As Filhós de Natal NARRADOR O Natal está quase a chegar e Uma velhinha que morava na última casa da aldeia, lá muito ao fundo como as pessoas que moram sós costumava pensar alto. Lamentava a sua triste sorte. VELHINHA Ai! Já amanhã é véspera de Natal e pela primeira vez na minha vida não vou comer filhós! Mas como havia eu de as amassar? Não tenho forças nestes braços para pegar na abóbora que está em cima do muro Não posso subir a uma escada para apanhar laranjas Para mais, as malucas das galinhas escondem os ovos lá pelos campos!... E o mel acabou-se quando me constipei e tive de o tomar às colheres para curar a tosse. NARRADOR Lamentava-se com muita razão e por isso estava triste porque gostava muito de comer filhós. São tão gostosas! Todas as pessoas mais velhas gostam de coisas doces. Naturalmente porque já têm menos dentes e os doces derretem-se na boca sem ser preciso mastigá-los. Um cão que passava em frente da casa ouviu-a e ficou cheio de pena. CÃO Coitada da velhinha! Se eu pudesse, ajudava-a mas como? AH! Ali em cima do muro está uma abóbora tão grande e tão amarelinha, e tão redondinha! Sou muito capaz de a atirar ao chão ( ladra e empurra a abóbora para o chão). ( Olha para a laranjeira e diz) Assim eu soubesse trepar às árvores também lhe apanhava as laranjas. ( Lembra-se do gato que está em cima do telhado) - Ó gato queres ajudar a velhinha a fazer filhós? GATO Eu? De que maneira? CÃO Podes trepar àquela laranjeira e apanhar duas laranjas. GATO ( mia dizendo que sim com a cabeça e vai apanhar as duas laranjas)
CÃO Tenho tanta pena da velhinha que vou ajudá-la a juntar todos os ingredientes. Ai ainda faltam os limões! GATO Pois faltam! ( Surge um pardal a saltar e piar junto a eles) CÃO Ó pardal era tão bom se nos pudesses ajudar! PARDAL Posso, posso. E faço o quê? GATO Vês ali aquele limoeiro? Atira-nos um limão amarelinho para as filhós da velhinha. ( O pardal vai ao limoeiro e atira o limão) CÃO E GATO Obrigada e bom voo. GATO Bom, mas ainda falta a farinha! CÃO Pois falta! ( ladra) GATO Há por aí um rato que deve conhecer todos os cantos do moinho e pode arranjá-la. Vou falar com ele. Põe-se à procura do rato. Encontra-o a espreitar à entrada do seu buraquinho. GATO Ó rato queres ajudar a velhinha a fazer filhós? RATO Eu!? Sim quero. De que maneira? GATO Podes ir ao moinho e trazer farinha. RATO ( solta dois guinchos ) e perguntou: - E o azeite? GATO É verdade ainda falta o azeite! RATO Eu conheço uma coruja que mora na torre da igreja. Talvez consiga arranjar algum. Vou pedir-lhe. ( o rato vai até à igreja. Subiu os degraus da torre e lá no alto foi encontrar a coruja a dormitar. Chama por ela)
RATO Ó coruja, ó coruja queres ajudar uma velhinha a fazer filhós? CORUJA Eu quero. Mas como? RATO Podias dar-lhe uma pinga de azeite. CORUJA O azeite não é meu, é de Nosso Senhor, mas como é para a velhinha festejar o Natal, tenho a certeza que Ele vai dar licença. Que eu para mim nunca Lhe bebi uma gota, apesar do que muita boa gente pensa a meu respeito. RATO Obrigada. O azeite está garantido. CORUJA (pia) Sim, mas então os ovos? RATO Pois é; faltam ainda os ovos; mas as malucas das galinhas escondem-nos bem escondidos. CORUJA Talvez o milhafre que vê bem ao longe possa dar um jeito. Nós ainda somos primos; vou falar com ele. ( a coruja vai voando à procura do milhafre. Custa-lhe abrir bem os olhos porque de dia está sempre a dormir. Olha para cima lá ao pé das nuvens viu um milhafre a peneirar de asas abertas. CORUJA Ó milhafre! Tu queres ajudar uma velhinha a fazer filhós? MILHAFRE Eu? De que maneira? CORUJA Vê se descobres o sítio onde as galinhas escondem os ovos. MILHAFRE Está bem. Mas onde se vai arranjar o mel? CORUJA É verdade o mel!... MILHAFRE Deixa, eu pergunto às galinhas se por acaso viram alguma abelha. ( A coruja volta para a sua torre e o milhafre começa a voar descendo, de olhos bem abertos. Descobre três ovos e para ao pé duma galinha que está a depenicar)
MILHAFRE Olá galinhas. Querem ajudar uma velhinha a fazer filhós? GALINHA 1 ( cacareja). Queremos, queremos. De que maneira? MILHAFRE Oferecendo-lhe alguns dos vossos ovos. GALINHA 2- Acabámos de por seis ali naquelas moitas. GALINHA 1 Amarelinhos e com duas gema. GALINHA 2 (cacareja) Foi um prazer ajudar-vos. Mas ainda falta outra coisa, que é o mel. MILHAFRE Já tinha pensado o mesmo. Não encontraste por aí nenhuma abelha? GALINHA 1 As abelhas no Inverno pouco saem do cortiço Mas agora me lembro que vi uma delas, meio entorpecida, de frio, acolá nas urzes. Assim ainda lá esteja. (a galinha dirige-se para o local das abelhas, de pé ante pé, cabeça para a direita e para a esquerda. Encontra abelha a dormir cheia de frio.) GALINHA 2 Ó comadre abelha, o comadre abelha? Acorde, acorde por favor. ( a abelha acorda devagar) -Quer ajudar uma velhinha a fazer filhós? ABELHA (com voz de muito sono )- Eu eu. Quero. De que maneira? GALINHA 1 Dando-lhe um bocadinho de mel. É só o que falta. ABELHA Ai, nesta altura do ano há muito pouco, mas temos ainda uma reserva, e como é só para uma pessoa arranja-se. Vou buscá-lo. ( levanta voo a zumbir) GALINHA 2 Se tens frio e estás cansada pousa na minha cabeça que eu levo-te ao cortiço. ABELHA Aceito e agradeço. NARRADOR É véspera de Natal. A velhinha levanta-se e vai à cozinha. Não me perguntem como foi que os animais transportaram
Tudo para ali. Nestas histórias acontecem coisas mas ninguém sabe como VELHINHA Milagre de Natal! Milagre de Natal! Como é que aparece tudo isto aqui? Vou já cozer a abóbora, fazer sumo das laranjas, raspar o limão, amassar os ovos com a farinha, juntar o mel e fritá-las em azeite. Depois vou comê-las e.deliciar-me com elas. Senta-se e come repetindo sempre: - Milagre de Natal! Milagre de Natal! NARRADOR Para mim o verdadeiro milagre de Natal foi outro: Foi o cão não ter mordido no gato, o gato não ter comido o pássaro, a coruja não ter querido comer o rato, o milhafre não ter levado a galinha, a galinha não ter comido a abelha, a abelha não ter picado a galinha e todos sem desconfiança uns dos outros e em paz, terem juntado a sua bondade para que a velhinha pudesse comer as suas filhós na noite santa de Natal! Isabel Mendonça Soares Dias de festa