MODELAGEM DE EVENTOS DE PRECIPITAÇÃO OROGRÁFICA COM O MODELO GESIMA UMA APLICAÇÃO À SERRA DO MAR NO ESTADO DE SÃO PAULO



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Transcrição:

MODELAGEM DE EVENTOS DE PRECIPITAÇÃO OROGRÁFICA COM O MODELO GESIMA UMA APLICAÇÃO À SERRA DO MAR NO ESTADO DE SÃO PAULO Nadiane S. Kruk 1 ; Íria F. Vendrame 2 ; Josiane Bustamante 3, Jorge L. Gomes 4 e Chou S. Chan 5 RESUMO O estudo de precipitações de origem orográfica é de grande importância para a Serra do Mar devido à sua posição geográfica e topografia com altas declividades. Essa região, que sofre fortes interferências antrópicas, possui importância estratégica para o Estado de São Paulo, tanto pelo desenvolvimento sustentável, por abrigar as porções remanescentes da Mata Atlântica, quanto pelo desenvolvimento econômico favorecido pelas rodovias, dutovias e instalações industriais e portuárias. Devido a eventos de natureza hidrometeorológica, esta região sofre recorrentes deslizamentos nas suas encostas e enchentes causando grandes prejuízos e várias mortes. Este trabalho foi desenvolvido em cooperação com o Instituto de Meteorologia de Leipzig, Alemanha, para a região próxima à bacia hidrográfica de Ubatuba. As simulações de precipitação orográfica realizadas com o modelo GESIMA apresentaram resultados bastante satisfatórios e próximos aos valores observados. ABSTRACT The study of orographic precipitation is important to Serra do Mar due to its geographic location and the strong slope of the hills. This region, which is submitted to frequent antropic interferences, has strategic importance to São Paulo State in consequence of its sustainable development, resulting from the remaining portions of the Mata Atlântica (the native forest), as much as the economic development achieved by highways, fuel pipelines and the industrial and port installations. Due to hydrometeorological events, this region suffers with frequent landslides, intensive rains and floods which cause several material and life losses. This study was developed to the Ubatuba basin region, with the Leipzig Meteorology Institute cooperation. Orographic precipitation simulations carried out here with the GESIMA model presented satisfactory results and close to the observed data. Palavras-chave: Modelo atmosférico GESIMA, precipitação orográfica, modelagem numérica. 1. INTRODUÇÃO Tempestades e inundações causam sérios prejuízos às atividades econômicas e sociais em muitas regiões do mundo. Assim, previsões confiáveis do tempo são necessárias para reduzir os danos causados por esses eventos extremos. Sistemas de alerta podem oferecer aos habitantes locais tempo suficiente para executar ações de segurança. Pesquisas recentes no Instituto de Meteorologia da Universidade de Leipzig concentram-se na análise das condições meteorológicas para eventos de enchentes extremos. Especialmente, estão sendo investigadas a organização das chuvas orográficas nas regiões de montanhas baixas da 1 Doutoranda do Instituto Tecnológico de Aeronáutica. Pç. Mal. Eduardo Gomes, 50-12228-900 São José dos Campos SP, Brasil. nsmaha@ita.br 2 Professora Adjunta do Instituto Tecnológico de Aeronáutica. hiria@ita.br 3 Doutoranda do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Rodovia Presidente Dutra, Km 40, 12630-000, Cachoeira Paulista, SP, Brasil. 4 Doutorando do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. 5 Pesquisadora titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.

Alemanha e a distribuição das chuvas, necessárias para as previsões hidrológicas (Zimmer, 2005). Hoffmann (2005) construiu um perfil de montanha idealizada e realizou simulações com o Lokal- Model (DWD) para comparar os resultados com as saídas do modelo GESIMA. Os resultados se apresentaram bastante próximos para a previsão de eventos de precipitação intensa. O desenvolvimento do presente trabalho está vinculado ao Projeto Temático financiado pela FAPESP Estudos da Previsibilidade de Eventos Meteorológicos Extremos na Serra do Mar. A região da Serra do mar é freqüentemente atingida por eventos críticos de origem hidrometeorológica que têm como conseqüências grandes prejuízos às atividades sócio-econômicas. Essa região é caracterizada por apresentar uma topografia complexa e por esse motivo existem peculiaridades em relação à modelagem matemática. 2. O MODELO ATMOSFÉRICO GESIMA O modelo GESIMA foi desenvolvido por Kapitza e Eppel (1992) para estudar os fenômenos regionais da atmosfera como os ciclones do Báltico (Devantier 1995) ou precipitações orográficas (Hoffmann 2005) de mesoescala. Depois de um evento extremo de precipitação (~12,5 mm/h) em agosto de 2002, causado por um escoamento quase estacionário de ar saturado sobre as montanhas de Erzgebirge (~1000m de altitude) no leste da Alemanha, os modelos meteorológicos foram utilizados para simular tais eventos de precipitação (Hoffmann 2005, Zimmer 2005). Uma vez que esses eventos não são determinados pelos modelos globais operacionais, os modelos de mesoescala com alta resolução temporal e espacial (5 x 5 km) são utilizados para as pesquisas dos processos de microfísica nas nuvens. Com dados de radiossonda, é possível com esse modelo, descrever a estrutura vertical da atmosfera local a partir da umidade relativa, da temperatura potencial e das componentes do vento (u, v). As equações dinâmicas não-hidrostáticas são numericamente resolvidas pelo esquema Mac Cormack (Kapitza and Eppel 1995). Essas equações são baseadas nas leis fundamentais da física clássica: conservação de massa, energia, momento e suas continuidades. Processos de micro-física, como a gênese de nuvens e outras interações turbulentas, são parametrizados. O modelo GESIMA inclui três módulos diferentes de chuva (Devantier 1995). Todos eles descrevem uma nuvem como a composição de 4 a 6 diferentes classes de água (vapor de água, água de nuvem, gelo de nuvem, granizo, chuva e neve), todas com uma distribuição característica do seu tamanho (bulk). 3. PRECIPITAÇÃO OROGRÁFICA Douglas and Glasspoole (1947) observaram a precipitação orográfica na Escócia, onde uma camada baixa de ar quase saturado e estável passava sobre as montanhas. A conexão entre a intensidade de chuva e a altura das montanhas foi derivada por Bergeron (1949).

A Figura 1 ilustra os três tipos de eventos de precipitação orográfica. O primeiro representa um escoamento estratificado sobre a topografia somente induzido por velocidades verticais positivas. No segundo evento, as velocidades verticais ascendentes são de ordem superior à 1m/s. Velocidades verticais positivas encontram-se a barlavento, na borda superior, atingindo a metade da troposfera (~6000m de altitude). Tais condições são causadas pelo estado adiabático instável da atmosfera. À direita da Figura 1, um terceiro mecanismo, conhecido como Seeder-Feeder, de formação de precipitação orográfica é apresentado. Gotas de chuva que caem das nuvens altas e médias (Seeder) alimentam as nuvens mais baixas (Feeder). Processos microfísicos, como coalescência e autoconversão, intensificam a precipitação das nuvens Feeder. Figura 1: Mecanismo de precipitação orográfica (Fonte: Hoffmann, 2005). O perfil mostra o contorno das montanhas (linha sólida escura), o comprimento das setas simboliza a força e direção da componente vertical da velocidade e as linhas em escala de cinza representam o conteúdo de águas de nuvens: 1. escoamento estratificado (esquerda) 2.- barlavento (centro) 3.- mecanismo Seeder-Feeder (direita) No caso de uma montanha isolada, o ar é capaz de passar contornando-a pela direita e pela esquerda. A barlavento, a componente normal da velocidade é bloqueada e o escoamento diverge. A sotavento, as linhas de corrente convergem e causam áreas com velocidades verticais positivas. 4. ÁREA DE ESTUDO O foco deste trabalho está voltado para uma bacia hidrográfica pois em trabalhos futuros pretende-se estudar o acoplamento de modelos atmosféricos e hidrológicos. A bacia hidrográfica do Rio Grande de Ubatuba foi escolhida para ser a primeira bacia a ser estudada neste trabalho. Localizada no nordeste do Estado de São Paulo, faz parte da Serra do Mar e cobre uma área de aproximadamente 64 km 2. Esta área é coberta predominantemente pela Mata Atlântica e apresenta significativa interferência humana. O escasso número de estações de medições na área de estudo limita as investigações. Existe somente uma estação pluviométrica dentro da bacia de estudo com dados recentes, a E2-009 a 220 m de altitude, com precipitação média anual de 3040 mm. A estação E2-135 a 815 m de altitude, situada fora da bacia, apresenta dados de 1972 a 2004 e foi utilizada para selecionar eventos que englobassem uma região maior e que não fossem somente fenômenos locais. Essa estação tem uma

precipitação média anual de 1785 mm. Foram selecionados os casos de 17 a 20 de julho de 2004 e de 20 a 22 de fevereiro de 2004 devido à expressiva quantidade de precipitação em ambas as estações durante um período de quatro e três dias, respectivamente. Dessa maneira, eventos isolados de curta duração, como chuvas convectivas, foram filtrados dando maior relevância a eventos de maior duração. Os dois casos selecionados apresentaram picos próximos a 150 e 200 mm. O primeiro evento ocorre no período de inverno, geralmente menos úmido, com uma média de precipitação de aproximadamente 100 mm por mês, enquanto o segundo ocorre durante o verão com uma média mensal de 350 mm. As condições sinóticas para os dois casos selecionados foram observadas através da análise do modelo global do NCEP. Como o objetivo era avaliar os efeitos orográficos na precipitação, o evento de 00Z 20 de julho de 2004 foi selecionado devido aos ventos de sudeste sobre a área de estudo (ventos vindos do mar, ortogonais à Serra do Mar nessa região). A situação sinótica é determinada por dois anticiclones, um ao sul centrado em 40 S e 48 W, e o outro ao norte da área de estudo formando um cavado invertido sobre a região da estação pluviométrica E2-009. A situação sinótica verificada nesse caso é favorável à ocorrência de precipitação de origem orográfica, estando de acordo com as observações registradas na estação pluviométrica. Situações como estas podem ser melhor capturadas por modelos atmosféricos de mesoescala, devido principalmente à alta resolução espacial e temporal como, por exemplo, o modelo GESIMA. Dados de radiossondagens próximos à área de estudo são encontrados apenas nos aeroportos de São Paulo (23.52 S; 46.63 W) e do Rio de Janeiro (22.81 S; 43.25 W), situados aproximadamente a 200 e 300 km de distância, respectivamente. Devido às características topográficas similares, os dados do Rio de Janeiro foram escolhidos para o presente estudo. 5. RESULTADOS E DISCUSSÕES As simulações foram feitas com o modelo GESIMA 3D, com passo de tempo de integração de 6 s, utilizando o módulo de nuvens de Jacob e o perfil vertical da atmosfera obtido com a radiossonda do Rio de Janeiro. Uma simulação foi realizada considerando-se uma cobertura vegetal homogênea de floresta mista e outra considerando uma cobertura vegetal em função da topografia. Áreas à nível do mar foram consideradas como água, de zero a 150 m de altitude, areia, de 150 a 700 m, agricultura e acima de 700 m, floresta tropical. A Figura 2 apresenta os resultados para o campo de precipitação dessas simulações com uma vista horizontal a 50 m de altura. À esquerda, a simulação com a vegetação homogênea, podemos observar precipitações da ordem de 3 mm/h na região da Serra do Mar e de 4 mm/h na região da Serra da Mantiqueira. Na Figura 2 à direita está apresentada a diferença entre as duas simulações. O parâmetro de rugosidade é determinante para essa diferença encontrada entre as duas simulações.

Para a cobertura de floresta mista, o comprimento de rugosidade era de 0,50 m. Para a cobertura em função da topografia os comprimentos de rugosidade eram de 0,0001, 0,01 e 2,0 m para areia, agricultura e floresta tropical, respectivamente. Figura 2: Resultados do modelo GESIMA 3D (Jacob). Vista horizontal a 50 m de altura, com vetores do vento, precipitação [mm/h] (escala de cinza) e isolinhas de altitude (linhas sólidas). À esquerda, resultados com vegetação homogênea e à direita, a diferença entre esta e a simulação com cobertura vegetal em função da topografia. A Figura 3 apresenta os resultados obtidos com a simulação do modelo GESIMA 3D de uma seção transversal com os valores de velocidade vertical positiva e negativa, água e gelo de nuvem. Pode-se verificar também nessa figura a distribuição da precipitação gerada pelo módulo de Jacob. Figura 3: Acima, uma seção transversal dos resultados com GESIMA 3D (Jacob) com a topografia (preenchido), linha de 0 C (linha horizontal, sólida), velocidade vertical para cima (sólida) e para baixo (tracejada) bem como água de nuvem e gelo de nuvem (escala de cinza). Abaixo, a distribuição horizontal da precipitação [mm/h]. 6. CONCLUSÕES Ocorrências de precipitação orográfica são muito freqüentes na região da Serra do Mar devido à alta umidade trazida por ventos advindos do Oceano Atlântico e aos taludes íngremes com os quais esses ventos se deparam. Buscou-se neste trabalho aplicar a experiência alemã com o modelo atmosférico GESIMA na

região da Serra do Mar no Estado de São Paulo, mais especificamente na Bacia do Rio Grande de Ubatuba. Com o modelo GESIMA é possível simular fenômenos atmosféricos quase-estacionários. Procurou-se ainda neste trabalho, analisar a capacidade do modelo GESIMA em simular eventos de precipitações orográficas na região de estudo. Dados observados de precipitação apontam para cada período analisado, 17 a 20 de julho de 2004 e de 20 a 22 de fevereiro de 2004, quantidades de 150 a 200 mm, respectivamente. De acordo com uma análise sinótica, o dia 20 de julho de 2004 foi escolhido para a inicialização do modelo, pois a ocorrência de ventos de sudeste apresentava-se normal à cadeia de montanhas. Com a inicialização do modelo GESIMA feita com dados da análise global do NCEP e dados de radiossondagens da cidade do Rio de Janeiro, o modelo apresentou como resultado uma taxa de precipitação de 3 mm/h. Considerando um duração constante de 72 horas, o valor total atingido é de 216 mm, que concorda de maneira satisfatória com os dados observados. AGRADECIMENTOS Agradecemos o Instituto de Meteorologia da Universidade de Leipzig, especialmente o professor Dr. Armin Raabe e Peter Hoffman, pelo acolhimento e cooperação. Gostaríamos de agradecer o Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD) que juntamente com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) financiaram o intercâmbio entre as instituições brasileiras e a alemã, bem como a Fundação de Amparo à Pesquisa de Estado de São Paulo (FAPESP) pelo financiamento do Projeto Temático Estudos da Previsibilidade de Eventos Meteorológicos Extremos na Serra do Mar do qual faz parte este trabalho. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BERGERON, T. (1949). The problem of artifical control of rainfall on the globe. Part II: The coastal orographic maxima of precipitation in autumn and winter, Tellus 1, 15-32. DEVANTIER R. (1995). Anwendung eines neuen Wolkenschemas in einem mesoskaligem Modell. Dissertation, Inst. f. Meteorologie Univ. Leipzig. DOUGLAS, C. K. M.; GLASSPOOL, J. (1947). Meteorological conditions in orographic rainfall in the British Isles, Quart. J. Roy. Meteor. Soc., 11-38 HOFFMANN, P. (2005). Simulation orographisch induzierter Niederschlagsereignisse mit dem Mesoskalenmodell GESIMA. Diplomarbeit, Inst. f. Meteorologie Univ. Leipzig, 72 p. KAPITZA H. & EPPEL D. P. (1992). The Non-Hydrostatic Mesoscale Model GESIMA (Part I): Dynamical Equation and Tests. Beiträge zur Physik der Atmosphäre, 129-145. KAPITZA H. & EPPEL D. P. (1995). The Non-Hydrostatic Mesoscale Model GESIMA (Part II): Parametrisations and Applications. Beiträge zur Physik der Atmosphäre, 15-41. ZIMMER, J. (2005). Topografische Beeinflussung von Niederschlag. Diplomarbeit, Inst. f. Meteorologie Univ. Leipzig, 63 p.