A tensão entre o verdadeiro pastor e o mercenário. Um leitura de João 10,11-18



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Transcrição:

A tensão entre o verdadeiro pastor e o mercenário Um leitura de João 10,11-18 Introdução O tema sobre o qual será desenvolvida nossa pesquisa: A tensão entre o verdadeiro pastor e o mercenário (ou falso pastor), tem como base o capítulo 10,11-18 do Evangelho de João ou Quarto Evangelho, o último recebido no Cânon do NT 1 que, para facilitar nosso estudo, simplesmente denominaremos EvJo. Pretendemos no decorrer de nosso estudo desenvolver a tensão dialética que é apresentada no Evangelho de João, cap.10, como um conflito (tensão) entre o pastor verdadeiro e os mercenários. Para isso, faremos um estudo exegético da perícope (vv.11-18), onde se sobressaem as tensões entre as duas maneiras de ser pastor. Numa etapa posterior ressaltaremos a importância da figura do pastor em relação ao rebanho. Desde longo tempo, a imagem do Bom Pastor tem nos causado particular interesse. Uma das principais razões da escolha deste tema é o fato de que muitos compositores de música sacra, ao longo dos tempos, dele se utilizarem, e, pesquisando neste campo, percebemos que essas composições muito agradam às assembléias litúrgicas. Conhecer as passagens musicadas sensibiliza principalmente àqueles que se dedicam, como nós, ao ministério do canto litúrgico. A maior justificativa, entretanto 1 Tratado como 4 º evangelho na tradição canônica. Consideram-no alguns o mais fácil, e ao mesmo tempo, o mais difícil dos evangelhos, pois a mensagem de Jesus nos chega, através de João, por meio de palavras simples porém de profundo conteúdo teológico. MAZZAROLO, I. Lucas em João, 21.

2 para a escolha do referido tema é a surpreendente postura dos pastores mercenários em suas comunidades. Nosso interesse, portanto, em aprofundar essa pesquisa e suas possíveis repercussões dentro da comunidade cristã quer enfatizar o perfil do Bom Pastor que conhece suas ovelhas e dá sua vida por elas (cf.10,11.14). A perícope Jo 10,11-18 se constitui uma unidade literária que abarca em si o tema da relação dos pastores com seus rebanhos. Dentro dessa unidade literária destaca-se o tema que é objeto de nosso trabalho. Com este título não há, que se conheça, trabalho específico sobre o tema. Os comentários que conhecemos e aos quais tivemos acesso, descrevem o tema da tensão entre o verdadeiro pastor e os mercenários de várias maneiras, porém não com o título por nós escolhido para ser trabalhado, bem como a forma pela qual pretendemos abordá-lo, isto é, suas repercussões nas comunidades cristãs, nossa realidade. Considerando a necessidade de abordar o tema em aspectos amplos, o método histórico-crítico é o que por nós será utilizado. Esta pesquisa visa aprofundar os aspectos característicos próprios da Parábola do Bom Pastor, enfocando principalmente a bondade e o amor de Jesus para com suas ovelhas. Os elementos com os quais trabalhamos, foram pesquisados no próprio contexto do círculo de João e, da mesma forma que fortaleceram as comunidades joaninas quanto à fidelidade ao Pastor e o conhecimento recíproco do pastor ao rebanho, espelhado no amor do Pai e do Filho, esperamos que fortaleça as comunidades atuais no sentido de reavivar a chama do amor cristão recebida no batismo. Para melhor compreender o sentido da perícope (Jo 10,11-18), tentaremos perpassar o evangelho, contemplando-o, com a finalidade de compreendê-lo em suas linhas gerais.

3 A pesquisa será feita em quatro desdobramentos. Na primeira parte, teremos a visão panorâmica do evangelho quanto à sua estrutura, sua divisão em unidades e sub-unidades e ainda o desenvolvimento da perícope em questão (Jo 10,11-18). Nessa primeira parte observamos que, ao longo dos séculos, muitos exegetas trabalharam o tema do Bom Pastor, enfocando-o sob os mais diversos ângulos. Sua autoria, até hoje é discutida sem se chegar, de fato, a uma conclusão 2. Alguns autores comentam o evangelho, levando em consideração as fontes utilizadas pelo evangelista. Outros, dividem-no de acordo com algumas de suas características principais: sinais, semanas, períodos, festas, referência ao número sete, a Hora de Jesus. Outros ainda, datam-no de final do século I ou início do segundo. Estudiosos mais recentes opinam que este evangelho teria se desenvolvido em quatro etapas dentro de uma escola joânica 3. Quanto à unidade do evangelho, alguns exegetas partem do princípio de que houve um deslocamento de folhas: teriam caído e involuntariamente sido trocadas? O evangelista teria escrito os capítulos separadamente uns dos outros e depois os ajuntado aleatoriamente? Ou ainda, houve transposição de páginas, deslocamentos de capítulos? Como explicar uma segunda conclusão (21,24-25), se o evangelho já havia sido concluído em 20,30-31 4? 2 Pesquisas mais recentes de M.-E. Boismard sobre a morte do apóstolo João poderá resultar em nova procura a respeito da autoria do Livro dos Sinais, no EvJo. Segundo Mazzarolo, este fato deverá redimensionar a leitura dos quatro evangelhos, não vendo mais os três primeiros evangelhos como sinóticos e João isolado, porém relacionando-os: Marcos Mateus Lucas João. MAZZAROLO, I. Lucas em João. Uma nova leitura dos evangelhos. p. 21. 3 BOISMARD, M.-É.; LAMOUILLE, A., Synopse des quatre Évangiles. Tome III, 39. 4 CABA, J. De los Evangelios al Jesús Histórico, 239.

4 Segundo Boismard e Lamouille, a perícope em questão (Jo 10,11-18) pertenceria ao relato mais antigo - documento C 5 - fonte inspiradora dos quatro evangelhos 6. Utilizaremos para a Crítica Textual da perícope do Bom Pastor (Jo 10,11-18) o The Greek New Testament, de Kurt Aland et al., com introdução traduzida por J. Sánchez Bosch, do ano de 1994. Na segunda parte, destacaremos o Discurso do Bom Pastor, onde ressaltamos os principais significados dos termos gregos, desde seu uso mais remoto, até o utilizado pelo evangelista e suas implicações na comunidade cristã joanina. Tentaremos demonstrar que, em João, o próprio Jesus tem consciência de sua filiação divina, com sua forma característica de falar, com seu evgw. eivmi (eu sou), pois ele próprio reconhece que da mesma forma que o Pai o conhece, ele conhece o Pai (cf. 10,15). Na terceira parte, enfocaremos o sentido teológico da tensão entre o verdadeiro e os falsos pastores, bem como os diferentes relacionamentos que há entre o pastor e as ovelhas; entre o mercenário e as ovelhas que não são de sua propriedade e, principalmente, do Bom Pastor que sacrifica sua vida em favor de suas ovelhas, enquanto que o falso retém a vida das ovelhas em benefício próprio. 5 Os autores Boismard e Lamouille acreditam que o Documento C seria a redação mais antiga, e conteria um evangelho completo ; que o mesmo foi escrito na Palestina, fortemente influenciado pelo pensamento samaritano e utilizado por Lucas e Marcos. BOISMARD, M.-É.; LAMOUILLE, A., Synopse..., 11. 6 BOISMARD, M.-É et LAMOUILLE, A., Synopse, 177.

5 Na conclusão, retomaremos os elementos estudados nos capítulos anteriores e, de acordo com estes, pretendemos enfatizar veementemente o amor de Cristo que se faz presente no amor cristão (avga,ph). A partir do texto evangélico referente à Parábola do Bom Pastor (Jo 10,11-18) pretendemos responder às perguntas: Quem é, realmente, o Bom Pastor a que João de refere? O que nos leva a crer esses questionamentos? Haverá, finalmente, um só rebanho e um só Pastor? Qual a atitude que se espera de um verdadeiro e único Pastor?