inverno Walter Salles Além da estrada



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Transcrição:

inverno N 34 Além da estrada Walter Salles Com Na Estrada, filme baseado no clássico escrito por Jack Kerouac, o cineasta brasileiro se consagra como mestre do road movie

Quadrante Sul Styling_Henrique Steyer Foto_Federico Cedrone Assista as versões do making of da produção fotográfica da Charm Collection

QUERIA VOLTAR NO TEMPO E APRECIAR NOVAMENTE O QUE ERA BELO. QUERIA VER... florense.com/charm

N 34 sumário Pé na estrada, 12 Filme exibido no Festival de Cannes consagra o cineasta Walter Salles como mestre do road movie Pelo minimalismo, 18 Um dos mais revolucionários arquitetos atuais, Chad Oppenheim despreza a grandiloquência Onipresença, 26 Tim Goodman é uma das principais estrelas da nova geração de designers gráficos de Nova York Terreno fértil, 44 Nelson Rodrigues completaria 100 anos em 2012. Ruy Castro psicografou entrevista com ele Templo da música, 48 Theatro Municipal de São Paulo se projetou como epicentro das atividades culturais da capital Talentos renovadores, 56 Geração dos grandes nomes da música popular brasileira chega aos 70 anos venerada pelo público Tudo pelo social, 62 Guga mostra ser um filantropo e empresário comprometido com projetos beneficentes Peninha, 66 Jornalista Eduardo Bueno descobriu filão da história do Brasil contada de forma mais atraente Dos muros às galerias, 70 Antes estigmatizado, Nunca pertence ao grupo de grafiteiros que subiu na escala social A Viena de 1900, 74 Art noveau austríaco revelou gênios que talvez tivessem mais visibilidade se não fosse a guerra Mania por bichos, 78 Estrela de vários filmes de Woody Allen, Diane Keaton fala sobre relacionamentos humanos Tal pai, tais filhos, 82 Filhos do show business crescem ou mimados em excesso ou padecem de uma orfandade virtual A luz de Lucerna, 84 Muitos já a descreveram como a cidade que melhor corresponde à ideia geral que se faz da Suíça Chef premiada, 92 Criatividade de Helena Rizzo colocou o paulistano Maní entre os melhores restaurantes do mundo Estante, 98 Cursos de Ana Maria Bahiana viraram livro que indica caminhos cinematográficos Estante design, 99 Crisálidas reúne a estética e o glamour decadente da androginia pelas lentes de Madalena Schwartz Fonotipia, 100 Documentário Raul, o início, o fim e o meio traz trilha sonora com surpresas criadas por Raul Seixas Nas telas, 101 Diretor Ridley Scott apresenta revisitação antecipada de um de seus maiores sucessos: Alien revista 18 ipad Foto capa: Alberto Pizzoli / Afp Photo 12 Gregory Smith

N 34 EDITORIAL Ponto de chegada Há novamente um ponto em comum entre as diversas personalidades e temas reunidos nesta edição: todos mereceriam figurar na capa. Com tantos talentos reunidos por jornalistas, fotógrafos ou ilustradores, a tarefa nunca é fácil e segue parâmetros variáveis, mas sempre prazerosos. Diante da boa repercussão que o projeto editorial da Florense vem alcançando, a partir inclusive da definição da primeira página de cada edição, pode-se concluir que nossas escolhas têm sido acertadas. No presente caso, prevaleceu a coincidência da circulação da revista com o lançamento no Brasil do mais recente trabalho de Walter Salles (foto), hoje um dos cineastas brasileiros mais conhecidos no mercado mundial: Na Estrada, baseado na obra clássica do escritor Jack Kerouac. Embora não tenha alcançado a Palma de Ouro, o filme fez bonito no recente Festival de Cannes. Com maestria, ele mantém um tema central proposto há tempos pelo diretor, cujas obras de ficção beiram o documental ao falar de buscas, de errâncias, de estradas que abrigam personagens à procura de um ponto de chegada numa metafórica e eterna viagem. Outros viajantes aportaram nesta edição, muitos deles responsáveis por obras que refletem sobre a passagem do tempo ou simplesmente sobre o tempo em que vivemos, como o arquiteto Chad Oppenheim, que foi ouvido pela Florense durante sua estada no Brasil para participar da programação do Boomdesign; e o designer Tim Goodman, presença acentuada no cotidiano nova-iorquino. Por falar em tempo, homenageamos também o centenário de nascimento do escritor e jornalista Nelson Rodrigues com uma entrevista psicografada por seu biógrafo, nosso colaborador Ruy Castro. Isso sem falar na comemoração dos 70 anos de vida dos mais representativos nomes da música popular brasileira, em constante e jovial atividade. Outros protagonistas integram esta edição, em que as principais tendências da arquitetura e do design estão presentes, ao lado dos principais acontecimentos do cenário cultural brasileiro. Boa leitura. Renato Henrichs Editor

apresenta o novo showroom Belo Horizonte RUA SANTA CATARina 605 LOURdes (31) 3287 2040

N 34 colaboradores CRISTIANO DIAS Fabrício Rodrigues Garcia MIRIAM Scavone começou a carreira profissional no jornal O Tempo, de Belo Horizonte. Passou pela Veja, depois pelo Jornal do Brasil, pela America Online e pela revista Trip. Hoje, trabalha na editoria de Internacional do jornal O Estado de S. Paulo. É fã de Jason Alexander, Art Vandelay e Chad Oppenheim, com quem conversou em uma tarde chuvosa da capital paulista. o Manohead, é natural de Garopaba, no litoral catarinense. Caricaturista e ilustrador, está no mercado desde 2007, colaborando com várias revistas e jornais do Brasil. Recentemente, foi indicado ao HQ- Mix como melhor caricaturista de 2011. Manohead possui em torno de 20 premiações em salões de humor, dentro e fora do país. Jornalista há mais de 20 anos, formada pela Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo e advogada com formação na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Atuou na Editora Abril, em especial como subeditora da Veja São Paulo, e foi também editora sênior de Claudia. Responde na Florense pela coluna Estante Design. Paula Lobo é fotógrafa, mora em Nova York e viaja o mundo documentando danças clássicas e modernas. É colaboradora do The New York Times e já participou de exposições fotográficas no Brasil e nos Estados Unidos. Em breve, vai estrear como apresentadora em um programa de TV sobre dança, fotografia e viagem para o canal Multishow. Xavier Bartaburu é jornalista, fotógrafo, músico e viajante. Trabalhou como editor nas revistas Os Caminhos da Terra e Próxima Viagem. Hoje, colabora com diversas publicações, corre o mundo pesquisando manifestações da cultura popular em vias de extinção e escreve para livros de arte, como Pantanal: o último Éden, com fotos de Valdemir Cunha, e Yuba, com fotos de Lucille Kanzawa. Heloisa Seixas Escritora e jornalista, durante quase dez anos escreveu a coluna Contos mínimos, primeiro na Folha de S.Paulo e depois na revista Domingo, do Jornal do Brasil. Carioca, Heloisa é autora de mais de dez livros, publicados por várias editoras. Nesta edição, ela aborda seu contato com a estética art-nouveau austríaca. Na foto, a escritora na frente da foto de Gustav Klimt. ISSN 1806-3292 Revista Florense é uma publicação trimestral da Fábrica de Móveis Florense Ltda. Presidente Lourenço Darcy Castellan Vice-Presidente Gelson Castellan Gerente de Marketing Mateus Corradi Editor Renato Henrichs Editor de arte Vanderlei Venturin Design Marcelo Claudius Venturin, Mirna Ghizzo Impressão Coan Gráfica e Editora Redação/Publicidade Av 25 de Julho 4090 Cep 95270-000 Flores da Cunha RS Tel (54) 3292.7300 revistaflorense@florense.com.br Emissões de gases de efeito estufa relativos à produção e distribuição da Revista Florense estão sendo neutralizados com restauração florestal, em acordo com a The Green Initiative

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CAPA Com o pé na estrada Walter Salles Texto Maria Lucia Rangel Alberto Pizzoli / Afp Photo

Gregory Smith Um dos cineastas brasileiros mais conhecidos no mercado internacional, Walter Salles amplia seu interesse por filmes de viagem Walter Salles não esconde o cansaço pelo trabalho que consumiu seus últimos oito anos. Mas Na Estrada finalmente saiu do papel, passou no Festival de Cannes no mesmo dia que estreava em Paris e começa agora a ser exibido para os brasileiros. O diretor não quer pensar em projetos futuros. Só deseja o silêncio. Afirma que não se chega impunemente ao final de um processo como o deste filme. Está exausto. Na Estrada, tradução literal de On the Road, o romance beat de Jack Kerouac, vem confirmar o gosto do diretor por filmes de estrada. É o quarto de sua carreira, depois de Terra Estrangeira, Central do Brasil e Diários de Motocicleta, uma fixação que começou quando tinha 17 anos e assistiu Passageiro, Profissão Repórter, de Antonioni. Aos poucos, Waltinho está indo cada vez mais longe em suas andanças cinematográficas e aprendendo cada vez mais, como conta em entrevista à Florense. Lembro que vi o filme de Antonioni num cinema perto daqui, o Caruso ficava em Copacabana e não existe mais. Quando acabou a sessão, eu tinha vivido uma emoção desconhecida, tão intensa que não consegui sair da cadeira. Os créditos terminavam, as luzes foram se apagando e, finalmente, o lanterninha me tirou do lugar, já que era a última sessão. Ele não sabe se foi o filme que determinou o que iria fazer no futuro, mas tem certeza que foi um dos pontos de inflexão que depois apontaram na direção do cinema. O interesse por filmes de estrada, como Alice nas Cidades e Paris Texas, de Wim Wenders, veio do fato dos personagens precisarem se distanciar do ponto de partida para entenderem melhor quem eles eram. E, ao mesmo tempo em que eram mais interessados pelo desconhecido do que pelo que já lhes era familiar, carregavam a dor da perda, que é inevitável. À medida que você parte de algum lugar, está sempre deixando um pedaço de você para trás. Então, a minha paixão pelo filme de estrada vem por esta possibilidade de você, com o deslocamento, conseguir entender não somente melhor o mundo, mas você mesmo. Em 1951, entorpecido por benzedrina e café, inspirado pelo jazz, Jack Kerouac escreveu, em três semanas, a primeira versão de On the Road. O livro, de inspiração autobiográfica, só foi editado seis anos depois. Conta a história do

CAPA Gregory Smith jovem escritor Sal Paradise (o próprio Kerouac), cuja vida é sacudida e transformada com a chegada de Dean Moriarty (seu amigo Neal Cassady), vindo do Oeste com a namorada Marylou. Juntos, viajam pelos Estados Unidos e México em busca da última fronteira e à procura deles mesmos. A obra tornou-se um clássico e influenciou todos os movimentos de vanguarda. Mas, no ano de seu lançamento, apesar da excelente resenha publicada no New York Times, On the Road foi bastante criticado, como lembra Walter: Foi atacado com violência por alguns escritores, como Truman Capote, para quem aquilo não era literatura, mas datilografia, John Updike, Gore Vidal. A sorte do Kerouac foi a crítica positiva no New York Times, feita pelo escritor Gilbert Millstein, já que o crítico do jornal estava de férias. Quando leu o livro pela primeira vez, aos 18 anos, Walter ficou muito impactado pela liberdade dos personagens, com a narrativa ritmada pelo jazz e be bop e também pela maneira como o sexo e as drogas eram utilizados como formas de ampliação da nossa visão do mundo: Não eram simplesmente drogas recreativas, mas aquilo que permitia escrever um poema, escrever um livro inteiro ou explorar o subconsciente de uma forma ainda desconhecida. Tudo isso, aos 18 anos, era o admirável mundo novo. Estávamos em meados de 1970, o Brasil sob regime militar, a ditadura, a censura na cultura e na vida política, a incapacidade do movimento, já que as estradas brasileiras estavam, volta e meia, bloqueadas por controles. O livro é o exato contracampo de tudo que se vivia no Brasil nos anos 70. E também o exato contracampo do que se vivia no seio das famílias, como a minha. Então, para mim, o livro foi uma viagem e uma paixão de juventude que nunca esqueci. Ele o releu várias vezes, uma delas pouco antes de começar a filmar Diários de Motocicleta, pois queria impregnar-se do desejo que levava aqueles personagens para a frente e da sede de liberdade que carregavam: Não pensava ainda em filmar On the Road, mas sabia que as duas histórias tinham um ponto em comum e daí a ideia de lê-lo. O produtor de On the Road, Francis Ford Coppola, sonhava em produzir o filme desde 1979. No entanto, as primeiras tentativas de adaptação do romance para a tela, segundo Walter, começaram bem antes, logo após sua publicação, em 1957. Terminavam sempre com a morte do personagem principal, Dean Moriarty (Garrett Hedlund). Estas primeiras tentativas de adaptação terminavam sempre com a morte dele num acidente de automóvel. Ou seja, os primeiros roteiros puniam este personagem incandescente e libertário, diz Walter. Para ele, o filme nunca se concretizou nos Estados Unidos porque este personagem é desconfortável para a cultura puritana do país. Por isso, lembra que talvez não seja coincidência o projeto finalmente acontecer graças a uma produtora independente francesa, a MK2, que, no passado, produziu Kieslowski e, hoje, produz Kiarostami, Olivier Assayas e até Godard, todos diretores que ele admira muito. A parceria 14,15

Fixação por filmes de estrada começou quando Salles assistiu Passageiro, Profissão Repórter, de Antonioni Para Salles, livro é o exato contracampo de tudo que se vivia no Brasil nos anos 70 com Coppola começou em 2004, logo depois da exibição de Diários de Motocicleta no Festival de Sundance, quando conheceu Bobby Rock, um dos diretores da American Zoetrope (a companhia de Coppola e filhos), e conversaram sobre a possibilidade de adaptação de On the Road. Algum tempo depois, ficou conhecendo Roman Coppola, cineasta e roteirista, filho do diretor, seu interlocutor constante. O pai, como estava filmando, participou de etapas distintas do processo: Fui conhecê-lo em Los Angeles explica Waltinho e depois nos encontramos para conversar sobre as adaptações que já tinham sido feitas e a que nós fizemos. É uma pessoa muito aberta, simpática e absolutamente brilhante, assim como o filho Roman. Pergunto pelo elenco. O filme começou a ser produzido em 2004 e os testes com atores foram feitos em 2006, 2007. Como conseguiu que eles estivessem disponíveis tanto tempo depois? Os testes foram feitos nas costas Leste e Oeste dos Estados Unidos. Foi num deles que surgiu, por exemplo, o Garrett Hedlund, que, na época, não tinha feito quase nada. Lembro que ele veio do sítio do pai, imigrante da Suécia, no interior de Minesota. A cidade grande mais próxima de onde ele morava era Fargo, onde os irmãos Cohen filmaram. Convidei, nessa época, tanto atores mais conhecidos, como a Kirsten Dunst, de quem sempre admirei a precisão e a capacidade de expressar com muito pouco, sempre da forma mais justa possível, até a Kristen Stewart, então com 16 anos e praticamente uma desconhecida. Soube dela pelo Gustavo Santaolalla, autor da música de Diários de Motocicleta e agora de On the Road. Ela estava chegando da Costa Oeste americana, em companhia de Alejandro Gonzáles Iñárritu, onde tinham assistido ao primeiro corte do filme de Sean Penn, Na Natureza Selvagem, e me avisaram para não procurar mais uma atriz para o papel de Marylou, pois tinham conhecido a Kristen Stewart. Lembro que anotei o nome para não esquecer. Ainda não tinha estreado a série Crepúsculo, com a qual se tornou conhecida internacionalmente. Outra que não era famosa, Elisabeth Moss, a Galatea do filme, hoje é uma das protagonistas da cultuada série de TV Mad Men. Todos eles ficaram fiéis ao projeto e nós continuamos fiéis a eles, já que tínhamos uma paixão em comum, que era o livro. Todos conheciam o livro a fundo. Kristen Stewart comentou com Walter que era seu livro de cabeceira. Viggo Mortensen (Old Bull Lee no livro, na realidade o escritor William Burroughs), não só conhecia o livro como fez uma pesquisa vertical: chegou para conhecer o diretor com a roupa que o Bull Lee usaria, com os revólveres que ele tinha utilizado na época, a máquina de escrever Underwood que ele utilizava e com uma pesquisa pronta sobre o que Burroughs lia no momento, que era Céline. Viggo estava revisitando toda a obra de Céline. Daí uma improvisação acrescentada ao filme sobre o escritor francês. Um momento muito interessante, quando os últimos convites são feitos e o filme tendo se tornado algo concreto, em meados de 2010, foi perceber que os atores que se juntaram ao projeto também tinham paixão pelo livro. Para quem fez o filme, acho que o maior presente que teremos será a descoberta do livro pela nova geração. O retorno à obra de Kerouac é de longe aquilo que pode acontecer de mais importante. A nova geração também ouvirá a música do tempo de Kerouac. Ele e Neal Cassady entendiam profundamente de jazz e be pop, lembra Waltinho. Quando estudava em Columbia, Kerouac tinha como colega de quarto Jerry Newman, apaixonado por jazz, numa época em que esse estilo musical não tinha chegado ao Village, mas era ouvido no Harlem. Até então, Kerouac gostava das big bands: A partir das investidas no Harlem ele se torna um profundo admirador daquela forma de expressão, que, como diz muito bem o crítico musical Roberto Muggiatti, já prenunciava o Action Painting do Pollock, o Actor s Studio de James Dean e Brando, os quadrinhos de Jules Pfeiffer, o novo jornalismo do Village Voice. Era a ponta de lança de todo um processo de transformação cultural e comportamental que iria varrer os Estados Unidos e implodir a cultura do medo dos anos 50. O filme recupera Slim Gaillard e vários músicos do be bop citados no livro. Um dos momentos mais prazerosos da filmagem foi quando, já na segunda etapa, Walter Gregory Smith

CAPA cruzou os Estados Unidos de ponta a ponta a bordo de um velho Hudson, tentando entender onde estava aquela última fronteira de que falou Kerouac. Com ele, Garrett Hedlund e seis pessoas da equipe. É uma viagem de juventude que aponta para direções diferentes, pois, com 20 anos, não se sabe o que se vai encontrar do outro lado do caminho, mas existe a busca. E o que dá sentido a esta busca é que o personagem principal está escrevendo um livro. Isso é que permite que esses valores de desenvolvimento, que partem muitas vezes em direções opostas, tenham uma unidade. A unidade vem do fato de que todas essas experiências, vividas à flor da pele e não por procuração, estão alimentando a feitura do livro. Tanto o livro Na Estrada como o filme são sobre isso: a feitura de um livro. O que mais o surpreendeu durante as filmagens foi a oposição entre a última fronteira, que ainda é a América Latina, de Diários de Motocicleta, e esse território ocupado e homogeneizado que é a geografia norteamericana hoje: Você faz mil quilômetros e parece que chegou ao mesmo lugar. Porque os centros das cidades, do Alabama até o Nebraska, estão desocupados e os novos centros foram construídos no subúrbio, em volta do Walmart e das cadeias de fast food. Isso criou uma geografia que se multiplica e se multiplica... É desesperador. Se aquilo é um futuro, eu não gostaria de participar dele. Depois de tanto tempo, Walter se pergunta se teria passado por esta odisseia se soubesse que iria demorar oito anos. Admite que é possível que não: Quando se começa um filme, nunca se sabe o que vai acontecer, ao contrário de um trabalho solitário como o da fotografia, que te permite uma liberdade absoluta com o teu tempo. Tenho muita vontade de voltar à fotografia, por onde comecei. Poderei, na maioria das vezes, determinar para onde irei no dia seguinte. Na trilha de Jack Kerouac Foi somente em 1984 que os brasileiros puderam ler On the Road em português, editado pela Brasiliense, com tradução de Eduardo Bueno e Leonardo Fróes. Demorou exatos 27 anos para que o clássico beat de Jack Kerouac aqui aportasse, com o nome de Pé na Estrada. E não fez feio. Naquele mesmo ano, só não ultrapassou em vendagem O Nome da Rosa, de Umberto Eco. Em 2004, a L&PM Pocket lançou nova edição, com tradução revista de Eduardo Bueno. Em dezembro de 2011, uma reedição veio com prefácio e posfácio de Bueno, considerados por Walter Salles fenomenais. O Eduardo Bueno conhece este assunto a fundo e considero a tradução dele para o português melhor do que qualquer outra tradução mundo afora. Quando menciono que On the Road é um dos livros mais furtados das livrarias norteamericanas, Walter lembra que um dos livros mais importantes da contracultura americana é justamente Steal this Book (Roube este Livro), de Abbie Hoffman: O Barry Gifford, que escreveu uma biografia extraordinária sobre Kerouac, O Livro de Jack, lembra que não só On the Road, mas os outros livros de Kerouac dificilmente eram encontrados nos anos 89 e 90, já que não tinham nada a ver com os anos Reagan e Bush. Mas, hoje, há todo um interesse neles, e três estão sendo adaptados para o cinema. O nosso, Big Sur, é um momento da vida de Kerouac que precede On the Road, meio um caso policial em que um amigo esfaqueou uma pessoa e ele se viu envolvido no caso. Por fim, Walter Salles está concluindo um documentário onde refez a trilha do livro e entrevistou pessoas que deram origem aos personagens e também poetas da geração beat: No caso, Gary Snyder, Diana Di Prima, Lawrence Ferlinghetti e Michael McCure, jovens de 70 e poucos anos. Na verdade, só preciso terminar, já que ele fecha com a realização do filme. Mas ele admite que o mais interessante dos filmes de estrada não é o que está no centro dela, mas à margem. Cita o exemplo de Nova Orleans. Quando chegou à região onde morou William Burroughs, o local vivia a tragédia do Katrina. Pudemos conversar com aquelas pessoas e entender o abandono em que se encontravam naquele momento em que Bush invadiu o Iraque. Fui duas ou três vezes a Nova Orleans. Por fim, a cidade já tinha normalizado alguns serviços básicos e a reconstrução havia se iniciado. Lembro bem que, na rua do Burroughs, havia um carro virado de cabeça para baixo e escrito na lateral o Iraque é aqui. São mais de cem horas de filmagens para o documentário. Ainda não chegou a hora do descanso. 16

O gênio das linhas retas Texto Cristiano Dias Chad Oppenheim se define como um hedonista fanático, um arquiteto cujas ferramentas principais são o sol, o ar e a terra

ARQUITETURA E se houvesse um prédio pintado com tinta orgânica, que usasse madeira reciclada e turbinas eólicas para produzir energia? Já pensou em um condomínio de 15 andares formado por módulos acoplados de acordo com o gosto dos moradores? As ideias parecem tiradas de um roteiro hollywoodiano de ficção científica, mas saíram da cabeça de um garoto criado nos subúrbios de Nova York e formado na Universidade de Cornell. A arquitetura vai muito além daquilo que você vê. Para mim, ela é o que você sente, diz Chad Oppenheim, um dos mais revolucionários arquitetos do momento. Hoje, existem cerca de 100 mil metros quadrados no mundo sendo concretados com base no dinamismo de Oppenheim: a casa de um diretor de cinema na Califórnia, um resort escavado na rocha no deserto jordaniano e o rejuvenescimento de um hotel de Las Vegas, que custou 1,2 bilhão de dólares. Sua grande paixão, no entanto, é a cidade de Miami, uma fixação moldada, segundo ele, pelo apelo tropical de Miami Vice, um seriado de TV dos anos 80. A série mostrava casas interessantes e prédios lindos. Miami é a cidade do futuro, uma metrópole urbana tropical, diz. Ele concedeu entrevista à Florense em sua passagem por São Paulo, durante uma breve interrupção de suas férias no Brasil. Na conversa, ficou evidente que sua fonte de inspiração é a natureza. Oppenheim se define como um hedonista fanático, um arquiteto cujas ferramentas principais são o sol, o ar e a terra. Para mim, o edifício é uma maneira de dar forma ao mundo natural. De acordo com sua lógica, um projeto é bem executado quando ele se mistura com o ambiente. Não quero que meu prédio seja reconhecido. Meu objetivo é fazer com que ele desapareça. De fato, o que se revela do vanguardismo de Oppenheim é esse estranho paradoxo: um arquiteto que despreza a grandiloquência da arquitetura. Quase um antiarquiteto. Adoro a arte primitiva. Uma arquitetura sem arquitetos, afirma. Talvez por isso sua devoção pela linha reta, pelo minimalismo e pela urgência em não ser notado. Quando muito, ele deixa em sua obra aquilo que considera essencial. E nada mais. A seguir, os principais trechos da conversa com o nova-iorquino que usa o design para romper os limites da arquitetura. 20,21

A arquitetura vai muito além daquilo que você vê. Para mim, ela é o que você sente COR Tower, em Miami, seria o primeiro prédio ecológico de uso misto, com turbinas eólicas no topo Cube: condomínio de 15 andares composto por módulos em forma de cubos, um projeto afetado pela crise Como um garoto criado no subúrbio de Nova York tornou-se um arquiteto tão revolucionário? Eu viajei muito com meus pais, principalmente para a Europa. Na universidade, vivi e trabalhei em muitos lugares: Israel, Espanha, Itália, Japão. Aprendi muito nessas viagens. Para mim, a arquitetura tem relação com a experiência. Uma coisa é você ver uma foto de um prédio, outra é experimentar e entender esse lugar. Assim eu encaro o design. Faço um projeto com base na experiência, na sensação, e não naquilo que ele parece ser. Como você decidiu se mudar para Miami? Quando eu era criança, via muito Miami Vice. A série mostrava casas interessantes e prédios lindos. Depois de formado, estava a ponto de trabalhar para Rem Koolhaas (arquiteto e urbanista holandês), em Roterdã. Na época, muitos arquitetos sofriam com a falta de dinheiro. Estava esperando uma resposta de emprego quando decidi trabalhar em Miami. E como Miami influenciou o seu trabalho? Para mim, Miami é a cidade do futuro, uma metrópole urbana tropical. A única coisa parecida que conheço no mundo é o Rio de Janeiro. A diferença é que Miami é uma mistura entre Rio e São Paulo. É uma cidade de negócios com uma forte vocação para o lazer. Eu consegui capturar esse espírito e passá-lo para o design. Miami sempre vendeu a ideia de que é o lugar onde a vida é melhor. E as pessoas se mudam para Miami atrás desse sonho. Acho que consegui destacar isso no meu trabalho. Eu sou uma espécie de hedonista fanático. Adoro vida, comida, viagens. E a arquitetura que eu faço reflete as coisas que são importantes para mim. Você acha que o seu trabalho mudou a arquitetura da cidade? Acredite ou não, quando cheguei a Miami, fiquei decepcionado, porque a cidade era mais conservadora do que eu imaginava. Lá, a maioria das pessoas ainda busca uma arquitetura tradicional. Mas, aos poucos, consegui mostrar que é possível fazer um design limpo e moderno que seja funcional. Eu tento transcender a questão do estilo. Mesmo porque a arquitetura que eu mais gosto é a clássica, que tem centenas de anos. Por clássica você quer dizer greco-romana? Greco-romana, renascentista, neoclássica, até arquitetura primitiva. Eu amo a arte primitiva. É a arquitetura sem arquitetos. E isso é fascinante. Acho que há uma overdose de edifícios grandiosos. Eu tento fazer uma coisa que tenha alguma relação com a essência do lugar, valorizando elementos naturais, como o céu, a vegetação e o jeito com que o sol reflete na água. Acho que a arquitetura modernista no Brasil também tem esse respeito pela natureza. Há alguma influência da arquitetura brasileira no seu trabalho? Por mais estranho que pareça, eu não conhecia muito a arquitetura brasileira nos meus tempos de estudante. Hoje, ela tem se tornado cada vez mais influente na minha vida. Seguimos caminhos paralelos e temos os mesmos objetivos. Acho que tem tudo a ver com Miami, que dá essa leveza tropical ao trabalho e transmite muito mais prazer do que uma arquitetura como a nórdica, por exemplo, que é mais austera.

ARQUITETURA Wadi Rum Resort, no deserto da Jordânia: escavar quartos na rocha é algo feito há milhares de anos Chad Oppenheim classifica o Wadi Rum Resort de lindo, por ser uma mistura de passado e futuro Quais arquitetos mais influenciaram o seu trabalho? Grande parte das coisas que aprendi sobre arquitetura nem sei quem era o arquiteto. É o caso de vilas primitivas como Petra, na Jordânia. Arquitetos, cito alguns: Frank Lloyd Wright, Louis Kahn, Le Corbusier, Alvaro Siza, Jean Nouvel e Sverre Fehn. De onde você tira inspiração? Eu não penso em um objeto de maneira estática, mas envolvido em todos os sentidos. Tento valorizar coisas importantes, como alegria e prazer. Isso é o que me impulsiona. Há também um profundo respeito pela natureza, que, para mim, é a força-motriz. Muito do que eu faço é uma forma de conectar minha obra com a beleza natural do mundo. Meu projeto é uma maneira de dar forma ao mundo natural. Por isso, minhas ferramentas principais são o sol, o ar e a terra. O reflexo da lua, o nascer do sol, todos os elementos naturais são materiais muito baratos para se trabalhar. Se você conseguir usar as belezas naturais, a arquitetura se torna mais útil e poderosa. Como você descreveria o seu trabalho? Eu costumava chamar de minimalismo romântico. Depois, passei a achar que tinha mais a ver com uma espécie de essencialismo, em que só a essência permanece, nada mais. Honestamente, não sei. Ainda tenho que descobrir algum ismo. Mas tento fazer uma arquitetura que não seja datada. Quero criar prédios que não são nada além do que eles precisam ser. Comparando com a culinária, é como o processo de redução, em que você faz o líquido evaporar para diminuir o volume e intensificar o sabor da comida. Quanto mais simples melhor? Isso. Quero que as pessoas notem meus edifícios, mas que eles se misturem com o ambiente. Não quero que meu prédio seja reconhecido. Meu objetivo é fazer com que ele desapareça. 22,23

Você tem dois projetos revolucionários em Miami, a COR Tower e o Cube, ambos engavetados. Você tem esperança de que eles saiam do papel? Eles foram afetados pela crise financeira. A COR seria o primeiro prédio ecológico de uso misto, residencial e comercial. É uma torre de 115 metros, pintada com tinta orgânica, com turbinas eólicas no topo. Foi a minha maneira de dizer que é possível conciliar uma arquitetura poderosa e sustentável ao mesmo tempo. Para aprová-la, tive de convencer o cliente, que não queria gastar tanto dinheiro na construção. Eu disse que ele ganharia tanta exposição de mídia com o projeto que economizaria em publicidade. Foi exatamente o que ocorreu. O prédio se autopromoveu. Até hoje, recebo e-mails de gente querendo construí-la em sua cidade. E o Cube? O Cube é um condomínio de 15 andares composto por módulos em forma de cubos de 7,5 metros. Os moradores comprariam quantos quisessem e os encaixariam na vertical ou na horizontal, definindo a forma do prédio. O projeto foi feito para o mesmo cliente da COR e também foi afetado pela crise. Você gostaria de construí-los em outro lugar? Recebo propostas de lugares muito diferentes, como China e Canadá. Gostaria que fossem feitos em Miami, porque foram desenhados para aquele ambiente. Eles não têm nada a ver com Montreal ou Xangai. Sempre que me propõem construí-los em outro lugar, respondo que posso desenhar algo novo, mas não a COR ou o Cube. Como você vende um projeto tão revolucionário para alguém? O cliente não acha que você é louco por propor essas inovações? Basta provar que os projetos são mais eficientes. É uma questão de números. Normalmente, os clientes já chegam com uma ideia e querem fazer alguma coisa especial. Eles já sabem que é para fazer alguma coisa diferente. Você tem projetos no Brasil? Temos alguns em fase preliminar em São Paulo. No Rio, estamos analisando alguns projetos no Porto Maravilha (obras de revitalização do cais do porto), mas são coisas que não posso revelar ainda. O que eu realmente gostaria de fazer no Brasil é algum resort em Parati, Trancoso ou algum lugar do litoral que tivesse essa relação com a natureza. Passei os últimos dias nas ilhas de Angra, um dos lugares mais espetaculares que já fui. E olha que já rodei o mundo. Mas quantos projetos são? Não são tantos. Dá para contar em uma mão. Só no Rio e em São Paulo? Tem um também em Vitória, mas ainda muito embrionário. Por isso, não posso dar detalhes. Qual é o seu melhor projeto? Dos que foram executados, é minha casa, em Miami, porque ali eu fiz quase tudo o que eu quis. Mas há também um em Wadi Rum, no deserto da Jordânia (Wadi Rum Resort, que deve ser inaugurado em 2014). O projeto é interessante, porque escavar quartos na rocha é algo que é feito há milhares de anos. Mas é lindo, por ser uma mistura de passado e futuro.