João Augusto Figueiredo de Oliveira Júnior MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAÇÃO: A ANTINOMIA ENTRE O CÓDIGO PENAL E A LEI ANTIMANICOMIAL.

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Transcrição:

João Augusto Figueiredo de Oliveira Júnior MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAÇÃO: A ANTINOMIA ENTRE O CÓDIGO PENAL E A LEI ANTIMANICOMIAL. Belém 2013

MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAÇÃO: A ANTINOMIA ENTRE O CÓDIGO PENAL E A LEI ANTIMANICOMIAL. Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito para a obtenção de Titulo de Especialista em Gestão Penitenciária, tendo como orientador Prof. Msc. Wando Miranda Belém 2013

MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAÇÃO: A ANTINOMIA ENTRE O CÓDIGO PENAL E A LEI ANTIMANICOMIAL 1 João Augusto Figueiredo de Oliveira Júnior 2 Wando Dias Miranda 3 RESUMO: O presente estudo analisa o paradoxo existente no tratamento penal conferido à sentença absolutória imprópria que aplica ao inimputável ou semi-imputável a sanção de medida de segurança, tendo-se como referencia que o código penal determina a aplicação da internação a hospital de custódia e tratamento psiquiátrico quando o agente comete crime cuja pena prevista é a reclusão, e impõe o tratamento ambulatorial ao infrator que comete ilícito sujeito a pena de detenção, ao passo que a Lei Federal nº 10.216/2001, conhecida como a Lei a Antimanicomial, que introduziu em nosso ordenamento a excepcionalidade da internação, prevê que essa medida somente será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes e mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos. PALAVRAS-CHAVE: Medida de segurança; sanção penal; internação; reforma psiquiátrica. ABSTRACT: KEYWORD: 1 Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito para a obtenção de Titulo de Especialista em Gestão Penitenciária. 2 Autor: João Augusto Figueiredo de Oliveira Júnior, Juiz de Direito do Estado do Pará, de 3ª entrância, Titular da 2ª vara de Execuções de Penas Privativas de Liberdade da Co marca de Belém. E-mail: joao.augusto@tjpa.jus.br 3 Orientador: Wando Dias Miranda é Mestre em Ciência Política (UFPA), Especialista em Gestão Estratégica em Defesa Social (UEPA) e Graduado em Ciências Sociais (UFPA).

INTRODUÇÃO A aplicação da medida de segurança de internação aos inimputáveis e semiimputáveis, prevista no Código Penal, formalmente como sanção penal, decorrente do cometimento de um ilícito penal, que implica em aprisionar o agente nos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, conhecidos como manicômios judiciários, vem se tornando tema recorrente na sociedade em razão do tratamento desumano a que vem sendo submetidos, quer em razão da falência do sistema carcerário nacional, quer em relação ao próprio tratamento terapêutico aplicado, que destoa e vai de encontro ao fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana, inclusive e principalmente em razão da dificuldade de definição da periculosidade para fins de aplicação da internação como medida preventiva à pratica de novo delito, tendo em vista a complexidade e controvérsias cientificas sobre o que seja a psicopatia, ou seja, a doença mental, doença moral ou transtorno de personalidade, o que vem transformando essa medida em uma verdadeira prisão perpetua em razão da persistência da periculosidade como fundamento da internação. Trata-se, então, de cotejar o ordenamento jurídico pátrio analisando o paradoxo existente em seus diplomas legais, o Código Penal e Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei nº 10.216/01) e perquirir qual a medida adequada e como deve ser ela aplicada aos inimputáveis e semi-imputáveis que praticaram um fato típico e ilícito. 2 A SANÇÃO PENAL NO BRASIL O homem, a partir do momento em que passou a viver em sociedade, para garantir uma convivência harmoniosa, em face da subjetividade e diferenças entre os indivíduos, necessitou da imposição de normas balizadoras das condutas e, para garantir seu cumprimento, surgiram as sanções aplicáveis a quem as descumprissem, surgindo, assim, os primeiros caracteres da justiça criminal. No estagio atual de nossa sociedade, a sanção penal é a resposta estatal, uma punição ao indivíduo que violou a norma jurídica, sendo, por isto, um instrumento de controle social e de prevenção da violência com o fito de proteger os valores

fundamentais do corpo social, reprimindo aquele que praticou um delito e prevenindo a ocorrência e novas infrações penais. Beccaria 4 na sua obra Delitos e Penas nos reporta a origem das penas: As leis são as condições sob as quais homens independentes e isolados se uniram em sociedade, cansados de viver em um contínuo estado de guerra e de gozarem de uma liberdade inútil pela incerteza quanto à sua continuidade. Os homens sacrificaram parte dessa liberdade para poderem gozar o restante dela com segurança e tranquilidade. A soma de todas as porções de liberdade sacrificada ao bem comum forma a soberania de uma nação e o soberano é o legítimo depositário e administrador delas. Mas não bastava constituir esse depósito, havia que defendê-lo das usurpações feitas por cada homem em particular, que sempre tenta não só retirar do depósito a porção que lhe cabe, mas também apoderar-se da porção dos outros. Eram necessários motivos sensíveis suficientes para dissuadir o espírito despótico de cada homem de fazer as leis da sociedade mergulharem novamente no antigo caos. A legislação brasileira contempla duas espécies de sanções: a pena e a medida de segurança. A pena, em nosso ordenamento poderá ser privativa de liberdade (prisão simples, detenção e reclusão), de multa e restritiva de direitos. Por seu turno, a medida de segurança comporta duas espécies: a internação e o tratamento ambulatorial. 3 A IMPUTABILIDADE PENAL Sabendo-se que a imputabilidade é a capacidade do agente em entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento, ou seja, a capacidade de entendimento e a faculdade de controlar e comandar a própria vontade, a aplicação de uma pena, segundo o Código Penal Brasileiro, esta diretamente ligada a essa capacidade, uma vez que é isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, como também o são isentos de pena os menores de 18 anos. Traz, então, o Código Penal Brasileiro dois critérios para a responsabilização penal: o critério psicológico, previsto no art. 26, e o critério 4 Becaria, Cesare, Dos delitos e das penas, 1998, p.

biológico, estatuído no artigo 27, os quais nortearão o tipo de sanção a ser aplicada ao agente que cometer um ilícito. Será aplicada uma pena ser for imputável ou será aplicada uma medida de segurança, ser for inimputável pelo critério psicológico (doença mental), uma vez que, pelo biológico (menoridade penal) aplicar-se-á as medidas socioeducativas previstas na legislação especial, o Estatuto da Criança e do Adolescente. 4 O SISTEMA VICARIANTE Para a aplicação da sanção de medida de segurança, a doutrina concebeu três sistemas distintos: O Sistema Dualista (Duplo Binário), no qual é impingido ao agente a pena, vinculada à culpabilidade, e a medida de segurança à periculosidade; O Sistema Monista que aplica a pena à culpabilidade e a medida de segurança à segurança, a medida de segurança pela pena e ora a unificação das penas e das medidas de segurança em outra sanção distinta, cuja execução era amoldada à personalidade do delinquente, visando a readaptação social; E o Sistema Vicariante, que prevê a aplicação de pena reduzida de um a dois terços (aos semi-imputáveis) ou medida de segurança aos semi-imputáveis ou inimputáveis, não podendo haver cumulação entre elas. Ao entrar em vigor, o Código Penal Brasileiro (1940) estabelecia que aos semi-imputáveis eram aplicadas, cumulativamente a pena e a medida de segurança, ao passo que aos inimputáveis só era aplicada a medida de segurança, como também expressamente referia que a periculosidade não podia ser presumida por lei. Com a edição da Lei nº 7.209/84, que promoveu profunda reforma no Código Penal, adotando o finalismo, o Brasil passou, então, a aplicar o sistema vicariante, ou seja, o da substituição, ou haverá pena ou medida de segurança. 5 AS MEDIDAS DE SEGURANÇA NO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO Em sendo a resposta estatal ao indivíduo inimputável ou semi-imputável que praticou um ilícito penal, prevista no Código Penal, a medida de segurança é, formalmente, uma sanção penal, que comporta duas espécies: Uma detentiva, a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, e outra restritiva, que se constitui em tratamento ambulatorial.

Os doutrinadores são uníssonos, em que pese o seu caráter formal penal, na inexistência da finalidade retributiva, persistindo, somente a finalidade preventiva, especialmente em seu viés especial, decorrente do desenvolvimento das ideias humanitárias, prevalecendo, então, o intuito assistencialista de tratamento do agente para ressocializa-lo. É o que leciona o autor Português Dias 5 : O proposito socializador deve, sempre que possível, prevalecer sobre a finalidade de segurança, como é imposto pelos princípios da sociedade e da humanidade, que dominam a constituição politicocriminal do Estado de Direito contemporâneo; e, consequentemente, que a segurança só pode constituir finalidade autônoma da medida de segurança se e onde a socialização não se afigure possível. A Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal, que introduziu o sistema vicariante, Lei nº 7.209/84, no Item 87, referente às medidas de segurança evidencia que a medida de segurança tem caráter meramente preventivo e assistencial, ficando reservada aos imputáveis, isso, em resumo, significa: Culpabilidade - pena; periculosidade medida de segurança. Decerto que a aplicação dessa medida exclui a culpabilidade do agente, pois, não há falar em vontade humana projetada para o exterior, na medida em que o agente não entende o caráter ilícito de seu ato, entretanto, resta latente, por isso, sua periculosidade, pois já tendo agredido um bem jurídico tutelado e continuando incapaz de entendimento, poderá voltar a violar a norma penal. Essa periculosidade, cujo entendimento predominante da doutrina e da jurisprudência, constitui o fundamento da medida de segurança e, agora por força do art. 97 do Código Penal, é presumida, sendo ela, na Lição de Heleno Fragoso 6 : Em substancia, um juízo de probabilidade que se formula diante de certos indícios. Trata-se de juízo empiricamente formulado e, por isso, sujeito a erros graves. Pressupõe-se sempre, como é óbvio, uma ordem social determinada a que o sujeito deve ajustar-se e que não é questionada. O sistema se defende aplicando medidas de segurança a pessoas que sofrem de anomalias mentais e que apresentam probabilidade de praticar novos atos que a lei define como crimes 5 Dias, Jorge de Figueiredo. Direito Penal, 2007, p. 98. 6 Heleno Fragoso. Direito Penal, 2007, p. 475.

Então, com asseverou Zaffaroni 7, a periculosidade, neste sentido, é o simples perigo para outros e para própria pessoa, e não conceito de periculosidade penal, limitado à probabilidade da pratica de crime. Entretanto, mesmo não se tratando a periculosidade de um conceito penal a pratica de um ilícito pelo inimputável ou semi-imputável que carreia a aplicação de uma medida de segurança que, mesmo sendo originária da Escola da Defesa Social da década de 5 a 70, de Marc Ancel e Fellipo Graamatica, que desenvolverem o conceito do socialmente perigoso, em última analise é uma verdadeira pena corporal retributiva, privativa de liberdade, como advoga Zaffaroni. E ai há um contrassenso na natureza jurídica da medida de segurança: Se a aplicação da medida de segurança, que se constitui formalmente como uma sanção penal, na qual uma de suas espécies, a internação, é uma verdadeira pena corporal retributiva privativa de liberdade, se fundamenta na periculosidade do agente em razão de sua inimputabilidade e não na culpabilidade e, em sendo a imputabilidade a capacidade de culpabilidade, compreendendo o conjunto de faculdades psíquicas mínimas para alguém ser declarado culpado pela pratica de um ilícito, a aplicação a medida de segurança burla o princípio da culpabilidade ( nula pena nula culpa ), por mais que se advogue que, tecnicamente, o réu seja absolvido, o que se denomina de sentença absolutória impropria. Zaffaroni 8 vaticina: Se uma pessoa não é culpável, nada tem que fazer a seu respeito a lei penal. Sem embargo, não esta próximo o momento em que a consciência jurídica latino-americana permita plasmar verdadeiros códigos psiquiátricos com garantias jurisdicionais. Veja-se que o diagnostico da periculosidade é um ato exclusivo e constitutivo da psiquiatria, estando excluída a responsabilidade penal, à ausência de culpabilidade, por força do imperativo da própria lei. Por outro lado, prossegue Zaffaroni 9 : Não se pode considerar penal um tratamento médico e nem mesmo a custodia psiquiátrica. Sua natureza nada tem a ver com a pena, que 7 Zaffaroni, Eugenio Raúl. Manual de Direito Penal Brasileiro, 2004, p. 810. 8 Zaffaroni, Eugenio Raúl. Sistemas Penales y derechos Humanos em América Latina, 1986, p. 50. 9 Zaffaroni, Eugenio Raúl. Manual de Direito Penal Brasileiro, 2004, p.809

desta diferencia por seus objetos e meios. Mas as leis penais impõem um controle formalmente penal, e limitam as possibilidades de liberdade da pessoa, impondo o seu cumprimento, nas condições previamente fixadas que elas estabelecem, e cuja execução deve ser submetida aos juízes penais. Dai concluir-se que à ausência de culpabilidade e tendo por fundamento a periculosidade, a natureza jurídica das medidas de segurança em que pese ser formalmente penal, não é propriamente penal, estrito senso, por não possuírem um caráter punitivo e sim um caráter preventivo, para evitar que o agente repita o ato ilícito e, diferentemente da pena, essa prevenção é objetiva, pois embasada na periculosidade do agente (probabilidade de praticar o crime em razão da sua insanidade), já que na naquela (pena), a prevenção é subjetiva, considerando que, em razão da punição, pretende que o agente não repita o ato ilícito por sua própria consciência e o medo de voltar a ser punido. Deve-se atentar, ainda, que o prazo mínimo de duração da medida de segurança que é de um a três anos, segundo as regras dos artigos 97, 1º e 98, do Código Penal, isto independentemente do delito praticado, tendo essa duração estabelecida de acordo com a menor ou maior periculosidade do agente. Entretanto, quanto ao prazo máximo de duração da medida, o art. 97, 1º, do CP, o tem como indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. Essa indeterminação do tempo de duração da medida de segurança acarreta uma outra discussão: a constitucionalidade ou não do dispositivo, considerando que se não cessada a periculosidade, em sendo a medida de segurança, formalmente, uma sanção penal, estarmos diante de uma pena perpetua, o que é vedada pela nossa Carta Magna. A jurisprudência de nossos Tribunais, no que se refere ao acometimento de doença no curso do cumprimento da pena, já se posicionou no sentido de que, tendo em vista o caráter penal da medida, está terá a duração determinada pelo quantum de pena aplicado in concreto ao autor do ilícito. Assim, se o agente for sentenciado a 5 anos de reclusão e, no curso da execução penal sobrevier doença mental este só poderá ficar internado até que complete o tempo determinado na sentença condenatória. Da mesma forma, ainda que de maneira não uniforme, a jurisprudência pátria, no que se refere à sentença absolutória imprópria, em que é verificada, ainda na instrução processual

penal, a inimputabilidade do agente, sob o prisma da vedação constitucional de pena perpetua, vem se consolidando para admitir o prazo máximo de duração da medida equivalente a pena máxima abstrata prevista para o tipo penal perpetrado pelo agente, ou não podendo exceder ao limite máximo de cumprimento de pena no Brasil que é de 30 anos, a teor do disposto no art. 75, do Código Penal. 6 AS MEDIDA DE SEGURANÇA NA LEI ANTIMANICOMIAL A Lei nº 10.216/01, Lei conhecida como Antimanicomial, impulsionou uma verdadeira reforma psiquiátrica, estabelecendo novos paradigmas aos direitos das pessoas portadoras de doença mental. Com sua edição houve um redirecionamento no modelo assistencial em saúde mental, havendo, formalmente a substituição da segregação pela desinstitucionalização e humanização do tratamento de portadores de transtornos mentais. A década de 70 caracterizou-se pelo modelo assistencial de internação hospitalar em psiquiatria. Mas na década de setenta tínhamos, no País, incentivadores da psiquiatria com modelo mais abrangente, de desinstitucionalização (...). A Lei nº 10.216/01 apresentou enorme avanço no que diz respeito à mudança do eixo do tratamento baseado na internação para um modelo de tratamento comunitário, efetivado por equipe multiprofissional 10 Assim é que a Lei da Reforma Psiquiátrica garante, como direito dos portadores de doença mental, o tratamento em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis e, preferencialmente em serviços comunitários de saúde mental. A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficiente e somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos. Como tipos de internação psiquiátrica a Lei prevê a voluntária, aquela efetivada com o consentimento do usuário; a involuntária que se dá sem o 10 SHIRAKAWA, Itiro; GONÇALVES, Eliana Cristina. Assistência psiquiátrica e desinstitucionalização. In: ALVES, Luiz Carlos Aiex (Coord.). Ética e psiquiatria. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, 200 7.

consentimento do usuário mas a pedido de terceiros; e a internação compulsória, aquela determinada pelo juiz competente, de acordo com a legislação vigente. Nos atendimentos de saúde o tratamento deve ser realizado com humanidade e respeito no interesse exclusivo de beneficiar a saúde do paciente, e visa alcançar a sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade. Nessa mesma linha de objetivo, a internação, em qualquer de suas modalidades, visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio. Essa Lei especial, ao referir-se à internação compulsória, como aquela determinada pela justiça, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente e que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto a salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários, decerto que abarca a medida de segurança em sua modalidade de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, como também a própria modalidade de tratamento ambulatorial. E, a partir da edição da Lei da Reforma Psiquiátrica é que se tem a antinomia com o Código Penal, ou seja, a afirmação simultânea de duas proposições contraditórias. 7 O CÓDIGO PENAL E A LEI ANTIMANICOMIAL NA APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA Como se vê, o instituto da medida de segurança, olhado sob o prisma do Direito Penal, que tem como função precípua Selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais para a convivência social, e descreve-los como infrações penais, cominandolhes, em consequência, as respectivas sanções, além de estabelecer todas as regras complementares e gerais necessárias à sua correta e justa aplicação 11 11 Capez Fernando. Curso de Direito Penal, volume 1, parte geral. 2010, p. 19

Cuja missão é proteger os valores fundamentais para a subsistência do corpo social 12 possui agasalho doutrinário para a afirmação de trata-se, não só formalmente, como de fato, uma sanção penal, estrito senso, de vez que a aplicação da medida de segurança alcança essa proteção ao prevenir, com a internação, que comportamentos humanos coloquem em risco valores fundamentais para a convivência social. Mesmo cotejando-se a prevalência do intuito assistencialista de tratamento do agente para ressocializa-lo com a ausência do caráter retributivo inerente a pena, persiste seu caráter penal ante a concepção do Direto Penal e sua função ético-social. A grande controvérsia se encerra na aplicação da medida de segurança, enquanto sanção, pela ausência do elemento volitivo do agente, ou seja, a ausência de culpabilidade, e seu fundamento estar assentado na periculosidade do agente. Ora, o conceito de periculosidade não se encontra no Direito, cujo diagnostico é um ato exclusivo e constitutivo da psiquiatria e, como tal, ante a ausência do entendimento do agente do caráter ilícito de sua conduta, esta prevenção à agressão a um bem jurídico não pode estar vinculada, atrelada a gravidade do ato ilícito praticado pelo agente inimputável ou semi-imputável. Essa é a regra do Código Penal Brasileiro: Art. 97. Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submete-lo ao tratamento ambulatorial. Da maneira redacionada pelo dispositivo e aplicado amplamente pelo Judiciário Nacional, a aplicação da medida de segurança traz amaras diretamente relacionadas à pena e, ai, eclode o caráter retributivo das penas, pois, independentemente da apuração do grau de periculosidade do agente, fundamento da medida de segurança, esta é aplicada de acordo com a gravidade do delito, materializada na espécie de pena privativa de liberdade prevista para o tipo penal, ou seja, se ao delito praticado pelo inimputável for prevista a pena de reclusão este será, por mandamento cogente do art.97, do CP, internado em manicômio judiciário, ao passo que ao crime perpetrado for cominada a pena de detenção, poderá o juiz aplicar a medida de segurança de tratamento ambulatorial. 12 Capez Fernando. Obra cit, p 19.

Essa perspectiva penal de vincular a periculosidade à gravidade da pena estar a burlar o sistema vicariante, pois, se por esse sistema há a aplicação de uma pena ou medida de segurança, essa vinculação direta da aplicação da medida de segurança de acordo com a gravidade do delito, na prática está a inserir, disfarçadamente, uma pena, travestida de medida de segurança, senão vejamos: Se um individuo inimputável comete um crime de homicídio, cuja pena prevista é de reclusão, ao magistrado não há, pela praxe jurídica de aplicação direta do Código Penal, outra alternativa senão a absolvição imprópria e a aplicação da medida de segurança de internação, independentemente do grau de periculosidade do agente. Não se perquire se sua moléstia mental foi o único determinante para a prática do ilícito, ou seja, não se verifica o fundamento da medida de segurança, sua periculosidade e tão somente a gravidade do delito. Neste caso, não restam dúvidas de que a medida de segurança aplicada possui o valor precípuo de castigo. De modo inverso, se um agente inimputável comete um crime de lesão corporal leve, cuja pena prevista é de detenção, considerando o menor potencial ofensivo do ilícito e diante da atual política de não encarceramento (penas substitutivas a prisão), mesmo sendo o agente, por sua moléstia considerado periculoso, ser-lhe-á aplicado, de regra, o tratamento ambulatorial, isto se, porventura a vítima oferecer representação contra o agente para o devido processamento legal (ação penal condicionada a representação). De novo, se afasta do caráter curativo, assistencial e preventivo da sanção medida de segurança parta se apegar a gravidade do ilícito. Ora, se o sistema é vicariante (pena ou medida de segurança) não pode haver qualquer correlação entre as sanções (a gravidade do delito determina a medida de segurança a ser aplicada) e sim ao fundamento da medida de segurança, ou seja, a periculosidade do agente, de modo que a medida de segurança a ser aplicada deverá ter em conta exclusivamente a periculosidade. Assim, sabendo-se que a periculosidade é um conceito da psiquiatria, e que juridicamente é o conjunto ou as circunstancias que indicam a possibilidade de alguém praticar ou tornar a praticar um crime, a Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei Antimanicomial) é o instrumento legal hábil e inafastável da jurisdição penal para a aplicação da medida de segurança de internação. Esse Diploma está perfeitamente integrado com os dogmas postos pelo Código Penal, de proteger os valores fundamentais do corpo social, e pela Lei de

Execução Penal (Lei 7.210/84), que tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para harmônica integração social do condenado e do internado, revigorando o sistema vicariante, na medida em que, a aplicação da medida de segurança passa a ser voltada diretamente à necessidade terapêutica daquele que é absolutamente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Não há nenhuma incompatibilidade da aplicação da Lei Antimanicomial, que possui prevalência de regulamentação de tratamento de saúde, com o Diploma Repressivo Penal, senão vejamos: a) O art. 9º da Lei da Reforma Psiquiátrica ao prevê que a internação compulsória determinada de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente indica a permanência no sistema jurídico da sanção de medida de segurança. b) O art. 6º ao dispor que a internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize seus motivos, demonstra a correção legislativa para melhor adequação do sistema vicariante por desvincular a gravidade do delito - pena, representada pelo tipo de pena privativa de liberdade (detenção ou reclusão), com a aplicação da medida de segurança de internação sanção, vinculando esta diretamente com a necessidade terapêutica, onde permanece o fundamento da periculosidade do agente. c) O art. 4º que informa que a internação só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficiente, também não afasta a internação pela periculosidade, até porque este dispositivo está vinculado ao art. 6º. O mais importante de tudo é a prevalência do fundamento da dignidade da pessoa humana que, além de ser postulado do Direito Penal e do Direito Penitenciário, está positivado ao longo da Lei da Reforma Antimanicomial quando estaui como direito da pessoa portadora de transtorno mental ser tratada com humanidade e respeito e no

interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando lançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade. A antonímia apresentada entre o Código Penal e a Lei Antimanicomial vem sendo superada pelas normativas do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Órgão de Execução Penal encarregado pela Lei de Execução Penal LEP de propor diretrizes da política criminal quanto a prevenção do delito, contribuindo na elaboração de planos nacionais de desenvolvimento, sugerindo as metas e prioridades da política criminal e penitenciária, notadamente a Resolução nº 5, de 04 de maio de 2004, que dispõe sobre as Diretrizes para o cumprimento das Medidas de Segurança, adequando-as à previsão da Lei nº 10.216/2001, na qual foram proposta diversas diretrizes para o cumprimento das medidas de segurança, adequando-as à previsão da Lei nº 10.216/2001, destacando-se, para este estudo: a) O tratamento aos portadores de transtornos mentais visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio (art. 4º, 1º, da Lei 10.216/2001), tendo como princípios norteadores o respeito aos direitos humanos, a desospitalização e a superação do modelo tutelar; b) A conversão do tratamento ambulatorial em internação só será feita com base em critérios clínicos, não sendo bastante para justifica-la a ausência de suporte sócio-familiar ou comportamento visto como inadequado; c) A medida de segurança só poderá ser restabelecida em caso de novo delito e após sentença judicial. Os casos de reagudização de sintomatologia deverão ser tratados no serviço de referencia local; d) A medida de segurança deve ser aplicada de forma progressiva, por meio de saídas terapêuticas, evoluindo para regime de hospital-dia ou hospitalnoite e outros serviços de atenção diária tão logo o quadro clinico do paciente assim o indique. A regressão para regime anterior só se justificará com base em avaliação clínica; e) Após a desinternação, desde o primeiro ano, o paciente deve ser assistido no serviço local de saúde mental, paralelamente ao tratamento ambulatorial previsto em lei, com o objetivo de construir laços terapêuticos em sua comunidade;

f) Os pacientes com longo tempo de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, que apresentem quadro clinico e/ou neurológico grave, com profunda dependência institucional e sem suporte sóciofamiliar, deverão ser objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, beneficiados com bolsas de incentivo à desinternação e inseridos em serviços residenciais terapêuticos. Posteriormente a essa normativa, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, passados mais de seis anos, considerando a manutenção da preponderância da institucionalização, internação, nos moldes do Código Penal, editou a Resolução nº 04/2010, dispondo, de novo, sobre as Diretrizes Nacionais de atenção aos pacientes judiciários e execução da medida de segurança, na qual, expressamente recomendou: a) A adoção da política antimanicomial no que tange à atenção aos pacientes judiciários e à execução da medida de segurança e a observação na execução da medida de segurança os princípios estabelecidos pela Lei da Reforma Psiquiátrica, notadamente o redirecionamento do modelo assistencial de tratamento e cuidado em saúde mental que deve acontecer de modo antimanicomial, em serviços substitutivos em meio aberto; b) Que a abordagem à pessoa com doença mental na condição de autor do fato, réu ou sentenciado em processo criminal, deve ser objeto de atendimento por programa específico de atenção destinado a acompanhar o paciente judiciário nas diversas fases processuais, mediando as relações entre o Poder Judiciário e o Poder Executivo, visando à promoção da individualização da aplicação das penas e medidas de segurança e no encaminhamento das questões de execução penal dos pacientes judiciários; c) Em caso de internação, mediante laudo médico circunstanciado, deve ela ocorrer na rede de saúde municipal com acompanhamento do programa especializado de atenção ao paciente judiciário, recomendando, tanto quanto possível a internação em manicômio judiciário;

d) O poder executivo, em parceria com o Poder Judiciário, irá implantar e concluir, no prazo de 10 anos, a substituição do modelo manicomial de cumprimento de medida de segurança para modelo antimanicomial, valendo-se do programa específico de atenção ao paciente judiciário. Da mesma forma, o Conselho Nacional de Justiça, a quem compete controlar a atuação administrativa dos demais Órgãos do Poder Judiciário e supervisionar o cumprimento dos deveres dos juízes, também dispôs sobre o procedimento relativo à execução da medida de segurança e editou, em 20 de abril de 2010 a Resolução nº 113, que dispõe sobre o procedimento relativo à execução de pena privativa de liberdade e de medida de segurança, asseverando, em seu art. 17 que o juiz competente para a execução da medida de segurança, sempre que possível buscará implementar políticas antimanicomiais, conforme a sistemática da Lei nº 10216/01. E, em 12 de julho de 2011, expediu a Recomendação nº 35, para, considerando a Lei 10.216/01 e a Resolução nº 4/10, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, recomendar aos Tribunais que: a) Na execução da medida de segurança, adotem a política antimanicomial, sempre que possível, em meio aberto; b) A permissão, sempre que possível, para que o tratamento ocorra sem que o paciente se afaste do meio social em que vive, visando sempre à manutenção dos laços familiares; c) Adotem a medida adequada às circunstancias do fato praticado, de modo a respeitar as singularidades sociais e biológicas do paciente judiciário. Como se vê, em linhas gerais, o caráter sancionatório da medida de internação persiste, entretanto, totalmente voltado para o tratamento psiquiátrico do agente, sem perder a função de prevenção criminal, mas totalmente desapegado das premissas do Código Penal de vinculação do tratamento, aplicação da medida de segurança, à gravidade do delito, mantendo o fundamento da periculosidade do agente, diretamente vinculado a avaliação médica segundo a Lei da Reforma Psiquiátrica (art. 6º. A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico

circunstanciado que caracterize os seus motivos), sem prejuízo do princípio jurisdicional do livre convencimento do juiz. A assertiva de permanência do caráter sancionatório da medida de segurança se reafirma na redação do Projeto do Novo Código Penal, que a mantem em seu bojo, mas ressalta a observância dos direitos das pessoas com deficiência, nos termos da legislação específica (Lei nº 10.216/01), desvinculando a aplicação das espécies de medida de segurança à gravidade do delito, estabelecendo limite máximo de duração (da pena cominada ao fato criminoso praticado ou de trinta anos, nos fatos criminosos praticados com violência ou grave ameaça à pessoa, salvo se a infração for de menor potencial ofensivo), acompanhando a jurisprudência pátria dominante. O interessante deste projeto é que, de maneira expressa, por interpretação sistêmica, afirma o caráter penal da medida de segurança, pois em um de seus dispositivos dita que atingido o limite máximo de duração da medida, poderá o Ministério Público ou o responsável legal pelo agente requere, desta feita no juízo cível, afastando-se da seara penal, o prosseguimento da internação. CONSIDERAÇÕES FINAIS Tendo como ponto central a aplicação da medida de segurança de internação ao inimputável que praticou um ilícito penal, não há como não deixar de concluir que o Codex repressivo pátrio traz vinculação direta dessa medida assistencialista com a pena a ser aplicada ao tipo penal perpetrado (detenção ou reclusão), valorizando a gravidade do delito eclodindo, com isso, de maneira indireta, o caráter retributivo da pena, inexistente na medida de segurança que possui caráter preventivo. Da mesma forma, o Código Penal, nesse ponto se afasta do fundamento da medida de segurança que é a periculosidade do agente para determinar a medida preventiva mais adequada ao caso (internação ou tratamento ambulatorial) e, com isso, burla o sistema vicariante, pois, apesar de aplicar somente uma medida de segurança passa esta a ter embutido, como fundamento da sua aplicação, a gravidade do delito. Neste caso, não restam dúvidas de que a medida de segurança aplicada possui o valor precípuo de castigo.

Ora, se o sistema é vicariante (pena ou medida de segurança) não pode haver qualquer correlação entre as sanções (a gravidade do delito determina a medida de segurança a ser aplicada) e sim ao fundamento da medida de segurança, ou seja, a periculosidade do agente, de modo que a medida de segurança a ser aplicada deverá ter em conta exclusivamente a periculosidade. Ao seu passo, a Lei Antimanicomial redirecionou todo o modelo assistencial em saúde mental, havendo, formalmente a substituição da segregação pela desinstitucionalização e humanização do tratamento de portadores de transtornos mentais e, em que pese a permanência da periculosidade como fundamento ela garante, como direito dos portadores de doença mental, o tratamento em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis e, preferencialmente em serviços comunitários de saúde mental, afastando-se, completamente a internação da gravidade do delito perpetrado pelo inimputável e diretamente vinculada ao laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos, o que, entretanto não retira o poder-dever de jurisdição do Estado-Juiz de, em atuação da seara do direito penal, no processo penal, exercer o seu livre convencimento para, fundamentadamente discordar do laudo pericial e aplicar a internação compulsória, o que reafirma o caráter penal da medida. Assim, a disposição da medida de segurança em diploma legal penal determina, o seu caráter sancionatório, entretanto, com a edição da Lei Antimanicomial, totalmente voltado para o tratamento psiquiátrico do agente, sem perder a função de prevenção criminal, mas totalmente desapegado das premissas do Código Penal de vinculação do tratamento, aplicação da medida de segurança, à gravidade do delito, mantendo o fundamento da periculosidade do agente, diretamente vinculado a avaliação médica segundo a Lei da Reforma Psiquiátrica. Agora, essa antinomia está, pela interpretação sistêmica do Código Penal com a Lei Antimanicomial, completamente superada tecnicamente, não só sob o prisma da função e da missão do direito penal de salvaguarda do os valores fundamentais para a subsistência do corpo social, aplicando a medida de segurança para prevenir, com a internação, que comportamentos humanos coloquem em risco valores fundamentais para a convivência social, como também da função penal da medida de segurança de assistencialismo, este, agora com o tratamento específico e especial ditado pela Lei da Reforma Psiquiátrica que vincula a aplicação da internação a necessidade terapêutica,

constatada pelo medico especialista na área de saúde mental, com prevalência ao tratamento antimanicomial. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BECARIA, Cesare, Dos delitos e das penas. Tradução de José de Faria Costa. Lisboa: Fundação Calouste Gulberkian, 1998. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: volume 1, parte geral: (arts. 1º a 120). São Paulo: Saraiva, 2010. DIAS, Jorge Figueiredo. Direito Penal: parte Geral, tomo I, questões fundamentais: a doutrina geral do crime. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais; Portugual: Comibra Editora, 2007. 1. ed. Por Revista dos Tribunais; 2. ed por Coimbra Editora. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: parte geral. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. SHIRAKAWA, Itiro; GONÇALVES, Eliana Cristina. Assistência psiquiátrica e desinstitucionalização. In: ALVES, Luiz Carlos Aiex (Coord.). Ética e psiquiatria. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, 2007. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Sistemas Penales y derechos Humanos em América Latina: Instituto Interamericano de Derechos Humanos.Buenos Aires: Depalma, 1986. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIARANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 5 ed. São Paulo: RT, 2004.