Child abuse: Perception and responsibility of dentists



Documentos relacionados
PALAVRAS CHAVE: Promoção de saúde, paciente infantil, extensão

5 Considerações finais

AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA SEGUNDO A PERCEPÇÃO DE ESTUDANTES DA REDE PÚBLICA INCLUSOS NO PROJOVEM ADOLESCENTE

A AIDS NA TERCEIRA IDADE: O CONHECIMENTO DOS IDOSOS DE UMA CASA DE APOIO NO INTERIOR DE MATO GROSSO

DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS: A PERCEPÇÃO DOS ALUNOS DA ESCOLA ESTADUAL PROFESSOR JOSÉ GOMES, PATOS, PARAÍBA, BRASIL

A RELEVÂNCIA DAS ATIVIDADES DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE DO PROJETO DE EXTENSÃO AÇÕES DE PREVENÇÃO E DE RESOLUÇÃO DA CÁRIE E DO TRAUMATISMO DENTÁRIO

OUVIDORIA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS. Balanço das Denúncias de Violações de Direitos Humanos

Mapa do Encarceramento: os jovens do Brasil

Linha 1: Resposta biológica nas terapias em Odontologia.

TÍTULO: AVALIAÇÃO DE TRAUMATISMO DENTO-ALVEOLAR EM ESPORTISTAS DE RIBEIRÃO PRETO

MÃES MULHERES ENCARCERADAS: A PENA É DUPLICADA

PROCESSO SELETIVO N PARA CONTRATAÇÃO DE PESSOAL

ISSN ÁREA TEMÁTICA: (marque uma das opções)

AS CONTRIBUIÇÕES DAS VÍDEO AULAS NA FORMAÇÃO DO EDUCANDO.

Resultado da Avaliação das Disciplinas

SABERES E PRÁTICAS SOBRE A FORMA DE COMUNICAÇÃO AO PACIENTESURDO PELOS PROFISSIONAIS DE ODONTOLOGIA EM CACOAL-RO

RESOLUÇÃO. Artigo 4º - Os alunos inseridos no regime anual seguem o currículo previsto na Resolução CONSEPE 38/96, até sua extinção.

ANÁLISE DOS INDICADORES DE ASSISTÊNCIA AO PACIENTE CIRÚRGICO

AVALIAÇÃO DOS CASOS DE VIOLÊNCIA NA POPULAÇÃO ACIMA DE 60 ANOS NO MUNICÍPIO DE CAMPINA GRANDE-PB

IV MOSTRA ACADÊMICA DE ENFERMAGEM DA UFC

BULLYING, ISTO NÃO É BRINCADEIRA`

O PROCESSO DE INCLUSÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIAS NO MUNICÍPIO DE TRÊS LAGOAS, ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL: ANÁLISES E PERSPECTIVAS

TÍTULO: ESTUDO SOBRE PREVENÇÃO E CONHECIMENTO DE DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS E AIDS ENTRE ACADÊMICOS DO CURSO DE FISIOTERAPIA DA UNIABC

IMPLANTANDO O ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS NA REDE ESTADUAL DE ENSINO

DIAGNÓSTICO DO ABUSO INFANTIL NO AMBIENTE ODONTOLÓGICO. UMA REVISÃO DA LITERATURA

DESENVOLVIMENTO INFANTIL EM DIFERENTES CONTEXTOS SOCIAIS

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA-UFSM FUNDAÇÃO DE APOIO À TECNOLOGIA E CIÊNCIA EDITAL DE PROCESSO SELETIVO PÚBLICO N 2014/

9 Como o aluno (pré)adolescente vê o livro didático de inglês

3 Metodologia 3.1. Tipo de pesquisa

COMO AS CRIANÇAS ENFRENTAM SUAS ALTERAÇÕES DE FALA OU FLUÊNCIA?

ANEXO RESOLUÇÃO SEDPAC Nº 15/2015 CRITÉRIOS PARA HABILITAÇÃO PARA ENTIDADES E INSTITUIÇÕES PARA INTEGRAR O COMITRATE

O PSICÓLOGO (A) E A INSTITUIÇÃO ESCOLAR ¹ RESUMO

DOENÇAS VIRAIS: UM DIÁLOGO SOBRE A AIDS NO PROEJA

Processo de Desenvolvimento de Políticas da LACNIC Versão 2.0. Objetivo do Processo de Desenvolvimento de Políticas da LACNIC

DataSenado. Secretaria de Transparência DataSenado. Março de 2013

CONSUMO DE ÁLCOOL E TABACO ENTRE ESTUDANTES DE ODONTOLOGIA E FISIOTERAPIA DE UMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR

REPRESENTAÇÕES DE AFETIVIDADE DOS PROFESSORES NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Deise Vera Ritter 1 ; Sônia Fernandes 2

GESTÃO DE RISCO OPERACIONAL

Aula 1 Uma visão geral das comorbidades e a necessidade da equipe multidisciplinar

AVULSÃO EM DENTES PERMANENTES: NÍVEL DE CONHECIMENTO DE ALUNOS NA FACULDADE DE ODONTOLOGIA DA PUCRS

Modos de vida no município de Paraty - Ponta Negra

Efeitos das ações educativas do Curso de Qualificação Profissional Formação de Jardineiros na vida dos participantes.

O ESTÁGIO SUPERVISIONADO COMO ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE DE LICENCIANDOS EM MATEMÁTICA

Indicamos inicialmente os números de cada item do questionário e, em seguida, apresentamos os dados com os comentários dos alunos.

COMO REDIGIR ARTIGOS CIENTÍFICOS. Profa. EnimarJ. Wendhausen

Resultados da Pesquisa IDIS de Investimento Social na Comunidade 2004

VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: ESTUDO EXPLORATÓRIO E REFLEXIVO NO CREAS DO MUNICÍPIO DE PRESIDENTE PRUDENTE SP

BOLSA FAMÍLIA Relatório-SÍNTESE. 53

UNIÃO EDUCACIONAL DO NORTE UNINORTE AUTOR (ES) AUTOR (ES) TÍTULO DO PROJETO

A PRÁTICA PEDAGÓGICA DO CURSO DE ENFERMAGEM DO CESUMAR SOB A ÓTICA DO SUS

A GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA

ORIENTAÇÕES PARA O PREENCHIMENTO DO QUESTIONÁRIO POR MEIO DA WEB

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DOS PROFESSORES DE MATEMÁTICA DO ENSINO MÉDIO DA ESCOLA ORLANDO VENÂNCIO DOS SANTOS DO MUNICÍPIO DE CUITÉ-PB

do Idoso Portaria 104/2011

Módulo 9 A Avaliação de Desempenho faz parte do subsistema de aplicação de recursos humanos.

ATENDIMENTO A MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

3 Método 3.1. Entrevistas iniciais

LEITURA E ENSINO: ESTUDO DE CASO COM CRIANÇAS AUTISTAS EM TUBARÃO/SC Talita Reis Cortez 1 ; Dra. Andréia da Silva Daltoé (orientadora) 2

ÁREA TEMÁTICA: Saúde. Resumo

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, no uso de suas atribuições legais,

PESQUISA DIA DAS CRIANÇAS - MOSSORÓ

HORTA ESCOLAR RECURSO PARA SE DISCUTIR A EDUCAÇÃO AMBIENTAL. Lizyane Lima Borges 1 Pedro Henrique de Freitas 2 Regisnei A. de Oliveira Silva 3.

1 PROCESSO DE AVALIAÇÃO ENSINO MEDIO (ANUAL):

ANO LETIVO 2013/2014 CRITÉRIOS GERAIS DE AVALIAÇÃO

Estudo Exploratório. I. Introdução. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Pesquisa de Mercado. Paula Rebouças

Como proceder à notificação e para onde encaminhá-la?

PROMOVENDO A REEDUCAÇÃO ALIMENTAR EM ESCOLAS NOS MUNICÍPIOS DE UBÁ E TOCANTINS-MG RESUMO

AS MANIFESTAÇÕES DE VIOLÊNCIA E A CONSTRUÇÃO DE VALORES HUMANOS NO PROJETO ESPORTE NA COMUNIDADE, NA LOCALIDADE DE MONDUBIM.

Aluno: Carolina Terra Quirino da Costa Orientador: Irene Rizzini

Ensino Técnico Integrado ao Médio - ETIM FORMAÇÃO PROFISSIONAL. Plano de Trabalho Docente 2012

HANSENÍASE EM IDOSOS NO BRASIL NO ANO DE 2012

EDITAL Nº. 001/ DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

VIOLÊNCIAS COMETIDAS CONTRA CRIANÇAS NOS MUNICÍPIOS DE CIANORTE,


O ESTUDO DE AÇÕES DE RESPONSABILIDADE SOCIAL EM UMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR MUNICIPAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

DIRETRIZ DE PSICOLOGIA

MANUAL PARA PREENCHIMENTO DAS FICHAS

O que é coleta de dados?

Professor Doutor titular de Geometria do Curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Santa Cecília Santos SP.

ATUAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE CONTABILIDADE NO CONCEITO DA ÉTICA

Secretaria de Políticas para as Mulheres

Universidade Estadual de Londrina/Departamento de Ciência da Informação/Londrina, PR.

Perguntas e respostas sobre a vacinação contra o HPV

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PROGRAMADAS: APROXIMAÇÃO DO ACADÊMICO DE PEDAGOGIA COM O PROFISSIONAL DO ENSINO

11 a 14 de dezembro de 2012 Campus de Palmas

Cessação e Tratamento do Tabagismo Mitos e Verdades. Silvia M. Cury Ismael Mônica Andreis

Pesquisa sobre o grau de satisfação da população quanto aos serviços relativos à recepção de denúncias da Polícia Judiciária de Macau (2011)

ELEIÇÕES PARA GOVERNADOR DISTRITO FEDERAL ANÁLISE DOS LOG'S. Belo Horizonte, Nov/2003. staff TECHNOLOGY

NOVAS PERSPECTIVAS E NOVO OLHAR SOBRE A PRÁTICA DA ADOÇÃO:

NORMAS GERAIS DE ESTÁGIO DE PSICOPEDAGOGIA

Transcrição:

Artigo Original Granville-Garcia et al. Maus-tratos infantis: Percepção e responsabilidade do cirurgião-dentista Child abuse: Perception and responsibility of dentists Resumo Objetivo: Verificar a percepção e a responsabilidade do cirurgião-dentista em relação a maus-tratos contra a criança e o adolescente. Metodologia: Foram entrevistados 54 cirurgiões-dentistas em atividade em clínicas particulares ou no serviço público. Utilizou-se um questionário estruturado com questões objetivas, em sua maioria, para a coleta de dados. Resultados: A maioria dos cirurgiões-dentistas afirmou ter conhecimento sobre o assunto (8) e considerou-se apto ao diagnóstico (65%), porém as lesões bucais foram pouco citadas como injúrias decorrentes de maus-tratos (4%). De forma geral, os profissionais denunciariam maus-tratos (96%), sendo o Conselho Tutelar (6) seguido do Juizado da Infância e Adolescência (22%) os órgãos de proteção à criança mais citados. Porém, muitos entrevistados não saberiam como documentar o caso (61%) nem receberam informação sobre o assunto durante a graduação (9). Conclusão: Há necessidade de esclarecimento da responsabilidade ética e legal do cirurgião-dentista e sua obrigação diante de casos de maus-tratos contra a criança e o adolescente. Palavras alavras-chaves: Maus -tratos infantis; violência doméstica; criança Ana Flávia Granville-Garcia a Valdenice Aparecida de Menezes b,c Paula Fernanda Rodrigues de Melo Silva d a Departamento de Odontologia, UEPB, Campina Grande, PB, Brasil b Departamento de Odontologia, Faculdade de Odontologia de Caruaru (ASCES), Caruaru, PE, Brasil c Departamento de Odontologia Preventiva e Social, Faculdade de Odontologia de Pernambuco (FOP/UPE), Recife, PE, Brasil d Clínica Particular, Picuí, PB, Brasil Abstract Purpose: To verify the perception and responsibility of dentists in relation to child abuse. Methods: Fifty-four dentists currently working in private practice or public service were interviewed. A structured questionnaire was used to collect data. Results: Most dentists (8) reported having knowledge of child abuse and considered themselves capable of diagnosis (65%). However, few dentists mentioned oral lesions as evidence of child abuse (4%). In general, dentists would report child abuse (96%); the Guardian Council (6) and the Childhood and Adolescence Court House (22%) were the most cited organizations for child protection. However, most dentists do not know how to document child abuse case (61%) nor received such information at dental school (9). Conclusions: It is necessary to inform dentists of their legal and ethical responsibility and obligations in cases of child and adolescence abuse. Key words: Child abuse; domestic violence; child Correspondência: Ana Flávia Granville-Garcia Rua Capitão João Alves de Lira, 1325 - apto 410 Campina Grande, PB Brasil 58101-281 E-mail: anaflaviagg@hotmail.com Recebido: 11 de dezembro, 2006 Aceito: 04 de junho, 2007 Rev. odonto ciênc. 2008;23(1):35-39 35

Maus-tratos infantis e o cirurgião-dentista Introdução Maus-tratos infantis é um termo diagnóstico que descreve uma variedade de comportamentos que se estendem desde uma disciplina severa até a tortura repetitiva e intencional. Trata-se de um fenômeno complexo resultante de uma combinação de fatores individuais, familiares e sociais (1). Tem sido considerado um sério problema da sociedade brasileira e mundial, sendo hoje a principal causa de morte de crianças e adolescentes a partir dos cinco anos de idade (1-3). De acordo com Brigiotti (4) os maus-tratos infantis podem ser classificados em pré-natais e pós-natais. Os pré-natais compreendem circunstâncias não-acidentais que ocorrem durante a gestação e que podem contribuir de forma negativa para o desenvolvimento do feto. Já os pós-natais constituem-se em circunstâncias que ocorrem no decorrer da vida da criança, configurando-se na forma de maus-tratos físico, emocional, sexual e de negligência, trazendo conseqüências graves para o seu desenvolvimento físico e psicológico (5). Tal violência atinge todas as camadas sociais, embora seja mais visível nas classes menos favorecidas devido ao maior controle pelas autoridades policiais e pelo fato desta classe geralmente procurar as delegacias com maior freqüência (6). Davoli et al. (7) relataram que as crianças agredidas nãoassistidas terapeuticamente freqüentemente tornam-se delinqüentes, assassinos e agressores da próxima geração de crianças. Vítimas de violência, quando adultos, por vezes não conseguem achar a razão pelas quais apresentam lesões físicas, doenças sexualmente transmissíveis, disfunções sexuais, distúrbios do sono, dificuldades de aprendizagem e uso de álcool e drogas. Maus-tratos praticados pelos próprios pais ou responsáveis são extremamente comuns (3,8), assumindo proporções assustadoras em países que já se organizaram para o recebimento de denúncias. Contudo, acredita-se que para cada vinte situações de violência apenas uma delas é registrada (9), sendo o ambiente familiar o local de maior ocorrência (8). Em meio aos profissionais de saúde, os cirurgiões-dentista exercem papel fundamental no reconhecimento e na denúncia dos maus-tratos infantis (50 a 70% são lesões orofaciais), entretanto, estes parecem dar pouca atenção, seja por omissão ou desconhecimento de causa (2,9). Além disso, muitos não denunciariam situações suspeitas de maus-tratos em nenhuma circunstância por medo de perder pacientes, falta de confiança no serviço de proteção à criança e aos jovens, medo de lidar com os pais, incerteza do diagnóstico e desconhecimento da verdadeira responsabilidade em denunciar (1). Embora esteja redigido no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990 e no Código Penal Brasileiro (CPB) o encargo dos profissionais da área de saúde quanto à responsabilidade na denúncia de maus-tratos infantis, não há nenhuma consideração na legislação do Conselho Federal de Odontologia (CFO) sobre como o cirurgião-dentista deve proceder frente aos casos de maus-tratos infantis. Dentro deste contexto, este trabalho visa contribuir com os estudos sobre maus-tratos infantis, verificando a percepção do cirurgião-dentista sobre o assunto, bem como sua responsabilidade nestes casos. Metodologia Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Associação Caruaruense de Ensino Superior (146/05). Este estudo foi quantitativo, descritivo do tipo corte transversal, que analisou o conhecimento dos cirurgiões-dentistas do município de Caruaru, no agreste do Estado de Pernambuco, sobre maus-tratos de crianças e/ou adolescentes, assim como a conduta profissional frente a suspeita de maus-tratos. Tratou-se de uma amostra aleatória simples, na qual foram entrevistados 54 profissionais que estavam em atividade na rede pública e/ou em consultórios particulares. No momento inicial, foi explicada a finalidade da pesquisa e solicitada a participação do cirurgião-dentista. Obteve-se o consentimento livre e esclarecido dos profissionais de saúde para a participação da pesquisa. As respostas foram anotadas no momento da entrevista, permitindo maior fidelidade e veracidade das informações, evitando-se falha de memória. A fidedignidade das respostas foi testada pelo método de validação de face em 10% dos entrevistados. Nesse método, o pesquisador solicitou aos tomadores de decisão que explicitassem, com suas próprias palavras, o que entenderam sobre cada pergunta (10,17). Os dados coletados foram analisados de forma descritiva. Resultados e Discussão O total de entrevistados foi de 54 cirurgiões-dentistas da cidade de Caruaru/PE, sendo 52% (n=28) do sexo masculino. Um percentual de 61% trabalhava somente em clínica particular, 2% apenas no serviço público, e os demais em ambos os serviços (3). Metade dos profissionais entrevistados não possuía especialidade (ura 1). Considerando a importância da participação do cirurgiãodentista no reconhecimento e denúncia de maus-tratos infantis, ainda há poucos trabalhos na literatura que investigaram a percepção deste profissional sobre o assunto, sendo dessa maneira difícil de fazer uma análise comparativa dos resultados da presente pesquisa. Inicialmente foi indagado aos entrevistados se tinham conhecimento sobre violência infantil, e a maioria respondeu positivamente (8). Resultados similares foram encontrados por outros autores (11-13). Os fatores que podem justificar este fato seria a abordagem da temática na mídia, noticiando com freqüência casos de maus-tratos, e a procura por parte dos profissionais de outras fontes de informação, como congressos, cursos, etc. (11,13). Em relação ao fato dos profissionais se sentirem aptos a fazer o diagnóstico de maus-tratos e se os mesmos conheciam os sinais e sintomas que compõem este quadro, 65% e 36 Rev. odonto ciênc. 2008;23(1):35-39

Granville-Garcia et al. 78% responderam de forma positiva, respectivamente. Sobre estas questões, Souza et al. (13) encontraram 82% e 60% de respostas positivas, respectivamente, em uma pesquisa na qual foram entrevistados 73 cirurgiões-dentistas na cidade de Araraquara (SP). 7. 14% 6. 5. 5% 8. 5% 9. 9% 50% CLINICA GERAL ODONTOPEDIATRIA CBMF PERIODONTIA 5. PRÓTESE 6. DENTÍSTICA 7. ORTODONTIA 8. ENDODONTIA 9. OUTROS ig. Distribuição dos cirurgiões-dentistas de acordo com a especialidade. Caruaru/PE, 2005. Ao serem indagados sobre os sinais e sintomas mais freqüentes, hematomas (34%), perturbações psicológicas (24%) e lesões em diferentes estágios de cicatrização (11%) foram as alterações mais citadas (. 2). Em pesquisa similar realizada por Silveira et al. (14), em Blumenau (SC), as manifestações mais citadas foram equimoses (44%), escoriações (36%) e edema (2). 5. 8% 6. 11% 7. 4% 8. 9. 1% 24% 34% HEMATOMAS PERTURBAÇÃO PSICOLÓGICA LESÕES EM DIFERENTES ESTÁGIOS DE CICATRIZAÇÃO ESCORIAÇÕES 5. QUEIMADURAS 6. FRATURAS 7. EDEMA 8. AVULSÃO E FRATURA DENTAL 9. OUTROS ig. Distribuição dos sinais e sintomas de maus-tratos contra a criança e o adolescente mais citados pelos cirurgiõesdentistas. Caruaru/PE, 2005. Aproximadamente metade das crianças que sofrem abuso sexual pode apresentar lesões bucais independente da presença ou não de lesões no períneo (15). Apesar disso, apenas um profissional citou petéquias no palato como sinais de maus-tratos (1%). O traumatismo dentário foi citado em apenas dos casos. Vale salientar que nenhum dos entrevistados citou a omissão aos cuidados relacionados à saúde bucal como sinal de maus-tratos infantis (negligência). Isto é um fato preocupante, pois pode causar prejuízo ao crescimento e desenvolvimento da criança em situações extremas, apesar de não inspirar o mesmo grau de indignação dos demais tipos de violência (16). Apesar dos profissionais se julgarem aptos ao diagnóstico, constatou-se que, de forma geral, as lesões bucais decorrentes de maus-tratos foram raramente mencionadas, demonstrando que este tipo de injúria pode passar despercebida nas consultas odontológicas. Este fato também foi constatado por Santos et al. (17) em Uberlândia (MG) e Araguari (MG), e por Gurgel et al. (11), que entrevistaram os participantes do XI Congresso Internacional da Bahia. Nestes estudos, as lesões bucais foram citadas de forma irrelevante pelos entrevistados. Cerca de metade dos profissionais (52%) se declararam capazes de realizar o reconhecimento do perfil do agente agressor. Para Santos et al. (6) e Silveira et al. (14), a detecção deste perfil é um importante coadjuvante no diagnóstico dos vitimados de maus-tratos e pode ser considerado pelo profissional no momento da anamnese. Um percentual de 3 dos entrevistados já suspeitou de algum caso de maus-tratos e destes, 89% reportaram a justiça; 11% nada fizeram. Estes dados diferem dos apresentados por Santos et al. (17), nos quais 5 dos dentistas suspeitaram de caso de maus-tratos, entretanto apenas 14% destes denunciaram ao Conselho Tutelar. Seguindo nesta linha, 96% dos profissionais denunciariam casos de maus-tratos infantis, corroborando os achados de Gurgel et al. (11). Segundo estes autores, 3 dos pesquisados já havia suspeitado de caso de maus-tratos e 65% notificaram a justiça. Isto reflete uma maior conscientização dos profissionais na adoção de medidas protetoras às vítimas de agressão, em oposição à pesquisa realizada por Souza (13), na qual 85% seriam omissos em encaminhar casos suspeitos aos órgãos competentes. Apenas 9% dos profissionais deixariam de reportar casos de vítimas de violência por medo de envolvimento com a justiça. Este fato está em conformidade com Cavalcanti (1), o qual citou o medo de envolvimento como uma das razões para os profissionais se esquivarem de fazer a denúncia. Em 78% dos casos os profissionais relataram ter conhecimento sobre algum órgão de proteção à criança e ao adolescente, sendo o Conselho Tutelar a entidade mais citada (6), seguido do Juizado de Menores (22%) (. 3). Estes dados estão de acordo com Silveira et al. (14), para os quais a maioria dos profissionais entrevistados (8) também identificou o Conselho Tutelar para a denúncia de casos de maus-tratos. Este é um órgão autônomo que tem por função zelar pelo cumprimento dos Rev. odonto ciênc. 2008;23(1):35-39 37

Maus-tratos infantis e o cirurgião-dentista direitos da criança e do adolescente. Na falta desta entidade o Juizado da Criança e do Adolescente assumirá tal função. Houve ainda quem citasse o Ministério Público, o disquedenúncia e a Fundac (8%), sendo esta última uma entidade que cuida de menores infratores. 6% 22% 8% 6 CONSELHO TUTELAR JUIZADO DE MENORES DPCA OUTRO ig. Distribuição dos órgãos de proteção da criança e do adolescente mais citados pelos profissionais. Caruaru/PE, 2005. Em que pese o conhecimento demonstrado pelos cirurgiõesdentistas entrevistados sobre o assunto e da maioria dos profissionais (76%) afirmar ter conhecimento de como agir em casos de maus-tratos, apenas 39% saberia como documentar um caso. Resultado similar foi verificado por Andrade Lima et al. (18) num estudo realizado no Recife (PE), no qual apesar da intenção em denunciar, os profissionais não estão preparados para fazê-lo. A insegurança sobre os procedimentos de denúncia, bem como a falta de padronização para a realização dos mesmos foram dificuldades citadas na literatura (2,11). Sobre este assunto, Cavalcanti (1) atestou que a maioria dos cirurgiões-dentistas não está familiarizada com os aspectos legais a serem adotados diante de casos de maus-tratos. A maioria dos profissionais (9) relatou que não recebeu informações sobre o tema na graduação, e isto também ocorreu no trabalho de Gurgel et al. (11) e Silveira et al. (14), nos quais 95% e 84% dos profissionais relataram que o assunto não foi ministrado na formação curricular. Estes resultados estão de acordo com Santos et al. (17), o qual observou que a maioria dos profissionais não recebeu informação sobre o assunto durante a formação acadêmica. Andrade Lima et al. (18) ressaltaram que, mesmo tendo recebido informações, muitos cirurgiões-dentistas entrevistados revelaram que as mesmas foram insuficientes. Considerando que os maus-tratos infantis constituem um problema grave de saúde pública e que os profissionais de saúde têm pouca participação nas notificações aos órgãos competentes (19), o debate sobre o tema em cursos de graduação, simpósios e cursos de capacitação se faz necessário (20,21). A necessidade de maiores esclarecimentos ao cirurgião-dentista sobre o tema é evidente, como relatado em pesquisas anteriores (2,17). Estes procedimentos encontram campo aberto por parte dos profissionais, como demonstrado nesta pesquisa e em estudos similares (12, 13,18), uma vez que a maioria (94%) dos entrevistados foi receptiva a maiores informações sobre o tema. Todos os profissionais foram unânimes em reconhecer a relevância do assunto. Sabendo que a falta de informação é um empecilho e influi na omissão de denúncias, um processo de capacitação sobre o assunto contribuiria para a prevenção dos maus-tratos contra a criança e o adolescente. A sensibilização e o reconhecimento da violência em suas mais distintas formas seria o passo primordial para a prevenção. Outro ponto a ser salientado é que pouco se tem comentado na literatura sobre a negligência à saúde bucal. Entretanto, não se pode esquecer que a falta de atenção às afecções que possam causar prejuízo ao crescimento e desenvolvimento infantil, bem como causem dor, são considerados maus-tratos (16,20). Sobre esta questão é preciso ter muito cuidado, devendo ser bem analisado cada caso, uma vez que é muito difícil a distinção entre a ausência de cuidado conseqüente à falta de condições socioeconômicas e o abuso propriamente dito (22). Na primeira situação, a negligência torna-se uma constante nas famílias que, por viverem em condições financeiras restritas, já são suficientemente negligenciadas pelos altos setores administrativos da sociedade (19). Salienta-se que no momento da denúncia deixa de existir o privilégio da relação profissional/paciente ou cliente, em prol de um bem maior, que é o potencial risco da integridade física, psicológica e moral da criança ou adolescente, e em alguns casos, até do risco de sua morte (23). Devido à seriedade da temática, países como Estados Unidos e Reino Unido enfocam a responsabilidade legal e possuem legislação específica para os profissionais de saúde nesta área (24,25). No Brasil, há penalidades legais quando da omissão da denúncia. Portanto, caso o cirurgião-dentista tome conhecimento da ocorrência de maus-tratos praticados contra a criança e o adolescente sem comunicar o fato às autoridades competentes estará incorrendo em ilícito penal, sujeito às sanções da lei, podendo, inclusive, ser processado criminalmente (1). Apesar da responsabilidade ética e legal do cirurgião-dentista nestes casos, ainda não há no Conselho Federal de Odontologia artigo que esclareça os deveres e a conduta deste profissional diante de casos de maus-tratos contra a criança e o adolescente. Torna-se necessária, portanto, maior mobilização da classe odontológica sobre este assunto. Conclusões A maioria dos cirurgiões-dentistas entrevistados afirmou ter conhecimento sobre violência contra a criança e se considerou apta ao diagnóstico de maus-tratos, mas as lesões bucais foram pouco citadas como injúrias decorrentes de maus-tratos. De forma geral, os cirurgiões-dentistas denunciariam casos de maus-tratos, sendo o Conselho Tutelar e o Juizado da Infância e Adolescência os órgãos de proteção à criança mais citados, porém a maioria não sabe como notificar o caso nem recebeu informação sobre o assunto durante a graduação. 38 Rev. odonto ciênc. 2008;23(1):35-39

Granville-Garcia et al. Referências Cavalcanti AL. Maus-tratos Infantis-Guia de orientação para profissionais de Saúde. João Pessoa: Ed. Idéia; 200 Chaim LAF. Odontologia versus criança maltratada. Rev Assoc Paul Cirur Dent. 1995;49:142- Hindley, N, Ramchandani PG, Jones DPH. Risk factors for recurrence of maltreatment: a systematic review Arch Dis Child. 2006;91:744-5 Brigiotti MI. Maltrato infantil. In: Brigiotti, MI. La escuela ante de los niños maltratados. Buenos Aires: Editorial Paisós; 2000. p. 50-5. Le Heuzy M-F. Le point de vue d un psychiatre d enfants et d adolescents. Acta Odont Stomatol. 1997;199:503-7. 6. Santos JF, Cavalcanti AL, Nunes KS, Silva EC. Primary identification of an abused child in dental office: A case report. J Indian Soc Pedod Prev Dent. 2007;6:191-7. Davoli A., Palhares FAB., Corrêa-Filho HR., Dias ALV., Antunes AB., Serpa JF, Schincariol P. Prevalência de violência física relatada contra crianças em uma população de ambulatório pediátrico. Cad Saúde Pública. 1994; 10: 92-8. 8. Maia ACA, Vidal SA, Piscoya D. Perfil das crianças e adolescentes vítimas de violência atendidas no Instituto Materno Infantil Prof. Fernando ueira IMIP Rev Bras Saude Mater Infant. 2006;6: 20-5. 9. ABRAPIA. Guia de Orientação Para Profissionais da Saúde. 2ª ed. Rio de Janeiro: Petrópolis; 1997. 10. Frankfort-Nachimias C, Nachimias D. Research methods in the social sciences. 4 a ed. London: Edward Arnold; 199 1 Gurgel CA, Carvalho ACR, Padilla WW. Maus-tratos contra crianças: atitudes e percepção do cirurgião-dentista. Pesq Bras Odontop Clín Integr. 2001;1:10-5. 1 Bayer J, Brito JH. Contribuição ao estudo do abuso infantil na área da odontologia. Rev odonto ciênc. 1995;10:69-70. 1 Souza EA. Avaliação do conhecimento e conduta de médicos e cirurgiões sobre maus-tratos e violência contra a criança e o adolescente [dissertação]. Araçatuba (SP): Faculdade de Odontologia; Universidade de São Paulo; 200 1 Silveira JLC, Mayrink S, Oliveira Neto OB. Maus-Tratos na Infância e Adolescência: Casuística, Conhecimento e Prática dos Cirurgiões-Dentistas de Blumenau-SC. Pesq Bras Odontop Clín Integr. 2005;5;119-26. 15. Louzado M, Araujo CH, Dornelles MSO. Manifestações Orais em crianças abusadas sexualmente. RBO. 2001;58:50-5. 16. Davies GR, Domot PK, Levy RL. The dentist s role in child abuse and neglect: issues, identification and management. ASDC J Dent Child. 1979;46:185-9 17. Santos JF, Nunes KS, Cavalcanti, AL, Silva EC. Maus-Tratos infantis; Conhecimento e Atitudes de Odontopediatras de Uberlândia e Araguari, Minas Gerais. Pesq Bras Odontop Clín Integr. 2006;3:273-9. 18. Andrade Lima K, Colares V, Cabral H. Avaliação dos Odontopediatras do Recife em relação ao abuso infantil. Rev odont ciênc. 2005;20: 231-6. 19. Carvalho ACR Garrido ALC; Barros SG, Alves AC. Abuso e negligência: estudo na delegacia de repressão aos crimes contra a criança e o adolescente. J Bras Odontoped Odonto Bebê. 2001;4;117-2 20. Granville-Garcia AF, Menezes, VA, Torres Filho B, Araújo JR, Silva PF. Ocorrência de Maus-Tratos Infantis na Cidade de Caruaru-PE. Pesq Bras Odontop Clín Integr. 2006; 6:57-6 2 Aved BM, Meyers L, Burmas EL. Challenging dentistry to recognize and respond to family violence. J Calif Dent Assoc. 2007;35: 555-6 2 Deslandes SF. Atenção a crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica: análise de um serviço. Cad Saúde Pública 1994;10:177-88. 2 Vieira AR. Abuso Infantil. J Bras Odontop Odontol Bebê. 1998;1:57-6 2 Cairns AM, Mok JY, Welbury RR. The dental practitioner and child protection in Scotland. Br Dent J. 2005;199:517-20. 25. Jesse SA. Continuing education: child abuse and neglect: implications for the dental profession. J Contemp Dent Pract. 2003;4:9 Rev. odonto ciênc. 2008;23(1):35-39 39