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Transcrição:

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36 Declaração à imprensa proferida por ocasião de visita do Primeiro-Ministro de Portugal, António Guterres BRASÍLIA, PALÁCIO DO PLANALTO. 5 DE SETEMBRO DE 2001 Quero expressar a satisfação do Governo e do povo brasileiro por estarmos recebendo, uma vez mais, o Primeiro-Ministro de Portugal, António Guterres, na realização do que nós aqui chamamos, imitando o vocabulário português, de uma Cimeira, ou seja, uma reunião de Cúpula entre os dois Governos. Essa Cimeira se reúne anualmente. Portugal é o único país com o qual o Brasil tem este tipo de relacionamento, que implica uma possibilidade enorme. De fato, existe uma possibilidade entre nossos povos. Em primeiro lugar, as nossas culturas, as nossas economias e possibilidade política também, posto que, no plano internacional, o Brasil e Portugal têm trabalhado juntos esses anos todos. Em particular, tenho um apreço muito especial pelo Primeiro-Ministro Guterres, a quem considero - e não por estar na presença dele, porque eu o digo sempre - um dos principais líderes mundiais. Tivessem outros países, de maior porte que Portugal, a sorte de terem um líder da estatura de Guterres e já teríamos caminhado mais no sentido de um sistema económico mundial global mais justo, mais solidário, menos assimétrico. Tivessem os líderes a mesma visão que tem o Primeiro-Ministro de Portugal, e o Brasil e Portugal, Mercosul e União Europeia já teríamos caminhado mais na direção daqui-

308 PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Io que nós almejamos, que é de um tratado de comércio que permita uma aproximação ainda maior entre nossas economias. Mas, a despeito de haver dificuldades, o fato é que a existência de Portugal, e a existência em Portugal de um Governo como este, chefiado pelo Primeiro-Ministro - e rendo minhas homenagens ao Presidente Jorge Sampaio, também, a quem muito prezo -, já nos tem ajudado bastante. Nas nossas discussões, nesta manhã, que não foram discussões, foram explicações recíprocas e sempre convergentes, ficou claro que o caminho é de ampliar a cooperação entre Brasil e Portugal, entre o Mercosul e a União Europeia. Nos próximos meses estaremos ativos tanto na preparação da reunião que haverá no Emirado de Catar, que a Organização Mundial do Comércio vai patrocinar para a discussão de uma nova rodada de negociações multilaterais de comércio, quanto na relação entre a União Europeia e o Mercosul nós estaremos trabalhando ativamente para lograr os êxitos que os nossos povos merecem. Obrigado e ofereço a palavra ao Primeiro-Ministro, António Guterres. [Seguem-se palavras do Primeiro-Ministro de Portugal]. Primeiro-Ministro: Gostaria, em primeiro lugar, de agradecer, de uma forma muito sentida e muito emocionada, essa excepcional recepção, o calor humano e a amizade com que o Presidente Fernando Henrique Cardoso e seu Governo nos recebem sempre. E as palavras tão gentis e tão amigas que pronunciou. Penso que esse encontro foi muito importante em três níveis. Em primeiro lugar, porque nos permitiu estabelecer uma estratégia de cooperação que vai, agora, ser concretizada no plano técnico, através de consultas permanentes, naquilo que podemos chamar de tentativa de estabelecimento de uma arquitetura das relações internacionais, conforme a visão comum dos dois Governos. Visão que é inteiramente coincidente e visão que passa, em primeiro lugar, pela regulação de um processo de globalização que tenha uma rodada de

PALAVRA DO PRESIDENTE 2 e SEMESTRE 2001 309 negociações da Organização Mundial do Comércio, e, com êxito, um papel essencial do estabelecimento de regras multilaterais. Em segundo lugar, seja acompanhado de uma aceleração das negociações entre a União Europeia e o Mercosul, ultrapassando as atuais dificuldades, no sentido de ser possível o estabelecimento da uma lógica de articulação triangular no espaço atlântico, com o Mercosul e a América do Sul em seu torno, com a União Europeia, com os Estados Unidos e os países que a eles se associam, mas baseada no equilíbrio, baseada numa lógica de igualdade e de multipolaridade, que é indispensável para uma arquitetura mais justa das relações internacionais. Brasil e Portugal vão trabalhar, e vão trabalhar em detalhes, na aproximação de posições concretas nestes domínios, nos quais, como é sabido, Portugal é representado pela União Europeia. Mas procuraremos, dentro da União Europeia, e já demos alguns passos significativos nesse domínio, nomeadamente uma proposta de reforma da política agrícola comum. Procuraremos, dentro da União Europeia, criar as condições de êxito para estes dois objetivos: a possibilidade de a Organização Mundial do Comércio desempenhar o seu papel de regulador multilateral e o êxito das negociações União Europeia/ Mercosul como pilar de uma nova arquitetura. O segundo aspecto que eu queria sublinhar é a importância da entrada em vigor do novo tratado. Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta. É um tratado celebrado entre duas democracias, que substitui os acordos celebrados entre duas ditaduras. E é bom não esquecer os irritantes problemas que tratados já não adaptados aos tempos modernos criaram, na última década, entre os dois países e que, agora, são definitivamente removidos. Para sublinhar a importância desse tratado, estou em condições de anunciar à opinião pública brasileira, ao povo do Brasil, através de sua comunicação social, que há, neste momento, um acordo firme de um conjunto de forcas políticas que constituem uma maioria superior a dois terços na Assembleia da República de Portugal para, no quadro da revisão constitucional extraordinária, que vai ser efetuada para adaptar a legislação portuguesa ao Tribunal Penal Internacional, introduzir na

10 PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Constituição portuguesa as regras de reciprocidade de direitos políticos e de igualdade de direitos políticos no espaço lusófono. Essas medidas permitirão que, pela primeira vez na História, aproveitando as disposições já existentes na Constituição brasileira, elementos, cidadãos do Brasil possam vir, em breve, a ser membros do Parlamento português ou até do Governo português, e cidadãos portugueses possam vir, também, em breve, por exemplo, a ser membros do Congresso brasileiro ou do Governo brasileiro. Era, talvez, a última questão que estava por se resolver no relacionamento político entre os dois países. Posso anunciar-vos que existe, hoje, um consenso político em Portugal para permitir alterar a Constituição portuguesa no sentido de uma total identidade de pontos de vista com o Brasil. O terceiro aspecto que eu gostaria de sublinhar é o da concretização desta visão comum rio quadro da globalização e deste novo assentar em bases modernas o nosso relacionamento político e aproveitar esses dois fatos para uma intensificação muito grande do nosso relacionamento. No plano das sociedades civis, quer nos quadros do investimento, do turismo, da cultura como no plano político, ternos um conjunto vastíssimo de acordos, que vão desde o transporte aéreo à Justiça e que revelam um trabalho muito aprofundado de cooperação entre os dois Governos, correspondente ao que é, hoje, o sentimento de irmandade entre os dois países. Quero sublinhar, enfim, que a visão que o Brasil tem vindo a imprimir na liderança que tem sabido realizar, sob a Presidência, do Presidente Fernando Henrique Cardoso, no quadro do Mercosul e da América do Sul, é uma visão que nós partilhamos inteiramente. E gostaríamos que Portugal, com a humildade que reconhecemos em relação às nossas capacidades, como membro da União Europeia, possa dar um contributo útil para que essa mundivisão, essa perspectiva de uma arquitetura mais justa e multipolar das relações internacionais se possam vir a concretizar.

PALAVRA DO PRESIDENTE 2 SEMESTRE 2001 311 Jornalista: Presidente Fernando Henrique: é verdade que as relações políticas entre os dois países seguem um bom caminho? E não é mesmo verdade que há ainda alguns entraves no plano das relações económicas? Por exemplo, os empresários portugueses que têm já uma forte participação na economia brasileira queixam-se, por exemplo, de entraves burocráticos, nomeadamente no que concerne à concessão de vistos de trabalho para entrar aqui, no Brasil. O Senhor pensa que, de alguma forma, o seu Executivo está em condições de minorar esses entraves burocráticos, que garanta uma melhor participação dos empresários portugueses no Brasil? Presidente: Pois não. Não apenas os empresários portugueses se queixam de entraves burocráticos, mas também os empresários brasileiros se queixam dos mesmos entraves. Eu até diria que também me queixo dos entraves burocráticos, para mostrar a dificuldade que há em resolver, às vezes, pequenos problemas. Mas, certamente, a disposição do Governo é de solucioná-los. No que diz respeito à questão de vistos de entrada, há uma legislação complexa. E, na medida que havia, como ainda há, preocupação com oferta de emprego, há sempre alguma tendência a resistir à concessão de vistos. Mas o Ministro do Trabalho está atento para que isso não se transforme em um obstáculo à expansão das empresas, notadamente das portuguesas. Jornalista: Presidente, essa modificação que está sendo estudada na Constituição portuguesa, no Brasil também teria que ser alterada, não é? Presidente: Não. Nós já temos. A Constituição do Brasil já permite. Permite, na medida em que haja reciprocidade. Como Portugal estará dando reciprocidade, a partir daí, se você quiser ser deputada em Portugal, pode se candidatar. Algo mais?

312 PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Jornalista: Por parte dos setores empresariais portugueses com investimentos no Brasil há alguma preocupação pela estabilidade do real. O Senhor Presidente diz o que sobre a estabilidade da moeda brasileira? Presidente: Pois não. Efetivamente, neste ano, o real perdeu valor ante o dólar, mais ou menos em 25%, algo por aí, um pouco mais ou um pouco menos. Não sei se você se recorda, mas, nos últimos dois anos, o franco francês passou a valer 7,25, 7,7 francos para um dólar. O que aconteceu? Nada de muito grave. Aqui, efetivamente, como o câmbio é flutuante, temos que nos habituar a que, quando há pressão dos mercados sobre a moeda local, ela perde valor ante o dólar. Depois, recupera esse valor ou não. Depende das circunstâncias. A primeira consequência, neste momento, dessa desvalorização foi aumentar a competitividade. Então, os empresários portugueses que estão aqui e quiserem exportar ganham corh isso. A outra consequência não é tão boa assim. Qual é? A de ter alguma transferência dessa perda para os preços internos. Na verdade, até agora, a inflação está relativamente sob controle. Imaginamos que, neste ano, ela se mantenha dentro da meta. A meta fixada tinha sido, creio eu, de 4% e 2% a mais ou a menos. Deve estar nos 2% a mais, por volta de 6%. Ou seja, não houve a transferência da desvalorização do dólar para os preços, porque a economia não é mais indexada. Então, apenas a parte da produção local que, efetivamente, é composta de produtos importados é que pode sofrer algum percalço. Mas é passageiro. Neste momento, essa pressão sobre o dólar é visivelmente especulativa. Especulativa não no sentido de que se esteja jogando contra a moeda. Não há corrida contra o real. É em função do quadro da Argentina, do próprio país. Na medida em que a crise de energia foi sendo absorvida e bem conduzida e a população muito solidária; na medida em que a situação da Argentina parece estar já em um momento de maior alívio, provavelmente o que vai haver é uma tendência contrária, um equilíbrio maior, que vai levar o real a se valorizar. Nitidamente, o real, neste momento, está subvalorizado e é possível que se corrija, daí por diante.

PALAVRA DO PRESIDENTE 2 e SEMESTRE 2001 313 Não vejo nisso um problema maior. Por isso, mencionei o franco - o franco, não o ex-ditador, a moeda francesa. Nada mais? Jornalista: Tenho uma pergunta. Presidente: Faça. Jornalista: O senhor citou, Presidente, a próxima rodada da OMC. Gostaria de saber em que termos vocês trataram desse assunto, se vocês trataram. E se existe o apoio de Portugal para aquelas questões que o Brasil considera prioritárias, como, por exemplo, aquela questão dos subsídios agrícolas, do protecionismo. Presidente: A primeira parte, eu respondo. A segunda, quem pode responder é o Primeiro-Ministro. Nós tratamos, sim, dessa questão. E, até por sugestão do Primeiro-Ministro Guterres, vamos organizar um grupo contínuo de avaliação e de trabalho entre brasileiros e portugueses. Isso se desdobrará nas nossas Embaixadas, em Bruxelas e em Genebra, para o acompanhamento dessas questões. Porque temos uma visão comum, como o próprio Primeiro-Ministro acabou de dizer aqui, de que precisamos trabalhar por um sistema global que seja mais simétrico e - para utilizar a expressão que foi, inicialmente, do Primeiro-Ministro Lionel Jospin - dar uma cara humana à globalização. Cara humana se dá dando condições de acesso aos mercados. Agora, quanto à opinião sobre a política agrícola comum, prefiro que o Primeiro-Ministro diga ele próprio. Primeiro-Ministro: A situação do Brasil e de Portugal é distinta, na medida em que o Brasil participa diretamente nas negociações comerciais e Portugal é representado pela União Europeia. Portanto, aquilo em que nós cremos é trabalhar no interior da União Europeia para que as posições da União Europeia possam evo-

314 PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO luir no sentido que favoreça, quer o êxito da rodada da OMC, quer o progresso rápido das negociações com o Mercosul. Nesse sentido, reconhecemos que uma das questões mais delicadas tem a ver com as consequências da política agrícola comum. E, por isso, Portugal apresentou, recentemente, uma proposta de reforma da política agrícola comum, que, naturalmente, é a nossa base de trabalho e de contributo para uma forma que será indispensável, dado o alargamento da União e as consequências que esse alargamento terá na vida interna da agricultura europeia. Mas a proposta portuguesa, se fosse aceita, estamos convencidos de que resolveria uma grande parte das dificuldades ainda existentes. Em qualquer caso, é uma base de trabalho que desejamos seja um dos elementos de pressão e influência no interior da Europa para criar condições compatíveis para que os acordos indispensáveis sejam possíveis. Gostaria, aqui, de dizer com muita clareza: a Europa tem de perceber que o êxito das negociações com o Mercosul é uma questão estratégica, vital para a própria influência da Europa na cena internacional. Se as negociações entre a Europa e o Mercosul falharem, a Europa perde, e perde significativamente, na sua capacidade de intervenção na escala mundial, porque precisamos de uma estrutura multipolar. E uma estrutura multipolar exige a capacidade de um inter-regionalismo aberto com aqueles que têm efetiva capacidade de afirmação na escala mundial. E o Mercosul é uma dessas entidades. Se perdermos esta oportunidade, não tenho dúvidas de que o mundo ficará condenado a uma lógica politicamente desestruturada, com uma única potência hegemónica. Presidente: Última questão. Jornalista: Senhor Presidente, pegando as palavras do Senhor Primeiro-Ministro no esquema multipolar, não acha que a Europa deve ser o interlocutor privilegiado do Brasil, até para contrabalançar um certo asfixiamento por parte dos Estados Unidos, que são a potência hegemónica daqui, da região?

PALAVRA DO PRESIDENTE i- SEMESTRE 2001 315 Presidente: Eu acho que a Europa deve ser, realmente, o interlocutor privilegiado do Brasil. Nós temos feito um esforço nessa direção. Isso nos interessa. Não porque nos sintamos asfixiados. Jornalista: Eu falei em tentativa. Presidente: Na verdade, os Estados Unidos estão oferecendo também um acordo, que é a Alça. O problema do Brasil é semelhante ao que disse o Primeiro-Ministro: é que, para que nós possamos ter uma ação mais efetiva em nível global, precisamos estar relacionados não com um só pólo, mas com os vários pólos. É nesse sentido que é fundamental que haja uma interlocução privilegiada com a Europa. Não para nós não falarmos com os Estados Unidos, mas para que nós possamos falar no mesmo tom de voz com todos os países do mundo. Muito obrigado aos Senhores.