2 - Quem autoriza o acesso é o CGEN ou o povo detentor do conhecimento tradicional?



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Transcrição:

Dúvidas e pontos polêmicos levantados na discussão sobre o Anteprojeto de Lei de Acesso ao Material Genético e seus Produtos, de Proteção aos Conhecimentos Tradicionais Associados e de Repartição de Benefícios Derivados do seu Uso. Fruto das discussões realizadas durante a oficina Biodiversidade e Direitos Indígenas, o presente texto trás um apanhado geral das principais dúvidas geradas e das principais polêmicas surgidas durante a discussão dos temas de que trata o APL. 1 Quando um determinado conhecimento tradicional é compartilhado por mais de um povo como se dá o consentimento prévio e informado e a repartição de benefícios? O interessado pelo acesso deve consultar ao menos um povo detentor do conhecimento tradicional de interesse. O interessado deverá realizar todo o processo de consulta, respeitando as formas de organização do povo. Para obter a autorização do CGEN (Conselho de Gestão do Patrimônio Genético), o interessado deve apresentar o projeto de pesquisa, o consentimento prévio fundamentado, o termo de responsabilidade (quando não houver fins comerciais) e um contrato de acesso e repartição de benefícios (no lugar do termo de compromisso, quando houver fins comerciais). Se o povo que autoriza o acesso desejar, todos os documentos (contrato, projeto de pesquisa etc) devem estar em sua língua nativa. No caso, se um povo autorizar o acesso e outro não o acesso continua valendo para o primeiro povo, já que nenhum povo pode proibir outro de autorizar o acesso. Se somente um povo autorizar, o segundo terá direito aos benefícios resultantes do acesso através do fundo de repartição de benefícios, mas não terá direito aos benefícios acordados no contrato ou termo de compromisso celebrado entre o povo que autorizou o acesso e o interessado. A repartição dos benefícios será previamente acordada entre o interessado pelo acesso e o povo na forma de um contrato que será avaliado e autorizado pelo CGEN Conselho de Gestão do Patrimônio Genético. A repartição dos benefícios resultantes do acesso, através do Fundo de repartição de benefícios, ainda não foi regulamentada. 2 - Quem autoriza o acesso é o CGEN ou o povo detentor do conhecimento tradicional? O povo (indígena, quilombola ou local) é quem autoriza o acesso ao conhecimento tradicional ou ao material genético objeto da pesquisa. O CGEN atua como um fiscalizador do processo, isto é, ele fiscaliza se o contrato feito entre o povo detentor e o pesquisador ou indústria interessada é justo, se segue as normas estabelecidas pela lei, garante o cumprimento das obrigações previstas e o respeito aos direitos dos povos detentores. Caso isso não tenha ocorrido, o CGEN não concede a autorização para o acesso. Se por acaso todo o processo já tiver sido concluído (acesso, desenvolvimento de produto e geração de benefícios a partir do acesso), o CGEN pode aplicar multas ou outras sanções penais, tais como pedido de anulação de patente.

Ou seja, mesmo que o povo tenha autorizado o acesso, este ainda terá que passar pelo crivo do CGEN antes de ser efetivado, sendo nulos os contratos que não forem analisados pelo CGEN. 3 - As patentes não seriam uma forma de se proteger os conhecimentos tradicionais do uso não autorizado e remunerado? Por que não se cria uma empresa indígena de patentes? Os povos indígenas podem deter patentes? A patente existe para proteger direitos individuais, uma criação feita por um indivíduo, e o conhecimento tradicional é coletivo, o que torna difícil se encaixar no sistema de patenteamento. Se fosse possível patentear o conhecimento tradicional, apenas um indivíduo ou um determinado povo seria o dono oficial do conhecimento, o que poderia trazer problemas, pois a grande maioria dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade são compartilhados por vários povos e indivíduos. Além disso, a patente tem um tempo de duração, após o qual qualquer um pode usar a invenção protegida sem pedir autorização para ninguém, o que poderia ser um problema para alguns conhecimentos tradicionais cujo uso por terceiros cause ofensa a seus titulares, já que após algum tempo seu uso seria livre. Não é usando o sistema de patentes que os conhecimentos tradicionais serão protegidos, mesmo porque a patente não respeita as formas de organização e representação dos povos indígenas. Os conhecimentos tradicionais podem até ter uso industrial, mas por não ser uma novidade não pode ser tratado como invenção. Por isso, o conhecimento não é patenteável. Quanto à empresa indígena de patenteamento, é uma hipótese, mas devemos lembrar que não é o conhecimento tradicional que é patenteado, mas sim o processo desenvolvido a partir do conhecimento. Os povos podem fazer essas empresas, mas podem correr o risco de excluir os outros povos detentores dos mesmos conhecimentos tradicionais, que não participariam da empresa e, portanto, não participariam dos benefícios econômicos que ela viesse a gerar. 4 - Às vezes quem detêm o conhecimento é só o pajé. Nesse caso não valeria a patente? É difícil generalizar o conhecimento de especialistas (pajé) com o conhecimento de todo o povo. Por isso, a necessidade de se definir quem são os titulares, se é o pajé o detentor ou se é todo o povo. Como falado antes, não é possível patentear o conhecimento em si, mas apenas produtos feitos com a ajuda desse conhecimento. Muitos dos conhecimentos do pajé não geram necessariamente um produto e mesmo aqueles que permitem fazer um remédio, por exemplo, dificilmente serão realmente protegidos por meio da patente. A patente muitas vezes serve para privatizar o conhecimento, evitando que outros o usem. Para proteger os conhecimentos tradicionais, é necessário ir no caminho inverso, incentivando que os jovens continuem usando os conhecimentos dos velhos. É melhor garantir a formação de novos pajés que vão proteger e repassar os conhecimentos tradicionais, do que criar patentes que não protegem os conhecimentos tradicionais, mas um produto. Devemos conservar as formas de transmissão dos conhecimentos tradicionais.

Os conhecimentos tradicionais dos pajés estão se perdendo e precisam ser preservados, e um dos objetivos da lei é a preservação dos conhecimentos tradicionais. A patente não garante a transmissão dos conhecimentos tradicionais ao longo do tempo, a única forma de garantir é mantendo os mecanismos tradicionais de transmissão dos conhecimentos tradicionais. Além disso, é questionável tratar os conhecimentos tradicionais como algo individual. Mesmo que só o pajé detenha aquele conhecimento, ele faz parte de um povo, adquiriu esse conhecimento de outras pessoas desse mesmo povo e, por isso, os direitos sobre esse conhecimento devem ser tratados coletivamente, como ademais acontece com os direitos indígenas em geral. Os índios têm um direito coletivo sobre a terra, embora cada um tenha sua casa, sua roça, suas coisas. A propriedade coletiva dá mais força e garantia aos indígenas, impedindo que um ou outro indígena venda parte da terra e, assim, prejudique o restante da comunidade e as futuras gerações, que precisarão da terra para sobreviver. Assim, apesar do conhecimento estar na cabeça do pajé, para os fins da lei os conhecimentos tradicionais são coletivos, artigo 36 do APL, logo não são patenteáveis. 5 O que são royalties? É um direito que o titular da patente tem de receber benefícios a partir do uso por terceiros da idéia que ele protegeu. Os royalties são uma parte do dinheiro recebido através da patente, toda vez que alguém quiser usar a invenção patenteada deverá pagar os royalties para usar. Os povos indígenas podem exigir participação nos royalties de um produto que tenha sido feito a partir do uso de um conhecimento tradicional indígena, e essa seria uma forma de repartição de benefícios originados do acesso aos seus conhecimentos tradicionais. Em média, as patentes têm 20 anos de duração e depois o uso do processo passa a ser livre. Nem o pesquisador e nem o povo que foi acessado (se tiver optado pelo benefício dos royalties) terão mais direito de receber benefícios pela patente. Apesar de ser uma das formas mais rentáveis de repartição de benefícios (sempre quando o processo patenteado, a partir do conhecimento acessado, tenha uma importante utilidade, gere lucros ao seu proprietário, seja bem difundida e utilizada) seu prazo de expiração faz com que os povos detentores deixem de ter direitos sobre o processo depois que a patente expira. Os povos tradicionais podem negociar no contrato de acesso e repartição de benefícios, formas de benefícios que incluam, além de uma série de outros benefícios, participação nos royalties, mas ideal é garantir outras formas de benefícios, porque nem sempre uma patente pode gerar lucros e produtos a partir do processo registrado. 6 Qual o prazo para encaminhar o APL para votação? Existe alguma forma dos povos indígenas interferirem no texto do APL? O texto do APL se encontra no momento em discussão na Casa Civil da Presidência da República. O ideal é pedir uma audiência com o responsável pelo APL na Casa Civil. Inclusive porque deve ser uma preocupação deles expor os conflitos do APL no Congresso. Eles inclusive têm dúvidas se agora seria a melhor conjuntura para enviar esse APL. O texto do APL será enviado e aprovado no Congresso Nacional. Temos observado a situação da política indígena no Congresso, e sabemos que, mesmo que tenha sido criada

uma frente de defesa dos direitos indígenas, existem articulações contrárias aos indígenas, aliando os setores mais conservadores da bancada da Amazônia, como Mozarildo Cavalcanti, com setores da bancada ruralista, defensores dos grandes latifundiários, não só a contrariar os direitos indígenas, mas também para atacar os temas do meio ambiente. A disputa será acirrada e com risco para os direitos indígenas. Além disso, o Congresso está esvaziado, devido às eleições, o que vai dificultar muito a articulação. Ele só vai retomar seu trabalho em novembro, e volta com muitas coisas atrasadas, mas se o governo mandar o APL, inevitavelmente se desencadeará o trâmite e o início das discussões, mas provavelmente só no ano que vem a discussão realmente tome corpo. Quanto a intervir no texto, existem duas possibilidades: 1 Audiência na casa civil, onde o movimento indígena poderia levar suas preocupações e contribuições, como sugestões de redação que garantam os direitos mínimos, como consentimento prévio e informado e repartição justa e eqüitativa dos benefícios, alem de garantir a participação dos indígenas com direito a voto no CGEN. 2 Atuação direta no congresso, com os parlamentares sensíveis ao tema indígena visando garantir uma bancada de peso que defenda os interesses indígenas no APL. 7 - O que aconteceu com os outros projetos de lei sobre o tema que estavam em discussão no congresso? Esses projetos eram muito simples, os próprios autores reconheciam que estavam inacabados e inadequados ainda. Precisavam ser melhorados, mas nessa primeira fase da discussão, as propostas passaram batidas, não houve uma grande discussão, os interesses antiindígenas nem chegaram a identificar o tema como problema, o que não ocorre no momento. Outras leis em discussão, como a dos transgênicos, despertaram o interesse nessa bancada conservadora em saber como isso interfere em seus interesses. A discussão agora voltará mais quente, com propostas mais complexas e detalhadas, que levantarão maiores problemas. Em relação ao porquê do PL da Marina Silva, que era de 1995, não ter vingado, a explicação é que a discussão foi atropelada pela Medida provisória. O atropelo se deu em função de um contrato firmado entre a empresa brasileira Bioamazônia e a multinacional Novartis. O contrato dizia que a Bioamazônia enviaria uma série de plantas brasileiras para a Novartis, esta patentearia todas elas e repartiria os benefícios resultantes da patente com a Bioamazônia, alem de transferir tecnologia para a empresa brasileira. De 1995 pra cá a discussão evoluiu, incorporando-se questões que não estavam incorporadas no PL. Por isso a ministra Marina do MMA promoveu uma discussão, durante um ano, com a sociedade para retomar a construção de uma lei. 8 - Como fazer a distinção entre pesquisas acadêmicas e com interesses econômicos? O APL cria categorias diferenciadas de pesquisa. Separa empresas de desenvolvimento tecnológico e centros de pesquisa, além de obrigar os interessados a declarar a finalidade do acesso, como se lê no artigo 15 do APL:

Art. 15 - Para efeito de autorização do Conselho de Gestão, compete à instituição que realiza o acesso indicar a sua finalidade. 1º Em caso de dúvida sobre a finalidade do acesso, compete ao Conselho de Gestão decidir e indicar as regras aplicáveis ao caso. 9 E se a pesquisa no início era sem fim comercial e, depois do resultado, os pesquisadores descobrem um uso comercial, como ficam os direitos dos povos indígenas? Além do consentimento prévio informado, o pesquisador deverá ter uma autorização do CGEN para fazer a pesquisa. O CGEN irá monitorar toda as etapas da pesquisa. Se houver alguma nova finalidade ou a perspectiva de gerar produto comercial, o pesquisador deverá obter outra autorização e consentimento prévio informado. Se não for informado, o CGEN poderá multar, penalizar ou anular a patente do pesquisador. Como se lê no artigo 15 do APL: Artigo 15-2º Ocorrendo alteração da finalidade do acesso, a instituição deverá notificar o Conselho de Gestão, e adequar-se às novas exigências, nos termos desta Lei, como condição para a continuidade da atividade. 10 O que é consentimento prévio e informado? É a exigência de que as comunidades locais, indígenas e quilombolas sejam consultadas para dar seu consentimento voluntário antes que uma pessoa, instituição ou empresa tenha acesso a conhecimentos tradicionais ou recursos genéticos dentro do seu território, ou disponibilizado em bancos de dados ou outros meios indiretos de acesso. É vital para essa definição, no entanto, que as comunidades sejam informadas dos riscos e benefícios de um projeto, para então dar de fato a sua autorização voluntária. Pode ser considerado também como o consentimento formal dado pelo provedor do material genético e seus produtos ou pelo provedor do conhecimento tradicional associado, previamente, e como condição essencial para a realização do acesso. Consentir é concordar com algo. O consentimento deve ser prévio para se evitar que o interessado acesse o conhecimento ou o material genético antes de ter recebido a autorização do povo. E deve ser informado, porque o povo deve saber todas as conseqüências resultantes do acesso, tanto conseqüências boas (benefícios) quanto más (perda da exclusividade sobre o conhecimento acessado, por exemplo). Em suma, o consentimento prévio e informado é a garantia de que o povo saberá quem está interessado pelo acesso, para que quer acessar e quais as conseqüências do acesso. 11 O que é acesso? Existem duas formas de acesso, o acesso a conhecimento tradicional e acesso a material genético, que são definidos como:

Acesso a conhecimentos tradicionais associados: obtenção de informação sobre conhecimentos tradicionais associados à diversidade biológica que possibilite ou facilite o acesso a material genético e seus produtos; Acesso a material genético e seus produtos: atividade realizada sobre material genético e seus produtos, com o objetivo de isolar, identificar ou utilizar unidades funcionais de hereditariedade, moléculas decodificadas a partir dessas unidades, a informação nelas contidas, bem como os produtos metabólicos de células ou organismos vivos; Em outras palavras, o acesso a conhecimento tradicional é conseguir qualquer tipo de informação, caracterizado como saber tradicional, sobre um determinado ser vivo, que possibilite ao interessado desenvolver uma pesquisa ou produto. Enquanto o acesso a material genético é a obtenção de um ser vivo, ou parte dele (tecido, célula ou material genético DNA) que possibilite ao interessado desenvolver uma pesquisa ou produto. 12 - Quem é que estabelece o tempo necessário para se realizar a consulta (consentimento prévio informado), sabendo que as pesquisas seguem prazos determinados para seu início e conclusão? Diz a lei que o tempo necessário para ser realizado o consentimento prévio e informado será estabelecido pelo povo indígena, quilombola ou local, que estiver sendo consultado. Quem decide como vai ser o processo de consentimento é o povo detentor. Se o pesquisador ou a empresa não aceitar, a pesquisa e o acesso não serão feitos. Quem determina como todo o processo de consulta vai se dar é o povo detentor. 13 Qual a diferença de povo provedor e povo detentor nos termos do APL? Não há essa diferenciação no APL, ele usa o termo provedor como alguém que cede o conhecimento. E o detentor como sendo o povo que tem o conhecimento. O ideal seria chamar só de detentor. Os dois conceitos se confundem. 14 O APL trata povos indígenas da mesma forma que quilombolas e comunidades locais. Podem, por esta razão, estar os direitos indígenas ameaçados? Os quilombolas têm seus direitos territoriais garantidos na constituição, assim com os indígenas. Eles são comunidades negras rurais que gozam de direitos territoriais. Nesta lei, os quilombolas, indígenas e comunidades locais têm os mesmos direitos. Não significa que eles vão tirar os direitos indígenas. O tratamento semelhante se dá justamente por serem todos estes povos detentores de conhecimentos tradicionais associados a recursos genéticos. Por serem todos detentores, merecem os mesmos direitos. 15 - Qual a instância de participação dos indígenas? No conselho CGEN criado pela medida provisória, os índios têm direito a voz. No APL está prevista a reformulação do CGEN, como se lê abaixo:

Art. 60 Fica criado, no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético CGEN, órgão colegiado de caráter deliberativo e normativo, composto por órgãos governamentais e pela sociedade civil. 1º O Conselho será presidido pelo representante do Ministério do Meio Ambiente. 2º A sociedade civil será representada, entre outros, por: I - povos indígenas; II quilombolas; III - comunidades locais; IV - setor empresarial; V - setor acadêmico; VI entidades ambientalistas; 3º O Conselho terá sua composição e seu funcionamento dispostos em regulamento. É justamente nessa regulamentação que se tratará da composição e do funcionamento do conselho. No conselho deve ser garantida a participação indígena com direito a voto e não, simplesmente, com direito a voz. Embora tal regulamentação possa vir a demorar a ser editada, a opinião e o desejo dos povos indígenas, manifestada pelo direito a voz, sempre fazem muita pressão sobre o conselho - CGEN, por isso é imprescindível a participação dos povos no CGEN, mesmo que por hora apenas usando o direito a voz. 16 Que direitos os povos indígenas têm assegurado no APL? São os que se vêem redigidos no artigo abaixo: Art. 38 São direitos morais e patrimoniais dos detentores de conhecimentos tradicionais associados: I- ter indicada a origem do acesso a conhecimentos tradicionais associados em todas as publicações, registros, inventários culturais, utilizações, explorações e divulgações; II- negar o acesso aos seus conhecimentos tradicionais associados, sem prejuízo do consentimento dado por outros detentores que compartilhem os mesmos conhecimentos. III- impedir terceiros não autorizados de utilizar, realizar testes, pesquisas ou exploração, relacionados aos conhecimentos tradicionais associados; IV- impedir terceiros não autorizados de divulgar, transmitir ou retransmitir dados ou informações que integram ou constituem conhecimentos tradicionais associados. V- utilizar, gozar e fruir de seus conhecimentos tradicionais associados, bem como autorizar, prévia e expressamente, a sua utilização ou exploração por terceiros; VI- perceber benefícios pela utilização ou exploração por terceiros, direta ou indireta, de seus conhecimentos tradicionais associados;

Art. 39 Independe de quaisquer atos constitutivos do Poder Público, o exercício dos direitos assegurados por esta lei aos povos indígenas, comunidades locais e quilombolas sobre seus conhecimentos tradicionais associados.