia do profetismo clássico pré-exílio. O pensamento corrente em Israel é que Javé estava restrito à Palestina e ao Templo de Jerusalém. No exílio esta ideia foi posta em xeque, pois os judeus aprenderam que Javé poderia ser adorado fora dos limites da Terra Prometida. Ele era casado e seu casamento corria bem, até que Javé anunciou a morte de sua esposa que serviria como um sinal do sofrimento que os hebreus enfrentariam. Seu livro sempre fez parte do cânon hebraico, mas, em virtude das diferenças em relação às cerimônias do templo e das leis mosaicas (Nm. 28:11 e Ezequiel 46:6), eruditos judeus, posteriormente, chegaram a questionar sua canonicidade até que os rabinos restringiram seu uso quando as divergências fossem solucionadas na "vinda de Elias" (Ml. 4:5). O capítulo 1 foi proibido nas sinagogas e a leitura privada só era permitida àqueles que tivessem mais de trinta anos. De acordo com a análise literária do livro de Ezequiel podemos afirmar que ele mesmo escreveu suas profecias, em virtude do uso constante dos pronomes "eu", "me" e "meu". O estilo e uniformidade de sua escrita e linguagem também contribuem para corroborar a tese de Ezequiel como autor único da obra que leva seu nome. A data da produção do livro de Ezequiel é determinada principalmente em razão da evidência interna de treze profecias datadas a partir do dia, mês e ano do exílio do rei Joaquim. Seu chamado é do ano de 593 a.c., e sua última profecia, contra o Egito, de 571 a.c. Uma vez que Ezequiel nada fala sobre o libertação de Joaquim em 562 a.c. é possível supor que o registro das suas atividades proféticas tenha ocorrido entre 571 e 562 a.c. Quanto ao local onde deu-se suas atividades é questão de intenso debate acadêmico, pois Ezequiel é muito preciso quando cita a localização do templo em sua visão nos capítulos 8 a 11. Evidências dentro do próprio texto apontam para a Babilônia, entretanto, não há como explicar seu registro dos acontecimentos em Jerusalém estando na Babilônia, exceto pelo verso 8:3, quando Javé o arrebatou até lá.

A profecia de Ezequiel foi uma consequência dos atos políticos e religiosos do rei Manassés quando decretou o baalismo como religião oficial (2 Rs. 21:1-9). Este decreto estabeleceu, inevitavelmente, o fim da nação de Judá (2 Rs. 21:9-15; 24:3-4). Josias, neto de Manassés, foi o último a tentar restabelecer o padrão ético, moral e religioso de Judá, quando o livro da Lei (provavelmente Deuteronômio) foi redescoberto (2 Rs. 22:3-13). Entretanto, com a morte de Josias em 609 a.c. (2 Rs. 23:28-30; 2 Cr. 35:20-27), pelo faraó egípcio Neco, sua tentativa não teve continuidade. Após este episódio, todos os demais reis de Judá foram marionetes dos reinos que procuravam dominar a região da Palestina, que não obedeceram às regras da Aliança e não se arrependeram de seus atos, mesmo com grande volume de mensagens proféticas. O cronista vê nesta situação um caminho sem retorno (2 Cr. 36:15-16). O faraó Neco deixou os filhos de Josias, Jeoacaz e Eliaquim, como vassalos do Egito, porém Jeoacaz foi destituído por insubordinação (2 Rs. 23: 31-35). Então Eliaquim, também chamado de Jeoaquim, governou Jerusalém por onze anos (2 Rs. 23:34-24:7), cujo governo Jeremias avaliou como corrupto, idólatra, com injustiças sociais, assassinatos, roubos, extorsão e abandono da Aliança com Javé (Jr. 22:1-17). Em 605 a.c. na batalha de Carquêmis, o Egito fugiu diante da Babilônia (2 Rs. 24:7) e Judá teve que pagar tributo a Nabucodonosor. Porém Jeoaquim rebelou-se contra a Babilônia e o resultado foi o cerco de Jerusalém em 598-597 a.c. quando Jeoaquim morreu. Joaquim, seu filho, governou em seu lugar por apenas três meses até que os babilônios invadiram e destruiriam a cidade (2 Rs. 24:1-17). A partir daí a família real e outras 10 mil pessoas da elite judaica foram levadas para a Babilônia, e, entre elas estava Ezequiel, que aproveitou o exílio de Joaquim para datar muitas de suas profecias aos hebreus deportados (Ez. 1:1-3; 8:1). Estrutura de Ezequiel O livro de Ezequiel pode ser dividido em três partes, da seguinte forma: Contra Jerusalém O chamado de Ezequiel - 1 a 3 Símbolos e oráculos I - 4 a 7 Visão de Jerusalém - 8 a 11 Símbolos e oráculos II - 12 a 15 Adultério - 16

Parábola - 17 Responsabilidade pessoal - 18 O lamento da leoa - 19 Rebelião - 20 a 22 As duas prostitutas - 23 A panela - 24 Contra as nações - 25 a 32 A restauração de Jerusalém Símbolos e oráculos - 33 a 35 Os montes de Israel são confortados - 36 Ossos secos - 37 Contra Gogue e Magogue - 38 e 39 A restauração do Templo - 40 a 43 Cerimônias e rituais do Templo - 44 a 46 As fronteiras e a divisão de Israel - 47 e 48 Treze oráculos de Ezequiel são datados, e tudo indica que foram transmitidos oralmente (3:10-11; 14:4; 20:27; 24:1-3; 43:10) aos habitantes hebreus da Babilônia e registrados posteriormente. Uma evidência pode ser a falta de ordem cronológica em alguns oráculos, que pode indicar que o próprio Ezequiel tenha compilado este livro, pois um organizador distinto teria provavelmente se preocupado com a organização cronológica. Em termos de estilo Ezequiel incorpora discursos proféticos, poesia, e drama. Este último quesito, inclusive, choca o povo exilado com uma linguagem por vezes grosseira quando utiliza o simbolismo da prostituição nos capítulos 16 e 23. Outros recursos estilísticos usados por Ezequiel foram a alegoria e a teatralização simbólica, rejeitados pelos cativos (Ez. 20:49). As alegorias de Ezequiel tinham por objetivo representar de forma simples a queda de Jerusalém, que aconteceria em breve, e o fim da nação de Judá. As dramatizações simbólicas tinham o mesmo objetivo. Estas encenações dramáticas reforçavam as profecias de julgamento que Javé prometera. Abaixo estão relacionadas estas encenações: Texto Encenação Significado 4:1-3 Desenha a cidade de jerusalém em um tijolo 4:4-8 Deita-se sobre seu lado esquerdo por 390 dias e sobre o direito por 40 dias. A cidade será cercada Os anos de pecado e a punição de Judá

4:9-17 Come alimentado controlado e cozido em fezes 5:1-12 Raspa a cabeça com uma espada e divide em três partes iguais com destinos distintos 12:1-12 Cava um buraco na parede e passa levando bagagens do exílio 21:18-23 Traça duas estradas das quais uma leva a Jerusalém. O rei decidiria por meio de sortes qual caminho seguir Fome em Jerusalém à época do cerco O destino dos que ficaram em Jerusalém à época do cerco O exílio será inevitável Javé levaria o rei da Babilônia para Jerusalém 25:15-24 Morte da sua esposa O povo escolhido morreria ou seria exilado A estrutura das profecias de Ezequiel aponta para a soberania de Javé. Os capítulos 1 a 24 refletem o julgamento que recaiu sobre Jerusalém em 586 em virtude do descumprimento da Aliança por parte do povo hebreu. Estes oráculos foram importantes para Israel em um período posterior pelos seguintes motivos: Significado da desastrosa história de Israel O povo deveria encarar com seriedade os julgamentos de Javé e pautar sua vida pela obediência Os oráculos de julgamento são uma introdução à salvação dita por Ezequiel em 33:1 a 34:24 A esperança futura dos exilados está relacionada à responsabilidade no presente. Os capítulos 25 a 32 tratam sobre os oráculos contra as nações indicando que Javé é soberano sobre o povo escolhido, mas também sobre todas as nações ao redor. Estes oráculos dirigem-se principalmente a Tiro (26:1-28:19) e Egito (29-32). Mas as nações de Amon, Moabe, Edom, Filístia também seriam atingidas pelo julgamento de Javé (25). Nesta seção há uma grande ênfase na morte (26:19-21; 28:8; 31:14-18; 32:18-22) em contraste com a promessa de vida para Israel (33). Os capítulos 33 a 48 ressaltam a renovação da Aliança e a restauração do governo davídico em Israel. A visão sobre o novo templo reafirma a soberania de Javé em Israel

por causa do seu Santo Nome (Ez. 36:22-32). A repetição por 90 vezes da expressão "e vocês saberão que eu sou o Senhor" indica a certeza do juízo e a garantia que tudo que o Senhor prometera se cumpriria. Propósito e conteúdo O livro de Ezequiel abrange os seguintes temas: A soberania de Javé sobre Israel e as nações O exílio como punição pela idolatria Relação entre o indivíduo e o grupo Fidelidade de Javé às suas promessas da Aliança A responsabilidade individual e o julgamento divino Restauração de Israel sob o governo davídico. A estrutura na qual o livro de Ezequiel se apoia reflete as três etapas de seu ministério com os hebreus deportados para a Babilônia e se constitui em uma defesa do julgamento que Javé executara em Judá. Os capítulos 1 a 24 formam a base de sua mensagem. Estes capítulos tratam da queda de Jerusalém, que estava por vir, onde Ezequiel, como atalaia do Senhor, tinha três funções: advertir uma geração de pecadores que não se arrependeram de que o julgamento estava muito próximo - 2:3-8 destacar a responsabilidade de cada uma das gerações pelo pecado - 18:20 chamar ao arrependimento - 18:21-23, 32 Quando Judá foi destruída em 586 a.c. Ezequiel abordou, entre os capítulos 25 a 32, o julgamento que Javé daria às nações vizinhas por terem ficado contentes com a capitulação de Jerusalém. Por isso, o Senhor vingaria estas nações com sua ira (Ez. 25:1-11). Desta forma, Israel veria que Javé era realmente justo e soberano sobre todas as nações (Ez. 28:24-26). Nos capítulos 33 a 48, Ezequiel trata sobre a restauração do seu povo sob uma aliança de paz por meio do pastor davídico (Ez. 34:20-31). Javé, que é fiel à sua palavra e à promessa da aliança, unificaria Judá e Israel em uma só nação, representada pelo pedaço único de madeira, que seria governada pelo Messias davídico (Ez. 37:15-28). Filho do Homem

Apenas os livros de Daniel e Ezequiel trazem esta expressão. Entretanto, em Daniel temos apenas uma única ocorrência (Dn. 8:7), para ressaltar a origem humana do mensageiro em comparação com a divindade da mensagem. Em Ezequiel, contudo, esta expressão é utilizada por cerca de noventa vezes, todas elas dirigindo-se de Javé para Ezequiel no contexto de uma convocação, e não deve ser comparado com o título que Jesus atribui a si mesmo no Novo Testamento. Este título destaca o papel de mero mortal de Ezequiel e seu ministério para com os exilados na Babilônia e com os que ficaram em Jerusalém. Seu estilo de vida exótico foram autorizados por Javé como uma espécie de tratamento de choque para um povo de coração e entendimento endurecidos pelo pecado. Seu comportamento não convencional serviria para denunciar que um profeta esteve no meio deste povo. As visões da carruagem cósmica As visões de Ezequiel ressaltaram a soberania de Javé sobre o mundo e destacaram o conhecimento que o profeta tinha deste papel cósmico que o Senhor desempenhava. A escatologia presente nestas visões indicavam para o povo que as promessas de Deus se cumpririam, pois os ossos secos tornariam à vida. O livro de Ezequiel inicia-se com uma dessas impressionantes visões, na qual Deus chega numa tempestade de fogo, sentado num trono sustentado por criaturas celestiais. Ao lado de cada um destes seres celestiais havia uma espécie de mecanismo feito por engrenagens que que moviam o trono em todas as direções. Esta visão mesclava elementos israelitas e algumas ideias do Antigo Oriente, agora conhecidas dos cativos. Este aparelho celestial, uma espécie de carruagem cósmica, é citada novamente nos capítulos 8 a 11, que tratam sobre a destruição de Jerusalém. O dispositivo pára no átrio do templo (10:3) e o fogo aceso na base (1:13) é usado para incendiar a cidade (10:2). Os seres celestiais são chamados de querubins (10:1-3) para reforçar a ideia dos querubins imóveis da arca da aliança que ficava no Templo (9:3). O Senhor sobe no trono móvel e abandona Jerusalém para sua destruição (10:18-19; 11:22-23). Uma explicação detalhada sobre esta visão desafia nossa lógica, contudo, podemos afirmar que o objetivo primordial era mostrar que Javé estava no controle absoluto do universo, pois seus olhos estavam voltados em todas as direções. A característica motora de seu trono simbolizava sua presença em todos os lugares. Portanto, o povo cativo poderia ter certeza de que o Senhor estava com eles na Babilônia. A responsabilidade individual

Ezequiel apela para o conceito da responsabilidade individual (Cap. 18), pois a geração do exílio culpou seus ancestrais pela calamidade que se abateu sobre Judá, consequência do julgamento de Javé. Ao reagir desta maneira, o povo hebreu concluiu que o julgamento do Senhor era injusto. Na verdade esta era uma interpretação incorreta de Ex. 20:5 e Ex. 34:7, que, embora trate sobre o castigo do pecado da terceira e quarta gerações, foi mal aplicado pela justificação de seu próprio pecado baseado no pecado das gerações anteriores. Ezequiel corrigiu esta distorção interpretativa lembrando os hebreus de que cada geração, e individuo, é também responsável pelo próprio pecado (Dt. 24:16). Ao abordar a responsabilidade individual Ezequiel rompeu com a teologia daquele tempo, sem contudo negar a solidariedade comunitária hebraica. Afinal alguns Salmos, tal qual o 51, de Davi, afirma a individualidade da fé. Portanto Ezequiel estava apenas reequilibrando os conceitos da responsabilidade coletiva e individual. Literatura apocalíptica Ezequiel contribuiu muito para o desenvolvimento do estilo literário apocalíptico, constituindo uma nova etapa no processo profético. Com suas visões (caps 1-3 e 8-11), símbolos e êxtases arrebatadores (8:1-4; 40:1-4) apontando para uma redenção escatológica mediante o julgamento das nações por Javé (caps. 25-32), Ezequiel esteve na vanguarda do cenário literário apocalíptico que ganharia destaque no pós-exílio. Ezequiel também serve como ligação entre o mini apocalipse de Isaías no pré-exílio (caps. 24-27) e a apocalíptica de Daniel no exílio.