UFRRJ INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE TESE



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Transcrição:

UFRRJ INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE TESE A Construção Da Representação Dos Trabalhadores Rurais No Sudeste Paraense WILLIAM SANTOS DE ASSIS 2007

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE. A CONSTRUÇÃO DA REPRESENTAÇÃO DOS TRABALHADORES RURAIS NO SUDESTE PARAENSE WILLIAM SANTOS DE ASSIS Sob a Orientação da Professora Leonilde Sérvulo de Medeiros Tese submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade. Rio de Janeiro-RJ, Fevereiro de 2007 i

331.8813 A848c T Assis, William Santos de A construção da representação dos trabalhadores rurais no sudeste paraense / William Santos de Assis 2007. 242 f. Orientador: Leonilde Sérvulo de Medeiros. Tese (doutorado) Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Bibliografia: f. 212-241. 1. Sindicatos rurais - Pará - Teses. 2. Agricultores familiares Entidades representativas Pará - Teses. 3. Agricultores familiares Ação coletiva Pará - Teses. I. Medeiros, Leonilde Sérvulo de. II. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Instituto de Ciências Humanas e Sociais. III. Título. ii

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE WILLIAM SANTOS DE ASSIS Tese submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, no Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade área de Concentração em Ciências Sociais Aplicadas. TESE APROVADA EM 27/02/2007 Leonilde Sérvulo de Medeiros, Dra.,UFRRJ (Orientadora) Assinatura Gutemberg Armando Diniz Guerra, Dr., UFPA Assinatura Neide Esterci Dra., UFRJ Assinatura Elisa Guaraná de Castro, Dra., UFRRJ Assinatura Eli de Fátima Napoleão de Lima, Dra., UFRRJ iii

DEDICATÓRIA Aos meus pais, Francisco Oliveira de Assis e Damares Santos de Assis, pelo amor incondicional e pela confiança em mim depositada. À Irene e ao Kauê que dividiram as angústias comigo tornando o peso deste trabalho mais leve. iv

AGRADECIMENTOS A realização de uma tese, apesar de representar um esforço pessoal, jamais pode ser levado a cabo sem a colaboração de muitos. Neste sentido gostaria de fazer alguns agradecimentos correndo o risco de incorrer em esquecimentos: Aos dirigentes sindicais e do MST que não se incomodaram com as minhas perguntas e o revirar de suas histórias; Ao Laboratório Sócio-agronômico do Araguaia-Tocantins (LASAT) pelo apoio prestado nas diversas fases do trabalho; Ao Núcleo de Estudos Integrados sobre Agricultura Familiar (NEAF)/Centro Agropecuário da Universidade Federal do Pará pela liberação e incentivo para elaboração desta tese; Ao Programa PICDT da UFPa e à CAPES pela bolsa concedida, sem ela esta tarefa seria mais difícil; Ao CPDA/UFRRJ pela oportunidade do exercício acadêmico; Aos colegas do NEAF pela convivência e o estímulo a esta tese; Aos colegas de entidades de apoio que se dispuseram a dialogar sobre o tema de minha tese; À professora Leonilde Sérvulo de Medeiros pelo empenho de mostrar caminhos antes não trilhados; Às inúmeras pessoas que de uma maneira ou de outra colaboraram; E por fim agradeço especialmente a Irene Margarete Höhn, leitora em primeira mão de todas as versões deste texto e companheira de longa estrada. v

RESUMO Esta tese procurou compreender o sentido que as ações coletivas dos agricultores familiares e de suas entidades representativas têm assumido no sudeste paraense nos últimos anos. Para tanto, tomamos como universo da pesquisa o complexo processo de luta pelo reconhecimento social e político dos agricultores familiares e suas entidades de representação. Percorrendo os diferentes processos que transformaram econômica, ambiental e socialmente a região, podemos afirmar que os posseiros e os agricultores familiares do sudeste paraense se afirmaram como ator social de importância para o desenvolvimento regional por meio de uma intensa luta por direitos e uma árdua atividade política de seus representantes. A mobilização permanente desses atores e um variado repertório de ação coletiva têm fortalecido sua posição no espaço social regional e influenciado os rumos da política do Estado, principalmente as direcionadas a criação de assentamentos. Palavras-chave: Entidades de Representação, Ação Coletiva, Agricultores Familiares ABSTRACT This study has thought to investigate what sense the collective actions from the family farmers and theirs representative entities have assumed in the southeast of Pará in recent years. Therefore we took as the research universe the complex process of the struggle for the social and political recognition of the family farmers and theirs representative entities. Moving through the different processes that transformed the region social, economical and environmental way, we can confirm that the landholders and the family farmers on the southeast of Pará had imposed themselves as an important social actor for the regional development through an intense struggle for rights and a hard political activity of their representants. The permanent mobilisation of these actors and a variable repertoire of collective actions have made their position stronger in the regional social space and have influenced the political ways of the state, especially those directioned to the creation of the settlements. Keywords: Representative entities, collective action, family farmers. vi

LISTA DE QUADROS Quadro 1 Incentivos concedidos pela Sudam/Finam até dezembro de 1985, em milhões de dólares, por tipo de empresa Quadro 2 Distribuição das empresas agropecuárias beneficiadas pelos incentivos fiscais, no estado do Pará, por grupos de áreas durante o período de 1966 a 1976 Quadro 3 Federalização das terras devolutas do estado do Pará Quadro 4 Formas de ação coletiva, motivações e reivindicações das diferentes categorias de trabalhadores Quadro 5 Origem dos integrantes da chapa de oposição nas eleições da Fetagri Pará em 1987 Quadro 6 Número de STRs e de filiados por Regional Quadro 7 Ocupações em 1995, 1996 e 1997 Quadro 8 Número de participantes e instituições envolvidas nos acampamentos de 1997, 1999, 2000 e 20001 Quadro 9 Entidades e pessoas que enviaram mensagem de apoio e solidariedade durante os acampamentos de 1997, 1999 e 2000 Quadro 10 Situação das áreas para reforma agrária no momento dos acampamentos Quadro 11 Volume de recursos solicitados nos acampamentos de 1997, 1999, 2000 e 2001 pelo movimento sindical e MST vii

LISTA DE FIGURAS Figura 1 Mapa da região de Marabá Figura 2 Principais fluxos migratórios para a região sudeste do Pará a partir da década de 60 Figura 3 Mapa da configuração do território do estado do Pará após a federalização das terras Figura 4 Mapa das principais estradas que cortam a região Figura 5 Charges do boletim O Grito da PA-150, ano I, n o 4 Figura 6 Desenho utilizado no boletim da PA-150 para representar a luta dos posseiros contra os grileiros viii

LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 Percentual de terras no Brasil e na Amazônia para os estratos de < 100 hectares e > 10.000 hectares Gráfico 2 Percentual de estabelecimentos no Brasil e na Amazônia para os estratos de < 100 hectares e > 10.000 hectares Gráfico 3 Assassinatos no campo de 1980 a 1990 Gráfico 4 Evolução do número de associações no sudeste do Pará ix

LISTA DE FOTOS Foto 1 Monumento pelos mortos do massacre de Eldorado dos Carajás, WSA/setembro de 2004 Foto 2 Chegada dos trabalhadores no local do acampamento (Acervo da Fetagri Regional, cedida ao autor). Foto 3 Montagem das barracas do acampamento (Acervo da Fetagri Regional, cedida ao autor) Foto 4 Assembléia no acampamento (acervo da Fetagri Regional, cedido ao autor) Foto 5 Início de uma passeata saindo do acampamento (Acervo da Fetagri Regional, cedida ao autor) x

LISTA DE SIGLAS ABRA Associação Brasileira de Reforma Agrária AGREGAR Agregação de Renda da Agricultura Familiar AI-5 Ato Institucional-5 AMAT Associação dos Municípios do Araguaia Tocantins AMCAT Associação dos Municípios Consorciados do Araguaia Tocantins AP Ação Popular ASSERA Associação dos Servidores do Incra ATER Assistência Técnica e Extensão Rural ATES Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária BASA Banco da Amazônia S.A. BB Banco do Brasil S.A. CAT Centro Agroambiental do Tocantins CIB Companhia Industrial Brasileira CEAT Comissão Especial do Araguaia Tocantins CBB Comissão de Bairros de Belém CDDP Centro de Defesa dos Direitos dos Pobres CEB Comunidade Eclesial de Base CEDI Centro Ecumênico de Documentação e Informação CEDR Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural CEPASP Centro de Estudo e Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular CEPLAC Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira CESE Coordenadoria Ecumênica de Serviços CGT Confederação Geral dos Trabalhadores CIB Companhia Industrial Brasileira CIP Centro das Indústrias do Pará CLT Consolidação das Leis do Trabalho CMDR Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural CMN Conselho Monetário Nacional CNA Confederação Nacional de Agricultura CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CNS Conselho Nacional de Seringueiros CO Círculos Operários CONCLAT Conferência Nacional da Classe Trabalhadora CONSIR Comissão Nacional de Sindicalização Rural CONTAC Confederação Nacional da Alimentação CONTAG Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura COOCAT Cooperativa Camponesa do Araguaia Tocantins COOMAFASP Cooperativa Mista da Agricultura Familiar do Sul e Sudeste Paraense COOMARSP Cooperativa Mista dos Assentamentos de Reforma Agrária COOPSERVIÇOS Cooperativa de Prestação de Serviços COOPVAG Cooperativa de Profissionais Liberais do Vale Araguaia CS Convergência Socialista CPI Comissão Parlamentar de Inquérito CPT Comissão Pastoral da Terra CSN Conselho de Segurança Nacional CT Correio do Tocantins CUT Central Única dos Trabalhadores xi

CVRD DATER DL DNPM DNTR-CUT DOPs DRT DS EFA ELETRONORTE EMATER EMBRAPA EMFA ENOS ETR EUA FAEPA FAF/SP FAG FASE FATA FBC FECAP FECAT FERA FERAESP FETAGRI FETRAF FETRAF-SUL FHC FINAM FNO FNS FRS FUNAI FUNRURAL GETAT IBAMA ICMS IDH IECLB IICA INCRA INPA Companhia Vale do Rio Doce Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural Decreto Lei Departamento Nacional de Pesquisa Mineral Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais da CUT Departamento Operacional da Policia Secreta Delegacia Regional do Trabalho Democracia Socialista Escola Família Agrícola Centrais Elétricas do Norte Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Encontro Nacional das Oposições Sindicais Estatuto do Trabalhador Rural Estados Unidos da América Federação da Agricultura do Estado do Pará Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar de São Paulo Frente Agrária Gaúcha Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional Fundação Agrária do Tocantins Araguaia Fundação Brasil Central Federação de Associações do Estado do Pará Federação de Cooperativas do Araguaia-Tocantins Fórum de Entidades pela Reforma Agrária Federação dos Empregados Rurais e Assalariados do Estado de São Paulo Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará e Amapá Federações de Agricultores Familiares Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul Fernando Henrique Cardoso Fundo de Investimento da Amazônia Fundo Constitucional para Região Norte Fundação Nacional de Saúde Fetagri Regional Sudeste Fundação Nacional do Índio Fundo de Assistência e Previdência ao Trabalhador Grupo Executivo de Terras do Araguaia Tocantins Instituto Brasileiro do Meio Ambiente Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços Índice de Desenvolvimento Humano Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil Instituto Inter Americano de Cooperação Agrícola Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas xii

INSS IPAR IPC ITERPA JICA LASAT LO MAB MASTER MDA MDB MDV MEB METABASE MIRAD MPF MPST MR-8 MST MSTR NAAC NAEA NEAF OAB-PA OGU OIT ONG PA PCB PC do B PCLB PDA PDC PDS PDS PDSA PDT PF PGC PIC PIN PM PMDB PND PNATER PNRA PO POLAMAZÔNIA PRA PRC Instituto Nacional de Seguridade Social Instituto Pastoral Regional Instituto de Terras do Pará Japan International Cooperation Agency Laboratório Sócio-Agronômico do Araguaia Tocantins Licença de Ocupação Movimento dos Atingidos por Barragens Movimento dos Agricultores Sem Terra Ministério do Desenvolvimento Agrário Movimento Democrático Brasileiro Movimento em Defesa da Vida Movimento de Educação de Base Sindicato dos Metalúrgicos de Marabá Ministério da Reforma Agrária e do Desenvolvimento Ministério Público Federal Movimento pela Sobrevivência da Transamazônica Movimento Revolucionário Oito de Outubro Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais Nippon Amazon Aluminium Company Núcleo de Altos Estudos Amazônicos Núcleo de Estudos Integrados Sobre Agricultura Familiar Organização dos Advogados do Brasil, seção Pará Orçamento Geral da União Organização Internacional do Trabalho Organização Não Governamental Projeto de Assentamento Partido Comunista Brasileiro Partido Comunista do Brasil Paróquia de Confissão Luterana de Belém Plano de Desenvolvimento da Amazônia Partido Democrata Cristão Partido Democrata Social Projeto de Desenvolvimento Sustentável Plano de Desenvolvimento Sustentável do Assentamento Partido Democrático Trabalhista Polícia Federal Programa Grande Carajás Programas Integrados de Colonização Programa de Integração Nacional Polícia Militar Partido do Movimento Democrático Brasileiro Plano Nacional de Desenvolvimento Política Nacional de ATER Plano Nacional de Reforma Agrária Programação Operacional Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia Plano de Recuperação do Assentamento Partido Revolucionário Comunista xiii

PROCERA PRONAF PRONERA PROTERRA PROVAP PSB PSDB PSTU PT PVEA RB SAF SAGRI SAR SDDH SER SERPAJ SESPA SINDIPLAN SINTEP SMDH SNCR SNI SORPE SPDDH SPI-TUC SPVEA SRB SR27E STR SUDAM SUDENE TDA TM UDR UFPA UFRGS UHE ULTAB ULTAP UNIPOP UNISINOS UTA VBP Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária Programa de Redistribuição de Terras e Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste Programa de Valorização da Pequena Produção Rural Partido Socialista Brasileiro Partido da Social Democracia do Brasil Partido Socialista dos Trabalhadores Unidos Partido dos Trabalhadores Plano de Valorização Econômica da Amazônia Relação de Beneficiário Secretaria da Agricultura Familiar Secretaria de Agricultura do Estado do Pará Serviço de Assistência Rural Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos Sindicato de Empregados Rurais Serviço de Paz e Justiça Serviço de Saúde do Pará Sindicato dos Produtores da Reforma Agrária Sindicato dos Professores Sociedade Maranhense de Direitos Humanos Sistema Nacional de Crédito Rural Serviço Nacional de Informação Serviço de Orientação Rural Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos Serviço de Patrimônio Imobiliário de Tucuruí Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia Sociedade Rural Brasileira Superintendência Regional 27 E Sindicato dos Trabalhadores Rurais Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste Título da Divida Agrária Tendência Marxista União Democrática Ruralista Universidade Federal do Pará Universidade Federal do Rio Grande do Sul Unidade Hidrelétrica União dos Lavradores e Trabalhadores do Brasil União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Pará Universidade Popular Universidade do Vale dos Sinos Unidade Técnica de Articulação Valor Bruto da Produção xiv

SUMÁRIO INTRODUÇÃO... 1 A Base Empírica...9 A Base das Informações e as Técnicas de Coleta...12 Estrutura do Texto...13 CAPÍTULO I FORMAÇÃO POLÍTICA E ECONÔMICA DO SUDESTE PARAENSE... 15 1.1 Migrações, Extrativismo, Ocupação do Espaço Regional e Consolidação da Oligarquia Local 15 1.2 Políticas Governamentais e Consolidação das Grandes Propriedades...22 1.3 O Grupo Executivo de Terras do Araguaia Tocantins, o Programa Grande Carajás e o Acirramento dos Conflitos pela Posse da Terra...36 CAPÍTULO II A LUTA PELO RECONHECIMENTO E PELOS DIREITOS...46 2.1 Os Primeiros Passos para a Constituição de um Sindicalismo no Meio Rural (Pré-64)...46 2.2 As Organizações de Trabalhadores Rurais no Período do Governo Militar (1964-1970)...57 2.3 O Sindicalismo dos Anos 1980: Transformações Internas e Consolidações de Novos Atores...70 CAPÍTULO III OS SINDICATOS NA CENA POLÍTICA DO SUDESTE PARAENSE... 77 3.1 Das Comunidades Eclesiais de Base à Formação das Oposições Sindicais no Sudeste Paraense...77 3.2 Os novos Rumos do Sindicalismo no Estado...91 3.3 Sindicatos e Organizações no Período de Ajuste Estrutural e Crescimento Econômico...103 CAPÍTULO IV DISPUTA PELA REPRESENTAÇÃO POLÍTICA E NOVA PRÁTICA SINDICAL... 108 4.1 Atuação Regionalizada: Fortalecendo o Papel de Representação do Sindicalismo de Trabalhadores Rurais...108 4.2 A Inserção do MST na Região Sul e Sudeste do Pará: Relações Tensas e Aprendizados Mútuos...119 4.3 Associações de Produtores, Centrais de Associações e Federação de Associações: Disputando o Acesso as Políticas Públicas a Representação dos Agricultores...129 CAPÍTULO V ORGANIZAÇÕES EM MOVIMENTO E AÇÃO COLETIVA 148 5.1 As Ações Coletivas no Contexto Regional...148 xv

5.2 O Enterro Simbólico do Incra: Disputa Política e Construção de Legitimidade... 155 5. 3 Construindo Demandas e Mobilizando Aliados...163 CAPÍTULO VI OS GRANDES ACAMPAMENTOS COMO INSTRUMENTO DE LUTA POR POLÍTICAS PÚBLICAS... 175 6.1 Montar o Grande Acampamento: Demonstração de Organização e Força Política...175 6.2 Manifestando e Negociando: o Jogo de Interesse dos Diferentes Atores....183 6.3 A Pauta de Reivindicação: Espaço de Negociação e Construção de Identidade....195 6. 3.1 As questões gerais: marcando a posição no processo de negociação...196 6.3.2 - As questões específicas: a disputa pelos recursos...201 CONCLUSÃO... 207 REFERÊNCIAS... 212 xvi

INTRODUÇÃO A região sudeste do Pará esteve sempre ligada a grandes conflitos fundiários, seja em função de seu potencial natural de produtos florestais extrativos, produção mineral ou a agropecuária. A violência que os tem acompanhado tem sido característica marcante da região. Desde o seu processo inicial de povoamento por populações não indígenas se estabeleceu uma incessante disputa pelos seus diferentes recursos. A presença de agricultores entre os muitos grupos que se deslocaram para a região foi sempre marcante. Em épocas remotas, esses agricultores se dedicaram à coleta de produtos florestais como o caucho e a castanha, à caça de animais selvagens para venda de peles, ao garimpo, à implantação de pastagens para grandes fazendeiros e à produção de culturas alimentares. De uma maneira ou de outra participaram ativamente da construção social, econômica e política da região. Durante a maior parte do século XX os agricultores, permaneceram invisíveis politicamente no espaço social. Distribuídos em comunidades com fortes laços de vizinhança e parentesco desenvolveram relações de solidariedade que garantiram sua existência social a despeito da frágil participação nas esferas da política e da representação profissional. A expressão pública dos agricultores se fez notar a partir do momento em que um conjunto de políticas governamentais incrementou o processo migratório para a região, intensificando os conflitos pela posse da terra. Ocupando terras devolutas ou não, agricultores, empregados de fazendas, vaqueiros, meeiros e trabalhadores na terça 1, vindos de outras regiões, tornaram-se posseiros no Sudeste do Pará (GUERRA, 2001). Na condição de posseiros, desenvolveram lutas para conquistar e resistir na terra. Foi nessa condição que passaram a se organizar em Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), associações, caixas agrícolas e mais tarde em sindicatos. Os primeiros Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs) da região sudeste do Pará, foram criados a partir dos anos 70, fortemente ligados à política de colonização e sob a tutela do Estado autoritário. Durante os anos 80, com o apoio de diferentes grupos de mediação, lideranças rurais oriundas das CEBs, criaram associações (HÉBETTE, 1997), empenharam-se na construção de oposições sindicais, assumiram paulatinamente a direção dos sindicatos e tornaram-se os principais porta-vozes dos agricultores. Inseriram-se nas disputas políticas regionais e construíram uma imagem de resistência ao latifúndio, defesa e luta pela terra. Por meio desse processo, as entidades sindicais se consolidaram como principal porta-voz dos agricultores. Construiu-se o que se pode chamar de uma hegemonia da representação pelo sindicalismo de trabalhadores rurais. Na década seguinte, novas organizações proliferaram. Ainda na década de 1990, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) iniciou sua ação na região. Na virada do século, outras formas organizativas que se originaram também no Sul do país, como a Federação da Agricultura Familiar (FETRAF), 2 aportaram na região. Concomitante a esse processo intenso de constituição de entidades representativas dos agricultores, diferentes ações coletivas foram sendo gestadas e implementadas. Hébette (1997) considerou que várias formas de ações coletivas foram implementadas mesmo antes do sindicalismo de trabalhadores rurais assumir a hegemonia da representação dos agricultores. Não podemos esquecer que o regime 1 Caracteriza-se como trabalho na terça quando o produto de um determinado ciclo agrícola é dividido em três partes sendo uma para o agricultor e duas para o dono da terra. 2 A primeira Federação da Agricultura Familiar surgiu na região Sul do Brasil, reunindo sindicatos de agricultores familiares dos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. 1

autoritário que perdurou por mais de vinte anos, forçou as entidades de representação, fossem elas sindicais ou não, a um recuo em suas atividades. Isso não impediu que os agricultores se mobilizassem por meio de ações coletivas em defesa de seus direitos. A região sudeste do Pará foi um exemplo dessa força social criativa dos agricultores. Durante décadas lutaram contra a política econômica do governo que priorizava a formação de grandes latifúndios em detrimento das unidades de produção de base familiar. Esse apoio às entidades patronais fazia parte de uma política agrícola que visava promover complexos agroindustriais de exportação, e uma política agrária que regulava a distribuição de terra em seu favor. Esse processo predominou de certa maneira em toda a América Latina (PIÑEIRO, 2005). Na condição de posseiro ou elevado à categoria de trabalhador rural, pequeno produtor, camponês e nos dias atuais a agricultores familiares, se mobilizaram e se tornaram reconhecidos no jogo político. A preocupação central desta tese é analisar as transformações das entidades de representação dos agricultores familiares e de suas ações no sudeste paraense, considerando o contexto sócio-político dos anos noventa do século XX. A preocupação em estudar esse tema surgiu a partir da minha própria inserção em atividades de pesquisa, ensino e extensão, ligadas estreitamente a dirigentes e entidades sindicais. Definir um objeto de estudo a partir da inserção profissional é um grande desafio para qualquer pesquisador das ciências humanas. Este desafio é ainda mais complexo para alguém cuja formação acadêmica original é de outro campo disciplinar, como no meu caso, graduado em Agronomia. Apesar da consciência das dificuldades, não tinha como ser diferente. Após vários anos atuando profissionalmente na assessoria de Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs), num primeiro momento e, em seguida, no âmbito de um programa de Pesquisa, Formação e Desenvolvimento, da Universidade Federal do Pará (UFPA), estabelecendo uma relação direta com os atores locais e de forma privilegiada com as lideranças sindicais rurais e suas organizações de representação (sindicatos, associações e cooperativas), tornou-se uma necessidade refletir, de forma sistemática e à luz das contribuições das Ciências Sociais, sobre as relações entre a dinâmica das lutas e o desenvolvimento social e econômico regional. O meu primeiro contato com o sindicalismo de trabalhadores rurais foi em 1986 3 através de um projeto conjunto da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), cujo objetivo era prestar assessoria educacional não formal e técnica agrícola aos agricultores desalojados pelo enchimento do lago da hidrelétrica de Tucuruí. A expressão educação não formal era utilizada pelos diferentes grupos de assessores para designar as atividades de assessoria sindical e política aos STRs; da mesma forma, assessoria técnica agrícola compreendia um conjunto de atividades de orientação técnica aos agricultores, visando a organização da produção. Esse conjunto de atividades se inspirava na proposta pedagógica do educador Paulo Freire (FREIRE, 1983) e em alguns fundamentos da Teologia da Libertação (BOFF, 1981 & BOFF, 1984). A junção desses dois tipos de assessoria numa mesma equipe atendia a uma demanda que não era tão claramente formulada pelo próprio sindicalismo, na busca de soluções para os problemas políticos e os desafios técnicos dos sistemas de produção nas propriedades. Os agricultores, organizados pelo STR de Tucuruí, com apoio de entidades como a CPT, IECLB e Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SPDDH), se articulavam no Movimento em Defesa da Vida (MDV) e, posteriormente, no Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), para reivindicar da Eletronorte e do 3 Ano em que concluí o curso de graduação em Agronomia pela Faculdade de Ciências Agrárias do Pará FCAP, em Belém. 2

governo federal providências mitigadoras dos impactos negativos da construção da hidrelétrica. Várias manifestações foram realizadas na sede do município como forma de dar visibilidade aos problemas ambientais e sociais de um projeto de tal envergadura. A construção da barragem produziu um conjunto de efeitos negativos. Um deles foi o deslocamento de um grande número de famílias que habitavam as margens do rio Tocantins há várias gerações. A re-alocação dessas famílias deu-se por meio de um processo com efeitos contraditórios. Ao mesmo tempo em que era considerado como uma vitória das organizações de representação, constituía um problema sério para as famílias re-alocadas. Para estas, o deslocamento era, ao mesmo tempo, a perda de um território construído na convivência com a floresta e o rio e da rede de relações sociais construídas por gerações. Laços de vizinhança, de parentesco, de compadrio e de afetividades foram quebrados e dificilmente serão reparados. O segundo momento de contato com uma entidade sindical foi no final da década de 1980, por meio de um projeto financiado pela cooperação internacional 4. Fui selecionado para trabalhar como assessor técnico no STR de Paragominas 5, região nordeste do estado do Pará. A discussão sobre a preservação da floresta e a melhoria da qualidade de vida dos agricultores eram os principais componentes do projeto. Pretendia-se, com o apoio das entidades de representação dos agricultores, notadamente o sindicato, ampliar a discussão sobre a preservação ambiental e divulgar novas possibilidades de uso da terra. O município abrigava dois grupos distintos de agricultores: um composto por migrantes que chegaram à região através da rodovia Belém/Brasília e que se estabeleceram na parte leste, e outro, composto por agricultores ribeirinhos das margens do Rio Capim, a oeste do município. A degradação ambiental do município devido à intensa atividade pecuária e madeireira, tornava a proposta do STR uma atividade inovadora e solitária. Havia um consenso entre técnicos e dirigentes sindicais de que o sistema tradicional de corte e queima estava chegando a um ponto de estrangulamento e que novas alternativas deveriam ser apresentadas aos agricultores. A principal delas, discutida no âmbito do projeto, era a implantação de Sistemas Agroflorestais 6. Segundo as premissas do projeto, por meio dos Sistemas Agroflorestais, os agricultores podiam potencializar a combinação de espécies vegetais e animais mantendo um alto índice de diversidade biológica e aumentar o leque de alternativas econômicas dos seus sistemas de produção. Esse diagnóstico inicial tornava-se mais complexo quando os contatos se tornaram mais estreitos entre técnicos, agricultores e lideranças sindicais. A falta de infra-estrutura básica como estradas, escolas, postos de saúde e a frágil inserção dos agricultores nas redes de comercialização era apenas a ponta de um problema maior com o qual as famílias se enfrentavam, principalmente na região do Rio Capim, onde predominava um sistema de dominação que misturava assistencialismo, paternalismo e obediência pela dívida contraída com comerciantes. A realidade era complexa e demandava muito mais que o desenvolvimento de uma proposta técnica que superasse o sistema de corte e queima. Para o STR o desafio não era só técnico, como imaginava a maioria das agências que apoiavam financeiramente a iniciativa. Paragominas era terra de latifúndios, de exploração descontrolada de madeira, de grandes projetos de exploração de minérios como o caulim pela Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e de disputa acirrada pela 4 O projeto foi financiado inicialmente pelo Fundo Canadense para Pequenos Projetos, ligado à Embaixada do Canadá e depois pela Ford Foundation e pelo World Wildlife Fund (WWF). 5 O nome do município enunciava a composição de sua população oriunda do estado do Pará, Goiás e Minas, formando o nome composto Paragominas. 6 Proposta que veio a ser apoiada pela Rede Brasileira Agroflorestal (REBRAF). 3