1 Introdução O Ocidente viveu a Revolução Industrial, fazendo com que a sociedade se tornasse cada vez mais dependente de bens e práticas de consumo (MCCRACKEN, 2003). A sociedade resultante dessa transformação foi chamada de sociedade de consumo por diversos autores (ROCHEFORT, 1995; GOODWIN, et al., 1997; BAUDRILLARD, 2008; BAUMAN, 2008), tendo como característica fundamental o materialismo (KOZINETS e HANDELMAN, 2004; CHAPLIN e JOHN, 2007; CLEVELAND e CHANG, 2009; KILBOURNE et al., 2009; KILBOURNE e LAFORGE, 2010) e uma cultura voltada para o consumo, para a aquisição e posse de bens (SHAW e NEWHOLM, 2002; DURVASULA e LYSONSKI, 2010). Para Abela (2006), uma das características principais da sociedade de consumo é a existência da condição de consumismo ou materialismo (p. 6), que ainda carecem de definição clara. Porém, de forma geral, são conceituados como valorização de bens materiais e daquilo que não é estritamente necessário (ABELA, 2006). O consumo tem significados simbólicos (LEVY, 1959; BAUDRILLARD, 2000). Murphy (2000) observou que os indivíduos passaram a acreditar que seus problemas seriam resolvidos com o consumo, uma forma, segundo Gregg (1977), de obter aprovação dos outros e até aprovação de si mesmo, podendo ser um meio para se obter status (KIRON, 1997). O consumo também está ligado à Economia, pois, quando aumenta, geralmente sinaliza que a economia está indo bem (BARROS, TUCCI e COSTA, 2010). Assim, o consumo assume papel importante, tanto na economia, como na vida dos indivíduos, seja na forma de expressão individual ou nas relações sociais (GOODWIN, 1997). Chauvel e Suarez (2009) observaram que a sofisticação dos meios de produção por parte da indústria provocou aceleração da produção e acirramento
15 da competição, contribuindo para a alteração na dinâmica do consumo, que se tornou mais rápida. Além disso, surgiram produtos descartáveis, que acentuaram a tendência, já que o descarte passou a ocorrer em intervalo de tempo cada vez menor, dando lugar a novos produtos. O estilo de vida pautado no materialismo pode ser considerado um fenômeno global, havendo aumento na quantidade de indivíduos cuja vida é fortemente influenciada pelo materialismo (ABELA, 2006; KILBOURNE e PICKETT, 2008). A partir das discussões sobre a sociedade de consumo, alguns autores começaram a questionar os impactos ambientais e sociais do consumismo acelerado (SCHNAIBERG, 1997; CSIKSZENTMIHALYI, 1999), despertando reflexões sobre como os indivíduos estavam consumindo (ETZIONI, 1998; SHAW e NEWHOLM, 2002), já que os elevados padrões de consumo parecem ser insustentáveis se todas as pessoas no planeta vivessem uma vida equivalente à população dos países mais desenvolvidos, a Terra só conseguiria sustentar 2,1 bilhões de pessoas (ASSADOURIAN, 2010). O nível de consumo da sociedade tem causado degradação ambiental e social (DURNING, 1997; KILBOURNE e PICKETT, 2008). Ahuvia (2008) considera que as questões ecológicas estão exercendo grande pressão na sociedade, aumentando a urgência da redução do consumismo, para se limitar o consumo total dos indivíduos. Além disso, recentemente, houve uma recessão econômica mundial, que fez com que muitos indivíduos repensassem o que é realmente necessário comprar, trazendo à tona a ideia de que o consumismo não pode continuar da maneira que está (ASSADOURIAN, 2010) como exemplo, americanos começaram a alterar seu modo de consumo, deixando de comprar produtos considerados supérfluos. A recessão trouxe a oportunidade de se pensar sobre a falta de sustentabilidade dos altos níveis de consumo da sociedade (ASSADOURIAN, 2010) e pesquisadores já vêm conduzindo estudos sobre a aversão do consumidor à compra de produtos considerados sem utilidade (BOLTON e ALBA, 2012). Outra reflexão que tem surgido em decorrência do consumismo é a das relações entre os níveis de consumo e o sentimento de felicidade. Há estudos que abordam a relação entre felicidade, riqueza e consumo (CSIKSZENTMIHALYI, 1999; HSEE et al., 2009). Diversos apontam que comportamento de grande
16 consumo não leva necessariamente à felicidade (DURNING, 1997; EASTERLIN, 1997; SCHOR, 1997; CSIKSZENTMIHALYI, 1999; AHUVIA, 2008), à qualidade de vida e ao bem-estar (LA BARBERA e GURHAN, 1997; RINDFLEISCH, BURROUGHS e DENTON, 1997; CSIKSZENTMIHALYI, 1999; CSIKSZENTMIHALYI, 2000; BURROUGHS e RINDFLEISCH, 2002; KARABATI e CEMALCILAR, 2010). O excesso de bens materiais poderia até indicar insatisfação com a vida (CSIKSZENTMIHALYI, 2000). Alguns autores sublinham que existem consumidores desiludidos com a superficialidade da cultura de consumo (SHANKAR et al., 2006; ALBINSSON et al., 2010). Abela (2006) cita uma pesquisa que mostra que as pessoas que são muito ligadas ao materialismo não têm tanto bem estar e saúde psicológica quanto aquelas que consideram o materialismo como não tão importante. Outros autores afirmam que altos níveis de consumo privado proporcionam redução do tempo livre para o lazer: muitos indivíduos têm declarado que gostariam de gastar menos tempo trabalhando para ter mais tempo livre (KIRON, 1997), mas que, para ter acesso a bens materiais, seriam necessárias longas jornadas de trabalho, o que faz com que, por trabalharem muito, tenham pouco tempo disponível para o lazer (SCHOR, 1997). Por outro lado, apesar de estudos que apontam a incompatibilidade entre materialismo e felicidade, existem outros que indicam o contrário. Lee et al. (2002) relataram que a satisfação com o consumo pode ser um dos fatores para se estar satisfeito com a vida. Hsee et al. (2009) obtiveram evidências de que, se por um lado o alcance da felicidade pode estar relacionado à aquisição de bens e dinheiro, por outro a felicidade com o consumo pode ser absoluta. Soma-se a isso o estudo de O Shaughnessy e O Shaughnessy (2002) que sugeriu que os danos que o materialismo causa não foram, de fato, comprovados. As pesquisas sobre o materialismo, riqueza e felicidade ainda não são conclusivas, havendo controvérsias (LERMAN e MAXWELL, 2006; ROJAS, 2007; KARABATI e CEMALCILAR, 2010) enquanto algumas mostram relacionamento positivo, outras apontam na direção oposta. Neste contexto de reflexões sobre o consumismo, diversos estudos, ao longo da década de 2000, passaram a abordar o consumo consciente (SZMIGIN, CARRIGAN e MCEACHERN, 2009), o consumo ético (CARRIGAN e ATTALLA, 2001; CHERRIER, 2005; LOW e DAVENPORT, 2007), o consumo
17 socialmente responsável (SEN e BHATTACHARYA, 2001; MAIGNAN e FERRELL, 2003; WEBB, MOHR e HARRIS, 2008) e o consumo verde (KIM e CHOI, 2005; CONNOLLY e PROTHERO, 2008; GUPTA e OGDEN, 2009), como novas formas de consumo, capazes de reduzir impactos ambientais e sociais. Também surgiram instituições dedicadas a orientar os indivíduos sobre uma vida mais responsável, social e ambientalmente, como o The Center for a New American Dream (CNAD), organização sem fins lucrativos nos Estados Unidos (JOHNSTON e BURTON, 2003) e o Simplicity Institute, que tem como missão auxiliar indivíduos que buscam a vida simples. No Brasil, surgiu o Instituto Akatu pelo Consumo Consciente, criado em 2000, cujo foco é a mudança do comportamento para consumo mais consciente, por meio da comunicação e da educação do consumidor (INTITUTO AKATU, 2011). Como resposta às reflexões sobre os impactos do consumismo, surgiram comportamentos anticonsumo (CRAIG-LEES e HILL, 2002; AHUVIA, 2008). Alguns anticonsumidores criticam os altos níveis de consumos praticados pela sociedade, em razão dos impactos negativos, para os indivíduos, para o planeta e para o meio ambiente (AHUVIA, 2008). Uma das tendências de anticonsumo surgidas é a procura por uma vida mais simples (SHAW e NEWHOLM, 2002; IYER e MUNCY, 2009; ASSADOURIAN, 2010). Este comportamento, chamado por Elgin (1997), de Simplicidade Voluntária, é apontado como um estilo de vida alternativo ao consumismo (ELGIN, 1997). No início da década de 1990, o fenômeno ainda era raro nos Estados Unidos. Porém, ao final da década, alguns jornais começaram a divulgá-lo (JOHNSTON e BURTON, 2003), bem como foram publicados livros sobre o assunto (ZAVESTOSKI, 2002). Hoje, parece existir interesse no tema da Simplicidade Voluntária (JOHNSTON e BURTON, 2003). A partir da década de 2000, foram publicadas revistas sobre a Simplicidade Voluntária nos Estados Unidos, como Real-Simple e SimplyCity (JOHNSTON e BURTON, 2003). Curioso observar, entretanto, que a revista sobre vida simples veicula propagandas de incentivo a compras, como produtos eletrônicos (GOPALDAS, 2008). O estudo sobre a Simplicidade Voluntária ainda é incipiente na literatura de marketing (CRAIG-LEES e HILL, 2002; SHAW e NEWHOLM, 2002; MILLER
18 e GREGAN-PAXTON, 2006), principalmente no Brasil, onde grande parte da população começou recentemente a ter acesso a significativos níveis de consumo (ROCHA e SILVA, 2008). Enquanto existem consumidores se inserindo na sociedade de consumo, ávidos por adquirir produtos e serviços que antes lhes eram inacessíveis, há um grupo pequeno de indivíduos que hoje têm optado por reduzir seu consumo de forma voluntária. Torna-se, portanto, relevante estudar os consumidores que aderem à Simplicidade Voluntária no Brasil, já que tal fenômeno pode causar mudanças em comportamentos de compra e no uso de produtos e serviços (JOHNSTON e BURTON, 2003), com implicações para empresas e para a sociedade (ELGIN e MITCHELL, 1977a). Além disso, é instigante, por estar na contramão da tendência dominante de aumento do consumo, especialmente no Brasil, onde o anticonsumo contrasta com o que vem ocorrendo com a parte da população que se inseriu recentemente na sociedade de consumo. A questão central desta pesquisa é: Por que os indivíduos adotam a Simplicidade Voluntária e como essa mudança de comportamento impacta em suas vidas? 1.1. Objetivos do estudo Esta tese teve como objetivo principal o estudo sobre o processo de adoção da Simplicidade Voluntária, englobando motivações e consequências de se ter uma vida mais simples. Foram estabelecidos os seguintes objetivos intermediários: Identificar o que significa Simplicidade Voluntária para esses indivíduos; Identificar motivações para adoção da Simplicidade Voluntária; Conhecer o processo de se tornar simples: antes e depois; facilidades e dificuldades; Identificar consequências positivas e negativas decorrentes da adoção da Simplicidade Voluntária.
19 Para atingir os objetivos, foi conduzida uma pesquisa exploratória, por meio do acompanhamento de debates em um grupo virtual sobre Simplicidade Voluntária, seguindo-se de entrevistas em profundidade com treze membros desse grupo. 1.2. Delimitação do estudo Este estudo aborda somente a Simplicidade Voluntária e não pretende investigar outras formas de anticonsumo. Apesar de serem mencionados, na revisão da literatura, diferentes tipos de anticonsumo, considerou-se somente os consumidores adeptos da Simplicidade Voluntária no Brasil. O estudo envolve somente indivíduos que, de acordo com Etzioni (1998), optaram por reduzir seus gastos com consumo e para os quais tal escolha deu-se de forma voluntária e livre, sem qualquer coerção e sem ser decorrente de falta de recursos financeiros. 1.3. Relevância do Estudo O anticonsumo é um fenômeno que não tem despertado a atenção de estudiosos de marketing, embora venha se manifestando em diversos países, inclusive no Brasil. Autores já enfatizaram a relevância do tema, já que grande parte das pesquisas se baseia no consumo e não no seu oposto. Como vivemos em uma sociedade onde o consumismo é valorizado, torna-se importante buscar maior entendimento sobre razões para pessoas estarem indo em outra direção (KOZINETS e HANDLEMAN, 2004). Podem ser encontradas, no Brasil, pessoas que criticam o consumismo e que buscam vida mais simples, ou praticam outras formas de anticonsumo. Existem diversas comunidades para discussão e reunião de pessoas sobre o assunto. No site de relacionamentos Orkut, há comunidades chamadas Consumo Consciente (mais de 9.000 membros), Não ao Consumismo! (mais de 3.000 membros), Consumismo Tô fora!!! (mais de 700 membros), Reduza, Reutilize, Recicle (mais de 110.000 membros), Vida Simples (mais de 800 membros), Menos é
20 mais... Vida Simples! (mais de 100 membros), Vida Simples, Mente Elevada (mais de 100 membros), Simplicidade Voluntária (mais de 2.200 membros), Simplicidade na vida (mais de 21.600 membros), Simplicidade! (mais de 28.000 membros), dentre outros (data de acesso: novembro de 2012). Na rede social Facebook, há um grupo sobre Simplicidade Voluntária, onde os membros trocam informações sobre o tema, com debates e discussões. O tema é relevante, pois busca: Investigar um tipo de consumidor ainda não estudado no Brasil; Investigar um tipo de consumidor que está em contraste com os consumidores brasileiros que recentemente ingressaram na sociedade de consumo ; Contribuir para a literatura, buscando maior entendimento sobre os adeptos da Simplicidade Voluntária: o motivo para se tornarem simples, como se tornaram simples e as consequências desse novo estilo de vida, bem como impactos no consumo. Contribuir com proposições de pesquisa, para orientar futuros estudos sobre a Simplicidade Voluntária; Investigar um fenômeno que pode trazer grandes consequências no futuro de empresas, envolvendo comportamentos que contrastam com a sociedade de consumo.