Fórmula 85/95: que Estados pagam o fim do fator previdenciário?



Documentos relacionados
BOLETIM LEGISLATIVO Nº 21, DE 2015

Previdência Social no Brasil: financiamento, diagnóstico e propostas. Setembro 2007

ESTUDOS ATUARIAIS E OS DESAFIOS DA ATUALIDADE

PEC 6: a desconstitucionalização e privatização da previdência social. Fevereiro 2019

PEC 287/2016 Reformar Hoje para Garantir o Amanhã. Deputado Federal Vice-Líder do Governo na Câmara dos Deputados

A Nova Previdência combate Privilégios

REFORMA DA PREVIDÊNCIA: POR QUE FAZER? EFEITOS DA DEMOGRAFIA EXIGEM AJUSTE DE REGRAS

DA CONTRARREFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

A NOVA PREVIDÊNCIA. Rogério Marinho Secretário Especial de Previdência e Trabalho

Reforma da Previdência

REFORMA DA PREVIDÊNCIA AS PROPOSTAS DA REFORMA NO CONGRESSO

A Reforma da Previdência e a Economia Brasileira. Marcos de Barros Lisboa (INSPER) Paulo Tafner (IPEA)

Entenda ponto a ponto o que propõe o governo

Envelhecimento Populacional e seus impactos sobre Previdência: A necessidade de reforma

Textos sobre reforma da previdência publicados na Gazeta de Caçapava. (Período: fevereiro a maio/2016)

A REFORMA DA PREVIDÊNCIA

Reforma da Previdência

Medida Provisória nº 676. Brasília, setembro de

Desafios da Previdência. FGV Rio de Janeiro, Março 2016

REFORMA DA PREVIDÊNCIA

SECRETARIA DE PREVIDÊNCIA MINISTÉRIO DA FAZENDA. Brasília, dezembro de 2017

Relação entre Valor dos Benefícios Previdenciários e Massa Salarial e Idade Média de Aposentadoria dos Trabalhadores Urbanos por UF

REFORMAS PARA O CRESCIMENTO SUSTENTÁVEL. DYOGO HENRIQUE DE OLIVEIRA Ministro do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão

SUBSTITUTIVO DA PEC 287/2016 REFORMA DA PREVIDÊNCIA

PEC 6: a desconstrução da da previdência social. Abril de 2019

arrecadação da Previdência Social, o fluxo de caixa do INSS e, ainda, informações de indicadores econômicos e dados populacionais.

Tabela 1 Aposentadoria por tempo de contribuição Homem - Regras

PEC 6: a desconstitucionalização e privatização da previdência social

Previdência Brasileira: cenários e perspectivas" Lindolfo Neto de Oliveira Sales Brasília, 23/03/2017

Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 6/2019

PEC 06/2019 A NOVA REFORMA DA PREVIDÊNCIA. Fevereiro 2019

PEC 6: desconstitucionalização e privatização da previdência social Impacto para os RPPS. Março 2019

PEC 6: a desconstitucionalização e privatização da previdência social

Previdência Social no Brasil. Fundação Getulio Vargas

arrecadação da Previdência Social, o fluxo de caixa do INSS e, ainda, informações de indicadores econômicos e dados populacionais.

REFORMA DA PREVIDÊNCIA CONQUISTA DOS PARLAMENTARES

A previdência social no Brasil: Uma visão econômica

Previdência social no Brasil: fatos e propostas

MODIFICAÇÕES DA ÚLTIMA PROPOSTA APRESENTADA PELO GOVERNO emenda aglutinativa global

Direito Previdenciário: a Medida Provisória nº 676/2015

A PEC 287: Minimização da Previdência Pública

PEC N.º 06/2019 E MEDIDA PROVISÓRIA N.º 871/2019: IMPACTOS NA PREVIDÊNCIA RURAL

PARA ENTENDER A Reforma da Previdência PARA ENTENDER A. Reforma da Previdência

Reforma da Previdência PEC 287

Estrutura Demográfica e Despesa com Previdência: Comparação do Brasil com o Cenário Internacional

CARTA ATIVA WEALTH MANAGEMENT

Reforma da Previdência: Análise da PEC Reforma da Previdência PEC 287/2016. Brasília, 21 de fevereiro de 2017

Saiba mais em

REFORMA DA SEGURIDADE SOCIAL E DA PREVIDÊNCIA OS TRABALHADORES PAGAM A CONTA. 21 de fevereiro de 2019

REFORMA DA PREVIDÊNCIA

Bem-estar, desigualdade e pobreza

NOVA PREVIDÊNCIA: entre o texto e o contexto

Sumário CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE PREÂMBULO TÍTULO III Da Organização do Estado... 39

informações de indicadores econômicos e dados populacionais.

Substitutivo à PEC 287/2016 Reforma da Previdência. Antônio Augusto de Queiroz Diretor de Documentação do DIAP

O Caráter Regressivo das Aposentadorias Precoces e os Impactos do Envelhecimento na Previdência Social no Brasil

MITOS E VERDADES SOBRE A PREVIDÊNCIA. Crédito da Foto: Agência Senado

Contabilizando para o Cidadão

FABIANO CAMARGO DA SILVA - ECONOMISTA TÉCNICO DO DIEESE/ER-PR

Previdência Brasileira, sua. perspectiva internacional

BOLETIM LEGISLATIVO Nº 31, DE 2015

REFORMA DA SEGURIDADE SOCIAL E DA PREVIDÊNCIA AS TRABALHADORAS E OS TRABALHADORES PAGAM A CONTA. Fevereiro de 2019

fluxo de caixa do INSS e, ainda, informações de indicadores econômicos e dados populacionais.

PEC 287-A. Conheça as principais propostas da. Idade mínima

Previdência Números, Simulação, Fatos e Custos. Fernando de Holanda Barbosa Filho Bruno Ottoni

Fator Previdenciário

Um golpe para reformas e as reformas do golpe. Flávio Tonelli Vaz

APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO Dielles Valenciano; Jussara Canazza de Macedo 1 ; Lourdes Rosalvo da Silva dos Santos 2

A reforma da Previdência (PEC 287/16), em discussão na Câmara dos Deputados, teve muitas alterações no substitutivo aprovado na comissão e, na

Reforma da Previdência. Bernard Appy Abril de 2017

TABELA DE SALÁRIO MÍNIMO REGIONAL (REVISADA A DE SC)

Economia & Tecnologia - Ano 02, Vol. 05 Abr./Jun. de 2006

REFORMA DA PREVIDÊNCIA: O QUE SE PODE NEGOCIAR?

Palestra sobre a Reforma da Previdência (Substitutivo PEC 287) na reunião da Diretoria do Simec

Panorama da Seguridade Social Brasileira. Bogotá, agosto.2018

PEC 6: desconstitucionalização e privatização da previdência social. ABRIL DE 2019 Jornada Nacional de Debates Rio Grande do Sul

Salário mínimo, indexação e impactos na Seguridade brasileira

Salário Mínimo e Distribuição de Renda no Brasil Potencial e Limites

NOTA TÉCNICA O AUMENTO DOS ELEITORES VINCULADOS AO SALÁRIO MÍNIMO

REFORMA DA PREVIDÊNCIA E SEUS BENEFÍCIOS SOCIOECONÔMICOS

Reforma Tributária Solidária Alternativa para preservar a seguridade social e promover a justiça fiscal

DADOS SOBRE PENSÃO POR MORTE

PEC 6/2019: A DEMOLIÇÃO DA PREVIDÊNCIA PÚBLICA OS TRABALHADORES PAGAM A CONTA SINDICATO DOS JORNALISTAS DE SP SÃO PAULO, 27/02/2019

POSIÇÕES DA COBAP, FEDERAÇÕES, ENTIDADES DE BASE E CNAPI, SOBRE A PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO (PEC nº 287/2016):

A aposentadoria por idade até a CF/1988 era exclusiva do trabalhador urbano.

Boletim Econômico Edição nº 19 fevereiro de 2014 Organização: Maurício José Nunes Oliveira Assessor econômico

Nenhum direito a menos

Finanças Públicas. Seguridade Social CAP. 11 GIAMBIAGI

Finanças Públicas. Seguridade Social CAP. 11 GIAMBIAGI

BOLETIM ESTATÍSTICO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

Mitos e verdades da Previdência. Darcy Francisco Carvalho dos Santos Economista Corecon Maio/2017

Uma visão geral do processo de reforma da previdência. Manoel Pires SPE/MF

PEC 287 A (SUBSTITUTIVO): A MINIMIZAÇÃO DA PREVIDÊNCIA PÚBLICA SINPAF, DOURADOS/MS 10 DE MAIO DE 2017

Aula 12. Regras Gerais da Previdência Social. 2016, a renda mensal Inicial é o valor da aposentadoria em Julho de Depois de

Saiba mais em

Regras previdenciárias dos servidores públicos Substitutivo à PEC 6/2019 aprovado na Comissão Especial. Antônio Augusto de Queiroz Julho de 2019

Transcrição:

Fórmula 85/95: que Estados pagam o fim do fator previdenciário? Pedro Fernando Nery 1 1. Introdução: do que trata a MP nº 676/2015? Durante a votação da Medida Provisória nº 664/2014 2, na Câmara dos Deputados, foi aprovada a Emenda nº 45, inserindo a fórmula 85/95, sem regra de progressividade. Esse dispositivo foi vetado pela Presidência da República, e a MP nº 676/2015 foi editada como alternativa, com uma progressão dos valores dessa fórmula. A Medida Provisória nº 676, de 2015, permite a opção, para fins de aposentadoria, de não haver incidência do fator previdenciário no valor da aposentadoria, caso em que ela seria integral, se a soma da idade ao tempo de contribuição do segurado atingir os valores 85, para as mulheres, e 95, para os homens. Segundo a MP, esses valores serão aumentados anualmente em um (1) ponto a partir de 2017 e até 2022, com exceção do ano eleitoral de 2018, conforme a seguinte Tabela 1. Tabela 1 Fórmula 85/95 progressiva Regime Geral Professores Mulheres Homens Mulheres Homens 2015 85 95 80 90 2016 85 95 80 90 2017 86 96 81 91 2018 86 96 81 91 2019 87 97 82 92 2020 88 98 83 93 2021 89 99 84 94 2022 90 100 85 95 Fonte: MP nº 676/2015. Elaboração própria. 1 Doutorando e Mestre em Economia (UnB). Consultor Legislativo do Senado Federal. 2 Projeto de Lei de Conversão (PLV) nº 4, de 2015.

2. Qual a diferença da fórmula 85/95 em relação ao fator previdenciário? Para fins de comparação com o fator previdenciário, tomemos o exemplo da mulher de 55 anos com 30 de contribuição (somando 85) e do homem de 60 anos com 35 de contribuição (somando 95). Ambos satisfazem os critérios da fórmula 85/95 para aposentadoria integral (100% do salário-de-contribuição). De acordo com a fórmula do fator previdenciário vigente hoje para aposentadoria por tempo de contribuição, a mulher de 55 anos com 30 de contribuição teria direito a uma aposentadoria no valor de 70% do salário-de-contribuição, enquanto o homem de 60 anos com 35 de contribuição teria direito a uma aposentadoria de 85%. Esse resultado é apresentado na Tabela 2, abaixo. Tabela 2 - Comparação do valor da aposentadoria em relação ao salário-decontribuição 3 Idade Tempo de contribuição Fator previdenciário Fórmula 85/95 Mulher 55 30 70% 100% Homem 60 35 85% 100% Fonte: Elaboração própria. Para obter o benefício de 100% pelas regras atuais, esta mesma mulher teria de continuar trabalhando e contribuindo por mais quase 6 anos (perto dos 61, com 36 de contribuição), quando o equilíbrio atuarial pelo fator previdenciário seria atingindo. No caso do homem, seriam necessários quase 3 anos a mais (perto dos 63, com 38 de contribuição). No jargão da fórmula 85/95, para esses dois exemplos, a aposentadoria integral conforme o equilíbrio do fator previdenciário é obtida pela soma 97/101 (61+36 e 63+38). Essa comparação evidencia o impacto financeiro nas contas do governo da adoção da fórmula 85/95. A expectativa de sobrevida da mulher brasileira de 55 anos, usada no exemplo, é de 28 anos. Assim, o tempo esperado de usufruto da aposentadoria (28) é apenas ligeiramente menor do que o tempo de contribuição ao sistema (30). Entretanto, 3 Valores até o teto do INSS.

pela fórmula 85/95 a aposentadoria tem o valor integral do salário-de-contribuição (100%), mais de três vezes maior do que a alíquota de contribuição (31%, somadas contribuições da trabalhadora e do empregador), o que ilustra o desequilíbrio nas contas da Previdência (que mesmo o fator previdenciário não é capaz de compensar integralmente). Assim, cumpre ressaltar que, embora a apresentação das contas gere a impressão de que o fator previdenciário causa perda, em verdade o fator tenta evitar qualquer perda (ou ganho) em termos de valor esperado do fluxo de pagamento de contribuições e do fluxo recebimento da aposentadoria. A impressão de perda existe pela ancoragem no valor do salário-de-contribuição, que é tomado como referência pelo segurado e por um imaginário social de que 30 anos de trabalho para uma mulher e 35 anos para o homem é muito tempo, que deveria ser suficiente para a pessoa se aposentar. 3. Comparação internacional: fator previdenciário ou fórmula 85/95? Muitos países passaram ou passam pela transição demográfica que o Brasil vem enfrentando de forma cada vez mais acentuada: o aumento da expectativa de sobrevida da população conjugado à redução nas taxas de natalidade da população (envelhecimento). Como a previdência pública opera pelo regime de repartição, em que as contribuições dos trabalhadores da ativa financiam as aposentadorias dos inativos, os sistemas de previdência ficam comprometidos à medida que se amplia o contingente de benefícios pagos e se reduz o contingente de contribuições feitas. Assim, em se tratando de fenômeno que não é exclusivo do Brasil, é pertinente fazer uma análise comparada. Que tipo de regras adotam para financiar os seus sistemas os países desenvolvidos (substancialmente mais ricos que o Brasil) e os países emergentes (de perfil demográfico mais próximo ao brasileiro)? Qual regra é mais usada: a do fator previdenciário ou a da fórmula 85/95? A resposta é nenhuma das duas. A regra, tanto em países ricos quando em emergentes, é o estabelecimento de uma idade mínima para aposentadoria, inexistindo a possibilidade de aposentadoria apenas por tempo de contribuição (evidentemente que existem requisitos de tempo de contribuição, além da idade mínima, além de haver

previsão para aposentadoria por invalidez). A idade mínima não existe no Regime Geral da Previdência Social (o operado pelo INSS), mas vigora para novos entrantes do serviço público desde a primeira reforma da Previdência (Emenda Constitucional nº 20, de 1998). A Tabela 3 apresenta as regras de aposentadoria por idade mínima em países da América do Sul, do G20 e do Brasil. Tabela 3 Idade mínima para aposentadoria América do Sul, G20 e Brasil Homem Mulher Homem Mulher G20 América do Sul África do Sul 60 60 Argentina 65 60-65 Alemanha 65-67 65-67 Bolívia 55 50 Arábia Saudita 60 55 Chile 65 60 Austrália 65 65 Colômbia 62 57 Canadá 65 65 Equador Não há* China 60 50-60 Guiana 60 60 Coreia do Sul 61 61 Paraguai 65 65 Estados Unidos 66 66 Peru 60 60 França 65 65 Uruguai 60 55-60 Índia 55 55 Venezuela 60 55 Indonésia 55 55 Itália 66 62-66 Japão 65 65 México 65 65 Reino Unido 65 62 Rússia 60 55 Turquia 60 58 Brasil Fator prev. Não há Brasil Fórmula 85/95 Não há *O Equador exige um mínimo de 40 anos de contribuições e a efetiva interrupção do trabalho. Fonte: Social Security Programas Throughout the World (2014 para países europeus, 2013 para americanos, 2012 para asiáticos e demais). Elaboração própria. No Brasil, onde não existe a idade mínima, calculamos que a média das aposentadorias por tempo de contribuição no meio urbano se dá aos 53 anos e 11 meses, sendo de 54 anos e 10 meses para os homens e 52 anos para as mulheres 4. Como 4 Cálculos baseados no Anuário Estatístico da Previdência Social de 2013 (p. 53). Disponível em: http://www.previdencia.gov.br/estatisticas/.

evidencia a comparação com a Tabela, tais idades não permitiriam aposentadoria nem em países com baixa expectativa de vida, como a Índia ou a Indonésia. Cumpre destacar algumas informações da Tabela comparativa. Mesmo países latinoamericanos como a Argentina, México, Chile e Peru exigem idade mínima de 65 anos para a aposentadoria dos homens, bem acima da idade média praticada no Brasil. Observa-se também que muitos países, tanto sul-americanos como participantes do G20, vêm reduzindo ou mesmo extinguindo as diferenças para concessão das aposentadorias de homens e mulheres, por conta de a expectativa de vida feminina ser mais alta e pela mudança da sua participação no mercado de trabalho. 4. Como a Previdência é afetada pela transição demográfica (envelhecimento da população)? A transição demográfica já consistia em uma grave preocupação, mesmo com a presença do fator previdenciário. O Tribunal de Contas da União (TCU) estima, com o fator, um déficit atuarial do RGPS de incríveis R$ 3 trilhões para o ano de 2050 5. Por sua vez, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) estima que nas próximas décadas a expectativa de sobrevida do idoso brasileiro deverá até superar a do americano, a do dinamarquês e do cidadão da União Europeia 6. Esse envelhecimento da população pode ser visualizado nas Figuras 1 a 3, que apresentam a pirâmide etária do país em 2015 e também 35 anos atrás, em 1980, e a projetada para daqui a 35 anos, em 2050. As pirâmides evidenciam as dificuldades da Previdência: ela opera pelo regime de repartição, em que as parcelas mais jovens da população (as faixas inferiores das pirâmides), no mercado de trabalho, financiam as aposentadorias das parcelas mais idosas (as faixas superiores das pirâmides). No mesmo sentido, a Figura 4 mostra a evolução do contingente de brasileiros acima de 60 anos, entre 1980 e 2050. 5 Pacto pela Boa Governança Um Retrato do Brasil. Disponível em: http://portal.tcu.gov.br/retratodobrasil/ 6 Pensions at Glance 2013: OECD and G20 indicators. Disponível em: http://www.oecd.org/els/publicpensions/

Mesmo atualmente, em que a transição está longe de ser completada (conforme as figuras abaixo), o RGPS, que não inclui servidores civis e militares, ostentou um déficit de cerca de R$ 57 bilhões em 2014, mais de duas vezes o custo anual do Programa Bolsa Família. Figuras 1 a 3 Transição demográfica e envelhecimento da população: pirâmide etária do Brasil em 1980, 2015 e 2050 (projetada) 1980 2015 2050 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/projecao_da_populacao/2008/piramide/piramide.shtm

Figura 4 Contingente de brasileiros acima de 60 anos entre 1980 e 2050 (projeção) Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/projecao_da_populacao/2008/piramide/piramide. shtm O envelhecimento da população é normalmente entendido de maneira errônea, apenas como o fato de os brasileiros estarem vivendo mais. Na verdade, ele se refere ao aumento da composição de idosos na população, que deve também, em boa parte, pela redução da taxa de natalidade no país. Trata-se da redução de nascimentos na população e, portanto, a médio prazo, de população economicamente ativa (PEA), apta a trabalhar e financiar a Previdência. Este é um fenômeno mundial, que também ocorre no Brasil há muitos anos, sendo inexorável e não podendo ser revertido por meio de políticas públicas. Segundo o IBGE, atualmente existem cerca de 7 trabalhadores para cada aposentado. Em poucas décadas, chegaremos ao número de 2 para cada um. 5. A fórmula 85/95 reduz ou aumenta a desigualdade de renda? Cabe observar que a fórmula 85/95 atinge os beneficiários do RGPS mais bem posicionados na distribuição de renda. Isso porque o fator previdenciário respeitou o piso de um salário mínimo, e porque as aposentadorias por tempo de contribuição são substancialmente maiores que a aposentadoria por idade e que outros benefícios. A aposentadoria por idade exige apenas 15 anos de contribuição, atingindo os segurados que não conseguiram por tanto tempo uma colocação no mercado de trabalho formal.

Em março de 2015, mesmo com a incidência do fator previdenciário, a média das aposentadorias por tempo de contribuição concedidas estava bem acima da média dos outros benefícios concedidos pela Previdência: 92% acima sobre a média das aposentadorias por idade, 51% acima sobre as pensões por morte, 50% acima sobre as aposentadorias por invalidez e 133% acima sobre o valor do Benefício de Prestação Continuada (BPC, destinado ao idosos pobres que não tem aposentadoria) 7, conforme o Gráfico 1. Gráfico 1 Comparação do valor médio da aposentadoria por tempo de contribuição e de outros benefícios 1.800 1.600 1.833 já com o fator previdenciário 1.400 1.200 1.000 800 1.222 1.215 955 788 600 Tempo de Contribuição Invalidez Pensão por morte Idade Benefício de Prestação Continuada Fonte: Boletim Estatístico da Previdência Social (BEPS) de março de 2015. Elaboração própria. No âmbito da Previdência Social e da Seguridade Social como um todo, a fórmula 85/95 é mais regressiva em relação ao fator previdenciário, ou seja, efetivamente concentra mais renda. 6. O conflito federativo na Previdência: quem paga o custo da nova fórmula? Embora pareça benéfica para todos os segurados do País, a fórmula 85/95 atinge apenas o benefício da aposentadoria por tempo de contribuição, que é concentrado de maneira desproporcional em algumas regiões do país. Isso ocorre porque i) a composição demográfica é diferente no país, com alguns estados tendo população mais idosa do que outros e; ii) a aposentadoria por tempo de contribuição exige o mínimo de 7 Boletim Estatístico da Previdência Social v. 20, n o 3. Março de 2015. Disponível em: http://www.previdencia.gov.br/estatisticas/

30/35 anos de carteira assinada, que muitos trabalhadores de regiões pobres não puderam atingir. Por isso, enquanto nas regiões mais pobres predominam os benefícios da aposentadoria por idade, o benefício rural ou o Benefício de Prestação Continuada (BPC, assistencial) concentrados na faixa de um salário mínimo, nas regiões mais ricas há maior incidência da aposentadoria por tempo de contribuição, que tende a ter um valor maior. Gráfico 2 Valor anual médio (per capita) recebido em cada Estado e região por aposentadoria por tempo de contribuição São Paulo Rio de Janeiro Santa Catarina Minas BRASIL Espírito Santo Pernambuco Sergipe Rio Grande do Norte Alagoas NORDESTE Piauí Amazonas NORTE Maranhão Acre Amapá R$ 856 R$ 842 R$ 802 R$ 768 R$ 707 R$ 535 R$ 446 R$ 411 R$ 393 R$ 391 R$ 381 R$ 375 R$ 375 R$ 365 R$ 346 R$ 332 R$ 257 R$ 230 R$ 189 R$ 183 R$ 166 R$ 136 R$ 127 R$ 125 R$ 125 R$ 105 R$ 97 R$ 1.361 R$ 1.329 R$ 1.327 R$ 1.203 R$ 1.164 R$ 1.077 0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 Fonte: Anuário Estatístico da Previdência Social (AEPS 2013). Elaboração própria.

O Gráfico 2, acima, detalha, por Estado, os gastos com a aposentadoria por tempo de contribuição, per capita, evidenciando a regressividade regional da Previdência urbana: Entretanto, como a Previdência opera no regime de repartição, em que as contribuições dos mais jovens financiam as aposentadorias dos mais velhos, os Estados mais pobres, de população mais jovem, financiam indiretamente os benefícios dos Estados mais ricos, de população mais idosa. Ainda, por ser o INSS deficitário e coberto por recursos do Tesouro, a conta da Previdência é paga com recursos que poderiam ser direcionados para as regiões mais carentes, via educação, saúde ou saneamento básico, por exemplo. Essa situação de subsídios cruzados na Federação tende a se agravar com a alternativa proposta ao fator previdenciário, já que apenas a aposentadoria por tempo de contribuição é afetada por ela, não havendo qualquer reajuste adicional para os outros benefícios, como o rural ou o BPC. O mais grave, quando os Estados pobres envelhecerem, a fórmula já vai ser insustentável e boa parte dos trabalhadores dessas regiões inevitavelmente irá se aposentar sob regras muito mais duras do que as vigentes hoje para os benefícios que eles ajudaram a financiar, já que eles chegarão atrasados na transição demográfica. O Amapá, por exemplo, recebe cerca de 14 vezes menos, per capita, do que Estados como São Paulo ou Rio Grande do Sul. 7. Considerações finais Cumpre ressaltar que mesmo o fator previdenciário, embora mais sustentável do que a fórmula 85/95 (progressiva ou não), ainda não seria suficiente para equilibrar a Previdência no futuro. O problema é que a fórmula proposta pelo governo parte de um ponto de partida relativamente baixo (85 pontos para mulher, 95 pontos para homem), bem como termina a progressão de maneira muito rápida (90 pontos para mulher, 100 pontos para

homem). Ainda, em virtude da maior expectativa das mulheres, o diferencial de 10 pontos terá, inevitavelmente, de ser revisto no futuro. Diante do exposto, especialistas têm apontado que a fórmula proposta configura uma contrarreforma da Previdência, podendo causar o rebaixamento da nota de crédito do país pelas agências de risco internacionais e o consequente aumento da taxa de juros do Brasil 8. Essa nova fórmula é apresentada como benéfica para os segurados da Previdência, mas o que mostramos aqui é que esse benefício, assim como o custo, não são uniformes entre as regiões e podem representar um custo excessivamente elevado para a população jovem do país. Este texto está disponível em: http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2552 8 Ver, entre outros, http://oglobo.globo.com/economia/miriam/posts/2015/06/19/contrarreforma- 568396.asp