O USUÁRIO NA LEI 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE 2006 - NOVA LEI DE TÓXICOS 1



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Transcrição:

O USUÁRIO NA LEI 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE 2006 - NOVA LEI DE TÓXICOS 1 Carulina de Freitas Chagas 2 Orientadora: Lázara Maria de Fátima Mendes Abreu 3 SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Conceito de Crime; 3. Das Espécies de Penas; 4. Introdução à Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006; 5. Análise do tipo penal previsto no artigo 28 da Lei 11.343/06; 6. As penas cominadas ao usuário de drogas; 7. O art. 28 e o uso de drogas: descriminalização, despenalização ou continua sendo crime?; 8. Conclusão. RESUMO: A partir do estudo do artigo 28 da Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006 - Nova Lei de Tóxicos - artigo este referente ao usuário de drogas, pretende-se, ao final dessa monografia demonstrar que a conduta do usuário de drogas continua sendo crime, e que com o advento da Lei 11.343/06, nova Lei de Tóxicos, não houve abolitio criminis do uso de drogas, e tampouco a sua despenalização. Será demonstrado, portanto, que a conduta incriminada pelo artigo 28 continua a ter natureza jurídica de crime. Palavras-chave: Lei n. 11.343/06 artigo 28 - uso de drogas descriminalização despenalização natureza jurídica de crime 1 Monografia de Conclusão de Curso defendida em 03/12/2007. 2 Autora da monografia; Bacharel em Direito graduada pela Faculdade Mineira de Direito da PUC-MG (campus Coração Eucarístico) em julho de 2008. Endereço eletrônico para contato: caroldefreitas@ibest.com.br. 3 Mestre em Direito Penal e Professora de Direito Penal III da Faculdade Mineira de Direito da PUC-MG; Professora de Direito Penal Comum, Direito Penal Militar e Criminologia da Academia da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais.

2 1. INTRODUÇÃO A presente monografia tem como objeto de estudo a Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, relativamente ao tratamento diferencial por ela conferido ao usuário de drogas, que constitui inovação em relação à legislação antitóxicos anterior. O estudo será adstrito à parte material (penal) do tratamento dispensado pela Lei 11.343/06 ao usuário, mais especificamente, ao artigo 28 da referida lei. O Objeto de estudo desse trabalho é constituído, especificamente pela figura do usuário, conforme dito acima, e não por todo o diploma legal em questão. Espera-se que o presente trabalho contribua para que, juridicamente, a compreensão da polêmica acerca da descriminalização ou não do uso de drogas se torne mais clara e menos polêmica. Esse estudo foi desenvolvido visando não apenas os estudiosos e aplicadores do Direito, mas também os profissionais de outras áreas, interessados no estudo do tema em análise, que desejem se inteirar melhor acerca da polêmica trazida pela Lei 11.343/06 sobre o uso de drogas. O artigo 28 da Lei 11.343/06, que tipifica as condutas referentes ao uso de drogas, por não mais cominar pena privativa de liberdade ao usuário, está envolto por uma polêmica que tem suscitado discussões jurídicas fervorosas acerca da descriminalização, ou não, do uso de drogas. Há entendimentos em ambos os sentidos. Pretende-se com este estudo demonstrar que não ocorreu abolitio criminis do uso de drogas e que tal conduta continua a ser crime, tal como o tipifica o artigo 28 da Lei 11.343/06, ou seja o artigo 28, tal como posto pela nova lei não implicou a descriminalização do uso de drogas. Para entender se a Lei 11.343/06 implicou abolitio criminis do uso de drogas, é fundamental ter em mente o conceito de crime, bem como dos elementos que o compõe, pois, só assim será possível analisar uma conduta e classificá-la ou não como crime. Saber o que é crime é fundamentalmente importante para a compreensão desse trabalho. Quando se quer saber se uma dada conduta

3 constitui ou não crime, é indispensável, antes de qualquer coisa, saber o seu conceito. O renomado doutrinador Eugênio Raul Zafaroni, quanto a este aspecto já dizia: Efetivamente, quando o juiz, o promotor de justiça, o defensor ou seja quem for se encontram diante da necessidade de determinar se existe delito em um caso concreto (...) a primeira coisa que se deve saber é que caráter deve apresentar uma conduta para ser considerada delito. (ZAFARONI, PIERANGELI, 2007, p. 335). Por essa razão o segundo capítulo da monografia é dedicado a estudar os conceitos existentes de crime. A polêmica acerca do artigo 28 da nova lei de tóxicos, também envolve diretamente discussão sobre as penas aplicáveis aos crimes. Pelo fato de a nova lei, em seu artigo 28 não mais cominar pena privativa de liberdade ao usuário, alguns juristas têm entendido que houve abolitio criminis. Portanto, além de saber o que é crime, será indispensável à compreensão do artigo 28 da nova lei de tóxicos conhecer as espécies de penas existentes, assim como as suas finalidades em relação àquele que pratica a conduta incriminada. Portanto, compreender se a conduta tipificada no artigo 28 da nova lei é ou não crime pressupõe, além de um estudo prévio sobre o conceito de crime, um estudo sobre as espécies de pena adotadas pelo ordenamento jurídico-penal brasileiro e suas finalidades, das quais cuidará o terceiro capítulo desse trabalho. Do quarto capítulo em diante, inicia-se, especificamente, o estudo da Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, que é a nova Lei de Tóxicos, ou nova Lei de Drogas ou nova Lei Antitóxica, ou ainda, nova Lei Antidrogas, cuja análise, restringir-se-á, basicamente, ao artigo 28, que tipifica as condutas de uso de drogas. Para tanto, para que esse artigo seja bem compreendido, é necessário fazer uma breve apresentação da Lei e do contexto legislativo à época de seu surgimento, bem como dos seus objetivos quanto ao usuário de drogas, especificamente, e das principais alterações trazidas relativamente a ele. Após, o quinto capítulo dedicar-se-á à análise do tipo penal previsto no artigo 28 da nova Lei de Drogas, incriminador da conduta do uso. Nesse capítulo serão estudados os elementos do tipo penal, quais sejam, as condutas

4 incriminadas, os sujeitos ativo e passivo, o bem jurídico tutelado, o objeto material e os elementos normativos do tipo. Por fim, serão ainda apresentados os critérios fornecidos pela Lei 11.343/06 para apuração do consumo pessoal, diante de um caso concreto. O objeto de estudo do sexto capítulo são as penas cominadas pela Lei 11.343/06, penas essas que são a origem de toda a polêmica acerca da descriminalização, ou não, do uso de drogas. Por fim, após todo o estudo prévio desenvolvido sobre o artigo 28 da nova Lei de Tóxicos, o leitor estará apto a entender a polêmica acerca desse artigo e da incriminação do uso de drogas. Dessa forma, o sétimo capítulo destina-se á exposição das correntes de pensamento existentes sobre o assunto, quais sejam, a que entende que houve descriminalização do uso, a que entende que houve tão-somente a despenalização e, por fim, a que entende que não houve nem descriminalização nem despenalização do uso de drogas e que essa conduta continua a configurar crime, tal como a tipifica o artigo 28 da Lei n. 11.343/06. Será demonstrado que essa última corrente é a mais coerente com o que dispõe a Lei 11.343/06 ao traçar os seus objetivos e, sobretudo, é a mais coerente com as disposições do artigo 28 do novel diploma legal. No oitavo capítulo conclui-se que a conduta do uso de drogas, tipificada no artigo 28 da Lei 11.343/06, continua a ter natureza jurídica de crime, não havendo que se falar em despenalização e tampouco em descriminalização. Sendo assim, o objetivo da monografia foi alcançado, vez que restou demonstrado que o advento da nova Lei de Tóxicos não implicou abolitio criminis do uso de drogas.

5 2. CONCEITO DE CRIME O Código Penal brasileiro não traz em seus dispositivos nenhum que se dedique a conceituar crime. Diante disso, essa definição ficou a cargo da teoria jurídica do delito que através de estudos dedicados de respeitados penalistas, tem se ocupado em estabelecer um conceito doutrinário de crime. Desses estudos doutrinários, surgiram conceitos diversos sobre o que vem a ser a conduta delituosa. Rogério Greco, citando Zafaroni, assim define a teoria do delito: A parte da ciência do direito penal que se ocupa de explicar o que é o delito em geral, quer dizer, quais são as características que devem ter qualquer delito. Esta explicação não é um mero discorrer sobre o delito com interesse puramente especulativo, senão que atende à função essencialmente prática, consistente na facilitação da averiguação da presença ou ausência de delito em cada caso concreto. (GRECO, 2004, p. 150) Cumpre, neste capítulo, explicar o que vem a ser crime, visto que tal definição é indispensável à compreensão da polêmica de que trata esta monografia, qual seja, a de demonstrar que as condutas previstas no art. 28 da lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, nova Lei de Tóxicos, configuram crime. O crime, além de um acontecimento jurídico é também um acontecimento social, e enquanto tal, não se apresenta no mundo como um conceito inerte e imutável. O conceito de crime evolui à medida que também evolui e se transforma a sociedade em que se verifica, o que reclama constantemente, atuação e atualização jurídico-penal do Estado para a defesa eficaz dos bens e interesses jurídicos da sociedade. Desta forma, ainda que haja um conceito legalmente estabelecido de crime, em uma dada sociedade, se esse conceito não for capaz de acompanhar a evolução do próprio crime no decorrer do tempo, sendo constantemente atualizado, tornar-se-á obsoleto. Por tal razão é que se entende que a elaboração do conceito de crime compete, principalmente, aos doutrinadores. Conforme anteriormente dito, o Código Penal Brasileiro não traz uma definição de crime. A Lei de Introdução do Código Penal diz em seu art. 1º que

6 crime é a infração penal a que a lei atribui pena de reclusão ou de detenção. No entanto, conforme os dizeres de Rogério Greco: Com essa redação, o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal somente nos trouxe um critério para que, analisando o tipo penal incriminador, pudéssemos distinguir o crime de uma contravenção (...) Hoje, o conceito atribuído ao crime é eminentemente jurídico (...) não existe um conceito de crime fornecido pelo legislador, restandonos, contudo seu conceito jurídico. (GRECO, 2004, p. 154) Após muitas tentativas de fornecer um conceito sobre crime, a doutrina apresenta, no âmbito estritamente conceitual, três aspectos básicos sobre os quais o crime pode ser considerado. São eles: formal ou nominal, material ou substancial e analítico ou dogmático. Tais aspectos são as expressões doutrinárias mais significativas da Teoria do Delito, citados por diversos doutrinadores. 2.1 Aspecto formal ou nominal Segundo essa acepção, o crime é concebido como toda conduta que a lei penal incrimina. Considera-se, no aspecto formal, o direito positivo, a subsunção do fato à norma penal incriminadora. Esclarece o ilustre doutrinador Luiz Regis Prado que o aspecto formal ou nominal versa: sobre a relação de contrariedade entre o fato e a lei penal. Tem-se, pois, que delito é o fato ao qual a ordem jurídica associa a pena como legítima conseqüência ; ação ou omissão, imputável ao seu autor, prevista e punida pela lei como sanção penal ; ou, ainda, todo fato humano proibido pela lei penal.(prado, 2005, p. 252) Fernando Capez pondera que, sob o aspecto formal: O conceito de crime resulta da mera subsunção da conduta ao tipo legal e, portanto, considera-se infração penal tudo aquilo que o legislador descrever como tal, pouco importando seu conteúdo. (CAPEZ, 2006, p. 112)

7 O crime, sob este aspecto é, portanto, toda ação ou omissão que se adapta à conduta descrita por uma norma penal incriminadora emanada do Estado. 2.2 Aspecto material ou substancial No aspecto material ou substancial, as condutas são consideradas crime, conforme o seu caráter danoso, o seu desvalor para a sociedade. O crime seria, portanto, o que a sociedade considera, em determinada época, que deve ser proibido pela lei penal, por ser prejudicial e ofensivo ao modo de vida da sociedade. Luiz Regis Prado, respeitável penalista, esclarece que, sob esse aspecto, o crime: Costuma ser definido como o atentado às condições de vida da sociedade, comprovada pela legislação e só evitável mediante a pena ; todo fato humano lesivo de interesse capaz de comprometer as condições de existência, de conservação e de desenvolvimento da sociedade ; ou ainda, um querer e atuar antijurídico (socialmente danoso) e culpável, insuportável cultural e ético-socialmente, em contradição grave com a justiça e o bem comum. (PRADO, 2005, p. 253) O Promotor Fernando Capez, por sua vez, expõe que: Sob esse enfoque, crime pode ser definido como todo fato humano que, propositada ou descuidadamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade e da paz social. (CAPEZ, 2006, p.112) entende que: Já Júlio Fabbrini Mirabete, citando Magalhães Noronha, como ele, A melhor orientação para obtenção de um conceito material de crime, como afirma Noronha, é aquela que tem em vista o bem protegido pela lei penal. Tem o Estado a finalidade de obter o bem coletivo, mantendo a ordem, a harmonia e o equilíbrio social (...) Para isso, é necessário valorar os bens ou interesses individuais ou coletivos, protegendo-se, através da lei penal, aqueles que mais são atingidos quando da transgressão do ordenamento jurídico. Essa proteção é

8 estudada através do estabelecimento e da aplicação da pena, passando esses bens a ser juridicamente tutelados pela lei penal. Chega-se, assim, a conceitos materiais ou substanciais de crime (...)(MIRABETE, 2005, p. 96) O conceito material corresponde, dessa forma, à definição que procura estabelecer qual o conteúdo do fato punível. Ou seja, crime, sob esse aspecto, é toda conduta que viola os bens jurídicos protegidos pelo Estado. 2.3 Aspecto analítico ou dogmático No aspecto analítico ou dogmático, o crime é considerado segundo seus elementos constitutivos ou estruturais. No entanto, alguns penalistas têm divergido quanto a esses elementos. Muitos doutrinadores entendem que os elementos constitutivos do crime são a tipicidade, a antijuridicidade ou a ilicitude e a culpabilidade. Outros, por sua vez, entendem que os elementos constitutivos do crime são tão-somente a tipicidade e a ilicitude. Essa divergência versa, especificamente, sobre o elemento da culpabilidade, o qual alguns entendem ser elemento integrante do conceito de crime e outros entendem tratar-se não de um elemento estrutural de crime, mas, sim de um pressuposto para a aplicação da pena. No contexto dessa divergência, Luiz Regis Prado, por um lado, defende que: Assim concebido, o delito vem a ser toda ação ou omissão típica, ilícita ou antijurídica e culpável. De conformidade com o exposto, esses elementos estão em uma seqüência lógica necessária, quer dizer, só uma ação ou omissão pode ser típica, só esta última pode ser ilícita e apenas quando ilícita tem a possibilidade de ser culpável.(prado, 2005, p. 254) Magalhães Noronha, nesse mesmo sentido, bem resume o conceito analítico de crime: A ação humana, para ser criminosa, há de corresponder objetivamente à conduta descrita pela lei, contrariando a ordem jurídica e incorrendo seu autor no juízo de censura ou reprovação social. Considera-se, então, o delito como a ação típica, antijurídica e

9 culpável. Ele não existe sem uma ação (compreendo-se também a omissão), a qual se deve ajustar à figura descrita na lei, opor-se ao direito e ser atribuível ao indivíduo a título de culpa lato sensu (dolo ou culpa). (NORONHA, 1999, p. 97) Fernando Capez, ao contrário, entende que: Sob esse ângulo, crime é todo fato típico e ilícito. Dessa maneira, em primeiro lugar deve ser observada a tipicidade da conduta. Em caso positivo, e só neste caso, verifica-se se a mesma é ilícita ou não. Sendo o fato típico e ilícito, já surge a infração penal. (CAPEZ, 2006, p. 112) Quanto ao aspecto analítico pode-se destacar como sendo a concepção mais acertada aquela que entende o crime como todo fato típico e ilícito, ou seja, mais acertada é a concepção bipartida de crime, que considera como elementos estruturais do crime apenas a tipicidade e a antijuridicidade, sendo a culpabilidade pressuposto para aplicação da pena. O Promotor Fernando Capez é um dos defensores da concepção bipartida de crime e sobre essa concepção muito bem se manifesta ao esclarecer que: Concepção bipartida: a culpabilidade não integra o conceito de crime. Entendemos que crime é fato típico e ilícito (ou antijurídico) por várias razões. (...) Com o finalismo de Welzel descobriu-se que o dolo e a culpa integravam o fato típico e não a culpabilidade. A partir daí, com a saída desses elementos a culpabilidade perdeu a única coisa que interessava ao crime, ficando apenas com elementos valorativos. (...) A partir do finalismo, já não há como continuar sustentando que crime é todo fato típico, ilícito e culpável, pois a culpabilidade não tem mais nada que interessa ao conceito de crime. (...) Quando se fala na aplicação de medida de segurança, dois são os pressupostos: ausência de culpabilidade (o agente deve ser um inimputável) + prática de crime (para internar alguém em um manicômio por determinação de um juiz criminal, é necessário antes provar que esse alguém cometeu um crime). Com isso, percebe-se que há crime sem culpabilidade.(capez, 2007, p.112/113) Marcelo Colombelli Mezzomo, também adepto da concepção bipartida de crime, assim se manifesta, citando Júlio Fabbrini Mirabete: No mesmo diapasão, Júlio Fabbrini Mirabete apostila que: a culpabilidade tida como componente do crime pelos doutrinadores causalistas, é conceituada pela teoria finalista da ação como a reprovação da ordem jurídica em face de estar ligado o homem a um fato típico e antijurídico. É, em última análise a contradição entre a vontade do agente e a vontade da norma. Assim conceituada, a culpabilidade não é característica, aspecto ou elemento do crime, e

10 sim mera condição para impor a pena pela reprovabilidade da conduta.(...) De minha parte, alinho-me com os primeiros, pois não me parece que a presença da culpabilidade seja imprescindível ao delito, já que há resposta penal mesma ante a ausência de culpabilidade (medida de segurança). (MEZZOMO, 2007) Portanto, o crime, sob o aspecto analítico ou dogmático pode ser entendido como toda conduta típica e ilícita, sendo a culpabilidade um pressuposto para a aplicação da pena. 4 Em que pese a autoridade dos renomados penalistas, que entendem a culpabilidade como elemento integrante do conceito de crime, tais como Luiz Regis Prado e Magalhães Noronha, supracitados, cumpre ressaltar, conforme já mencionado, que, mais acertada é a concepção do crime como conduta típica e ilícita, sendo a culpabilidade mero pressuposto para aplicação da pena. A culpabilidade é o elemento subjetivo verificável no sujeito ativo do crime, naquele que praticou a ação ou omissão típica e antijurídica. O resultado da conduta típica e ilícita praticada deve ser imputável ao autor do fato a título de culpa em sentido amplo, ou seja, a título de dolo ou culpa. A culpabilidade é um juízo de reprovação que se faz sobre a conduta do agente. É, portanto, a reprovabilidade pessoal atribuída ao sujeito ativo do crime pela prática da conduta típica e ilícita. Conforme ressalta o Promotor Fernando Capez, a culpabilidade: Não se trata de elemento do crime, mas pressuposto para imposição de pena, porque, sendo um juízo de valor sobre o autor de uma infração penal, não se concebe possa, ao mesmo tempo, estar dentro do crime, como seu elemento, e fora, como juízo externo de valor do agente. (CAPEZ, 2007, p. 297) antijurídica). Portanto, analiticamente, crime é toda conduta típica e ilícita (ou 2.4 Análise do conceito de crime sob o aspecto analítico ou dogmático 4 Nesse momento cumpre ressaltar que o conceito de crime adotado nesta monografia não é o adotado pela doutrina majoritária e não é o conceito cobrado na maioria dos concursos públicos. A maioria da doutrina adota o entendimento de que crime é todo fato típico, ilícito e culpável. E esse é o conceito analítico de crime cobrado pela maioria dos concursos públicos.

11 Sob o aspecto analítico ou dogmático, conforme exposto acima crime é toda ação ou omissão, típica e ilícita cujos elementos estruturais são, portanto, a tipicidade e a ilicitude ou antijuridicidade. Visando uma melhor compreensão do crime sob esse aspecto analítico dogmático, é necessário analisar cada um dos elementos estruturais do conceito de delito. 2.4.1 Tipicidade A ação ou omissão praticada pelo sujeito deve ser tipificada, ou seja, deve se ajustar ao tipo penal incriminador estabelecido pelas leis penais, ao qual é cominada sanção penal. A tipicidade é a subsunção do fato à norma jurídico-penal. Se a conduta praticada não estiver tipificada em lei como prática delituosa, a conduta é atípica e, assim sendo, não configura crime. Quanto à tipicidade o ilustre doutrinador Mirabete esclarece que: Para que se possa afirmar que o fato concreto tem tipicidade, é necessário que ele se contenha perfeitamente na descrição legal, ou seja, que haja perfeita adequação do fato concreto ao tipo penal. (MIRABETE, 2005, p.101) No mesmo sentido, o Promotor Fernando Capez aduz que a tipicidade pode ser entendida da seguinte maneira: É a subsunção, justaposição, enquadramento, amoldamento ou integral correspondência de uma conduta praticada no mundo real ao modelo descritivo constante da lei (tipo legal). Para que a conduta seja considerada crime, é necessário que se ajuste a um tipo legal. (CAPEZ, 2007, p. 187) 2.4.2 Ilicitude ou antijuridicidade

12 A antijuridicidade ou ilicitude de uma ação ou omissão, significa a sua contrariedade às leis e ao Direito como um todo. Ou seja, a conduta, para configurar crime, além de ser típica, deve também ser ilícita ou antijurídica. A ilicitude é a contrariedade entre o fato e o Direito. Pode-se considerar, ainda, que a ação ou omissão descrita em norma penal incriminadora será ilícita quando não for expressamente declarada lícita pelas causas de exclusão da ilicitude ou outras normas permissivas encontradas na parte especial do Código ou em leis especiais. Mirabete, respeitado doutrinador, define a antijuridicidade como: A contradição entre uma conduta e o ordenamento jurídico. O fato típico, até prova em contrário, é um fato que, ajustando-se ao tipo penal é antijurídico. Existem, entretanto, na lei penal ou no ordenamento jurídico em geral causas que excluem a antijuridicidade do fato típico. Por essa razão, diz-se que a tipicidade é o indício da antijuridicidade, que será excluída se houver uma causa que elimine a sua ilicitude. (...) A antijuridicidade é um juízo de desvalor que recai sobre a conduta típica, no sentido de que assim o considera o ordenamento jurídico. (MIRABETE, 2005, p. 173) Fernando Capez, por sua vez, assim define a ilicitude: É a contradição entre a conduta e o ordenamento jurídico, pela qual a ação ou omissão típicas tornam-se ilícitas. Em primeiro lugar, dentro da primeira fase de seu raciocínio, o intérprete verifica se o fato é típico ou não. Na hipótese de atipicidade, encerra-se, desde logo, qualquer indagação acerca da ilicitude. É que, se um fato não chega sequer a ser típico, pouco importa saber se é ou não ilícito, pois, pelo princípio da reserva legal, não estando descrito como crime, cuida-se de irrelevante penal. (CAPEZ, 2007, p.268) O Código Penal Brasileiro prevê, como causas de exclusão da ilicitude, em seu artigo 23, as seguintes: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de direito. Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato: I em estado de necessidade; II em legítima defesa; III em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. (BRASIL, 1940) A doutrina costuma mencionar também, como causa de exclusão da ilicitude, o consentimento do ofendido.

13 3. DAS ESPÉCIES DE PENAS O Estado há muito, tomou para si a responsabilidade de tutelar os bens jurídicos da sociedade e dos indivíduos. Para que isso seja feito, por imposição do princípio da legalidade, segundo o qual não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal 5, fica outorgada às leis a tarefa, nem sempre fácil, de descrever os crimes e lhes cominar sanções. Através das leis jurídico-penais, o legislador, visando a proteção de bens jurídicos os mais diversos, estabelece quais condutas devem ser proibidas, bem como estabelece as penas que serão a ela aplicáveis. Ou seja, o legislador tipifica os crimes e atribui à sua prática determinadas conseqüências jurídicas, que são as sanções penais. O Direito Penal moderno acolhe como conseqüências jurídico-penais do delito as penas e as medidas de segurança. A pena é a mais importante destas conseqüências e pode ser entendida, em tese, como resposta natural do Estado à prática de um crime. Como bem define o doutrinador Jair Leonardo Lopes: A pena é a sanção adotada para ser aplicada aos que, consciente e voluntariamente, realizam ou concorrem para a realização ilícita e culpável das condutas típicas, praticando a ação proibida (ex.: matando alguém, art. 121 do CP) ou omitindo a ação ordenada (ex.: deixando de prestar socorro a alguém nas circunstâncias do art. 135 do CP). (LOPES, 2005, p. 181) Todo aquele que comete ou concorre para a prática de um crime, sujeita-se à pena a ele cominada pelo Estado por meio de uma lei penal. A responsabilidade pela aplicação e pela imposição do cumprimento da sanção penal ao condenado compete ao Estado. 3.1 Dos fins das penas 5 O Princípio da Legalidade está previsto no artigo 5º, XXXIX, da Constituição da República de 1988 e também no artigo 1º do Código Penal Brasileiro.

14 Nos tempos mais antigos, os crimes praticados eram duramente reprimidos. As penas submetiam o condenado a um longo processo de tortura e sofrimento que quase sempre o levavam à morte. Além da pena de morte e de mutilação, havia também a pena de exílio, trabalhos forçados e confisco, dentre outras, sendo que a espécie cominada e sua aplicação variavam conforme o crime praticado. As sanções de antigamente tinham como objetivo retribuir a conduta praticada, bem como servir de exemplo e de fator desestimulante para a prática de novos crimes. Por tal razão, as penas aplicadas, em sua maioria, eram marcadas pela violência e crueldade, além de serem executadas em praça pública. Atualmente, e em respeito ao já citado princípio da legalidade, as modalidades de pena devem ser previamente estabelecidas, dentre as hipóteses penal e constitucionalmente admitidas, variando de acordo com a gravidade do delito praticado, sendo que, em sua aplicação e execução, devem observar os princípios constitucionais assegurados aos presos. A legislação penal brasileira permite entender que a finalidade das penas reside tanto na intenção de reprimir o mal provocado pela conduta criminosa do agente, quanto na de prevenir futuras práticas criminosas. O ilustre doutrinador Fernando Capez, tão bem quanto define pena, explicita seus fins: Sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinqüente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade. (CAPEZ, 2006, p. 357) No campo doutrinário, várias são as correntes que buscam justificar os fins e os fundamentos da pena. Essas teorias podem ser reunidas em três grandes grupos: teorias absolutas ou da retribuição, teoria relativas e teorias unitárias ou ecléticas. As teorias absolutas, também chamadas de teorias da retribuição, advogam a tese de que as penas devem ser uma retribuição à pratica da conduta criminosa pelo agente. É na reprovação da conduta que reside o

15 caráter retributivo da pena. A pena, sob essa acepção tem como finalidade punir o autor do fato criminoso pela prática de uma conduta proibida e que, portanto, fere o ordenamento jurídico-penal. Luiz Regis Prado explica que as teorias absolutas ou da retribuição: Fundamentam a existência da pena unicamente no delito praticado (punitur quia peccatum est). A pena é a retribuição, ou seja, compensação do mal causado pelo crime (...) Para os partidários das teorias absolutas da pena, qualquer tentativa de justificá-la por seus fins preventivos (...) implica afronta à dignidade humana do delinqüente, já que este seria utilizado como instrumento para a consecução de fins sociais. (PRADO, 2005, p. 553 e 555) Fernando Capez, da mesma forma, menciona que, para as teorias absolutas ou da retribuição a finalidade da pena é punir o autor de uma infração penal. A pena é a retribuição do mal injusto praticado pelo criminoso, pelo mal justo previsto no ordenamento jurídico (punitur quia peccatum est) (CAPEZ, 2006, p. 357). A teoria relativa, por sua vez, defende que a finalidade da pena é a prevenção de novas práticas criminosas. Fernando Capez, ao dispor sobre a teoria relativa dos fins da pena, assim se manifesta: (...)A pena tem um fim prático e imediato de prevenção geral ou especial do crime (...) A prevenção é especial porque a pena objetiva a readaptação e a segregação sociais do criminoso como meios de impedi-lo de voltar a delinqüir. A prevenção geral é representada pela intimidação dirigida ao ambiente social (...) (CAPEZ, 2006, p. 358) Da mesma forma, o penalista Luiz Regis Prado em relação às teorias relativas destaca que: (...) a pena se fundamenta por seus fins preventivos, gerais ou especiais. Justifica-se por razões de utilidade social. A prevenção geral, tradicionalmente identificada como intimidação temor infundido aos possíveis delinqüentes, capaz de afasta-los da prática delitiva é modernamente vislumbrada como exemplaridade (...) a prevenção especial, a seu turno, consiste na atuação sobre a pessoa do delinqüente, para evitar que volte a delinqüir no futuro. Assim, enquanto a prevenção geral se dirige indistintamente à totalidade dos indivíduos integrantes da sociedade, a idéia de prevenção especial refere-se o delinqüente em si, concretamente considerado. (PRADO, 2005, p.555 e 561)

16 A terceira teoria que explica os fins da pena é a teoria mista ou eclética, ou ainda, teoria unificadora da pena, segundo a qual a pena possui como finalidades tanto a retribuição pela prática de um fato criminoso, quanto a prevenção à pratica de novos crimes, o que, de acordo com essa teoria, será feito através da reeducação e da intimidação pessoal (imposta ao autor do crime) e coletiva. Esta teoria mista consiste na junção das teorias absoluta e relativa. As teorias mistas ou ecléticas são as predominantes na doutrina. São também as adotadas pelo ordenamento jurídico-penal brasileiro que atribui às sanções penais cominadas aos crimes, as finalidades de retribuição à conduta praticada e de prevenção de novos crimes. O artigo 59 do Código Penal Brasileiro é a manifestação concreta da adoção, pelo direito penal, das finalidades retributiva e preventiva das penas. Assim dispõe: Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I as penas aplicáveis dentre as cominadas (...) (BRASIL, 1940, grifo nosso) 3.2 Espécies de penas A Constituição Federal de 1988, visando regular a criação e a cominação das penas aos fatos típicos, estabeleceu diretrizes básicas a serem seguidas no processo de cominação de sanções penais aos crimes, pelo legislador. Assim, permitiu à legislação infraconstitucional a adoção, dentre outras espécies, de três penas básicas, quais sejam a privativa de liberdade, as restritivas de direitos e a de multa, já previstas pelo Código Penal. Por outro lado, ao mesmo tempo em que faculta à legislação a criação de outras espécies de penas que não apenas as enumeradas no inciso XLVI do art. 5º, a Constituição veda a adoção de determinados tipos penas. As disposições constitucionais atinentes às espécies de penas são as seguintes:

17 Art. 5º (...) XLVI a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos; XLVII não haverá penas: a)de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do artigo 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis; (BRASIL, 1988, grifo nosso) As penas, quaisquer que sejam, implicam a perda ou a restrição de direitos individuais do agente. Por tal razão, as sanções penais devem ser estabelecidas e executadas observando-se sempre os princípios constitucionais sobre aplicação e execução penal, além das demais normas infraconstitucionais atinentes à esse aspecto. O artigo 32 do Código Penal brasileiro, anterior à Constituição da República de 1988, já estabelecia as três espécies de penas aplicáveis aos crimes: privativas de liberdade, restritivas de direitos e de multa. Porém, o Código Penal não faculta ao legislador, como faz a Carta Magna, a adoção de outras espécies de sanção penal. As penas privativas de liberdade previstas pelo Código Penal são as de reclusão e de detenção. As penas restritivas de direitos consistem em: prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas e interdição temporária de direitos e limitação de fins de semana. A pena de multa, por sua vez, é de natureza pecuniária sendo o seu cálculo elaborado pelo sistema de dias-multa. 3.2.1 Das Penas privativas de liberdade

18 As penas privativas de liberdade como o próprio nome já diz, são aquelas que privam o indivíduo que incorre na prática de uma conduta criminosa, de um de seus bens mais preciosos, qual seja, a sua liberdade. Estas penas podem ser de três espécies: pena de reclusão, pena de detenção e pena de prisão simples. Interessam a este estudo as duas primeiras, vez que são as espécies de penas privativas de liberdade aplicadas aos crimes. Aquela última, por sua vez, é a pena privativa de liberdade aplicável às contravenções penais, e não constitui objeto do presente trabalho. Nos dias de hoje, a diferenciação entre as penas de reclusão e as penas de detenção se restringe quase que exclusivamente aos regimes de cumprimento da pena privativa de liberdade. Os tipos penais, ao descreverem as condutas criminosas estabelecem qual pena privativa de liberdade (se for o caso desta espécie de pena) será cumprida: se a de reclusão ou a detenção. A pena de reclusão é cumprida nos regimes fechado, semi-aberto e aberto. Já a pena de detenção, menos grave que a primeira, deve ser cumprida nos regimes semi-aberto e aberto. Neste sentido é a disposição do artigo 33 do Código Penal brasileiro, ao tratar das penas privativas de liberdade: Art. 33. A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado. 1º. Considera-se: a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média; b) regime semi-aberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar; c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado. (BRASIL, 1940, grifo nosso) O regime fechado é imposto aos crimes cuja pena aplicada seja superior a 8 anos. Já quanto ao regime semi-aberto, sua compreensão varia conforme seja prevista a pena de reclusão ou de detenção. Quando se tratar de pena de reclusão, é imposto aos crimes cuja pena aplicada for superior a 4 (quatro) e inferior a 8 (oito) anos de prisão. No tocante à pena de detenção, o regime semi-aberto é aplicável aos crimes cuja pena aplicada seja superior a 4 (quatro) anos.

19 Por sua vez, o regime aberto impõe-se às práticas criminosas cuja pena aplicada seja inferior a 4 anos, tanto em se tratando de reclusão quanto de detenção. 3.2.2 Das penas restritivas de direitos As penas restritivas de direitos são penas autônomas, aplicadas em substituição à pena privativa de liberdade. Desta forma, terão a mesma duração que a pena privativa de liberdade originalmente aplicada. É inadmissível a cumulação da privação da liberdade com as restrições de direitos. O artigo 43 do Código Penal brasileiro enumera as espécies de penas restritivas de direitos. Assim dispõe: Art. 43. As penas restritivas de direitos são: I prestação pecuniária; II perda de bens e valores; III VETADO 6 ; IV prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; V interdição temporária de direitos; VI limitação de fim de semana. (BRASIL, 1940) A aplicação das penas restritivas de direitos, uma vez que são penas substitutivas da pena privativa de liberdade, pressupõe uma fase anterior na qual já tenha sido fixada uma pena privativa de liberdade. Assim, deve o julgador aplicar a pena originária correspondente, no caso a privativa de liberdade, para, posteriormente, ou no mesmo momento, conforme cada caso concreto, substituí-la por uma das espécies de penas restritivas de direitos, dentre as elencadas no artigo 43 do Código Penal. Para que se proceda à substituição da pena privativa de liberdade por uma das penas restritivas de direitos, é necessária a presença de alguns requisitos, cumulativamente. Estes requisitos ou condições são os estabelecidos no artigo 44 do Código Penal brasileiro nos seguintes termos: 6 Inciso vetado pela Lei n. 9714, de 25 de novembro de 1998, que altera dispositivos do Decreto-Lei n o 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.

20 Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as penas privativas de liberdade, quando: I aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II o réu não for reincidente em crime doloso; III a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.(brasil, 1940) A primeira pena restritiva de direitos enumerada pelo artigo 43 do Código Penal é a prestação pecuniária, que consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus descendentes ou a entidades públicas ou privadas com destinação social, de um valor fixado pelo juiz entre 1 (um) e 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O juiz, ao determinar o valor da prestação, deve fazê-lo de acordo com o que seja suficiente para a reprovação do delito, levando-se em consideração a capacidade econômica do condenado e a extensão do prejuízo causado à vítima ou a seus herdeiros. A perda de bens e valores é uma restrição imposta ao patrimônio lícito do condenado, e reversível ao Fundo Penitenciário Nacional, sendo que consiste na decretação da perda de bens (móveis, imóveis) ou de valores (ações, títulos de créditos). O valor da pena de multa será calculado considerando-se o valor do prejuízo causado ou do proveito obtido pelo agente ou terceiro em conseqüência da prática do crime. O Código Penal, nos parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo 45, assim dispõe acerca da prestação pecuniária e da perda de bens e valores: Art. 45. (...) 1º. A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta salários mínimos). O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários. 2º. No caso do parágrafo anterior, se houver aceitação do beneficiário, a prestação pecuniária pode consistir em prestação de outra natureza. 3º. A perda de bens e valores pertencentes aos condenados dar-seá, ressalvada a legislação especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá como teto o que for maior o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por

21 terceiro, em conseqüência da prática do crime. (BRASIL, 1940, grifo nosso) A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é outra espécie de pena restritiva de direitos, que consiste na atribuição ao condenado de tarefas a serem gratuitamente executadas junto a entidades assistenciais, hospitalares, escolas, dentre outros. As tarefas devem levar em condição as aptidões do condenado e devem ser cumpridas à razão de 1 hora de trabalho por dia de condenação. O Código Penal dispõe sobre essa espécie de pena restritiva de direitos em seu artigo 46, in verbis: Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores a seis meses de privação da liberdade. 1º. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado. 2º. A prestação de serviço à comunidade dar-se-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais. 3º. As tarefas a que se refere o 1º serão atribuídas conforme as aptidões do condenado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho. 4º. Se a pena substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo (art. 55), nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada.(brasil, 1940) As penas de interdição temporária de direitos são as enumeradas no artigo 47 do Código Penal. Art. 47. As penas de interdição temporária de direitos são: I proibição do exercício do cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; II proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público; III suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo; IV - proibição de freqüentar determinados lugares. (BRASIL, 1940) Por fim, a pena de limitação de fim de semana, que consiste, basicamente, na imposição ao condenado da obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por um período de 5 horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado. Durante esse período poderão ser

22 ministrados ao condenado cursos, palestras e outras atividades educativas. Outra não é a disposição do artigo 48 do Código Penal: Art. 48. A limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por 5 (cinco) horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado. Parágrafo único - Durante a permanência poderão ser ministrados ao condenado cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas.(brasil, 1940) 3.2.3 Da pena de multa A pena de multa consiste na determinação de pagamento a ser efetuado pelo condenado ao fundo penitenciário, de quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Trata-se de uma hipótese de pena pecuniária imposta ao condenado, e prevista pelo artigo 49 do Código Penal, qual seja: Art. 49. A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em diasmulta. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. 1º. O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário. 2º. O valor da multa será atualizado, quando da execução, pelos índices de correção monetária. (BRASIL, 1940) Jair Leonardo Lopes, acerca da pena de multa, assim dispõe: A pena de multa, além de poder ser imposta com a pena privativa de liberdade, quando com esta estiver prevista nas cominações legais cumulativas, pode, também, ser aplicada, isoladamente, quando a cominação legal for alternativa e o juiz fizer opção por ela. Mas, além disso, poderá ser utilizada como substitutiva da pena privativa de liberdade aplicada. (LOPES, 2005, p. 199/200) A pena de multa constitui, portanto, uma sanção penal de caráter pecuniário imposta em desfavor do patrimônio do condenado como retribuição pela prática do crime praticado.

23 4. A LEI 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE 2006 NOVA LEI DE TÓXICOS E OS ASPECTOS GERAIS REFERENTES AO USUÁRIO Cumpre no presente capítulo fazer a apresentação da Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, no tocante às políticas adotadas quanto ao uso indevido de drogas. À guisa de introdução será apresentado, de forma geral, o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad quanto a seus objetivos e atividades principais voltadas ao do usuário de drogas. Em resumo, será exposto em que se baseiam as atividades de prevenção, atenção e reinserção social do usuário e do dependente de drogas. Por último serão também apresentadas as principais inovações trazidas pela Lei n. 11.343/06, referentes à figura do usuário de drogas, tais como a ausência de cominação de pena privativa de liberdade a todo aquele que incorrer na prática das condutas tipificadas pelo artigo 28 da referida Lei. A intenção maior do presente capítulo é elucidar o intuito preventivo adotado pela nova Lei de Tóxicos e apresentar, em linhas gerais as principais alterações legais referentes ao usuário de drogas. 4.1 Contexto legislativo sobre Tóxicos à época da edição da Lei 11.343/06 O contexto regulamentar da matéria tóxicos, anterior à edição da Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006, era caracterizado por uma confusão legislativa, explicada pela vigência simultânea das Leis n. 6.368, de 21 de outubro de 1976, e n. 10.409, de 11 de janeiro de 2002. A Lei n. 6.368, em vigência desde 1976, com o passar dos anos e as constantes modificações jurídicas e também sociais, tornava-se cada vez mais ineficiente para a regulamentação do uso e do tráfico de drogas. Conseqüentemente, a regulamentação da matéria Tóxicos reclamava eficácia jurídico-penal e social. As discussões sobre as drogas abarcavam desde

24 questões como a ausência de eficácia da punição estatal ao usuário a questões como a necessidade de criação de instrumentos jurídico-penais mais eficientes, destinados especificamente ao combate às drogas. Nesse contexto, foi editada, em 2002, a Lei n. 10.409, como uma tentativa de solucionar o problema da ineficácia da lei anterior. Ocorre, contudo, que por ter sofrido diversos vetos pelo Presidente da República, justificados pela presença de vícios de inconstitucionalidade e deficiências técnicas, a Lei 10.409/02 acabou por viger inteiramente descaracterizada, vez que o capítulo onde constavam todos os tipos penais foi inteiramente vetado. Desta forma, passaram a viger concomitantemente, a Lei 6.368/76 regulando a parte penal, posto que não fora revogada pela lei 10.409/02, e a própria Lei 10.409/02, regulando a parte processual. Quanto à vigência simultânea das leis citadas, o Promotor Fernando Capez esclarece: (...) estavam em vigor: a) no aspecto penal, a Lei n. 6.368/76, de modo que continuavam vigentes as condutas tipificadas pelos arts. 12 a 17, bem como a causa de aumento de pena prevista no art. 18 e a dirimente estabelecida pelo art. 19, ou seja, todo o Capítulo III dessa Lei; b) na parte processual, a Lei n. 10.409/2002, estando a matéria regulada nos seus capítulos IV (Do procedimento penal) e V (Da instrução criminal). (CAPEZ, 2007, p.680) À época da edição da Lei n. 10.409/02, o jurista Damásio de Jesus fez a sua crítica sobre a situação legislativa em que se encontrava a regulamentação da matéria: Temos uma colcha de retalhos, coexistindo as Leis n. 6.368/76 e 10.409/02 (...). (Damásio, 2002). Devido à confusão legislativa em que se encontrava a regulação das drogas, ainda no mesmo ano foi encaminhado ao Congresso Nacional projeto de lei que previa alterações à recém aprovada Lei 10.409/02. Após 4 anos de tramitação legislativa, foi publicada em 23 de agosto de 2006 a Lei n. 11.343, nova Lei de Drogas, também comumente chamada, conforme já mencionado, de nova Lei Antitóxicos, ou Antidrogas ou nova Lei de Drogas, ou, ainda, nova Lei de Tóxicos. O novel diploma legal, em seu artigo 75, revogou expressamente as Leis 6.368/76 e 10.409/02, passando, dessa forma a ser o único dispositivo legal aplicável à regulamentação do uso e do tráfico de drogas.

25 O advento da Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006, provocou um rebuliço no mundo jurídico. Promulgada na tentativa de solucionar o problema causado pela legislação antitóxicos anterior, a nova Lei de Drogas suscitou polêmicas e divergência doutrinária por inovar em determinados aspectos. Pode-se citar, a título exemplificativo a discussão sobre a descriminalização ou não descriminalização do uso de drogas, que envolve o artigo 28 da nova Lei, objeto de estudo da presente monografia. Pelos motivos expostos, a Lei 11.343/06 tornou-se objeto de inúmeros estudos jurídicos, que visam aclarar seus pontos controvertidos. 4.2 Objetivos da Nova Lei de Tóxicos Caracterizada por ser um diploma legal inovador, a nova Lei de Drogas apresenta características distintas das que a antecederam. Tal diploma inova em vários dispositivos que têm sido objeto de calorosas discussões no campo jurídico-penal. Quanto a seus objetivos há que se destacar que, assim como o novel diploma, são em determinados aspectos inovadores, mormente no tocante ao usuário de drogas conforme se pretende demonstrar. 4.2.1 Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas SISNAD A Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas Sisnad. O Sisnad é composto por órgãos e entidades da Administração Pública que, em atuação conjunta, exercem as atividades de prevenção, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, bem como as atividades de repressão ao uso, ao tráfico e à produção ilegal de drogas. As finalidades do Sisnad são aquelas expressas em seu artigo 3º, quais sejam: