4 As concepções de objeto direto



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Transcrição:

4 As concepções de objeto direto Assim como se fez necessário para meu trabalho investigar as noções de sujeito, faz-se importante um capítulo sobre o objeto direto que, sendo de natureza nominal, constituindo um sintagma nominal, pode apresentar semelhanças com o sujeito. De fato, é nas semelhanças entre os SNs sujeito e objeto direto que reside minha fonte de investigação, em relação ao conceito de valência. A necessidade de abordar o objeto direto acontece ainda porque é um complemento cuja natureza dispensa o uso de preposição, salvo nos casos em que ela tem papel diferenciador no contexto. Sendo assim, não abordarei o objeto indireto, pois meu foco está no complemento não-preposicionado. Evanildo Bechara (2001) apresenta o objeto direto como um argumento determinante do predicado complexo. O predicado complexo, segundo ele, é aquele cujo verbo é de grande extensão semântica e necessita de um signo que delimite o que o falante deseja expressar. Esse tipo de predicado é o que aceita os complementos verbais, dentro dos quais se insere o objeto direto. O objeto ou complemento direto é um argumento porque é solicitado ou regido pelo conteúdo semântico do verbo. Esse complemento é representado por um signo léxico de natureza substantiva (substantivo ou pronome) não introduzido por preposição necessária: Os vizinhos não viram o incêndio. (p. 416) Bechara compara o objeto direto com o sujeito em dois aspectos: 1) ambos são constituídos por expressão substantiva; 2) não vêm marcados por índice funcional, no caso a preposição. Entretanto, indica traços diferenciadores entre um e outro: 1) o objeto direto vem à direita do verbo, enquanto o sujeito vem normalmente à esquerda; 2) o objeto direto não influi na flexão verbal. A troca de posição desses dois termos na oração está condicionada a casos em que ela não resulte em ambigüidade. É possível identificar esse tipo de complemento, além da ausência da preposição, mediante as estratégias a seguir (Ibid., p. 416 e 417): a) a comutação do complemento direto pelos pronomes pessoais o, a, os, as, marcados formalmente com o gênero e o número do termo comutado: Os vizinhos não viram o incêndio/ não o viram b) a passagem da oração na chamada voz ativa para a oração de voz passiva, mediante a qual o sujeito da ativa se transforma em agente da passiva introduzido pela preposição por (na combinação per), enquanto o complemento direto da ativa passa a sujeito da passiva:

As concepções de objeto direto 37 Os vizinhos não viram o incêndio / O incêndio não foi visto pelos vizinhos. c) a substituição do complemento direto pelos pronomes interrogativos quem? [é que] (para pessoas) e [o] que [é que]? antes da seqüência sujeito + verbo, ou antes dos verbos fazer ou acontecer: O caçador viu o companheiro. Quem é que o caçador viu? o companheiro (complemento direto) d) finalmente, a transposição (topicalização) do complemento direto para a esquerda do verbo, operação que permite a presença de um pronome pessoal objetivo no local vizinho ao verbo onde deveria estar o complemento direto: O caçador viu o lobo / O lobo, o caçador o viu. Bechara deixa claro que nenhuma dessas estratégias por si só é infalível na identificação do complemento direto, sendo necessário utilizar mais de uma nesse processo. O autor defende essa idéia porque (Ibid., p. 417 e 418): a) nem todo predicado complexo de oração voz ativa admite a passagem à oração de voz passiva; ocorre o fato com certos verbos, como os seguintes: Eu quis o livro * O livro foi querido por mim. Cremos isso * Isso é crido por nós. O aluno tem o livro * O livro é tido pelo aluno. b) por outro lado, certos predicados complexos delimitados por signo léxico não constituído com complemento direto também admitem a transformação de oração de voz ativa em oração de voz passiva: Assistimos à missa A missa foi assistida por nós. O proprietário pagou aos operários Os operários foram pagos pelo proprietário. c) não são naturais, embora gramaticalmente possíveis, as perguntas com quem? que? nas frases cujos predicados complexos contêm verbos que significam medida, peso, preço e tempo: O corredor mede cinco metros. 6 d) também não são freqüentes, embora gramaticalmente possíveis, as pronominalizações com os verbos da natureza semântica referida no item anterior: O corredor mede-os. Rocha Lima (2008) é bem mais sucinto que Bechara, e sua principal contribuição é expor alguns dos conteúdos expressos pelo objeto direto. Para o autor, o objeto direto é o complemento que representa o paciente da ação verbal, na voz ativa. Esse complemento é facilmente identificado porque pode exercer a 6 cf. O que é que o corredor mede?

As concepções de objeto direto 38 função de sujeito da voz passiva e porque corresponde aos pronomes oblíquos átonos, na 3ª pessoa: o, a, os, as. O objeto direto indica (p. 243): a) o ser sobre o qual recai a ação: Castigar o filho. Louvar os bons. b) o resultado da ação: Construir uma casa. Criar um poema. c) o conteúdo da ação: Prever a morte do ditador. Discutir política. Cunha & Cintra (2007) trabalham o objeto direto dentro da concepção de termo integrante da oração, assim como o objeto indireto. A noção de integrante corresponde à necessidade semântica do verbo considerado transitivo de um complemento que preencha seu conteúdo. Os autores indicam que o complemento direto pode ser representado por (p. 154 e 155): a) substantivo: Vou descobrir mundos, quero glória e fama!... (p. 154) b) pronome (substantivo): Os jornais nada publicaram. (P. 154) Nunca o interrompi. (P. 154) c) numeral: - Já tenho seis lá em casa, que mal me faz inteirar sete? (p. 155) d) palavra ou expressão substantivada: Tem um quê de inexplicável. (p. 155) e) oração substantiva (objetiva direta): Não quero que fiques triste. (p.155) Todas as definições acima estão dentro do quadro apresentado com frequência nas gramáticas de cunho tradicional. Ocorre que a tendência da tradição é uma abordagem somente formal dos fenômenos sintáticos. À exceção

As concepções de objeto direto 39 de Rocha Lima, que expõe uns poucos conteúdos expressos pelo objeto direto, os outros autores ficam só na atmosfera formal. As considerações da gramática de valências são as mais relevantes para este trabalho. Mario Vilela (1992) trabalha formas e funções do complemento direto em português. Primeiramente, é preciso considerar que o objeto direto, assim como o sujeito, é um argumento do verbo: o que diferencia um e outro é que o sujeito é um argumento externo, ou seja, mais afastado de V (verbo), e o objeto direto é um argumento interno, isto é, mais próximo de V. Essas funções podem ser identificadas por traços morfológicos (desinências, posição na frase), por traços classemáticos (<ser animado>, <coisa>) pelo papel que desempenham na globalidade do estado de coisas frásico etc. As marcas do objeto direto seriam a passivização, a posição e subcategorização pelo verbo. Defende-se ainda uma hierarquização dos complementos, como sujeito, complemento direto e complemento indireto. 7 Brinkmann (apud Vilela, 1992, p. 46) afirma que os traços definidores do CD são a capacidade de se tornar sujeito, ser objeto efetuado ou afetado e ser tipicamente inanimado. Fillmore (Idem, Ibid., p. 46) dá uma explicação semântica para o CD: a situação linguística manifestada pelo verbo acontece a partir de determinado ângulo de visão e os participantes são trazidos para a perspectiva por meio do modelo casual 8 do verbo, deixando alguns possíveis participantes na sombra. No trabalho com os complementos verbais, especialmente com o CD, a noção de transitividade se faz de suma importância. Há que se considerar que nas definições de transitividade há traços recorrentes e traços mais específicos. É comum nas gramáticas de língua portuguesa a definição de transitivo para os verbos que aceitam os complementos verbais (objetos), comumente chamados de termos integrantes da oração. Uma definição mais estrita dá conta de que transitivos são os verbos cujos complementos diretos são capazes de ser promovidos a sujeitos na voz passiva. Outros critérios apontam para traços semânticos, como a presença de <paciente>, <objeto afetado>, ou sintáticos, como <objeto/ argumento interno>. De fato, a identificação do objeto direto deve 7 Ora utilizaremos objeto ora complemento para os argumentos internos do verbo. 8 Casual: referência aos casos latinos: nominativo, genitivo, dativo, acusativo, vocativo e ablativo.

As concepções de objeto direto 40 ser feita tendo em vista a capacidade de se tornar sujeito na voz passiva, a necessidade gramatical e a possibilidade de pronominalização. Vilela (1992) contrasta construções com complemento direto com construções alternativas, a fim de comprovar a transitividade existente nas primeiras. Esse contraste permite perceber 1) que o objeto direto tem aspecto global em relação a um termo de natureza adverbial numa construção parecida (Ele escreve um romance X Ele escreve num romance); 2) que as construções com complemento direto são mais transitivas do que as ergativas 9 (A cozinheira queimou o bolo X O bolo queimou-se); 3) que o objeto direto é mais afetado pela ação verbal, em comparação com o objeto indireto, por exemplo (Ela apertou-o no braço X Ela apertou-lhe o braço).o autor estabelece ainda uma extensa lista de tipos de complemento direto, com diferentes formas e funções, com o intuito de identificar o genuíno objeto direto, que pode ser sintetizada em quatro tópicos: 1) objeto direto com função adverbial; 2) objeto direto como parte integrante do predicado; 3) modelos argumentais em que intervém o objeto direto; 4) proposições como objeto direto. Como a explanação é demasiado grande, limitarme-ei a expor suas conclusões. Vilela chega à conclusão de que esse termo acumula funções múltiplas, e algumas realizações alternativas ou concorrentes com ele contribuem para lançar uma luz sobre a sua verdadeira natureza: - a afetação pela ação do verbo ou resultado da mesma ação; - a capacidade de promoção a sujeito, no caso de o lugar a ele destinado ficar livre. É de chamar a atenção o fato de Mario Vilela, ao apresentar os verbos impessoais, não citar o verbo haver; além disso, não cita em nenhum momento o objeto direto de haver. As definições tradicionais trazem alguns problemas, enquanto a teoria de valências propõe soluções para a identificação dos termos e funções sintáticas. As considerações a seguir são extremamente relevantes: 1) A concepção tradicional de transitividade é dada de modo cristalizado para cada verbo, como atestam os dicionários. Esse fato faz com que a análise linguística fique presa aos padrões estabelecidos pela norma, e o que destoa dela é tachado como erro ou como 9 Verbos ergativos são aqueles cujo sujeito carrega a noção de paciente, não constituindo, entretanto, voz passiva. Essa passividade acontece porque o sujeito não tem controle sobre o estado de coisas desencadeado pela ação do verbo.

As concepções de objeto direto 41 inaceitável. Na teoria de valências, os complementos do verbo são lugares vazios preenchidos lexicalmente na frase, não são designados lexicalmente no próprio verbo, como se depreende da denominação tradicional termos integrantes. 2) A terminologia tradicional considera transitivos só os verbos que possuem objeto direto ou objeto indireto, e intransitivos os verbos que não precisam desses complementos. Para a gramática de valências, como o sujeito é um complemento, se ele aparecer na frase o verbo já é transitivo. 10 3) É problemática também na definição tradicional de objeto direto a ênfase dada ao fato de ser um complemento sem preposição, pois existem casos em que se faz necessário utilizar a preposição para diferenciar termos na frase, e há a possibilidade de inversão de termos, fazendo o SN sujeito funcionar na posição comumente atribuída ao objeto direto, ou vice-versa. Isso significa que, mesmo a língua portuguesa sendo de estrutura SVO (sujeito + verbo + objeto), é possível a seqüência OVS. 4) Fenômenos que estão intimamente ligados entre si e dependem igualmente do verbo encontram-se dispersos em diferentes partes da gramática. Esse é o caso das orações subordinadas, que são estudadas em capítulos separados nos livros tradicionais, mas se encaixam perfeitamente num estudo abrangente de transitividade com base no modelo valencial envolvendo palavras e orações, já que o centro do estudo da frase é o verbo, e não o termo tomado isoladamente. Consideramos que a identificação dos complementos baseada somente na morfologia é insuficiente, é preciso também utilizar aspectos semânticos e pragmáticos, numa análise que não se limite a frases isoladas, mas esteja ancorada no uso, no contexto, por isso se justifica a importância da teoria de valências em detrimento da teoria tradicional. 10 Na teoria de valências, verbos como trovejar, chover etc são chamados avalentes, e os verbos com um lugar vazio (sujeito) são chamados monovalentes. (Busse & Vilela, 1986, p.18)