APLICAÇÕES DE UM ÍNDICE TÉRMICO UNIVERSAL: TEMPERATURA FISIOLÓGICA EQUIVALENTE Marina F. Seelig, Gisele dos S. Zepka, Paulo R. P. Foster Faculdade de Meteorologia, Universidade Federal de Pelotas CEP 96010-900, Caixa Postal 354, Pelotas/RS - Brasil marinaseelig@brturbo.com ABSTRACT The physiological equivalent temperature is a thermal index derived from the human energy balance. It is well suited to the evaluation of the thermal component of different climates. As well as having a detailed physiological basis, the physiological equivalent temperature is preferable to other indexes, like the predicted mean vote, because its unit ( C) is more familiar to the modern human-biometeorological terminology. In this article, results of some applications of the physiological equivalent temperature are presented. 1 - INTRODUÇÃO Existem muitos setores dentro do campo da climatologia aplicada (planejamentos, turismo, medicina ambiental, etc.) onde é necessário avaliar a componente térmica de diferentes climas. Conseqüentemente, um grande número de investigações na área de biometeorologia humana tem sido conduzido para analisar os efeitos térmicos/ambientais nos seres humanos. Sabe-se que o homem tem melhores condições de vida e saúde quando seu organismo pode funcionar sem ser submetido à fadiga ou estresse, inclusive térmico, de modo que o corpo experimenta sensação de conforto térmico quando perde para o ambiente o calor produzido pelo metabolismo compatível com sua atividade sem recorrer a nenhum mecanismo de termorregulação. A manutenção da temperatura interna do organismo humano, relativamente constante, em ambientes cujas condições termohigrométricas são as mais variadas e variáveis é feita por intermédio de seu aparelho termorregulador, que comanda a redução dos ganhos ou o aumento das perdas de calor através de alguns mecanismos de controle. A termorregulação, apesar de ser o meio natural de controle de perdas de calor pelo organismo, representa um esforço extra e, por conseguinte, uma queda da potencialidade de trabalho. Quando as perdas de calor são inferiores às necessárias para a manutenção de sua temperatura interna constante, o organismo reage por meio de seus mecanismos automáticos, proporcionando condições de troca de calor mais intensas entre o organismo e o ambiente e reduzindo as combustões internas. Isto faz com que ocorra fadiga física e fadiga termohigrométrica. A fadiga termohigrométrica resulta do trabalho excessivo do aparelho termorregulador devido às condições ambientais desfavoráveis de temperatura e umidade do ar. Além das variáveis climáticas do conforto térmico, do vestuário e de outras atividades desenvolvidas pelo indivíduo considerado aclimatado, uma série de estudos que procuram determinar as condições de conforto térmico e os vários graus de desconforto por frio ou calor vem sendo desenvolvida. Como as variáveis do conforto térmico são diversas, variando diferentemente algumas ou até mesmo todas elas, as condições finais podem proporcionar sensações ou respostas semelhantes ou até iguais. Assim, diferentes pesquisadores foram conduzidos a desenvolver índices de conforto térmico, quais agrupam as condições que proporcionam respostas semelhantes. No passado, muitos índices térmicos baseados em parâmetros meteorológicos foram utilizados para avaliar as componentes térmicas de diferentes climas (AYOADE, 1978; VELEVA et al., 1997). A maioria destes índices tem sua maior limitação nas lacunas termofisiológicas existentes. Hoje, existem índices térmicos com aplicações fisiológicas mais populares e que são derivados do balanço de energia humano. Um deles é o que utiliza a temperatura fisiológica equivalente (TEF), tendo a vantagem de ter a unidade amplamente conhecida que é o grau Celsius ( C), tornando os resultados mais compreensivos para a população. 427
2 - MATERIAL E MÉTODOS XII Congresso Brasileiro de Meteorologia, Foz de Iguaçu-PR, 2002 A idéia fundamental no estabelecimento do TEF é a transferência do bioclima térmico atual para um ambiente térmico fictício, onde a mesma sensação térmica pode ser esperada. O TEF pode ser entendido como a temperatura do ar em que o balanço de energia assumido para as condições do ambiente interno é equilibrado pela temperatura média da pele e pela taxa de transpiração, calculadas para condições externas ao ambiente. De acordo com esta definição e a experiência da termofisiologia, um valor de TEF ao redor de 20 C pode ser classificado como confortável (Tabela 1). TABELA 1 - Intervalos do índice térmico para diferentes graus de percepção térmica em seres humanos para uma taxa metabólica de 80W e uma resistência à transferência de calor pela vestimenta de 0,19clo. Fonte: JENDRITZKI et al. (1990) (modificado). PERCEPÇÃO TÉRMICA GRAU DE ESTRESSE FISIOLÓGICO < 4 C Muito frio Estresse extremo devido ao frio 4-8 C Frio Estresse forte devido ao frio 8-13 C Fresco Estresse moderado devido ao frio 13-18 C Levemente fresco Estresse leve devido ao frio 18-23 C Confortável Sem estresse térmico 23-29 C Levemente morno Estresse leve devido ao calor 29-35 C Morno Estresse moderado devido ao calor 35-41 C Quente Estresse forte devido ao calor > 41 C Muito quente Estresse extremo devido ao calor Esta classificação é analisada partindo do estudo da percepção térmica e do grau de estresse fisiológico proposto por JENDRITZKI et al. (1990). O índice de avaliação TEF foi calculado pelo modelo de balanço de energia para o corpo humano MEMI (Munich Energy Balance Model for Individuals). Os dados utilizados neste estudo são da Estação Agroclimatológica convênio Embrapa/UFPel/INMET, localizada no campus da Universidade Federal de Pelotas (latitude 31º52 sul, longitude 52º21 24 oeste, altitude 13,24m). O grupo de indivíduos teste foi composto por alunos do curso de Meteorologia com idades entre 20 e 21 anos, de ambos os sexos, mostrados na Tabela 2. Durante o período de estudo, janeiro de 2002, foi anotado para cada indivíduo a vestimenta, o calçado e a sensação fisiológica. Foi necessário anotar o vestuário e o tipo de calçado porque o modelo utilizado leva em consideração estas variáveis para o cálculo da temperatura fisiológica equivalente. Foram escolhidos 3 casos onde a resposta do modelo foi de maior desconforto: dias 8, 22 e 23. TABELA 2 - Características físicas dos indivíduos do estudo. INDIVÍDUO IDADE (anos) SEXO ALTURA (m) PESO (kg) 1 21 feminino 1,68 51 2 20 feminino 1,67 56 3 21 feminino 1,78 69 4 21 masculino 1,88 73 5 20 feminino 1,53 42 6 21 masculino 1,64 64 7 20 masculino 1,73 68 8 21 feminino 1,73 61 428
As condições de conforto térmico são função da atividade desenvolvida pelo indivíduo, da sua vestimenta e das variáveis do ambiente que proporcionam as trocas de calor entre o corpo e o ambiente. Além disso, devem ser consideradas outras variáveis, como sexo, idade e biótipo. Os índices de conforto térmico procuram englobar num único parâmetro o efeito conjunto dessas variáveis. De um modo geral, esses índices são desenvolvidos fixando um tipo de atividade e a vestimenta utilizada pelo indivíduo para, partindo daí, relacionar as variáveis do ambiente e reunir as diversas condições ambientais que proporcionam respostas iguais por parte dos indivíduos diferentes. 3 - RESULTADOS E DISCUSSÃO Analisando a temperatura do ar nos 3 casos, os menores valores foram registrados durante a madrugada (aproximadamente 20 C) e o valor máximo ocorreu no dia 23 de janeiro (34 C). O curso diurno da temperatura do ar e da umidade relativa para o dia 8 de janeiro (Figura 1) caracteriza uma situação de tempo quente. A umidade relativa atingiu seu valor mínimo (48%) entre 14 e 15h. Figura 1 - Umidade relativa (%) e temperatura do ar ( C) no dia 8 de janeiro de 2002. Analisando os resultados do TEF calculados pelo modelo (Figura 2) para estas condições meteorológicas, percebem-se valores superiores a 35 C, o que de acordo com JENDRITZKI et al. (1990) caracteriza um comportamento térmico de quente a muito quente no início da tarde e um grau de estresse fisiológico de forte a extremo devido ao calor. Comparando este resultado com a sensação sentida pelos indivíduos testes, no início da manhã a sensação era de agradável a quente, evoluindo no transcorrer do dia para extremamente quente e abafado, com alguns sentindo sonolência. Nos dias 22 e 23 de janeiro a variação diária da temperatura do ar e da umidade relativa indica temperaturas de 20 C a 34 C (Figuras 3), caracterizando, também, uma situação de tempo quente para a região. A umidade relativa atingiu o valor mínimo (70%) entre 12 e 13h no dia 22 e entre 13 e 14h (40%) no dia 23 (Figura 4). 429
TFE 8/jan/2002 65,0 60,0 55,0 50,0 45,0 TFE 40,0 35,0 30,0 25,0 20,0 07:00 08:00 09:00 10:00 11:00 12:00 13:00 14:00 15:00 16:00 17:00 18:00 horário 2 3 5 6 7 8 Figura 2 - Temperatura fisiológica equivalente ( C) para o dia 8 de janeiro de 2002. Figura 3 - Temperatura do ar ( C) para os dias 22 e 23 de janeiro de 2002. Figura 4 - Umidade relativa (%) para os dias 22 e 23 de janeiro de 2002. 430
Analisando os resultados do TEF calculados pelo modelo (Figuras 5 e 6) para as condições meteorológicas observadas nas Figura 3 e 4, percebe-se, como para o dia 8 de janeiro, valores superiores a 35 C, o que de acordo com JENDRITZKI et al. (1990) caracteriza um comportamento térmico de quente a muito quente no início da tarde e um grau de estresse fisiológico de forte a extremo, devido ao calor. Comparando este resultado com a sensação sentida pelos indivíduos testes, no início da manhã a sensação era de agradável a quente, evoluindo no transcorrer do dia para extremamente quente e abafado, com alguns sentindo sonolência. TFE 22/jan/2002 65,0 60,0 55,0 50,0 45,0 TFE 40,0 35,0 30,0 25,0 20,0 07:00 08:00 09:00 10:00 11:00 12:00 13:00 14:00 15:00 16:00 17:00 18:00 horário 1 2 3 4 5 6 7 8 Figura 5 - Temperatura fisiológica equivalente ( C) para o dia 22 de janeiro de 2002. TFE 23/jan/2002 65,0 60,0 55,0 50,0 TFE 45,0 40,0 35,0 30,0 25,0 20,0 07:00 08:00 09:00 10:00 11:00 12:00 13:00 14:00 15:00 16:00 17:00 18:00 horário 2 5 7 8 Figura 6 - Temperatura fisiológica equivalente ( C) para o dia 23 de janeiro de 2002. 4 - CONCLUSÕES A temperatura fisiológica equivalente é bastante prática para a avaliação da componente térmica biometeorológica humana para diferentes condições climáticas por ser fundamentada no balanço de energia do corpo, podendo ser 431
termofisiológicamente reproduzível. Como é expressa em C, pode ser utilizada por qualquer usuário como um indicador do estresse térmico e aplicada amplamente para várias situações possíveis. Devido à importância deste trabalho na melhoria das condições ambientais das salas de aula, o que propicia um maior aproveitamento do conteúdo didático, este trabalho deverá continuar no transcurso dos próximos anos, com aperfeiçoamento na utilização do modelo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AYOADE, J. O. Spatial and sazonal patterns of physiologic confort in Nigéria. Arch. Meteorolo. Geophys. Bioklimatol., Ser B 26:318-337, 1978. JENDRITZKY, G.; MENZ, H.; SCHIRMER, W. Methodik zur raumbezojenen Bewertung der thermischen Komponent im Bioklima des Meschen (Fortgeschriebenes Klima-Michel-Model). Beitr. Akad. Raumforsch. Landesplan 114, 1990. VELEVA, L.; G. PEREZ; M. ACOSTA. Statistical analysis of the temperature-humidity complex and time of wetness of a tropical climate in the Yucatán peninsula in México. Atmos. Environ., 31: 773-776. 432