RÁDIOS COMUNITÁRIAS NA INTERNET:



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Transcrição:

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social RÁDIOS COMUNITÁRIAS NA INTERNET: Usos e apropriações do e no Radiotube Aline Pinto Luz Belo Horizonte 2011

Aline Pinto Luz RÁDIOS COMUNITÁRIAS NA INTERNET: Usos e apropriações do e no Radiotube Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação Social. Orientador: Maria Ângela Mattos Belo Horizonte 2011

FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais L979r Luz, Aline Pinto Rádios comunitárias na internet: usos e apropriações da Radiotube / Aline Pinto Luz : Belo Horizonte 2011. 166f.: Il. Orientador: Maria Ângela Mattos Dissertação (Mestrado) Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. 1. Rádio difusão na Internet. 2. Rádio comunitária. 3. Comunicação de massa. I. Mattos, Maria Angela. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Comunicação. III. Título. CDU: 659.3

Aline Pinto Luz RÁDIOS COMUNITÁRIAS NA INTERNET: Usos e apropriações do e no Radiotube Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação Social. Banca Examinadora Orientadora: Profa. Dra. Maria Ângela Mattos PUC Minas Profa. Dra. Teresinha Maria de Carvalho Cruz Pires PUC Minas Prof. Dr. Valdir de Castro Oliveira Fundação Oswaldo Cruz - RJ Belo Horizonte, 23 de fevereiro de 2011.

A todos os comunicadores que fazem da comunicação sua ferramenta para o fortalecimento da cidadania e a construção de uma sociedade mais igualitária.

AGRADECIMENTOS Esse trabalho só foi possível devido a uma extensa e intrincada rede de cooperação. Se nos ocupássemos em desenhar os vários nós colaborativos que compõem esse texto, o resultado final seria uma colorida malha de múltiplos pontos. Direta ou indiretamente as pessoas abaixo mencionadas contribuíram com questionamentos, levantamento de dados, ouvidos para lamentos, indicações de leitura, conversas relaxantes, compreensões por ausências, reflexões, críticas, orações, auxílios na formatação, abraços, entre outras tantas formas em que se materializam a solidariedade, a amizade e o comprometimento com o outro. Meus sinceros agradecimentos: A Dedé pelas orientações acadêmicas, conversas esclarecedoras e por todo empenho e dedicação; A Teresinha e Valdir por terem aceitado contribuir com esse trabalho através de suas preciosas considerações; À preciosa colaboração da equipe do Radiotube, em especial a João e André; À todos os entrevistados personagens que enriqueceram e deram vida a este trabalho; Aos colegas de trabalho: Brunos, Marx, Rafael, Camila, Tati, Lisboa, Moinhos - (DC); Mari, Miti, Núdia, Tamira (ETC); Renaits, Ju, Bia, Doly, Nayara, Eugênio, Poli, Poly - (Rede); Maria Inácia, Ana Clara, Ju, Eulene, Lili, Nat, Celira, Dani (Link); Aos amigos de todas as horas: Ju, Rodolpho, Lu, Ivana, Arthur, Robert, Vanusia, Thales, Lê, Fábio, Gu, Dinha, Guga, Tony, André, Kátia, Léo, Eustáquio, Mary; Aos meus familiares, especialmente Ivana, Ramon, Pedrinho, Juliana, Fabrício e Fabricinho; Aos pilares da minha vida: mainha e painho; A Deus, fonte maior de inspiração. Mais que um mero apanhado de nomes, cada menção dessas representa a fração de uma história, em que essa dissertação é um importante relato. Para aqueles que impiedosamente aqui não foram citados por puro esquecimento, ofereço as entrelinhas desse trabalho: a ausência impregnada de sentidos.

Comunicar foi e continuará sendo algo muito mais difícil e amplo que informar, pois comunicar é tornar possível que homens reconheçam outros homens em um duplo sentido: reconheçam seu direito a viver e a pensar diferente, e reconheçam a si mesmos nessa diferença, ou seja, que estejam dispostos a lutar a todo momento pela defesa do direito dos outros, já que nesses mesmos direitos estão contidos os próprios Jesus Martín-Barbero

RESUMO O trabalho investiga as apropriações que as rádios comunitárias brasileiras e suas entidades representativas têm feito das novas tecnologias de informação e comunicação. Esses atores têm sido importantes para a mobilização e a conscientização sócio-histórica de parcelas excluídas das instâncias decisórias de poder, apesar de serem sistematicamente perseguidos e estigmatizados pelo poder estatal. Fazendo um inventivo uso da internet, as rádios comunitárias brasileiras têm estabelecido redes de aliança e trocas diretas e horizontais entre si e com outros atores da sociedade civil que, além de fortalecê-las enquanto corpo coletivo pode significar um contínuo refinamento de suas demandas e valores. Para realizar essa investigação primeiramente fez-se necessário uma pesquisa teórica, com uma revisão terminológica, conceitual e de abordagem na área de Comunicação Comunitária a fim de problematizar um caminho teórico mais adequado para esse momento atual das mídias comunitárias. Por fim, analisou-se a situação atual das rádios comunitárias marcada por antigos desafios frente aos conglomerados de comunicação e ao poder estatal e novas possibilidades tecnológicas como forma de ampliar seu poder de atuação e aumentar a visibilidade a suas demandas. Com as redes sociais virtuais essas emissoras vão assumindo modos de agir mais libertários, mesclando meios e atores na sua prática comunicacional. A partir de pesquisas quantitativa e qualitativa fez-se uma análise de uma rede social colaborativa comprometida com a cidadania e com foco nas rádios comunitárias: o Radiotube. Palavras-Chave: Comunicação comunitária; rádios comunitárias; webrádios.

ABSTRACT The paper investigates the appropriations that the Brazilian community radios and their unions have made the new technologies of information and communication. These actors have been important to the mobilization and awareness of socio-historical portions excluded from decision-making power, while being systematically persecuted and stigmatized by the state. Making an inventive use of the internet, community radio stations in Brazil have established networks of alliance and direct exchanges and horizontal among themselves and with other actors in civil society, and strengthen them as a collective body can mean a continuous refinement of their demands and values. To accomplish this first investigation was necessary theoretical research, with a review of terminology, and conceptual approach in the area of Community Communication to discuss a theoretical way most appropriate for that moment of community media. Finally, we analyzed the current situation of community radio stations marked by old challenges facing the state power and new technological opportunities as a way to expand his power of performance and increase visibility to their demands. With social networking taking these stations will act more libertarian ways, means and hybridizing agents in their communication practice. From research quantitative and qualitative analysis was made of a collaborative social network committed to focusing on citizenship and community radio: the Radiotube. Keywords: Communication Community, community radio stations; webradios.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 Layout de página do Radiotube...123

LISTA DE QUADROS QUADRO 1 Evolução dos modos fundamentais de gestão social do conhecimento... 94 QUADRO 2 Cinco áudios com maios número de acessos e de comentários postados...125 QUADRO 3 Posts do áudio da Campanha de Valorização do Trabalho Doméstico...129 QUADRO 4: Posts do áudio Descriminalização das Rádios Comunitárias...130 QUADRO 5: Posts do áudio da Música da Sogra...131 QUADRO 6: Posts do áudio da Manifestação contra as demissões no Brasil...132 QUADRO 7: Posts do áudio do Jingle Radiotube...133

LISTA DE SIGLAS ABERT Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão ABRAÇO Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária ALER Associação Latino-americana de Educação Radiofônica Alread América Latina em Rede AMARC Associação Mundial de Rádios Comunitárias ANATEL Agência Nacional de Telecomunicações ANCARC Associação Nacional das Rádios Comunitárias Católicas CIDH Comissão Interamericana de Direitos Humanos BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CPqD Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações Confecom Conferência Nacional de Comunicação Conrad- Conselho Regional de Radiofusão Comunitária EPCOM Instituto de Pesquisas em Comunicação FARC Federação das Associações de Rádios Comunitárias do Estado do Rio de Janeiro FM Frequência Modulada FNDC Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação

FNPDC Frente Nacional por Políticas Democráticas de Comunicação GTI Grupo de Trabalho Interministerial Iboc In-Band-On-Channel MiniCom Ministério das Comunicações OEA Organização dos Estados Americanos SBTVD Sistema Brasileiro de Televisão Digital SICR Sistema Intercontinental de Comunicação Radiofônica

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO...14 2 COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA...19 2.1 A comunicação comunitária num mundo globalizado...19 2.2 O papel da comunicação comunitária num Brasil latino-americano...22 2.3 Reelaborações dos conceitos de comunidade e do local...30 2.4 Comunicação para a cidadania e construção da identidade...35 2.5 Rádios comunitárias no Brasil: contextualização histórica e conceituação...41 2.5.1 Livres e/ou Comunitárias?...44 2.5.2 A luta pela regulamentação...46 2.6 Desafios e perspectivas...58 3 RÁDIOS COMUNITÁRIAS E AS NOVAS TIC S...62 3.1 Contextualização das rádios comunitárias na web...62 3.1.2 O desafio da rádio digital: possibilidade real de democratização do ar...64 3.1.2.1 O caso da TV/rádio digital no Brasil...65 3.1.3 A entrada no mundo virtual: ampliando o poder de ação...72 3.1.3.1 ALER e AMARC: unificando o continente latino-americano...73 3.1.3.2 FNDC e ABRAÇO: unificando o Brasil...79 3.2 Rádios comunitárias e a web: ampliando a visibilidade, potencializando as trocas...83 3.2.1 Rede de redes em movimento social...85 3.2.2 Web 2.0: possibilidade de dialogismo radical...90 3.2.3 Redes sociais virtuais: uma organização imanente da cultura...98 3.3 Webrários: conceituação e breve histórico...101 3.3.1 Modalidades de rádio na internet...103 3.3.2 Interatividade...105 3.3.2.1 Percebendo a comunicação como um momento de interação...108 3.3.3 Relação do virtual com o local...110 3.3.4 Processo colaborativo...111 4 RADIOTUBE: A CIDADANIA POR TODAS AS ONDAS...114 4.1 Idealização, concepção e implantação do projeto...114 4.2 Radiotube: características gerais...119 4.3 Metodologia...123 4.4 Resultados da pesquisa...126 4.5 Análise de dados...127 4.5.1 Comunicação em um momento de interação...127 4.5.2 Usos e apropriações...134 4.5.3 Desdobramentos das relações do virtual com o local...137

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...140 REFERÊNCIAS...143 APÊNDICE...156 ANEXOS...157

14 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho entende os meios de comunicação como importantes espaços de disputa política e ideológica, ou seja, instrumentos eficazes para mudança ou permanência de uma determinada configuração de poder no mundo social. Nesse contexto, inserem-se as iniciativas midiáticas pontuais levadas a cabo por grupos de pessoas que almejam uma nova situação política (no sentido amplo que o termo assume), em que suas demandas e necessidades sejam enfim levadas em conta pelas esferas decisórias de poder. São atores sociais que vivem cotidianamente o peso da História e usam a comunicação como instrumento da sua luta política: sob as asas presas do Angelus Novus (BENJAMIN, 1987, p. 222) eles travam uma batalha diária na arena social de sentidos: individualmente suas vozes nem sempre soam alto, mas a teimosa mania da persistência e da solidariedade tende a amplificar suas denúncias. As definições usadas são muitas: mídias comunitárias, alternativas, oposicionistas, populares, contra-hegemônicas, radicais. Há controvérsias quanto ao melhor termo a ser utilizado e essa questão também será levantada ao longo do texto, mas todos apontam para um agir comum: o desejo de alteração da realidade circundante e a expressão de uma visão alternativa às políticas, prioridades e perspectivas hegemônicas (DOWNING, 2002). Com o advento das novas tecnologias de informação e comunicação se tem visto essas mídias ampliarem suas ações, aumentar sua visibilidade e iniciar uma promissora atuação em rede. Nesse contexto, novas mídias surgem e as antigas vão inevitavelmente se transformando, através da convergência dos meios, da renovação da linguagem e de novas formas de vinculação. Seus modos de agir acompanham tal mudança e, para auxiliar no seu entendimento, são necessárias sempre novas abordagens, sob repetidas críticas. O momento contemporâneo é também o de deslocamentos dos espaços tradicionais de construção de consensos hegemônicos, com as corporações midiáticas assumindo um papel cada vez mais preponderante na manutenção do status quo: favorecendo as mesmas classes no poder e a expansão acelerada do capital em todo o globo. Alijadas das benesses da era do capitalismo financeiro, uma multidão de excluídos cresce a cada dia. Mas o que tem sido o propulsor de novos mecanismos de exclusão pode também ser seu freio. A aceleração dos fluxos informativos apresenta dois lados: se uma de suas faces reflete monomorfa o sucesso das corporações, com seus lucros inchados e os Estados aos seus

15 serviços, a outra é uma multiface que exibe um sem número de possibilidades e apropriações promissoras para a condição humana. A era do capitalismo financeiro coincide com a era do capitalismo cognitivo (COCCO, 2003): o estabelecimento de redes cooperativas que, ao agilizar os processos produtivos com inovações constantes, também produz um excedente organizativo e informacional capaz de gerar novas propostas solidárias ao tecido social. O que se tem visto é a formação principalmente via internet de redes de atores da sociedade civil organizada que, apesar da multiplicidade de lutas, apresentam como pautas comuns os imperativos do deslocamento do poder, da garantia de direitos e da justiça social. Na sinergia de forças e de ações esses atores se fortalecem, se transformam, se hibridizam, mesmo sob os inevitáveis retrocessos que qualquer processo social implica. É no bojo dessa complexa e cada vez mais intrincada rede contra-hegemônica que se inserem as mídias comunitárias, importantes atores na mobilização social de parcelas da população excluídas das instâncias decisórias, visando à conscientização de sua situação histórica, a promoção de justiça social e o reequilíbrio das forças hegemônicas na região (PERUZZO, 2003). Essas mídias passam a agir de forma cada vez mais desterritorializada e articulada com outros atores sociais, e vão angariando maior legitimidade e força política através de alianças que forjam. Com as rádios comunitárias brasileiras isso não é diferente. Mesmo antes do advento das novas tecnologias de informação e comunicação, as emissoras comunitárias já representavam em si uma rede local analógica de atores sociais comprometidos com a luta pelos direitos civis, sociais e políticos, fundamentais para a existência plena da vida humana. Devido às suas facilidades técnicas e ao baixo custo de implantação, o rádio rapidamente se popularizou entre as parcelas pobres da população brasileira como um meio acessível para produção de seus próprios discursos e espaço propício à articulação política. No ambiente coletivo da rádio comunitária, não só o grupo social se fortalece, mas seus indivíduos adquirem consciência da sua situação sócio-histórica e passam a lutar para alterá-la. Seguindo uma tendência inata de expansão e resistência, essas emissoras e seus aliados na sociedade civil têm feito um interessante uso das novas ferramentas tecnológicas como forma de ampliar sua esfera de ação, angariar maior visibilidade para sua causa e conseguir força política através das trocas com outros atores da sociedade civil organizada. Além disso, vale dizer que no ambiente desregulado da web, as rádios comunitárias podem seguir caminhos mais libertários, sem as amarras de uma lei criada para limitar seu crescimento.

16 A indagação que se pretende responder nesse trabalho é: será que os usos e apropriações que as rádios comunitárias têm feito da internet com o estabelecimento de uma rede de alianças com outros atores da sociedade civil (ONGs, associações, jornalistas, entre outros) pode significar para as rádios comunitárias tanto seu fortalecimento quanto o refinamento de seus perfis, reanimando aquela sua motivação política original? É que, com a intensificação das trocas propiciadas pelas novas tecnologias de informação e comunicação, estabelece-se uma relação mais horizontal e direta com a comunidade que exige um processo contínuo de reconhecimento, estranhamento e negociação de suas demandas. Para dar conta dessa problemática e tomando a mídia comunitária como norte, primeiramente fez-se necessário preparar um caminho teórico que guiasse o restante da investigação: o objetivo é que cada item desse segundo capítulo ilumine de antemão os questionamentos que serão levantados no decorrer do trabalho. Para tanto, faz-se necessário uma análise dos papéis desempenhados pela Comunicação Comunitária no mundo contemporâneo e as características que singularizam um veículo como comunitário. Dessa forma, o segundo capítulo deste trabalho vai percorrer autores que têm se debruçado sobre as possibilidades e limites da Comunicação Comunitária no contexto latino-americano, notadamente as significativas contribuições de Cicília Peruzzo e Raquel Paiva. Uma primeira parte desse capítulo vai procurar dar conta do papel de articulação que os veículos comunitários podem desempenhar no mundo globalizado, negociando estímulos globais com a memória e a história local de cada comunidade a qual se insere. Posteriormente, será discutida a atuação dos veículos comunitários como canais de mobilização social, articulando os membros de determinada comunidade em torno de suas demandas cidadãs. Serão também levantadas algumas características norteadoras da definição de um veículo como comunitário. Mais que estabelecer uma demarcação estanque do que é uma mídia comunitária, o objetivo é auxiliar no entendimento de como essa forma peculiar de fazer comunicação aciona subjetividades em torno de demandas locais. Através de pesquisa bibliográfica, será delineada a luta pela regulamentação, que marcou a história das rádios comunitárias no fim do século passado. Em seguida será feita uma análise acerca da situação atual das emissoras comunitárias brasileiras e seus recentes desafios. As rádios comunitárias e o movimento político que as constitui buscam agora a adequação da atual legislação brasileira de radiodifusão comunitária à realidade das emissoras. Serão explicitadas as principais restrições legais e suas implicações no cotidiano das comunidades atendidas pelo serviço de radiodifusão comunitária.

17 O terceiro capítulo vai primeiro, a fim de dar conta de um debate atual, apresentar como tem se dado a implantação da rádio digital no Brasil, uma tecnologia capaz de democratizar o espectro eletromagnético. Em seguida, mostrou-se a entrada das rádios comunitárias brasileiras no mundo virtual e a conformação de redes de intercâmbio e cooperação entre essas emissoras e sua teia de apoios na sociedade civil. Também foram apresentados exemplos de organizações da sociedade civil e movimentos sociais que têm utilizado as ferramentas da internet para publicizar suas demandas políticas, organizar atos públicos, pressionar o poder público e até mesmo denunciar atos de repressão e abuso estatal e/ou de polícia. Para esse capítulo foram apresentadas reflexões de diversos autores que se ocupam em analisar a internet e iniciativas em redes sociais, principalmente Lévy e Moraes. A exposição de algumas características, conceitos das rádios na internet, feita no capítulo 3, é uma forma de dar suporte para apresentar, no capítulo seguinte, os usos que as rádios comunitárias têm feito das novas Tecnologias de Informação e Comunicação como forma de driblar determinadas restrições legais e ampliar a visibilidade às suas demandas políticas. No capítulo 4, avaliam-se quais usos as rádios comunitárias integradas à Radiotube - Rede de Cidadania têm feito das ferramentas da internet e as formas e processos de tais apropriações. O Radiotube é um site colaborativo, que se denomina, como sendo feito por e para comunicadores e apaixonados por rádio. Um espaço virtual para que as produções radiofônicas de todo o país possam ser disponibilizadas na rede e utilizadas pelo Brasil afora. O Radiotube surgiu com a evolução da Rede de Cidadania nas Ondas do Rádio, desenvolvida pelo Criar Brasil em 2007, com patrocínio da Petrobras. O projeto conta com jovens correspondentes em diversos pontos do país e uma rede de 635 emissoras de rádio. Com a participação dos jovens, o Criar Brasil produz programas jornalísticos e radionovelas sobre juventude e cidadania. Na avaliação da primeira fase do projeto, mais de 70% dos integrantes da Rede afirmaram ter interesse em disponibilizar suas produções e receber materiais de outras emissoras. Assim, como resposta a uma demanda da rede de rádios, nasceu o Radiotube Rede de Cidadania. O Criar Brasil atualmente possui uma rede com cerca de 1.400 emissoras de todas as regiões do país. Além da capacitação para comunicadores populares, uma importante linha de ação da entidade tem sido a produção de séries de programas de rádios sobre temas como discriminação racial, prevenção às doenças sexualmente transmissíveis, democracia participativa, campanhas de sensibilização da sociedade civil, saneamento básico, direitos do

18 cidadão, economia solidária, entre outros. Os programas são produzidos através da parceria com ministérios, fundações, empresas privadas e entidades da sociedade civil e distribuídos sem custos para as emissoras da rede. O Radiotube (www.radiotube.org.br), objeto de estudo deste trabalho, se define como uma rede social que utiliza o espaço virtual para rádios comunitárias, associações, ativistas de movimentos sociais, comunicadores populares, estudantes, professores, pesquisadores e demais atores da sociedade civil disponibilizarem e trocarem conteúdo informativo com temas ligados à cidadania. Com a web 2.0 (ambiente que aponta uma nova forma de encarar as ferramentas da internet com foco na interatividade e na cooperação), tem-se visto emergir uma nova forma de comunicação contra-hegemônica multidirecional, horizontal e colaborativa capaz de radicalizar o nível de trocas entre os atores sociais. O objetivo da dissertação é apontar possibilidades e discutir perspectivas teóricas que auxiliassem na problematização de uma iniciativa que se propõe a colocar em troca direta atores sociais preocupados com a questão da cidadania: o Radiotube. Através de dois métodos, um quantitativo outro qualitativo, o trabalho avalia as potencialidades e limitações dessa rede social colaborativa cujo foco são as rádios comunitárias. Por fim, na conclusão, procurou-se tecer algumas reflexões acerca do objeto de análise, principalmente quanto às suas limitações, riscos e potencialidades. Houve o cuidado também de apresentar alguns desdobramentos possíveis, a partir da investigação realizada: como qualquer estudo é um recorte, coube indicar o que foi vislumbrado (mesmo que não visitado) a partir do horizonte desta pesquisa.

19 2 COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA 2.1 A comunicação comunitária num mundo globalizado Viver num mundo globalizado pode assumir diferentes significados. Depende de que lugar se fala, ou se percebe, ou se inscreve no cenário sócio-político mundial. O escritor espanhol, Jesús Martín-Barbero, comenta o caráter subjetivo da globalização: identificada por alguns como a única grande utopia possível, a de um só mundo compartilhado, e por outros com o mais aterrorizante dos pesadelos, o da substituição dos homens por técnicas e máquinas, a globalização pesa tanto ou mais no plano dos imaginários cotidianos das pessoas do que sobre os processos macrossociais. (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 58). Muniz Sodré (2003, p. 21) tangencia essa abordagem ao dizer que o sentido de uma palavra como globalização ou o comportamento de um ator social em face desse sentido podem variar de um indivíduo para o outro, de uma região para outra, ou mesmo de um curto período de tempo para o outro. Logo nas primeiras páginas de Antropológica do Espelho, Sodré (2003) vai demonstrar sua desconfiança quanto à euforia em torno do termo. Para Sodré, a tão celebrada uniformização da globalização é mais postulado que fato: global seria somente a medida da velocidade do deslocamento de capitais e informações. De qualquer forma, mesmo com apreensões singulares de significados, a globalização é, conforme aponta Bauman (1999), um processo irreversível com centro móvel e flexível e, por isso, afeta a todos. E dentre várias implicações e nuances desse processo em constante devir, um aspecto instigante da globalização é fundamental para este trabalho: o fato de os processos de globalização e localização serem indissociáveis (PAIVA, 1998, p. 23). Mohammed Elhajji, em seu texto Comunicação, Cultura e Conflitos (2005, p. 194), chega a falar de uma correlação dialética ou até paradoxal existente entre o processo de globalização e a tendência generalizada de reterritorialização e de reenraizamentos locais, particulares e transnacionais. Para ele, globalismos e localismos são duas faces do mesmo processo. É como um pequeno Davi que, diante do gigante globalizado, se volta para o território onde pisa e faz uso da arma que se encontra ao seu alcance: a pedra de entendimento que lhe cabe nas mãos, a ferramenta palpável de sobrevivência.

20 Raquel Paiva (1998, p. 24) traduz esse artifício contemporâneo ao supor que talvez o indivíduo, ao defrontar-se dentro da globalização com ordens tão variadas, acione uma estrutura que lhe permita reconhecer-se e não ser pulverizado: a estrutura comunitária. Num trabalho em que inaugura o conceito de Comunidade Gerativa, Paiva (2004) afirma que muitos dos nacionalismos e muitos integralismos religiosos insurgem-se nos cenários em que sua identidade é negada dando uma pista de proposta passível de dar conta dessa problemática. Como alternativa a essa instabilidade característica da contemporaneidade, Paiva propõe a Comunidade Gerativa, um conjunto de ações (norteadas pelo propósito do bem comum) passíveis de serem executadas por um grupo e/ou conjunto de cidadãos (...) com ênfase nas ações práticas do quotidiano e da localidade, uma proposta que passa por conceitos como cooperação, solidariedade, tolerância, fraternidade, docilidade, amizade, generosidade e caridade. (PAIVA, 2004, p. 62). A perspectiva inaugurada por Paiva dialoga com a importância que Martín-Barbero (2003) confere a ancoragem territorial, ao defender que é no lugar, no território, que se desenrola a corporeidade da vida cotidiana e a temporalidade a história da ação coletiva (...) mesmo atravessado pelas redes do global, o lugar segue feito dos tecidos das proximidades e das solidariedades. Mais à frente, o autor vai legitimar o local como âmbito onde se reside (e se complementa) a globalização, sua autorrevalorização como direito à autogestão e à memória própria, ambos ligados à capacidade de construir relatos e imagens de identidade. (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 58). Também Hall (2003) fala dessa possibilidade de a globalização levar a um fortalecimento de identidades locais e a produção de novas identidades. Numa coletânea brasileira de seus textos, fica clara a preocupação de Hall em dar conta dos processos e efeitos causados pela migração contemporânea de pessoas e informações. O autor propõe uma análise dialética da differánce, enxergando a diferença como fator essencial ao significado, e o significado como crucial à cultura. Hall não dá as costas para o perigo da homogeneização cultural ambicionada pelo neoliberalismo contemporâneo. Mas aposta na análise de processos que sutilmente descentralizam os modelos ocidentais, subvertendo, traduzindo, negociando e assimilando a diferença. O caráter dialógico global-local fica explícito: hoje o meramente local e o global estão atados um ao outro, não porque este último seja o manejo local dos efeitos essencialmente globais, mas porque cada um é condição de existência para o outro. (HALL, 2003, p. 45). E é a partir dessa perspectiva que chegamos ao papel preponderante que a comunicação comunitária pode desempenhar num mundo globalizado. O veículo comunitário

21 pode funcionar como canal de negociação de conflitos ao articular informações e estímulos globais com a memória e a história local, (re) construindo novos relatos, negociando identidades. Importante dizer que a referência é feita àquele veículo comunitário empenhado no desenvolvimento da cidadania e comprometido com as questões sociais, políticas, econômicas e culturais vividas em determinada localidade 1. Além disso, acredita-se ser imprescindível salientar a importância de tal negociação ocorrer necessariamente em mão dupla: tanto o veículo comunitário precisa estar atento às informações externas pertinentes à realidade local quanto deve atuar no incentivo a produção cultural da região, preocupando-se em dar visibilidade a essa produção. E, mais que isso, a própria mídia comunitária deve ser um espaço criativo de atuação instigando a identidade dos indivíduos, provocando a exposição mútua das diferenças. É que o permanente exercício de reconhecimento daquilo que constitui a diferença dos outros acaba por promover o enriquecimento potencial da nossa cultura, e uma exigência de respeito àquilo que, no outro, em sua diferença, há de intransferível, não transigível e inclusive incomunicável. (MARTÍN- BARBERO, 2003, p. 60). A era da globalização é aquela que também assiste a interferência do mercado em todas as esferas da vida, e com as trocas culturais isso não é diferente. Regido pela lógica do lucro, o mercado, além de favorecer e privilegiar a produção cultural das regiões economicamente ricas do planeta, tende a esvaziar as práticas e produtos das culturas tradicionais como as camponesas, indígenas, negras, entre outras. Silenciando os traços mais conflitivamente heterogêneos e desafiantes (...) não haverá outro remédio senão estilizar e banalizar, isto é, simplificar o outro, ou melhor, descomplexizá-lo, torná-lo assimilável sem necessidade de decifrá-lo. (MARTÍN- BARBERO, 2003, p. 72). E é justamente como resposta a esse risco que a proposta da mídia comunitária, centrada na permanente construção da identidade, pode promover uma troca de subjetividades, por ser capaz de oferecer um discurso reflexivo, organizado, aberto e público sobre o próprio grupo, sobre os Outros e sobre o mundo. (ELHAJJI, 2005, p.201). No contexto da globalização, o advento das novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), notadamente a internet, vem potencializando as trocas pelas mídias comunitárias e ampliando a abrangência e visibilidade de suas ações. Hoje em dia, a maior 1 A localidade e a territorialidade devem ser consideradas nesta discussão, mas neste trabalho a ênfase será dada ao ambiente digital, objeto empírico da dissertação, cuja abordagem será exposta no próximo capítulo.