ASSINATURAS DE AR CLARO DO RADAR DE BAURU: OBSERVAÇÃO DE FRENTES DE RAJADAS E A INICIAÇÃO DE CONVECÇÃO Maria Andrea Lima Instituto de Pesquisas Meteorológicas-IPMet/UNESP C.P.281 Bauru São Paulo 17033-360 E-mail : andrea@ipmet.unesp.br ABSTRACT On 6 March 1998 convective systems were detected by the Bauru radar within its 240 km range with several thunderstorm outflows moving in the opposite direction to the overall-movement of the systems. Two of them had intercepted one another and new convection resulted fifteen minutes later. The analysis of radar data has clearly shown a gust front in the radial velocity and reflectivity fields. Typical reflectivity values of the gusts fronts ranged from 0-16 dbz. The depths of gust front corresponding to zero dbz threshold, have been observed to vary from a few hundred meters to <2 km. Mean propagation speeds were about 20 km.h -1 during their life cycles. These numbers are consistent with values reported in the literature for thunderstorm outflows. 1. INTRODUÇÃO Fenômeno comum dentro da camada limite atmosférica são as frentes de rajadas geradas pelas tempestades no início de seus estágios maduros (Wakimoto, 1982; Purdom, 1982; Carbone et al., 1990). Essas frentes podem deslocar-se a grandes distâncias e servir como um mecanismo de geração da convecção se o ambiente for favorável (Moncrieff e Liu, 1999) ou se elas colidirem com outras frentes de rajadas ou linhas de convergência (Wilson e Schreiber, 1986). As frentes de rajadas apresentam-se nos radares como bandas estreitas ou linhas de refletividade associadas a forte gradiente azimutal ou radial na velocidade Doppler (Wilson e Schreiber, 1986; Mueller e Carbone, 1987; Mahoney III, 1988). Quando se usa um radar Doppler para detectar características da camada limite planetária em uma atmosfera não precipitante é essencial que o radar tenha sensibilidade suficiente. Ecos não associados à precipitação normalmente resultam das flutuações do índice de refratividade, da presença de insetos e/ou material particulado. O radar de Bauru, DWSR-88S, tem mostrado capacidade de detecção em ar claro ao longo de todo ano em diferentes situações atmosféricas (Calheiros et al., 1997). O DWSR-88S tem mínima refletividade detectável para a distância de 50 km de 3 dbz em operação com pulso longo (2 µs) e 1 dbz com pulso curto (0.8 µs). O objetivo deste trabalho é a caracterização de frentes de rajada através dos campos de refletividade e velocidades radiais do radar de Bauru para o evento de 6 de maio de 1998. 2. DADOS E ANÁLISE No dia 6 de março de 1998 três aglomerados convectivos formaram-se no Estado de São Paulo (Fig. 1). Dois deles (A e B), estavam dentro do alcance quantitativo do radar de Bauru (240km) e puderam ter suas evoluções acompanhadas. A convecção iniciou-se por volta das 13:00 HL e diversas frentes de rajada formaram-se e propagaram-se a grandes distâncias de suas origens. Ocorreu desenvolvimento de convecção na interceptação de duas delas. As análises dos dados de refletividade e das velocidades foram efetuadas através do software IRIS/Analysis (Interactive Radar Image System). A figura 2 mostra uma seqüência temporal do evento de 6 de março de 1998. As imagens são PPI (Plan Position Indicator) do campo de refletividade e velocidades radiais para 0.3 de elevação. As velocidades negativas são velocidades no sentido do radar e as positivas, para fora do radar. Fig. 1. Imagem visível GOES8 06/03/98 14:45HL, mostrando os três sistemas convectivos sobre o Estado de São Paulo (Fonte: Lab. Master/DCA/IAG/USP). 3239
2.1 ORIGEM E HISTÓRIA DA FRENTE DE RAJADA (A) O aglomerado convectivo A (setor oeste e distância ~ 100 km do radar), às 13:38 HL, já era composto por 5 células ativas que unem-se e deslocam-se para SSW. As novas células convectivas formam-se à frente e à esquerda com referência à direção de deslocamento (comparar Fig. 2.a e 2.b). Às 15:01 HL uma frente de rajada (FR-A) associada ao aglomerado A pode ser identificada inequivocamente nos campos de refletividade e velocidades radiais. Apresenta-se como uma banda estreita de refletividade na forma de um arco, com larguras variando entre 2 a 6 km e alturas entre centenas de metros até ~ 1600 m. As refletividades variaram tipicamente entre 0-16 dbz (Fig.3). A FR-A desloca-se na direção ENE com velocidade média de 20 km.h -1. A partir das 15:23 HL o aglomerado A e a FR-A interagem-se por causa das novas células formadas à esquerda. Resultado dessa interação é o começo do desenvolvimento de convecção entre o aglomerado que se desloca para SSW e a FR-A que se desloca para ENE (Fig.4). 2.2 ORIGEM E HISTÓRIA DA FRENTE DE RAJADA (B) As primeiras células que formam o aglomerado B começam a desenvolver-se a partir das 13:38 HL no setor SE do radar. Nos primeiros estágios de desenvolvimento praticamente não há deslocamento das células de convecção. Após atingirem seus estágios maduros (dbz>40) deslocam-se para SSW. Outra frente de rajada (FR-B) forma-se em torno de 14:31 HL à direita da área de convecção e desloca-se para ENE. A FR-B pode ser vista na figura 2.b, 37 minutos mais tarde. As características da FR-B (forma, altura, refletividades, etc.) são semelhantes às da FR-A. A Figura 5 mostra um corte em FR-B. Um outro alinhamento de células convectivas forma-se à esquerda do aglomerado B, sugerindo uma interação entre a FR-B e a convecção já existente. As novas células formam-se, neste caso, à direita da direção de deslocamento do sistema (SSW). Esta nova banda de convecção formada desloca-se para WNW. Às 15:53 HL pode-se identificar duas bandas de precipitação que se formam a partir da interação dos aglomerados e as frentes de rajadas. Como essas novas bandas deslocam-se uma em direção a outra, unem-se a partir das 16:16 HL. A Figura 3 mostra essas bandas no instante da união. 2.3 INTERSEÇÃO DAS FRENTES DE RAJADAS A E B As principais frentes de rajadas originárias dos aglomerados e identificadas como A e B apresentam-se com a forma de grandes arcos (Fig. 2.c). No desenvolver de seus deslocamentos seus extremos se interceptam (suas direções de deslocamento são convergentes). Como resultado desta interação desenvolve-se convecção na área de interceptação 15 minutos mais tarde. Os primeiros sinais desse desenvolvimento são observados às 16:08 HL em 4 km de altura. A Figura 6 detalha os momentos desta interceptação em CAPPI (Constant Altitude Plan Position Indicator) de 4.2 km para destacar o primeiro eco resultante e a evolução da precipitação seqüente. 3. DISCUSSÕES FINAIS A capacidade de detecção em ar claro de um radar depende principalmente da conjugação favorável de dois fatores: da sensibilidade do radar e da presença de traçadores na atmosfera. A análise do evento de 6 março 1998 mostrou que o DWSR-88S de Bauru, de sensibilidade moderada, tem capacidade de detectar frentes de rajada (fenômenos tipicamente não associados à presença de hidrometeoros). Embora os resultados de estudos sobre a origem da convecção possam ser encontrados extensivamente na literatura, este conhecimento ainda é insuficiente para determinar quando e onde ela vai ocorrer. Questões importantes sobre o papel exato dos controles cinemáticos e de umidade e das forçantes dinâmicas ainda devem ser precisamente determinadas. Estudos locais que enfoquem a ocorrência e o comportamento de fenômenos que possam levar à convecção têm importância porque os resultados podem incorporar-se a modelos conceituais, modelos numéricos de previsão de convecção, além de compor esquemas de nowcasting. Embora o Estado de São Paulo não disponha de um conjunto adequado de equipamentos (densa rede de estações de superfície, radiossondas, rede dual de radares Doppler, perfiladores de vento, lidars, etc...) para observar com detalhes os fenômenos que produzem convecção cúmulo intensa, pode-se aprender muito explorando a capacidade de observação da rede de radares Doppler do Estado de São Paulo. 3240
Fig. 2. Seqüência temporal dos campos de refletividade e velocidades radiais em 0.3 de elevação (PPI) para os aglomerados A e B. As linhas pontilhadas destacam as principais frentes de rajada (FR). A seta indica a FR resultante da convecção desenvolvida na área de interceptação das FR-A e FR- B. As velocidades negativas são velocidades no sentido do radar e as positivas, para fora. 3241
Fig. 3. PPI do campo de refletividade em 0.3 de elevação e seção vertical, perpendicular à direção de deslocamento da FR-A, mostrando sua morfologia típica. A linha vermelha no PPI mostra a posição do corte. Fig.4. PPI do campo de refletividade em 0.3 de elevação com as novas células de convecção (destacadas pelas linhas vermelhas) resultado da interação entre FR-A e o aglomerado A e entre FR-B e o aglomerado B. Tabela de cores/refletividade das figuras 3, 4 e 5. 3242
Fig. 5. PPI do campo de refletividade em 0.3 de elevação e seção vertical perpendicular à direção de deslocamento da FR-B, mostrando sua morfologia típica. A linha vermelha no PPI mostra a posição do corte. 3243
Fig. 6. CAPPI de 4.2 km de altura para o momento da interseção das linhas (6.a.). A evolução dos ecos é detalhada nos cortes verticais seqüentes ( 6.b, 6.c, e 6.d) na região de interceptação e indicados pela linha vermelha no CAPPI. A seta no campo Doppler destaca a região de interceptação. 3244
4. BIBLIOGRAFIA XII Congresso Brasileiro de Meteorologia, Foz de Iguaçu-PR, 2002 CALHEIROS, R. V., GOMES, A. M., LIMA, M.A., ANTONIO, M. de A. Clear-Air Wind Profiling in the Planetary Layer with Microwave Radar. In: Conference on Southern Hemisphere Meteorology and Oceanography, Pretoria, Africa do Sul, 1997. Preprints...Boston (MASS/USA), MAS, 1997, p.124-125. CARBONE, R.E.; J.W. CONWAY; N.A. CROOK; M.W. MONCRIEFF. The generation and propagation of a nocturnal squall line. Part I: Observations and implications for mesoscale predictability. Mon. Wea. Review, v.118, p.26-49, 1990. MAHONEY III, W.P. Gust front characteristics and kinematics associated with interacting thunderstorm outflows. Mon. Wea. Review, v.116, p.1474-1491, 1988. MONCRIEFF, M.W., e C. LIU. Convection initiation by density currents: Role of convergence, shear, and dynamical organization. Mon. Wea. Review, v.127, p.2455-2464, 1999. MULLER, C.K., e R.E. CARBONE. Dynamics of a thunderstorm outflow. Jour. Atmos. Science, v.44, p.1879-1898, 1987. PURDON, J.F.W. Subjective interpretation of geostationary satellite data for nowcasting. IN: Nowcasting. K. Browning, Ed., Academic Press, London, 1982. WAKIMOTO, R.M. The life cycle of thunderstorm gust fronts as viewed with Doppler radar and rawindsonde data. Mon. Wea. Review, v.110, p.1060-1082, 1982. WILSON, J.W.; W.E. SCHREIBER. Initiation of convective storms at radar-observed boundary-layer convergence lines. Mon. Wea. Review, v.114, p.2516-2536, 1986. Agradecimentos: Ao técnico Hermes G. França pela assistência na manipulação dos dados e do IRIS/Analysis. Ao R.J. Lopes pelo suporte na edição do texto. Ao DM/IAG/USP pela cessão do software. 3245