Gengivite Ulcerativa Necrosante: diagnóstico, tratamento e caso clínico



Documentos relacionados
Patologias periodontais pouco frequentes O que fazer?

GENGIVITE ULCERATIVA NECROSANTE AGUDA. Opções de tratamentos disponíveis

YONARA CAETANO RIBEIRO DOENÇAS PERIODONTAIS NECROSANTES: TRATAMENTO PORTO VELHO - RO 2016 YONARA CAETANO RIBEIRO

CLASSIFICAÇÃO E EPIDEMIOLOGIA DAS DOENÇAS PERIODONTAIS

ESPECIALIDADE MEDICINA DENTÁRIA

DOS TECIDOS BUCAIS. Periodontopatias. Pulpopatias. Periapicopatias TIPOS: -INCIPIENTE -CRÔNICA -HIPERPLÁSICA. Causada pelo biofilme bacteriano

João Paulo de Lurdes Cerqueira

MEDICINA PREVENTIVA SAÚDE BUCAL

Inclusão do Cirurgião Dentista na Equipe Multiprofissional no Tratamento de Pacientes de Álcool e Drogas

DOENÇA PERIODONTAL NECROSANTE

VETSET HOSPITAL VETERINÁRIO DOENÇA PERIODONTAL

VAMOS FALAR SOBRE HEPATITE


Introdução. Doenças periodontais

DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO NÃO CIRÚRGICO DA DOENÇA PERIODONTAL E PERI-IMPLANTAR MAIO 2019

ODONTOLOGIA PREVENTIVA. Saúde Bucal. Periodontite. Sua saúde começa pela boca!

Resumo. Maurício Colin B. CORDEIRO*

ESPECIALIDADE MEDICINA DENTÁRIA

TABELA DE CÓDIGOS E NOMENCLATURA BONFANTE DENTAL CLINIC

TUDO O QUE VOCÊ DEVE SABER SOBRE: SAÚDE BUCAL

posição e/ou o aumento do tecido mole, bem como do tecido ósseo subjacente, em torno de dentes ou implantes

PROTOCOLO DE ATENDIMENTO EM PERIODONTIA 1 - DIAGNÓSTICO 2 - TRATAMENTO PERIODONTAL 3 - ACOMPANHAMENTO


Curriculum Vitae 2011

- Suas gengivas sangram quando você passa o fio dental, escova os dentes ou quando você mastiga alimentos duros?

Doença Periodontal na Infância

TUMORES DOS TECIDOS MOLES: FIBROMATOSE GENGIVAL SOFT TISSUE TUMORS: GINGIVAL FIBROMATOSIS

PROIMPERIO - CURITIBA - IN SURGERY

Mestre em Odontologia PUC-RS, Professor Adjunto da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.

Aula 12: ASPECTOS RADIOGRÁFICOS DAS LESÕES PERIODONTAIS

UNA-SUS Universidade Aberta do SUS SAUDE. da FAMILIA. CASO COMPLEXO 6 Dona Margarida. Fundamentação Teórica: Odontologia geriátrica

ASPECTO RADIOGRÁFICO DAS ALTERAÇÕES DO PERIODONTO

Avaliação da eficácia de um fluxograma como auxiliar no ensino de diagnóstico periodontal

Aspectos Microbiológicos das Doenças Periodontais. Profa Me. Gilcele Berber

A Patologia Oral em doentes HIV

Ciência e prática. Catarina Martinho. Introdução

PREFEITURA MUNICIPAL DO MORENO Concurso Público 2009 Cargo: Dentista Cirurgião Periodontista / Nível Superior CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS

Enceramento subgengival : controlando o perfil de emergência em reabilitações implantossuportadas

FEBRE REUMÁTICA DEPARTAMENTO CIÊNCIAS DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS BIOLÓGICAS E DA E SAÚDE MARCO AURÉLIO NEROSKY

Periodontite ulcerativa necrosante: tratamento físico da superfície radicular com Erbium YAG laser

TÍTULO: EFEITO DA TERAPIA PERIODONTAL NÃO CIRÚRGICA SOBRE O CONTROLE GLICÊMICO EM INDIVÍDUOS COM DIABETES TIPO2 E PERIODONTITE CRÔNICA: ENSAIO CLÍNICO

RESUMO DAS CARACTERÍSTICAS DO MEDICAMENTO

FOLHETO INFORMATIVO. TAGAMET 400 mg pó para suspensão oral Cimetidina

TERAPÊUTICA MEDICAMENTOSA EM ODONTOPEDIATRIA

Você sabe o que é cárie?

Lesões e Condições Pré-neoplásicas da Cavidade Oral

O CIOF é uma clínica de odontologia especializada que há mais de 13 anos é comprometida com saúde bucal e o bem estar de seus clientes.

Diprosalic pomada está indicada no tratamento inicial de psoríase em placas moderada a grave.

Abordagem a Linfonodomegalia Periférica. Guilherme Medeiros Reunião Clínica Real Hospital Português

PROGRAMA DE MEDICINA PREVENTIVA. Saúde Bucal

ESTUDO DE CASO CLÍNICO

ODONTOLOGIA PERIODONTIA I. 5º Período / Carga Horária: 90 horas

PREVENÇÃO E TRATAMENTO DAS DOENÇAS PERIODONTAIS PERIODONTIA

Enxerto de tecido conjuntivo com objetivo estético em prótese fixa

Adultos e crianças com mais de 6 anos: Uma pastilha 3 vezes ao dia. O tratamento não deve exceder os 7 dias.

do alvéolo preservação

Prof. M.e Welington Pereira Jr. Endodontista / Periodontista Mestre em Reabilitação Oral CRO-DF 5507

PROCESSO SELETIVO DE ACADÊMICO BOLSISTA

ESTOMATITE INESPECÍFICA EM RETRIEVER DO LABRADOR

VOCÊ ESTÁ SENDO ADMIRADO

ESTUDO DE CASO CLÍNICO

Curso de Atualização Clínica para CD da Estratégia Saúde da Família. Urgências Pulpares. Fábio de Almeida Gomes Universidade de Fortaleza

UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE MEDICINA DENTÁRIA

Manejo da Coinfecção TB-HIV

VIVER BEM ÂNGELA HELENA E A PREVENÇÃO DO CÂNCER NEOPLASIAS

CURSOS ICMDS Assistentes Dentários - Iniciação

ESPECÍFICO DE ENFERMAGEM PROF. CARLOS ALBERTO

FLEXIBILIDADE É A AMPLITUDE DE MOVIMENTO DISPONÍVEL AO REDOR DE UMA ARTICULAÇÃO OU DE UMA SÉRIE DE ARTICULAÇÕES. A FLEXIBILIDADE É IMPORTANTE NÃO

Capítulo 9. Dor Torácica. Capítulo 9. Dor Torácica 1. OBJETIVOS

SEVEN-YEAR-OLD INDIAN GIRL WITH FEVER AND CERVICAL LYMPHADENITIS THE PEDIATRICS INFECTIOUS DISEASE JOURNAL Vol. 20, No. 4, April, 2001.

Formulário de Garantia

INFECÇÕES RESPIRATÓRIAS E PRÁTICA DESPORTIVA. Arminda Guilherme Serviço de Imunoalergologia Centro Hospitalar Gaia / Espinho, EPE

SAÚDE BUCAL. Cuidados Problemas Tratamento Dicas

Procedimentos Cirúrgicos de Interesse Protético/Restaurador - Aumento de Coroa Clínica - Prof. Luiz Augusto Wentz

Febre periódica, estomatite aftosa, faringite e adenite (PFAPA)

HIGIENE BUCAL SAIBA A IMPORTÂNCIA E AS VANTAGENS DE UMA BOA HIGIENE ORAL

Saúde Bucal e Demência Prevenção e Tratamento

Dilemas Diagnósticos entre Tonsilite Viral e Bacteriana

INTER-RELAÇÃO ENTRE A OBESIDADE E DOENÇA PERIODONTAL: UMA REVISÃO DA LITERATURA ATUAL

Dengue, Chikungunya, Zika. O que são Transmissão Sintomas Tratamentos Prevenções

CIRURGIA PERIODONTAL

Leia estas instruções:

NOTA TÈCNICA EBOLA SITUAÇÃO NA AFRICA E CONDUTAS PARA PROFISSIONIAS DE SAÚDE

CALSAN COMPRIMIDO MASTIGÁVEL

METODOLOGIA DO EXAME CLÍNICO

Doenças gengivais induzidas por placa

Líquen plano reticular e erosivo:

A IMPORTÂNCIA DA VACINA CONTRA ROTAVÍRUS NA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA

Disciplina de Odontologia em Saúde Coletiva I Aula Etiologia de outros problemas de Saúde Pública

FRATURA DE MANDÍBULA SECUNDÁRIA À DOENÇA PERIODONTAL EM CÃO: RELATO DE CASO

ODONTOLOGIA PREVENTIVA. Saúde Bucal. Odontogeriatria. Para você que já completou 60 anos.

PUBLICAÇÕES CIENTÍFICAS

curso dentes inclusos 4ª edição learning Dárcio Fonseca André Macedo 2-4 dezembro

CARGA HORÁRIA 103,50 Horas - (71,50 Horas teóricas + 32 horas práticas Estágio Clínico Observacional)

Introdução do teste diagnóstico antigénico rápido do Streptococcus grupo A, nos cuidados de saúde primários

Hot Yoga : Questões fisiológicas na pratica de Yoga em sala aquecida

Transcrição:

Gengivite Ulcerativa Necrosante: diagnóstico, tratamento e caso clínico 116

Introdução A Gengivite Ulcerativa Necrosante (GUN) é uma infecção gengival oportunista de origem bacteriana. De acordo com a classificação das doenças periodontais, segundo o International Workshop for the classification of periodontal diseases and conditions, de 1999, a GUN, juntamente com a Periodontite Ulcerativa Necrosante (PUN) faz parte da categoria das doenças periodontais necrosantes. Ambas são caracterizadas pela destruição rápida e debilitante dos tecidos periodontais e parecem representar diferentes estádios da mesma doença (Armitage, AAP, 1999). Apesar da GUN estar relacionada com a acumulação de placa bacteriana nas superfícies dentárias e ao seu redor, o que porventura espelha uma deficiente higiene oral, esta tem na sua origem agentes etiológicos distintos dos responsáveis pela gengivite marginal (Fenoll e Pérez, 2004). Os primeiros relatos de GUN remontam ao século IV a.c. e esta entidade patológica tem vindo a ser descrita segundo várias designações como: doença de Vincent, gengivite fuso-espiroquetária, boca de trincheira, doença de Bergeron, gengivite séptica aguda, etc. É uma doença relativamente rara, encontrada geralmente em adultos jovens, indivíduos imunocomprometidos ou crianças subnutridas e a sua incidência tende a aumentar com o stress psicológico e físico, associados a uma deficiente nutrição, pelo que não se considera surpreendente que documentos históricos antigos tenham origem no Francisco Brandão de Brito Francisco Brandão de Brito. Médico Dentista. Especialização em Periodontologia pela Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa (FMDUL). Mestrado em Periodontologia pela FMDUL. Docente do departamento de Periodontologia da FMDUL. Prática clínica exclusiva em Periodontologia e Implantologia. Ricardo Narciso. Licenciado em Higiene Oral pela FMDUL. Roque Braz de Oliveira. Médico Dentista. Pós-graduado em Prostodontia pela Universidade de Nova Iorque (NYU). Pós-graduado em Implantologia pela NYU. Prática clínica exclusiva em Reabilitação Oral. Nuno Braz de Oliveira. Médico Dentista. Pós-graduado em Ortodontia pela NYU. Prática clínica exclusiva em Ortodontia e Reabilitação Oral. Director da Clínica Dental Face. 117

exército, especialmente em tempo de guerra (Rowland, 1999). Após a II Guerra Mundial a prevalência da GUN decresceu substancialmente, sendo actualmente uma doença rara nos países industrializados. Num estudo de López et al, de 2002, com uma amostra de 9.203 estudantes entre os 12 e os 21 anos, encontrou-se uma prevalência de GUN estimada em 6,7%, sendo mais frequente em indivíduos entre os 18 e os 21 anos e entre indivíduos diabéticos (López et al, 2002). Nos países ocidentais é raro encontrar GUN em crianças, mas nos países em desenvolvimento é relativamente comum encontrar casos que ocorrem durante a primeira infância (Fenoll e Pérez, 2004). Nos últimos anos, as doenças periodontais necrosantes têm vindo a ser alvo de maior atenção, uma vez que se apresentam, com alguma frequência, em pacientes seropositivos para o HIV- entre 1 a 11% (Fenoll e Pérez, 2004). Desenvolvimento As manifestações clínicas da GUN são diferentes das restantes doenças periodontais. Na GUN é detectável d o r espontânea, moderada a severa, que fica exacerbada com o toque ou mastigação; hemorragia gengival que ocorre com pouca ou nenhuma manipulação dos tecidos e que resulta de um elevado grau de inflamação e necrose, com exposição do tecido conjuntivo; necrose das papilas interdentárias, em forma de cratera, que se pode estender até à margem gengival e que aparece principalmente na mandíbula e mais na zona vestibular. Entre a margem da zona necrótica e o tecido gengival não afectado aparece um eritema linear. Se uma destas três manifestações clínicas estiverem ausentes, não se pode chegar a um diagnóstico de GUN (Rowland, 1999). Existem, porém outros sinais/sintomas que podem contribuir para o diagnóstico de GUN, embora não tenham que estar obrigatoriamente presentes. Eles são: pseudomembrana, branco-amarelada ou cinza, composta por fibrina, tecido necrótico, células inflamatórias, eritrócitos e aglomerados de bactérias vivas ou mortas, que cobre as zonas necróticas e quando removida expõe o tecido conjuntivo sangrante; hálito fétido que varia de intensidade e grau; febre e mal-estar geral; linfoadenopatia da cadeia ganglionar mandibular e às vezes da cadeia cervical (mais comum em crianças); tendência para a recorrência, as lesões necróticas originais dão origem a papilas aplanadas ou mesmo invertidas, o que favorece a acumulação de restos alimentares, fazendo com que a reacção inflamatória tenda a reaparecer (Corbet, 2004). O diagnóstico de GUN é baseado nas manifestações clínicas descritas anteriormente. Dentro destas, as que estão sempre presentes são a dor, as ulcerações interdentárias e a hemorragia gengival. O exame histopatológico das lesões periodontais necrosantes não é patognomónico de GUN, pelo que a biopsia não está indicada (Holmstrup e Westergaard, 2008). A GUN pode ser confundida com outras doenças da mucosa oral, nomeadamente com a gengivoestomatite herpética primária (GHP), pelo que o diagnóstico diferencial deve ser considerado. Se a temperatura corporal estiver substancialmente elevada (38ºC ou mais) deve-se suspeitar de GHP. Por outro lado, a GUN aparece limitada às papilas interdentárias ou gengiva marginal enquanto a GHP ocorre na gengiva livre, gengiva aderida ou na mucosa alveolar. Na GHP o eritema apresenta-se mais difuso, podendo envolver toda a gengiva e parte da mucosa alveolar. As lesões vesiculares da GHP, que quando rebentam produzem pequenas úlceras rodeadas por um eritema difuso, aparecem também nos lábios, língua e mucosa alveolar. A GUN e a GHP podem aparecer simultaneamente no mesmo paciente e neste caso aparecem lesões fora da gengiva e a febre e o mal-estar tendem a ocorrer mais frequentemente do que nas lesões de GUN isoladas. Outras patologias da mucosa oral com as quais se deve fazer diagnóstico diferencial incluem gengivite descamativa, penfigoide benigno, eritema multiforme, gengivite estreptocócica, entre outras, mas todas estas patologias são clinicamente bem distintas da GUN (Holmstrup e Westergaard, 2008). Microbiologicamente a GUN sempre foi associada à presença de fusobactérias e espiroquetas. Hoje em dia, já não se lhes atribui uma importância etiológica primária, pois a sua presença parece resultar de um crescimento secundário. As amostras microbiológicas das lesões de GUN mostram uma flora constante e uma flora variável. A flora constante é constituída principalmente por Treponema sp, Selenomonas sp, Fusobacterium sp e Prevotella intermedia. A flora variável é constituída por uma enorme variedade de microrganismos (Fenoll e Pérez, 2004). Vários factores têm vindo a ser identificados como predisponentes para o desenvolvimento de quadros clínicos compatíveis com a GUN. Eles são: doenças sistémicas como a síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA), leucemias e malnutrição, por todas elas causarem uma alteração na resposta imunológica contra a presença de bactérias; mau controlo de placa bacteriana, gengivite pré-existente ou história anterior de GUN tendo em conta que a GUN resulta de uma infecção bacteriana é normal que a prevalência da doença esteja aumentada em pacientes com má higiene oral. É, no entanto, de salientar que, nos pacientes com GUN, a escovagem pode ser extremamente dolorosa, o que justifica que estes doentes se apresentem com elevados níveis de acumulação de placa bacteriana. Por outro lado, vários estudos têm demonstrado que muitos pacientes diagnosticados com GUN apresentam uma história anterior de dor gengival intensa e cicatrizes gengivais sugestivas de GUN. Stress psicológico e físico investigações epidemiológicas acerca da GUN têm indicado uma ocorrên- 118

cia mais elevada de GUN em períodos durante os quais os indivíduos estão expostos ao stress psicológico e cansaço físico. Assim, parece normal que os militares, pacientes com depressões ou com outras alterações emocionais e estudantes em épocas de exame sejam mais susceptíveis ao aparecimento de GUN. Tabaco e álcool o tabaco parece levar a um aumento da actividade da doença, assim como a outras formas de doenças periodontais, influenciando a resposta do hospedeiro e as reacções tecidulares à presença de microrganismos. No entanto, o mecanismo exacto segundo o qual o tabaco predispõe para a GUN não é exactamente conhecido. O consumo, social ou abusivo, de álcool é frequentemente admitido pelos pacientes diagnosticados com GUN e deve ter a ver com os numerosos efeitos fisiológicos, que juntamente com outros factores desempenham um papel debilitante na saúde geral. Outros segundo uma série de estudos, a GUN tende a aparecer mais em indivíduos de raça caucasiana e em pacientes jovens (Holmstrup e Westergaard, 2008) Como no tratamento de outras doenças periodontais, também a abordagem terapêutica de um doente com GUN pode ser dividida em duas fases: um tratamento de fase aguda e uma terapia de manutenção. O tratamento de fase aguda tem como objectivo eliminar a actividade da doença e reduzir a dor e o desconforto geral, que normalmente condicionam a capacidade do paciente se alimentar. Na primeira consulta deve-se efectuar uma história clínica completa e tentar realizar uma destartarização, de preferência com ultra-sons, exercer uma pressão mínima nos tecidos moles. A eficácia desta destartarização vai depender da tolerância do paciente à dor durante a instrumentação. Por outro lado, o paciente deve ser aconselhado ao uso de um agente químico para controlo da placa bacteriana até que se verifique a cicatrização das lesões. Este agente químico pode ser peróxido de hidrogénio 3% diluído em água (partes iguais), que apresenta a vantagem de eliminar bactérias anaeróbias através do oxigénio libertado, ou clorohexidina 0,12% ou 0,2%. Quando se verifica alguma patologia sistémica predisponente ou quando existe febre ou mal-estar severo está indicado o uso de antibioticoterapia sistémica. Neste caso, a primeira escolha é o metronidazol 250 mg, três vezes por dia, durante 10 dias. Outros antibióticos à base de penicilina ou tetraciclina podem também ser eficazes. Ainda nesta primeira consulta deve-se questionar o paciente quanto ao seu estado de saúde geral e prescrever exames hematológicos para pesquisa de patologias imunosupressoras, como a SIDA. Aquando da remissão dos sintomas (normalmente após cinco a oito dias de tratamento) deve-se efectuar uma destartarização meticulosa e quando as úlceras estiverem totalmente cicatrizadas deve-se instruir e motivar o paciente para umas correctas medidas de controlo de placa bacteriana. A fase de tratamento de manutenção inclui, se necessário, uma abordagem cirúrgica para correcção dos defeitos gengivais (crateras). Estas, por representarem locais de acumulação crónica de detritos alimentares, podem provocar o reaparecimento da doença ou de outras formas de doença periodontal. Ainda nesta fase deve-se eliminar/controlar os factores predisponentes para prevenção da recorrência da GUN (Holmstrup e Westergaard, 2008). Caso clínico Paciente do sexo masculino, raça caucasiana, 44 anos de idade e fumador pesado (mais de 20 cigarros por dia). Dirigiu-se à consulta com queixas de dor moderada. Quando questionado, o paciente não referiu qualquer tipo de patologia sistémica, stress, cansaço, história prévia de doença periodontal necrosante ou abuso de drogas ou álcool. No exame clínico intra-oral é visível uma grande quantidade de placa bacteriana e cálculo. São também visíveis extensas zonas de ulceração gengival, não só das papilas interproximais como da gengiva marginal, tanto na maxila como na mandíbula, mais pronunciadas por vestibular do que por lingual/palatino. O paciente apresentava abundante hemorragia espontânea e pseudomembranas a cobrir as referidas ulcerações. Após história clínica e exame intra-oral, chegou-se a um diagnóstico de GUN. Na primeira consulta, após anestesia infiltrativa, foi realizada uma destartarização ultrasónica e o paciente foi medicado com metranidazol 250mg 3 vezes por dia, durante 10 dias e foram prescritos bochechos 2x/dia com peróxido de hidrogénio 3% e água, em partes iguais e com clorohexidina 0,12%. Uma semana após, o paciente voltou à consulta com uma visível remissão de todos os sinais e sintomas, pelo que se continuou com a destartarização (desta vez mais meticulosa e também infragengival) e o paciente foi instruído e motivado para um adequado controlo de placa bacteriana, que incluiu escovagem com técnica de Bass e limpeza interproximal com escovilhão. Foi-lhe, por fim, solicitado um exame hematológico para pesquisa de eventuais patologias sistémicas. 120

Figs. 1 a 5. Vista intra-oral na primeira consulta. Salienta-se a grande quantidade de placa bacteriana e cálculo. São bem visíveis as ulcerações das papilas interproximais e margem gengival. Figs. 6 e 7. Anestesia infiltrativa e realização de uma destartarização ultrasónica. 122

Figs 8 a 10. Vista intra-oral aos oito dias. Verifica-se uma visível melhoria clínica. Neste dia foi realizada uma destartarização supra e infragengival mais meticulosa. Conclusões A GUN é uma infecção gengival aguda de origem bacteriana, que aparece sobretudo em adultos jovens, nomeadamente quando estes apresentam alguma forma de alteração da resposta imune. A GUN apresenta uma destruição rápida e debilitante dos tecidos gengivais e pode evoluir para formas mais graves de doenças necrosantes como a PUN. Assim, é impor- tante que se proceda a um correcto diagnóstico,, o que permite uma rápida implementação de um tratamento mecânico, normalmente associado a antibioticoterapia, bem como a instrução e motivação de correctas medidas de controlo de placa bacteriana e controlo/eliminação de factores predisponentes de forma a prevenir a recorrência da doença. Bibliografia 1. Armitage GC. Development of a classification system for periodontal diseases and conditions. Ann Periodontol. 1999 Dec; 4(1): 1-6. 2. Corbet EF. Diagnosis of acute periodontal lesions. Perio 2000 2004; 34: 204-216. 3. Fenoll AB, Pérez AS. Enfermedades periodontales necrosantes. Med Oral Patol Oral Cir Bucal 2004; 9 Suppl: 108-119. 4. Holmstrup P, Westergaard J. Necrotizing periodontal disease. In: Clinical periodontology and implant dentistry (ed. J. Lindhe). 5th ed. Blackwell Publishing 2008; 20: 459-474. 5. López R, Fernández O, Jara G, Baclum V. Epidemiology of necrotizing ulcerative gingival lesion in adolescents. J Periodontol Res 2002; 37: 439-444. 6. Rowland RW. Necrotizing ulcerative gingivitis. Ann Periodontol. 1999 Dec; 4(1): 65-73. 124