Linguagens em diálogos: sobre os métodos de ensino de balé



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Transcrição:

Linguagens em diálogos: sobre os métodos de ensino de balé Dialogic language: on the methods of teaching of ballet Caroline Konzen Castro (CEFET-MG) Resumo: Este artigo tem como objetivo fazer uma pesquisa bibliográfica sobre o processo de legitimação dos métodos de balé clássico e traçar um diálogo entre as especificidades e diferenças destes métodos. Palavras-chave: Balé Clássico, Métodos de Balé, Ensino. Abstract: This article purpose to research about the legitimation process of classical ballet methods and to correlate the specificities and differences of these methods. Keywords: Classical Ballet. Methods of Ballet. Teaching. Introdução Escrever sobre as metodologias de ensino de balé é um modo prazeroso de refletir mais profundamente sobre a minha prática docente. Além disso, tem a finalidade de investigar, historicamente, sobre o que tem sido feito em relação ao ensino de balé. Devido às diversidades nacionais e culturais em que a arte do balé foi desenvolvida, ela adquiriu diferentes abordagens e particularidades próprias a cada Escola/método. Sabe-se que a linguagem do balé clássico é tradicional, pautada em um alfabeto de movimentos que já foi fixado e formalizado há muitos anos atrás na Europa. Em todo o mundo o ensino de balé é pautado em um sistema de movimentos que possui uma rotina a ser praticada em sala de aula. Dessa forma, seu sistema de atividades artísticas é baseado nas normas da legibilidade teatral próprias do balé clássico. Sobre a codificação e o registro do ordenamento próprio de uma aula de balé têmse, atualmente, vários métodos legitimados tais como: A Escola Francesa fundada pelo rei Luis XIV (1643-1715). A Escola Dinamarquesa ou o Método Bournonville, fundado pelo professor e coreógrafo August Bournonville (1805-1879). A Escola Italiana ou Método Cecchetti, fundado pelo professor Enrico 32

Cecchetti (1850-1928). A Escola Inglesa ou Método Royal Academy of Dance (R.A.D.) fundado pelo editor da revista Dancing Times Philip Richardson (1875-1963). A Escola Russa ou Método Vaganova, fundado pela professora Agrippina Vaganova (1879-1951). A Escola Americana ou o Método Balanchine, fundado pelo professor e coreógrafo George Balanchine (1904-1983). A Escola Cubana ou o Método Cubano, fundado pelos bailarinos Alicia Alonso (1920-) e Fernando Alonso (1914-2013). Dessa forma, existem sete métodos legitimados de ensino de balé, que possuem suas especificidades, corpus de análise deste artigo. A Acadèmie Royale de la Danse (A Academia Real de dança) A Academia Real de Dança foi a primeira instituição oficial de ensino de dança que se tem registro. Foi fundada em 1661, em Paris, pelo rei da França Luiz XIV (1638-1715) com o objetivo de iniciar a profissionalização de bailarinos. Era dirigida pelo mestre de danças francês Pierre Beauchamps. Segundo Caminada (l999) ela era composta por treze maestros de dança da corporação medieval, em que estavam também agrupados os músicos. A partir da criação da Academia Real de Dança os profissionais de ambos os sexos passaram a substituir os cortesãos. Pouco se sabe sobre o funcionamento da iniciativa, mas sabe-se que ela cumpriu um papel de importância, pois foi a primeira iniciativa de a profissão de bailarinos se organizar e receber a sanção do Estado. A Academia Real de Dança foi transformada na Acadèmie Royale de Musique et Danse (Academia Real de Música e Dança), em 1672, futura Ópera de Paris. Sobre a Escola Oficial de Dança nos diz Caminada: À Escola de Dança coube sistematizar o ensino do ballet desenvolvendo um esquema básico e rígido de posições de cabeça, tronco, braços e pernas, sob a orientação de Beauchamps e com a colaboração de Bocan, de Louis Pécourt e de Jean Balon (...) (CAMINADA, 1999, p. 105). Assim, se iniciou a sistematização da técnica do balé com os principais mestres de 33

dança da época, em especial Pierre Beauchamps, pois ele elaborou as cinco posições dos pés e definiu a base do academicismo clássico em idioma francês. Um dos seus ensinamentos foi manter intactos os termos técnicos criados por ele. Esta sistematização do vocabulário do balé em francês tornou possível a preservação do sistema e a execução do mesmo por bailarinos de todo o mundo. A escola teve grande importância por privilegiar o início da sistematização dos princípios do balé e por valorizar a pedagogia. Beauchamps nasceu provavelmente em 1631 e morreu em 1719, em Versailles, França. Foi herdeiro da longa tradição dos mestres italianos e ele quem fixou a nova tradição da dança francesa nobre (MICHAUT, p.17). Sabe-se que a dança clássica nasceu na Corte, primeiramente na Itália, no final do século XIV. A primeira menção, na história da dança, de um balé organizado se deu em Tortona, Itália, para celebrar o casamento do Duque de Milão, Galeazzo Sforza, com Isabella de Aragão, em 1489, com composição musical e coreográfica do mestre italiano Bergonzio di Botta. Segundo Werner e Tomazzoni: Nesse espetáculo, composto em comemoração ao casamento do Duque de Milão e Isabella de Aragão, havia personagens como Jasão, Diana, Mercúrio, Atlante, Teseu, Hebe, além de outras personagens míticas que dançavam enquanto serviam o banquete aos convidados. (WERNER; TOMAZZONI, 2009, p.82). Dessa forma, o balé, nesta época, representava a antiguidade clássica, expressando as estórias e personagens relacionadas à mitologia. A dança era executada como entretenimento de corte, dançava-se em banquetes, servindo os pratos aos convidados e em festas magníficas. Pouco se sabe sobre o ensinamento coreográfico das danças nesta época, mas tem-se o registro do primeiro tratado de dança, o De arti saltandi et choreas ducendi (A arte de dançar e dirigir coros), entre 1435 e 1436, escrito pelo mestre de dança italiano Domenico de Piacenza (CAMINADA, 1999, p. 81). Nele, o autor introduzia a primeira classificação sistemática dos movimentos do corpo, doze ao todo, sendo considerados nove naturais, evidenciando o que o corpo normalmente executa, e três acidentais, que se referia ao que era complementar e acidental (CAMINADA, 2009, p. 81). Sabe-se que esta foi a primeira tentativa registrada, que se tem notícia, de se sistematizar os movimentos do corpo. Porém, não havia ainda uma sistematização dos movimentos do balé, o qual só viria a ocorrer com Beauchamps. 34

Da Itália o balé migrou para a França em decorrência do casamento da nobre italiana Catarina de Médici com o duque de Orleans, futuro rei Henrique II da França, em 1533. A rainha levou para Paris o maestro de danças Balthasar de Beaujoyeux. Segundo Caminada (1999), coube a ele a primeira definição de balé: um arranjo geométrico de muitas pessoas juntas, sob a variada harmonia de diversos instrumentos (p. 86). O balé até então era definido como uma arquitetura geométrica em forma de dança, composta por passos e figuras elaborados em consonância com a música. Este mestre coreografou o primeiro balé a ser apresentado com esse nome: o Ballet Comique de la Reine (Balé Cômico da Rainha), em 1581. Este balé foi encenado na França, em comemoração ao casamento de Marguerite de Vaudemont, sobrinha da rainha, com o duque de Joyeuse. O tema deste balé se baseou na Antiguidade Clássica, o comique do título não se referia a engraçado e sim a não existência de componentes trágicos, não provocava piedade e tinha um fim feliz. Segundo Monteiro (1998), toda a audiência dança para finalizar o espetáculo, sendo este momento final do espetáculo, a incorporação do baile. O coreógrafo Beaujoyeux convergiu neste espetáculo a síntese entre a música, poesia e dança, utilizando para isso instrumentos musicais, cantos, poesia, dança e efeitos cênicos. Dessa forma o Ballet Comique de la Reine deu início ao gênero denominado Balés de Corte, caracterizados por estarem presentes nos eventos sociais da corte, como parte dos divertimentos da mesma. Representou um salto qualitativo em relação ao que vinha sendo produzido até então, pois integrou as danças das antigas festas e bailes num todo dramático mais estruturado (MONTEIRO, 1998, p. 39). Além disso, preocupa-se com a constituição de um enredo e a unidade dramática do balé como um todo. Porém, ainda era uma arte estilizada, praticada por amadores o rei e sua corte - e poucos profissionais, todos exclusivamente pertencentes à elite da corte. Era um divertimento de nobres para nobres. Constata-se que a produção do Ballet Comique de la Reine foi realizada antes da criação de uma instituição de ensino formal de balé, ou seja, nesta época o amadorismo prevalecia nas apresentações de dança. Além disso, esta encenação, assim como as encenações dos balés de corte eram codificações do baile, ampliadas com fabulosidades. Nas palavras de Marianna Monteiro, (...) O dançarino profissional executava os mesmos passos que o amador, a diferença é que no balé, ao contrário do baile, nobres e 35

profissionais participavam de uma composição que, na verdade, integrava cenicamente a dança a um conjunto de outras artes (...) No entanto, o ano de 1626 fez surgir um novo gênero de balé, o chamado Ballet à Entrée, em que os bailarinos profissionais substituíram os nobres nos trechos de solos de dança, pois havia a necessidade de agradar ao público. Este gênero era composto por espetáculos com partes interdependentes: (...) essa forma consistia numa série de entradas de grupos independentes interconectados, de forma superficial, por temas mitológicos ou dramáticos que, em alguns casos, englobavam toda a situação (tradução nossa). Além disso, consistia em números encenados de teatro com interlúdios de dança, sendo, portanto, o precursor dos ballets narrativos do Rei Luís XIV, o Rei Sol (SILVA, 2007: 23). Assim, a dança ainda estava vinculada às encenações teatrais nos Ballet à Entrée. Nesta época o palco oblíquo foi inventado para se ver melhor as habilidades técnicas dos dançarinos e os balés passaram a ser encenados em casas de espetáculos. Assim, este novo gênero valorizou a profissionalização da dança e a iniciação do desenvolvimento da técnica clássica, que se deu com a própria nobreza, ensinada por maestros como Bocan e principalmente Beauchamps. O balé começou aí o seu processo de libertação do amadorismo, em busca de adquirir o status de arte de verdade. Com a morte de Luís XIII, em 1643, durante um certo tempo nenhum ballet foi encenado na corte francesa; poucos anos depois, com o novo soberano Luís XIV, fatos decisivos tiveram lugar, colocando definitivamente o ballet, como uma arte, e uma arte de profissionais (CAMINADA, 1999, p.92). Neste contexto, foi inaugurada a Academia Real de dança e, posteriormente, a Academia Real de Música e Dança, dirigida por Lully, bailarino e compositor de balés. Lully, com a colaboração de Quinault dramaturgo francês criam o balé Le Triomphe de l Amour em 1680, dançado em 1681. Este balé contou com a presença de bailarinas pela primeira vez encenando em teatro público e da primeira bailarina profissional no papel feminino principal: La Fontaine formada pela Academia Real de Dança. Foi a primeira vez que uma mulher dançou em um teatro público, por isso a data marca a ascensão da participação feminina no balé. Nesta época, o desenvolvimento da técnica clássica ainda se desenvolvia com a 36

própria nobreza, ensinada por maestros como Bocan, Beauchamps, Pécourt e Jean Balon, que sistematizaram o ensino de balé. No século XVII, foram estabelecidas as cinco posições básicas dos pés, por Pierre Beauchamps (1639-1705), estas, semelhantes às posições dos pés na esgrima, voltados os dedos para fora, chamado de en dehors (em francês). A intenção desta rotação das pernas e pés era a de que permitiria aos bailarinos movimentarem-se, rapidamente, em qualquer direção com segurança, tal qual o esgrimista. (AMARAL, 2009: 3). Tal como o citado, a literatura sobre o assunto lega a Beauchamps a criação das posições dos pés. A justificativa para a rotação das pernas e posição dos pés serem para fora apresenta como sendo um facilitador para a agilidade dos movimentos dos bailarinos. Luis XIV, no fim de seu reinado, criou a companhia permanente de dança da Ópera de Paris, composta por dez bailarinos e dez bailarinas, e fixou salários. Além disso, instituiu a gratuidade do ensino na escola oficial e abriu ao público os teatros do Palais Royal e do Petit Bourbon (CAMINADA, 1999: 108). Estas foram o início de grandes conquistas para a história do balé, pela criação de uma companhia oficial de dança que apresentasse mulheres, já que antes elas eram proibidas; o estabelecimento de salários fixos aos bailarinos, valorizando a profissão; a gratuidade do ensino foi o início de uma maior acessibilidade do aprendizado do balé, assim como a abertura do Palais Royal e do Petit Bourbon ao público. Dessa forma se iniciou a formação do método francês de ensino de balé. Essa fase de uma arte que já completara um século pode ser denominada clássica, no sentido de que seu desenvolvimento foi inteiramente voltado para o domínio dessa técnica virtuosística e racional (...) (CAMINADA, 1999: 116). Por isso o balé é chamado de clássico, devido a longa tradição e tempo de desenvolvimento da mesma. Mesmo na época do Romantismo, em que os acontecimentos políticos e sociais ocorridos na França, diminuindo os recursos econômicos para a escola, ela mantinha uma metodologia uniforme e concreta com os melhores professores da Europa. A Escola Dinamarquesa ou o Método Bournonville A escola dinamarquesa se iniciou com Vicenzo Galeotti (1733-1816), bailarino italiano que estudou com Noverre e com Gasparo Angiolini. Segundo Caminada (1999) a 37

escola dinamarquesa se destacou nas presenças dos seguidores de Galeotti - Antoine Bournonville (1760-1843) e Auguste Bournonville, pai e filho, respectivamente. Além disso, Bournounville, filho, estudou com Auguste Vestris, professor francês, considerado um dos mestres mais admirados da história da dança. Visto que o método foi desenvolvido por pai e filho, constata-se que a Escola Dinamarquesa de Balé recebeu influencia do método francês e italiano. Sobre a fundação da escola, por Antoine Bournonville, na Royal Danish Theatre, Grenser (2006, p.8) diz: Em 1916 ele foi nomeado diretor de dança na Royal Danish Theatre, onde ele fundou uma escola para treinar o corpo de balé, desenvolvendo um currículo que seguiu o modelo da Royal Ballet em Estocolmo (tradução nossa). Ele foi primeiro bailarino Royal Opera em Estocolmo, levando influencias deste local para o seu método de ensino. Entre 1816 e 1879 os Bournounville incrementaram de características próprias o método de ensino, o qual destaca a dança masculina, técnica e expressivamente. Ele elaborou um estilo peculiar com o objetivo de preparar bailarinos para dançarem os seus balés. Segundo Ocaña (2008), o elemento mais inovador da sua técnica tem a ver com a utilização do espaço e os épaulés (movimento de ombros que formam uma pose graciosa). Ele estabeleceu uma nova colocação da perna de suporte nas posições espaciais croisé e effacé. Foi diretor do Ballet Real da Dinamarca (Royal Danish Ballet) por cerca de cinquenta anos, formando bailarinos e mestres. Coreografou muitos balés, que possuem a característica de possuírem uma grande proporção de allegros e variações rápidas. Suas aulas eram dotadas de musicalidade, ele mesmo tocava violino em suas aulas e exigia de seus alunos uma preparação integral. Uma das principais características do trabalho coreográfico de Bournonville é que, em uma época em que a figura feminina reinava nos palcos do balé, Bournonville destacava a figura masculina em seus balés. Seus principais balés são: La Sylphide, Napoli, Konservatoriet e Festival de Flores em Genzano. A Escola Italiana ou Método Cecchetti A Itália, inventora do ballet, manteve por séculos uma tradição de dança virtuosística e de cunho popular. Inúmeros foram os bailarinos que passaram por sua história e por seus palcos, nas cidades de Milão, 38

Nápoles, Veneza, Florença e Turim, onde os balés exploravam temas republicanos. (CAMINADA, 1999, p. 130) A Itália seguiu a sua tradição na dança e produziu grandes mestres que originaram a chamada Escola Italiana de Balé, representada principalmente por Carlo Blasis (1795-1878) e por Enrico Cecchetti (1850-1928), ambos são professores a artistas italianos. Carlo Blasis nasceu em 1797, em Nápoles. Estudou com Jean Dauberval, coreógrafo de La Fille Mal Gardée, o mais antigo dos balés de repertórios a possuir personagens reais e não deuses, ninfas e fadas, como nos balés anteriores. Este balé caracterizou o préromantismo. O trabalho de Dauberval incluiu os estudos de Noverre, que se preocupava principalmente com a expressividade cênica dos bailarinos. Blasis se apresentou pela primeira vez em Marselha, aos doze anos. Posteriormente dançou em Milão, onde trabalhou com Salvatori Viganò (1769-1821), criador do gênero coreográfico denominado Choreodrama, caracterizado por explorar a pantomima na dança. Esta nova forma de dança italiana se iniciou no século XIX com Viganò, que a estruturou numa relação balanceada da mímica no balé e do balé na mímica. Atingiu etapas que concluíram um processo de desenvolvimento que havia começado sessenta anos antes por Gasparo Angiolini (1731-1803) e Jean Georges Noverre, os criadores do ballet d action (POESIO, 1998: 3). Viganò trabalhou com os gestos pantomímicos respondendo a música e integrando-os à ação dançada, favorecendo os movimentos expressivos e rítmicos. Blasis apreendeu os ensinamentos de Viganò e incorporou muitas de suas ideias. Blasis lançou o seu primeiro tratado de dança em 1820, o Traité élémentaire, théoriqueet pratique de lárt de ladanse, o qual inovou o método de ensino de balé da época, pois ele desenvolveu princípios e elementos importantes, que foram incorporados ao ensino do balé e que até então não haviam sido trabalhados. Segundo Caminada (1999:131), dentre os princípios desenvolvidos neste tratado estão: o porte, a harmonia e coordenação dos braços; a correspondência dos exercícios, a sua característica perpendicular e vertical; o plié, as piruetas, o equilíbrio dos arabesques; as poses, que devem sustentar a expressividade e a vivacidade; o adagio; o alegro; etc. Para Blasis o adágio representa o ápice da arte do bailarino, pois nele se desenvolvem principalmente as suas capacidades trágicas. Blasis era conhecedor da anatomia humana e com base nisso desenvolveu um 39

estudo que favorecia o corpo do bailarino. Em 1828 escreveu The code of Terpsichore complementando seu tratado. Nesta obra ele propôs mudanças nas normas do balé de até então como: a introdução da prática do balé na barra, como parte fundamental no treinamento dos exercícios iniciais da aula; o estudo da anatomia humana e a utilização destes estudos na técnica de dança, como por exemplo, a rotação externa da coxofemoral, denominada no balé em dehors, foi desenvolvida por Blasis (AGUIAR, 2008:12). Além disso, frisou sobre a importância de se escolher um bom mestre para se estudar dança, pois segundo ele, o sucesso ou o fracasso nos estudos depende sobretudo sobre a maneira na qual eles estão começando. Também teorizou sobre o sapato de ponta, transformando-se, segundo vários autores, no principal pedagogo do Romantismo (CAMINADA, 1999: 131). Devido as revoluções de 1848 e as guerras de unificação da Itália, Blasis não conseguiu se manter no cargo na Itália e foi trabalhar, em 1850, em Varsóvia e Moscou, levando para o leste europeu o seu estilo próprio (SANTOS, 2011, 24). Com a saída de Blasis o balé começou a declinar na Itália, mas continuou a desenvolver na Rússia. Assim como Blasis, Enrico Cecchetti migrou para a Rússia a fim de ensinar na Escola de Ballet Imperial de São Petersburgo. Ele continuou a tradição do seu professor Giovanni Lepri, com quem estudou em Florença, assim como a tradição de Carlo Blasis, com quem Lepri estudou em Milão. Sendo assim, pelo fato de os professores de Cecchetti terem sido treinados por Carlo Blasis, sua teoria acabou sendo fortemente influenciada pela teoria de Blasis. Durante a carreira de Cecchetti como bailarino ele criou e performou um gênero denominado caractère, que consistia em uma combinação desafiadora de ação e virtuose que expressavam uma particular função dramática dentro da sua performance (POESIO; Bennett, 2000). Ainda de acordo com Poesio e Bennett, quando Cecchetti foi convidado pela primeira vez para dar aulas na Escola de Ballet Imperial de São Petersburgo, em 1836, foi como professor de mímica e não de professor de balé. Ele treinou muitas gerações de bailarinos para o uso correto da linguagem italiana da mímica no balé. Seu método ficou famoso pelo fato de possuir uma técnica difícil, como por exemplo, os trinta e dois fouetés, criado por ele. Ele tinha planos de aulas organizados para cada dia na semana, o que fez com que seus alunos não quisessem perder suas 40

aulas nem para a turnê dos Ballets Russes de Diaghilev. Este fato ocasionou o seu contrato como mestre de balé e mímica da Escola de Ballet Imperial de São Petersburgo. Um dos registros mais completos sobre a metodologia de Cecchetti está presente na obra de Cyril Beaumont e Stanislas Idzikowsky: A Manual os the Theory and Practica os Classical Theatrical Dance (Méthode Cecchetti). Esta obra se baseia nas suas aulas durante o período que ele ensinou em Londres, de 1918 a 1923 (POESIO; Bennett, 2000). A Escola Inglesa ou Método Royal Academyof Dance (R.A.D.) Londres iniciou sua tradição de ballet com a figura de John Weaver, que pode ser considerado o criador da pantomima e da escola de dança inglesas (CAMINADA, 1999: 129). John Weaver (1673-1760) continuou a linhagem desenvolvida por Noverre, de juntar pantomima a passos de dança, o qual é chamado balé de ação. Ele se dedicou a explorar a verossimilhança e a imitação da natureza em seus balés e organizou performances de danças narrativas místicas. No campo da escrita da dança, nos lembra os autores Goff e Thorp (1991) que Weaver foi responsável pela tradução, para o inglês, em 1706, do tratado de dança escrito por Feuillet ( Chorégraphie ). Este tratado era similar ao sistema de notação em dança que Beauchamp desenvolveu, mas não publicou. A obra traduzida, que se denominou Orchesography, explica as direções, movimentos e passos de dança, e contêm indicações rítmicas. Foi publicada com o objetivo de tornar acessível o sistema Beauchamp-Feuillet aos bailarinos ingleses. Dessa forma, a importância de John Weaver para o desenvolvimento da dança na Inglaterra está no fato de ele ter sido professor de dança em Londres, onde tentou reviver a antiga pantomima e difundir os ensinamentos de Beauchamp, através do seu livro Orchesography. No século XIX floresciam escolas de dança na Inglaterra, porém sem o padrão de ensino elas passaram a serem questionadas. Muitos professores tinham pouca formação naquela época. Conforme Mitchell (2001), Philip Richardson, o editor da revista The Dancing Times publicou um artigo nesta revista, em 1932, dizendo que os motivos da má qualidade do ensino de dança na Inglaterra, de até então, se devia ao fato de não 41

existirem nenhuma escola estatal antecedente naquele local. As escolas estatais eram referencias, principalmente em relação à sanção proporcionada pelo estado para a subsistência dos professores. Segundo esta mesma autora, apesar de não haver uma Escola Real de Dança na Inglaterra, lá havia duas escolas recomendadas: a escola de Lucia Cormani e a escola de Edouard Espinosa, aberta em 1908. Cormani e Espinosa foram bailarinos respeitados no final do século XIX e precocemente se tornaram professores. Mitchell (2001) diz que ambas as escolas adquiriram mérito devido ao status obtidos pelos bailarinos em suas apresentações teatrais e, por esta razão, pode-se inferir que os parâmetros para se avaliar a qualidade de ensino da época estava presente na dança executante das bailarinas e não na metodologia de ensino por elas adotada como professoras. Na concepção de Mitchell (2001), Espinosa inventou um currículo denominado Operatic Dancing para a sua escola e, através deste currículo ele ensinou os seus alunos. Segundo Orrick (2002) o termo operatic era usado, nesta época, com o sentido de clássico. Para obter reconhecimento, Espinosa pediu que fosse publicado um artigo na revista The Dancing Times promovendo o seu programa de ensino de dança e sugerindo que todos os professores adotassem o seu programa como um manual de ensino. Esta publicação de 1916 trouxe uma importante repercussão, pois fez com que a bailarina e professora Adeline Genèe, juntamente com os professores Cormani e Ninette de Valois, parabenizassem a The Dancing Times pela revelação do professor não qualificado e sugerissem que o professor devesse ser testado sobre os entendimentos do referido manual. Esta sugestão foi de grande importância para o desenvolvimento da qualidade do ensino de balé, pois a partir de então, foi estimulado que houvesse uma avaliação para que os professores provassem credibilidade. Até que, em 1920, a ideia vingou quando um pequeno grupo de entusiastas se reuniu e fundou a The Association of Operalic Dancing of Great Britain (MITCHELL, 2001). Philip Richardson, o editor da revista The Dancing Times, foi de fundamental importância para a formação desta sociedade, pois através de seus escritos, em sua própria revista, ele proporcionou espaço para que a associação fosse ouvida e ganhasse força para lutar pela elevação do status do professor de dança (MITCHELL, 2001). Richardson também organizou encontros em que podiam participar professores de dança, bailarinos e amantes da dança. Nestes encontros eram discutidas questões 42

significativas em relação a carreira de professor, contribuindo para o engajamento da classe da dança. Com o objetivo de fazer algo para melhorar o ensino de dança no país a associação decidiu formar um comitê composto por cinco personalidades: Miss Phyllis Bedells, Madame Lucia Cormani, Mr. Edouard Espinosa, Madame Adeline Genée e Madame Tamara Karsavina (MITCHELL, 2001). De acordo com Mitchell (2001), cada uma das personalidades do comitê eram bailarinos e professores de prestígio e representavam as cinco escolas tradicionais de balé. Da página 12 de sua dissertação, transcrevo de quais escolas originou cada um deles: Genéee e Karsavina eram frutos da Danish-French Bournonville School e Imperial Russian School of Petrograd, respectivamente. Espinosa foi treinado pela escola francesa e Cormani veio da La Scala Milan. A representação inglesa, Bedells, que foi treinado na Inglaterra (...) (tradução nossa). Assim, desta mistura de métodos de balé criou-se as bases da The Association of Operatic Dancing of Great Britain. Segundo Mitchell (2001), a primeira iniciativa da associação foi adaptar os fundamentos do currículo de Espinosa e publicar, a partir destas adaptações, um novo currículo, que demarcaria a técnica inglesa de dança acadêmica. Esta decisão foi de fundamental importância para o legado desta técnica de dança, pois a multiplicidade de nacionalidades dos membros da associação fez necessária uma definição em relação à nomenclatura dos passos que seria utilizada. Dessa forma, a preocupação do comitê ainda estava restrita a termos técnicos e não à qualidade dos movimentos a serem ensinados. Até que, de acordo com Mitchell (2001), após a publicação deste novo currículo, houve uma reunião em que foi aprovado que, a partir de então, os membros da The Association of Operatic Dancing of Great Britain (AOD) só poderiam ser aceitos após comprovarem a compreensão da técnica em um nível elementar. A comprovação seria por meio de um exame, no qual haveria a demonstração física do plano de estudos presente no novo currículo. Esta decisão foi considerável para se melhorar a qualidade do ensino de dança na Inglaterra. Diante disso, foram realizados exames em formato de aula aos candidatos. Conforme Mitchell (2001), os primeiros exames da associação foram realizados em 1921 e mediam o nível de capacidade dos candidatos para executarem os movimentos. Se a execução fossa satisfatória aos examinadores, o candidato poderia fazer parte da AOD e seria autorizada a sua atuação docente. Assim, percebe-se que a avaliação de 43

professores era dada pelo nível executante dos candidatos e não por sua metodologia de ensino. Este pensamento só foi modificado em 1928, quando o comitê da OAD propôs que houvesse duas avaliações para os candidatos - uma de formação de executantes e outra de formação de professores. Mitchell (2001) menciona que a proposta foi colocada em prática em 1932, em que se iniciou o exame para avaliar a capacidade do professor para transmitir os ensinamentos aos alunos, sua habilidade para organizar os diversos passos numa aula e uma prova escrita sobre a teoria do que seria ensinado. Este novo exame foi um marco para o início da evolução da carreira de professores, pois ele avaliava tanto os conhecimentos teóricos quanto a metodologia de ensino do professor. Em 1923 teve início exames de entrada para crianças, ampliando os objetivos da AOD - que anteriormente eram o de melhorar o ensino de dança para a apresentação no palco - para aprimorar o ensino de dança para a formação da criança. Esta significante mudança trouxe desenvolvimento na escola inglesa em relação à metodologia de ensino de dança para crianças. Em 1928, a AOD conseguiu, por intermédio da presidente da associação, Genée, patrocínio da rainha Mary. Esta conquista proporcionou valorização a dança por parte do Estado, que passou a financiá-la. A visibilidade da dança passou a ser maior na Inglaterra. Mitchell (2001) afirma que em 1936 o rei George V mudou o nome da AOD para The Royal Academy of Dancing. Esta mudança mostra a importância que o Estado dava à dança, pois ele viu a necessidade de ela fazer parte de uma Escola Real de Dança. Observa-se que, atualmente, existem parcerias entre a Royal Academy of Dance e as universidades. De acordo com Giersdorf...a Royal Academy of Dance tem condições de oferecer ensino da mais qualidade através de uma parceria com a Universidade de Surrey, e a Universidade de Kent valida a London Contemporary Dance Schoolno The Place, a um grau academico (GIERSDORF, 2009, p. 40). A Escola Russa ou Método Vaganova Chistyakova, no livro Basic Principles of Classical Ballet (1969) afirma que o Método Vaganova é o desenvolvimento e o prosseguimento da escola russa de ballet, a Russian School of Ballet. Esta escola foi fundada por Akim Volynsky, importante crítico de 44

balé na Rússia. O início da carreira de Agrippina Vaganova como professora nesta escola foi em 1918. De acordo com Krasovskaya, em 1920 Vaganova começou a ensinar na Imperial Ballet School, no Teatro Maryinsky. Esta escola foi fundada em 1738, em São Petersburgo, pela imperatriz Anna Ivanovna (1693-1740) e recebeu a influência de mestres italianos e franceses que foram lá ensinar como Carlo Blasis, Jean Baptiste Landré, Angiolini. Devido à saída de muitos experientes professores destas escolas para o oeste, Vaganova assumiu as suas classes, formando, aos os primeiros bailarinos soviéticos como Marina Semenova, em 1925; Olga Iodan, em 1926 e Galina Ulanova, em 1928. Em 1927 Vaganova se tornou diretora artística desta escola. Em 1934 Vaganova publica o livro Basic Principles of Classical Ballet. Esta publicação foi de grande importância para o desenvolvimento da pesquisa em dança, pois é a publicação da codificação de seu método de ensino. Além disso, incentivou publicação de outras obras relacionadas ao ensino de balé como por exemplo, o livro Classical Training Methodology, de N. Tarasov s, A. Chekrygin s and V. Moritz s, em 1940. Basic Principles of Classical Ballet já foi traduzido para vários idiomas, demonstrando o legado mundial deste método. A Escola Americana ou o Método Balanchine Balanchine (1904-1983) nasceu em São Petersburgo, Rússia. Ele era filho de um compositor e desde criança foi introduzido à música. Aos cinco anos começou a ter aulas de piano e aos nove anos ele foi aceito na escola de balé da Imperial Theater School, de São Petersburgo. Ainda adolescente ele se iniciou no trabalho coreográfico. Sua primeira peça foi um pas de deux que se chamou La Nuit. Balanchine foi para os Estados Unidos, em 1933, com o objetivo de criar uma compania de balé clássico. Chegando lá, ele se chocou com a qualidade das escolas, pois os professores que observou não eram capacitados para darem aulas. Logo ele concluiu que, para formar uma companhia de balé, ele precisava estabelecer uma escola para formar os seus futuros bailarinos. Assim, em 1933 foi fundada por Kirstein, empresário americano, a primeira escola americana de balé, em Hartford. A escolha do local foi decidida devido ao preço ser mais barato. Balanchine ministrou aulas nesta escola e desenvolveu um programa de ensino 45

com o objetivo de formar bailarinos para a sua companhia. Segundo Wallace (2005, p.5) todas as pessoas que desejavam fazer as aulas de Balanchine eram bem vindas, de todas as idades e corpos. Logo depois, Kirstein decidiu por mudar a escola para Nova York, pois lá haviam dançarinos com mais potencial. Já em 1934 a escola começou a funcionar em Manhattan. De acordo com Wallace (2005, p. 6), ao se mudarem para Nova York, Balanchine criou seu primeiro balé na América, para estudantes dançarem. O balé se chamou Serenade. Como Balanchine ainda não tinha uma companhia de dança profissional, apenas estudantes, o balé foi dançado pela primeira vez por estes estudantes. Este pequeno grupo foi nomeado por Balanchine de School of American Ballet, o American Ballet. O American Ballet começou a dançar bastante por Nova York e nos trabalhos que Balanchine coreografava para o Metropolitan Opera. Aos poucos os estudantes do American Ballet School se tornaram bailarinos profissionais. Até que em 1936 Kirstein fundou o Ballet Caravan, tendo Balanchine como coreógrafo. O Ballet Caravan era uma companhia composta por bailarinos profissionais e o American Ballet era uma companhia composta por estudantes. De acordo com Wallace (2005, p. 7), em 1941 a Metropolitan Opera precisava de uma companhia de Balé, por isso as duas companhias se transformaram no American Ballet Caravan. Porém, com a saída de Kirstein para serviço militar esta companhia se dissolveu. Com a volta de Kirstein em 1946, foi criada por ele uma pequena companhia chamada Ballet Society, para dançar os novos trabalhos de Balanchine (WALLACE, 2005, p. 7). Após dois anos esta companhia, juntamente com a School of American Ballet formaram o New York City Ballet. A Escola Cubana ou o Método Cubano A ideia de se criar a primeira instituição de ensino de balé em Cuba surgiu em uma das reuniões da Sociedad Pro-Arte Musical de La Habana, a pedido de Natalia Aróstegui, esposa do então consul de Cuba em Nova York, Don Pablo Suárez. Assim, em 30 de junho de 1931 surgiu a Escuela de Ballet de Pro-Arte Musical, que contava com o apoio da burguesia habanera. 46

De acordo com Cabrera (2011, p. 19), o professor russo Nicolai Yavorski foi nomeado diretor da escola. Suas aulas eram realizadas no Teatro Auditorium. Participavam alunas meninas e jovens, filhas de associados da instituição e outras pertencentes a famílias de médios recursos. O autor diz que este professor dirigia bravamente a escola de balé, amava as suas alunas e era querido por elas, e contribuiu para despertar nelas a vocação pela dança. Após seis meses de escola o maestro organizou a primeira apresentação de suas alunas, o que causou novidade nas atividades da Pró-Arte (CABRERA, 2011, p.21). Conforme Cabrera (2001, p. 20), Yavorski dirigia bravamente a escola e era muito querido por suas alunas, o que contribuiu para despertar a vocação pela arte na maioria delas. Ele investia muito em suas alunas, principalmente nas alunas humildes e com notável potencial, como por exemplo, Alicia Martínes, a famosa Alicia Alonso. A escola não contava ainda com a presença masculina no seu corpo discente, até que, em 1933, ingressou na escola o primeiro aluno de Yavorski, Alberto Alonso. Ele logo ganhou papel de destaque na escola, apresentando, juntamente com as alunas, obras de destaque como Príncipe Igor e Coppélia. Em 1935, dois de seus alunos, Delfina Péres Gurri e Alberto Alonso partiram para a Europa, acompanhados de Yavorski, para se integrarem ao Ballets Russes de Monte Carlo. Foi assim que...a escola de Ballet de Pro-Arte possibilitou o surgimento dos primeiros profissionais cubanos da dança acadêmica (tradução nossa). Nota-se que em poucos anos a escola já foi capaz de exportar dois profissionais para uma companhia de renome, como o Ballets Russes de Monte Carlo, criada pelo Coronel Wassily de Basil e René Blum, em 1932. Ao regressar desta viagem, o professor Yavorski encontrou mais rapazes em sua escola, inclusive o prodígio Fernando Alonso, irmão de Alberto Alonso. Ele coreografou uma sonata de Bethoven, Claro de luna, para o talentoso Fernando Alonso e Alicia, marcando a estréia cênica deste em 1936. (CABRERA, 2011, p.23) Um ano depois, Yavorski preparou para Alícia a sua versão de O Lago dos Cisnes, o qual ela dançou com Emile Laurens, bailarino profissional do Ballets Russes de Monte Carlo. A apresentação foi um sucesso e provou o profissionalismo de Alicia, mas a Pro- Arte não oferecia oportunidades profissionais, por isso ela e Fernando Alonso partiram 47

para os Estados Unidos. Com a saída de seus talentos, o professor não mais obtinha o êxito de antes em seus espetáculos. Em 1938, renunciou de seu cargo, devido a contradições com a escola e foi substituído por George Milenoff, professor búlgaro que estudou dança clássica com o mestre russo Nicolai Legat. Milenoff ampliou o número de alunos e se vinculou a um grupo de criadores cubanos que desejavam desenvolver a atividade teatral no país. (CABRERA, 2011, p.25) Em 1940, o Ballet de Pro-Arte estreou uma apresentação de balé com música do compositor cubano Eduardo Sánchez de Fuentes. O espetáculo se chamou Dioné e contou com o suporte de Alicia Alonso, que dançou junto aos bailarinos cubanos. O balé não podia deixar de ser um sucesso! A presença de Alicia prova que, apesar de ela participar na época de uma companhia profissional americana, o Ballet Caravan, não perde contato com sua pátria. Alicia e Fernando Alonso tentaram formar uma companhia de dança em Cuba, mas logo perceberam que necessitavam primeiramente formar bailarinos com características artísticas próximas às deles. Assim formaram, em 1950, a Academia de Ballet Alicia Alonso, tendo como critério a seleção daquilo que mais valorizavam dentro do repertório de experiências que tiveram com professores russos, italianos e ingleses. De acordo com Pedro Simón (1973), a partir desses critérios esses profissionais procuraram criar um método que se adaptasse aos cubanos, levando em consideração o clima, a constituição física e o caráter cubanos: Toda uma gama de escolas e estilos coreográficos foram estudados com um sentido crítico e seletivo por Alicia e Fernando Alonso, que souberam transformá-los e enriquecê-los para criar uma nova modalidade estilística, estreitamente vinculada as condições do bailarino cubano, suas necessidades expressivas e sua forma peculiar de conceber a beleza dentro da dança (SIMÓN, 1973, p. 53). Dessa forma, o método cubano de ensino foi sendo formado com a peculiaridade de adaptar os métodos do balé clássico às características próprias ao povo cubano. Foi a primeira escola de ensino profissional de balé em Cuba. O balé lá foi ensinado de uma forma distinta das outras escolas. Apesar disso, Simón (1973) lembra que há uma proximidade com a escola italiana, pela agilidade dos movimentos dos pés; a limpeza 48

técnica se aproxima do método inglês; e a espontaneidade do método francês. Além disso, há uma identificação com a dança norte-americana, pelo uso de alguns recursos da dança moderna. Conclusão Com esta pesquisa foi possível perceber que os métodos de balé refletem particularidades de suas culturas. São métodos que valorizam o tipo corporal dos locais em que eles foram desenvolvidos. Assim, mesmo pertencendo ao grande grupo Dança Clássica possuem especificidades próprias, que se diferenciam e se relacionam. Dessa forma, são métodos que contribuem para a diversidade dentro do sistema da dança clássica. Referências AGUIAR, Daniella de. Sobre treinamentos técnicos de dança como coleções de artefatos cognitivos. 2008. 124 f. Dissertação (Mestrado em Dança). Escola de Dança, Universidade Federal da Bahia, Bahia, 2008. AMARAL, Jaime. Das danças rituais ao ballet clássico. Revista Ensaio Geral, Belém, v.1, n.1, jan-jun, 2009. BENNETT, Toby; POESIO, Giannandrea. Mime in the Cecchetti Method. In: Dance Research: The Journal of the Society for Dance Research. Escócia: Edinburgh University Press. V. 18, n. 1, 2000. p. 31-43. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/i255218>. Acesso em: 13 Maio 2013. CABRERA, Miguel. El Ballet em Cuba: nacimiento de una escuela en el siglo XX. Buenos Aires: Balletin Dance, 2011. CAMINADA, Eliana. História da dança: evolução cultural. Rio de Janeiro: Sprint, 1999. GIERSDORF, Jens Richard. Dance Studies in the International Academy: Genealogy of a Disciplinary Formation. Dance Research Journal. Cambridge University Press.Volume 41, n. 1, verão de 2009, pp. 23-44.Disponível em: <http://muse.jhu.edu/journals/drj/summary/v041/41.1.giersdorf.html>. Acesso em: 17 de Junho 2013. 49

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