Como Tratar a Febre e a Dor em Crianças com Infecções Respiratórias Agudas?



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Transcrição:

Como Tratar a Febre e a Dor em Crianças com Infecções Respiratórias Agudas? Lucia Ferro Bricks As infecções respiratórias agudas (IRA) são as doenças mais comuns na infância e, em geral, acompanham-se de dor e febre. Apesar dos analgésicos/antitérmicos (AAT) e antiinflamatórios não hormonais (AINH) serem amplamente utilizados, ainda são escassas as informações sobre eficácia e segurança desses medicamentos em crianças. A febre, além de causar desconforto, é a manifestação clinica que mais atemoriza os pais; sua presença pode ser o primeiro indício da presença de doenças graves e, além disso, pode desencadear convulsões. Os antitérmicos e AINH são considerados seguros, mas não são raros os casos de eventos adversos, devido a erros na administração (dose e/ou intervalos entre as doses) ou após uso de doses habituais, em crianças com doenças de base, sendo fundamental que os médicos e leigos conheçam as indicações e contra-indicações dos AAT e AINH. Principais questões relacionadas ao uso de AAT/AINH em crianças 1) O que é febre? A febre é a elevação da temperatura corporal mediada pelo sistema nervoso central. Normalmente, o centro termoregulador localizado no hipotálamo mantém a temperatura corpórea em torno de 37º.C, com pequenas variações (0,6 a 1,1º.C) durante o dia. A temperatura pode ser aferida em vários locais; a temperatura retal é a que apresenta melhor correlação com a temperatura central, considerando-se como indicativas de febre a temperatura aferida no reto maior ou igual a 38º.C. A temperatura aferida em outros locais (boca, axila, tímpano ou pele), em geral, é mais baixa que a central, por esse motivo, a temperatura axilar 37,3º.C é considerada como elevada. 2) Toda criança com temperatura alta tem febre? Não. A elevação da temperatura pode ser causada por febre ou hipertermia. Na hipertermia, a elevação da temperatura se deve a condições que não envolvem o centro termoregulador (exposição ao calor, hipertireoidismo, uso de medicamentos). É importante diferenciar a febre da hipertermia, pois a hipertermia é tratada por meios físicos, enquanto a febre é tratada com AAT/AINH. 3) É preciso tratar todas as crianças que apresentam febre? Não, exceto quando a criança apresenta temperatura muito elevada (T > 39º. C) ou apresenta risco de sobrecarga ao aparelho cardiocirculatório (cardiopatas e pneumopatas crônicos). Embora a redução da temperatura aumente o conforto da

46 VI MANUAL DE OTORRINOLARINGOLOGIA PEDIÁTRICA DA IAPO criança com febre, a febre desempenha importante papel na resposta inflamatória, pois aumenta a migração de neutrófilos, a produção de interferon gama e de outras citocinas responsáveis pela eliminação de vírus e bactérias. Apesar das IRA de etiologia viral constituírem o principal motivo para uso de antitérmicos em crianças, são raríssimos os estudos randomizados e controlados sobre o impacto do tratamento da febre na evolução dessas infecções e, em humanos, não há evidências de que a redução da temperatura aumente o risco de complicações. Do ponto de vista clínico, é mais importante investigar a etiologia da febre do que reduzir a temperatura. Entretanto, a maioria dos pais administra antitérmicos para seus filhos, mesmo quando a criança apresenta febre baixa. Muitas vezes, os AAT/AINH são administrados em doses acima ou abaixo das preconizadas ou em intervalos muito curtos, na tentativa de manter a criança sem febre, mesmo quando ela não apresenta nenhum desconforto. É preciso lembrar que a supressão da febre não significa ausência de doença e que, em algumas situações, pode dificultar a avaliação e o diagnóstico de complicações. Além disso, não raramente, os medicamentos (incluindo AAT/AINH) são responsáveis pela manutenção da febre. Embora em estudos experimentais, alguns AINH tenham reduzido o processo inflamatório em casos de otite, nos poucos estudos randomizados e controlados realizados em crianças com otite média aguda, otite média secretora e tonsilite em que se comparou a ação do paracetamol com ibuprofeno ou placebo, ambos os medicamentos tiveram ação comparável na resolução dos sintomas. É importante ressaltar o processo inflamatório nas IRA é autolimitado, e que as doses recomendadas de ibuprofeno para combater processos inflamatórios crônicos são mais altas (30 a 40 mg/kg) do que as preconizadas para tratar a febre (5 a 10 mg/ kg). 4) Qual o analgésico/antitérmico mais seguro para crianças menores de seis anos? Atualmente, os únicos antitérmicos recomendados para tratar crianças com dor e/ ou febre associadas às infecções respiratórias agudas são: paracetamol, dipirona e ibuprofeno. O ácido acetilsalisílico é contra-indicado para crianças menores de seis anos devido à sua maior toxicidade, em comparação com outros antitérmicos (sangramento digestivo, reações de hipersensibilidade, síndrome de Reye). A segurança dos medicamentos varia de acordo com tipo de fármaco, dose, duração do tratamento, uso concomitante de outros medicamentos, condição nutricional e antecedentes mórbidos (doença péptica, alergia respiratória, desidratação, doenças hepáticas ou renais); portanto, em cada situação, é necessário considerar todos esses fatores. No Quadro 1, encontram-se as doses recomendadas para crianças e adultos, intervalos de administração e principais restrições ao uso desses medicamentos. Vale salientar que a dose de AINH indicada para tratar processos inflamatórios, em geral, é superior à preconizada para aliviar a dor e a febre.

VI MANUAL DE OTORRINOLARINGOLOGIA PEDIÁTRICA DA IAPO 47 Quadro 1. Principais características do acetaminofeno, dipirona e ibuprofeno. Características Idade Acetaminofeno Dipirona Ibuprofeno Desde o período neonatal Após 3 meses de idade Uso Oral, retal Oral, retal, IM, EV Oral Dose Adultos* Toxicidade Contra-indicações 10 a 15 mg/kg 2 g/ dia Gastrintestinal Hepática Reações de hipersensibilidade (muito raras) Doença hepática aguda ou crônica Uso concomitante de fármacos metabolizados pelo citocrono P450 10 a 20 mg/kg 2 g a 4 dia Gastrintestinal Medular: agranulocitose/aplasia Reações de hipersensibilidade Renal Cutânea: erupção fixa Neutropenia Reação prévia de hipersensibilidade *Dose antiinflamatória recomendada para crianças com artrites e miosite Após 6 meses de idade 5 a 10 mg/kg e 30 a 40 mg/kg* 800 a 1200 mg/dia Gastrintestinal Reduz a adesão plaquetária Reações de hipersensibilidade Renal Cutânea: exantema, urticária, S. Stevens Johnson Broncoespasmo Doença péptica Alterações plaquetárias Asma ou rinite graves Doença renal Hipertensão arterial Reação prévia de hipersensibilidade ao ibuprofeno ou a outros AINH Uso concomitante de outros AINH Os eventos adversos mais comuns associados aos AAT/AINH são dor e desconforto abdominal (10 a 30%), mas a toxicidade específica dos medicamentos depende do tipo de fármaco. O paracetamol e dipirona são analgésicos e antitérmicos sem ação antiinflamatória; enquanto os AINH são, em geral, ácidos fracos, que atuam inibindo as ciclooxigenases (COX). As COX são enzimas que convertem o ácido aracdônico em prostaglandinas (PG) PGH2, que é instável e, posteriormente, é transformada em prostanóides estáveis (PGD2, PGE2 PGF2 e PGI2) e tromboxane (TBA2). As PG estão associadas à inflamação e febre, mas também desempenham funções fisiológicas importantes. Os fármacos que inibem sua produção podem causar diversos danos ao organismo. Existem pelo menos duas isoformas de ciclooxigenase (COX-1 e COX-2), que apresentam pelo menos 60% de homologia. Os AINH atuam de forma mais seletiva ou específica sobre a COX-1 ou COX-2. A aspirina, o cetoprofeno, a indometacina, o ibuprofeno, o fenoprofeno são inibidores potentes da COX-1; o diclofenaco, a nimesulida e o piroxicano são considerados inibidores seletivos da COX-2 e os coxibes (rofecoxibe e celecoxibe) são inibidores específicos da COX-2.

48 VI MANUAL DE OTORRINOLARINGOLOGIA PEDIÁTRICA DA IAPO A COX-1 está presente em quase todos os tecidos, tem ação citoprotetora no trato gastrintestinal, está presente nos rins e endotélio e atua inibindo a formação do TBA2 (substância que favorece a coagulação). Portanto, os fármacos com ação inibidora potente da COX-1 causam danos ao trato gastrintestinal, sangramento e problemas renais. O risco de sangramento depende não apenas do medicamento, mas também, da dose, tempo de uso e presença de doença péptica. A administração concomitante de aspirina (mesmo em doses baixas) com outros AINH pode dobrar ou triplicar o risco de sangramento gastrintestinal. O ibuprofeno tem ação específica menor sobre a COX-1, em comparação com o ácido acetilsalisílico, por isso causa menor dano ao trato gastrintestinal, mas se for utilizado em doses altas, o risco de sangramento aumenta. Os inibidores específicos da COX-2 foram desenvolvidos no intuito de evitar sangramentos e danos ao trato gastrintestinal, pois ela não está presente no trato digestivo e plaquetas. Estudos realizados em adultos revelaram que o uso de inibidores específicos da COX-2 foi associado a fenômenos tromboembólicos. Esse efeito se deve à presença da COX-2 no endotélio vascular e nos rins, onde inibe a adesão de neutrófilos à parede dos vasos e causa vasodilatação. Os coxibes podem causar vasoconstrição, edema, hipertensão e tromboembolismo, por isso não foram aprovados pelo FDA para uso em crianças. As reações de hipersensibilidade podem ocorrer após exposição a qualquer tipo de medicamento, mas são mais freqüentes em pessoas com asma grave, pólipos nasais ou com antecedente de reação de hipersensibilidade a aspirina. Essas reações podem acarretar risco de vida e constituem contra-indicação para nova exposição ao medicamento que a causou, assim como a outros antitérmicos que apresentam reação cruzada. De todos os AAT/AINH, o que menos desencadeia reações de hipersensibilidade é o paracetamol. Apesar de raramente o paracetamol ser considerado como um dos medicamentos mais seguros para uso em crianças e adultos, a ingestão de doses excessivas desse medicamento tem causado diversos óbitos por lesão hepática aguda. Em adolescentes e adultos, a maioria das reações adversas ao paracetamol deve-se à ingestão excessiva intencional; nos lactentes, entretanto, a principal causa de intoxicação está relacionado a erros na administração. Apesar de o ibuprofeno ser considerado tão seguro quanto o paracetamol para crianças maiores de seis meses de idade, o uso desse medicamento deve ser muito cauteloso em pessoas com história de atopia, reação alérgica a outros AINH, risco para doença péptica ou renal. Alguns estudos revelaram que a administração do ibuprofeno a recém-nascidos com persistência do canal arterial é tão segura e efetiva quando o uso da indometacina; entretanto, o número de casos é pequeno, sendo necessária cautela na indicação desse medicamento, pois os dados sobre sua farmacodinâmica são muito limitados em recém-nascidos. Durante o período neonatal, o clearance do paracetamol e do ibuprofeno é reduzido; entretanto, enquanto nos recém-nascidos raramente ocorrem casos de heptotoxicidade associados ao uso do paracetamol, o ibuprofeno reduz em 20% a função renal dessas crianças.

VI MANUAL DE OTORRINOLARINGOLOGIA PEDIÁTRICA DA IAPO No Quadro 2 temos as principais condições em que se deve evitar o uso de AINH em crianças. 49 Quadro 2. Principais condições em que se deve evitar o uso de AINH em crianças 1. Presença de: - sinais e sintomas de doença renal, péptica, cardíaca, diabetes - hipovolemia, desidratação (> 10% peso corpóreo total) - hipertensão arterial - alterações na coagulação - pólipos nasais, angioedema e broncoespasmo 2. Antecedentes mórbidos: - reação alérgica aos AINH - doença péptica - doença renal - insuficiência cardíaca congestiva - diabetes 3. Uso concomitante de medicamentos: - outros AINH (incluindo baixas doses de AAS) - fármacos com ação anticoagulante - corticosteróides 4. Doença viral (AAS) 5. Uso de álcool A dipirona é bastante utilizada no Brasil, Espanha, Áustria, Bélgica, Itália, Holanda, Suíça, África do Sul, Rússia, Israel e Índia, mas seu uso é proscrito nos EUA, Canadá e alguns países da Europa, como Suécia, devido ao risco de toxicidade medular. A agranulocitose em estudos epidemiológicos ocorre em 1,1 a 4,9 por milhão de usuários e a aplasia medular em 0,7 a 4,1 por milhão de usuários. Portanto, são eventos raros, sendo difícil estabelecer se existe ou não relação causal entre exposição a dipirona e o surgimento dessas reações. Como existem grandes variações regionais na ocorrência de agranulocitose e aplasia medular, acredita-se que outros fatores (genéticos, ambientais) estejam envolvidos na gênese da toxicidade medular. 5) Qual o AAT mais efetivo para tratar a dor e a febre em crianças? Existem poucos estudos bem desenhados para comparar a efetividade e segurança dos diferentes antitérmicos em crianças. Em crianças, uma dose única do ibuprofeno (4-10 mg/kg) tem efeito comparável à dose única do acetaminofeno (7-15 mg/kg), para aliviar a dor, mas um estudo realizado em crianças atendidas por trauma, revelou maior tendência de alívio da dor após administração do ibuprofeno. Em relação à febre, o ibuprofeno na dose de 10 mg/kg é mais efetivo

50 VI MANUAL DE OTORRINOLARINGOLOGIA PEDIÁTRICA DA IAPO quando a criança apresenta temperatura retal 39º.C, mas em temperaturas mais baixas, a efetividade é comparável à do paracetamol. 6) Quais as vantagens na utilização simultânea de diferentes AAT/AINH? Em um estudo randomizado e controlado, verificou-se que a administração simultânea de paracetamol e ibuprofeno reduziu em menos de 0,5º.C a temperatura, portanto, não se recomenda o uso simultâneo desses medicamentos. 7) Existem vantagens no uso alternado de diferentes antitérmicos? Os resultados de dois estudos randomizados e controlados, desenhados para avaliar o uso alternado de antitérmicos revelaram que o uso alternado de ibuprofeno e paracetamol foi mais efetivo do que a monoterapia para manter a criança afebril. Não encontramos na literatura nenhum estudo comparando o uso alternado desses antitérmicos com a dipirona. Como esses medicamentos são metabolilizados por diferentes vias e não apresentam interação medicamentosa, consideramos mais apropriado orientar os pais para alternarem o uso de diferentes medicamentos quando a criança mantém temperaturas elevadas, evitando administrar o mesmo fármaco em intervalos inferiores a 4 horas. Entretanto, é preciso ter muita cautela na prescrição desses medicamentos, para evitar trocas entre os medicamentos que são administrados em diferentes dosagens e intervalos. Os erros na administração de AAT/AINH são bastante comuns, assim como a administração concomitante de xaropes ou descongestionantes associados aos antitérmicos. É fundamental questionar os pais sobre uso prévio de medicamentos, incluindo os de venda livre. 8) Qual a efetividade e os riscos associados ao uso de AAT/AINH para aliviar dor a pós-operatória em procedimentos otorrinolaringológicos? A tonsilectomia e a colocação de tubos de ventilação na orelha média são cirurgias comuns em crianças, mas os efeitos dos AAT/AINH ainda foram pouco analisados em estudos bem desenhados comparando a ação de diferentes fármacos para aliviar a efetividade e a segurança dos diferentes AAT/AINH em crianças. Em meta-análise realizada para avaliar o risco de sangramento intra, peri e pósoperatório, verificou-se que os pacientes tratados com AINH apresentaram o dobro de risco de sangramento, em comparação com aqueles que receberam opióide. Para cada 60 pacientes tratados com AINH, ocorreu um caso de hemorragia. Por outro lado, pacientes tratados com AINH apresentaram menos náuseas e vômitos, sendo estimado que para cada nove pacientes tratados com opióides, um irá apresentar náuseas e vômitos no período pós-operatório. Um estudo recentemente publicado no Canadá revelou que a ação do paracetamol por via oral foi tão efetiva quanto o uso tópico de lidocaína na redução da dor associada à inserção de tubos de ventilação na orelha média. Leituras recomendadas 1. Bhananker SM, Azavedo L, MacCormick J, Splinter W. Topical lidocaine and oral acetaminophen provide similar analgesia for myringotomy and tube placement in children. Can J Anaesth. 2006; 53: 1111-6. 2. Bricks LF, Silva CAA. Recomendações para uso de antiinflamatórios não

VI MANUAL DE OTORRINOLARINGOLOGIA PEDIÁTRICA DA IAPO hormonais em crianças Pediatria (S. Paulo) 2005; 27(2): 114-25. 3. Bricks LF, Silva CAA. Toxicidade dos antiinflamatórios não hormonais. Pediatria (S Paulo) 2005; 27 (3): 114-25. 4. Clark E, Plint AC, Correll R, Gaboury I, Passi B. A randomized, controlled trial of acetaminophen, ibuprofen, and codeine for acute pain relief in children with musculoskeletal trauma. Pediatrics. 2007; 119:460-7. 5. Foxlee R, Johansson A, Wejfalk J, Dawkins J, Dooley L, Del Mar C. Topical analgesia for acute otitis media. Cochrane Database Syst Rev. 2006 Jul 19;3: CD005657. 6. Eccles R. Efficacy and safety of over-the-counter analgesics in the treatment of common cold and flu. J Clin Pharm Ther. 2006; 31:309-19. 7. Jacqz-Aigrain E, Anderson BJ. Pain control: non-steroidal anti-inflammatory agents. Semin Fetal Neonatal Med. 2006; 11: 251-9. 8. Kaufman DW, Kelly JP, Issaragrisil S, Laporte JR, Anderson T, Levy M et al. Relative incidence of agranulocytosis and aplastic anemia. Am J Hematol. 2006; 81:65-7. 9. Krishna S, Hughes LF, Lin SY. Postoperative hemorrhage with nonsteroidal anti-inflammatory drug use after tonsillectomy: a meta-analysis. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2003 129:1086-9. 10. Marret E, Flahault A, Samama CM, Bonnet F. Effects of postoperative, nonsteroidal, antiinflammatory drugs on bleeding risk after tonsillectomy: meta-analysis of randomized, controlled trials. Anesthesiology. 2003 98:1497-502. 11. Moiniche S, Romsing J, Dahl JB, Tramer MR. Nonsteroidal antiinflammatory drugs and the risk of operative site bleeding after tonsillectomy: a quantitative systematic review. Anesth Analg. 2003 96:68-77. 12. Nabulsi MM, Tamim H, Mahfoud Z, Itani M, Sabra R, Chamseddine F et al. Alternating ibuprofen and acetaminophen in the treatment of febrile children: a pilot study [ISRCTN30487061]. BMC Med. 2006; 4;4:4. 13. Rovers MM, Glasziou P, Appelman CL, Burke P, McCormick DP, Damoiseaux RA, et al. Predictors of pain and/or fever at 3 to 7 days for children with acute otitis media not treated initially with antibiotics: a meta-analysis of individual patient data. Pediatrics. 2007; 119: 579-85. 14. Sarrell EM, Wielunsky E, Cohen HA. Antipyretic treatment in young children with fever: acetaminophen, ibuprofen, or both alternate in a randomized, double-blind study. Arch Pediatr Adolesc Med. 2006;160:197-202. 51