Pró-Reitoria de Graduação Curso de Direito Trabalho de Conclusão de Curso



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Transcrição:

Pró-Reitoria de Graduação Curso de Direito Trabalho de Conclusão de Curso Repercussão das alterações nos crimes contra os costumes em sua execução penal Autor: Felipe Higino Orientador: Especialista Hailton da Silva Cunha Brasília - DF 2010

FELIPE HIGINO REPERCUSSÃO DAS ALTERAÇÕES NOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES EM SUA EXECUÇÃO PENAL Monografia apresentada ao curso de Graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador: Especialista Hailton da Silva Cunha. Brasília 2010

Primeiramente a Deus pela oportunidade de continuar trilhando meu caminho, apesar das dificuldades que surgiram em minha vida. A meu pai (in memorian) que com a luz de sua utopia segue iluminando meu caminho. A minha mãe que nunca deixou de acreditar em mim. A Luana, minha namorada, pelos momentos de companheirismo e compreensão.

AGRADECIMENTO Ao Professor, Hailton da Silva Cunha, orientador estimado, que competentemente redirecionou minha linha de raciocínio rumo ao alcance os objetivos propostos pelo trabalho. A todos aqueles que contribuíram para realização deste trabalho.

RESUMO Referência: HIGINO, FELIPE. Repercussão das alterações nos crimes contra os costumes em sua execução penal. 2010. 97. Direito-Universidade Católica de Brasília. Brasília, 2010. A repercussão das alterações nos crimes praticados contra os costumes em sua execução penal, provocada pela publicação da Lei n.º 12.015/2009, estimulou o aumento na demanda de ações de revisão de pena para os agentes que praticaram os delitos de atentado violento ao pudor e atentado violento ao pudor mediante fraude, inclusive, em concurso com os delitos de estupro e posse sexual mediante fraude. Fusão dos artigos 214 e 216 aos artigos 213 e 215 do Código Penal, respectivamente. Revogação dos artigos 214 e 216 do Código Penal. A incidência de princípios legais e constitucionais propiciou uma situação benéfica para o agente que praticou crime sexual sob a rubrica dos costumes, reconhecida pelos Tribunais pátrios de forma unânime. O Código Penal de 1940 passou a tutelar a dignidade sexual, como atributo da dignidade da pessoa humana, deixando de considerar a moral pública sexual como bem jurídico a ser tutelado pela norma jurídica. Extinção da presunção de violência e criação da figura do vulnerável. Palavras-chave: Retroatividade Abolitio criminis Crimes contra os costumes Liberdade sexual Dignidade da pessoa humana.

ABSTRAT Reference: HIGINO, FELIPE. Effect of changes in crimes against morals in their criminal sentences. 2010. 97. Law Course, Catholic University of Brasilia. Brasília, 2010. The impact of changes in crimes against morals in its penal execution, caused by the publication of Law nº. 12.015/2009, stimulated the increase in demand of penalty reviewing lawsuitworth for the agents who committed the crimes of indecent assault and assault violent indecent assault through fraud, even in competition with the crimes of rape and sexual possession through fraud. Fusion of Articles 214 and 216 to Articles 213 and 215 of the Penal Code, respectively. Annul of Articles 214 and 216 of the Penal Code. The incidence of legal and constitutional principles have brought a salutary situation for the agent who committed sexual crimes under the rubric of prescription rights, which has been recognized by brazilian courts unanimously. The Penal Code of 1940 came to protect the sexual dignity as an attribute of human dignity, thus not considering the sexual morals as judicial property to be protected by the legal rule of law. Extinction of the presumption of violence and the creation of the vulnerable role. Keywords: Retroactivity - Abolitio criminis - Crimes against morals - Sexual Freedom - Dignity of the human person.

LISTA DE SIGLAS ART. ARTIGO CP CÓDIGO PENAL CPC CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL CPP CÓDIGO DE PROCESSO PENAL CF/88 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 DF DISTRITO FEDERAL ECA- ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE LCH LEI DOS CRIMES HEDIONDOS LCP LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS LEP LEI DE EXECUÇÃO PENAL MP MINISTÉRIO PÚBLICO N.º NÚMERO P. PÁGINA TJDFT TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓTIOS STF SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL STJ SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

- PARÁGRAFO LISTA DE SÍMBOLOS

SUMÁRIO INTRODUÇÃO...10 CAPÍTULO I ASPECTOS HISTÓRICOS...13 1.1 DIREITO PENAL BRASILEIRO...13 1.2 OS CRIMES SEXUAIS NO ORDENAMENTO PENAL BRASILEIRO...16 1.3 DOS CRIMES HEDIONDOS...19 CAPÍTULO II O TRATAMENTO DOS CRIMES SEXUAIS NO CÓDIGO PENAL DE 1940...24 2.1 DOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES...24 2.1.1 Alterações promovidas nos crimes contra os costumes...26 2.2 DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL...28 CAPÍTULO III DOS CRIMES SEXUAIS EM ESPÉCIE...31 3.1 ESTUPRO...31 3.2 ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR...36 3.3 POSSE SEXUAL MEDIANTE FRAUDE...38 3.4 ASSÉDIO SEXUAL...39 3.5 CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERÁVEL...40 3.5.1 Estupro de vulnerável...40 3.5.2 Da corrupção de menores...42 3.5.3 Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente...44 3.5.4 Favorecimento à prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável 44 3.6 DO RAPTO...45 3.7 MEDIAÇÃO PARA SERVIR A LASCÍVIA DE OUTREM...46 3.8 FAVORECIMENTO À PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL...47 3.9 CASA DE PROSTITUIÇÃO...48 3.10 RUFIANISMO...50 3.11 TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOA PARA FIM DE EXPLORAÇÃO SEXUAL...51 3.12 TRÁFICO INTERNO DE PESSOA PARA FIM DE EXPLORAÇÃO SEXUAL...52 3.13 DO ULTRAJE PÚBLICO AO PUDOR...53 3.14 FORMAS QUALIFICADAS DOS CRIMES SEXUAIS...54

CAPÍTULO IV DISPOSIÇÕES GERAIS REFERENTES AOS CRIMES SEXUAIS...56 4.1 CAUSAS DE AUMENTO DE PENA...56 4.2 CAUSAS DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE...57 4.3 DA AÇÃO PENAL...60 4.3.1 Ação penal secundária...63 4.4 CONCURSO DE CRIMES...64 4.4.1 Concurso material...65 4.4.2 Concurso formal...67 4.4.3 Crime continuado...67 CAPÍTULO V A LEI PENAL NO TEMPO...70 5.1 PRINCIPIOS DO DIREITO PENAL...72 5.1.1 Princípio da Irretroatividade da lei penal...72 5.1.2 Princípio da Anterioridade...73 5.1.3 Princípio da Continuidade normativo-típica...74 5.1.4 Princípio da Intervenção mínima...75 5.1.5 Princípio da Fragmentariedade...76 5.1.6 Princípio da Dignidade da pessoa humana...77 5.1.7 Princípio da Proporcionalidade...77 5.2 ABOLITIO CRIMINIS...78 CAPÍTULO VI EXECUÇÃO PENAL...81 6.1 DA APLICAÇÃO DA PENA...81 6.2 LEI DE EXECUÇÃO PENAL...82 CAPÍTULO VII A REPERCUSSÃO DAS ALTERAÇÕES NOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES EM SUA EXECUÇÃO PENAL...85 CONCLUSÃO...91 REFERÊNCIAS...95

10 INTRODUÇÃO A repercussão das alterações promovidas no Título VI, do Código Penal de 1940, intitulado Dos crimes contra os costumes, que por meio da Lei nº 12.015 de 07 de agosto de 2009, passou a ostentar a rubrica Dos crimes contra a dignidade sexual, é significativa no campo da execução penal, principalmente no que concerne à natureza da ação penal, a eficácia da lei penal no tempo e na obrigatoriedade das ações que envolvam crimes sexuais tramitarem em segredo de justiça. O que é novo, é justamente a criação de novos tipos penais e a continuidade normativo-típica de condutas previstas anteriormente, cujos artigos foram revogados; houve a majoração da pena atribuída a determinadas condutas; a distinção de faixa etária nos crimes sexuais e a criação da figura do vulnerável; além da previsão de condutas em que o agente utiliza meios eletrônicos para atentar contra a dignidade sexual da vítima. Ademais, o legislador inovou ao promover a alteração do bem jurídico tutelado, deixando de considerar o caráter costumeiro e moralista para abranger a dignidade sexual através da liberdade sexual do indivíduo, destacando a proteção do atributo da dignidade da pessoa humana, previsto na Constituição Federal de 1988, de forma clara para o intérprete da norma penal. Essa ruptura nos padrões societários representa um importante avanço civilizatório no que concerne ao respeito à dignidade da pessoa humana, princípio situado no âmbito dos Direitos Humanos, tendo em vista que o sistema anterior não atendia às situações reais de violação da liberdade sexual, bem como a proteção ao desenvolvimento da sexualidade. As novas relações sociais que se desenvolveram no cenário sexual contemporâneo, derivadas da quebra de antigos preceitos morais que, com o transcurso dos anos, acabaram caindo em desuso, além da inexplicável razão que leva alguns indivíduos a satisfazerem sua lascívia atacando à dignidade sexual de outrem motiva a criação de novas normas que reprimam o abuso e vise à proteção do desenvolvimento sexual daqueles que ainda não atingiram a maturidade sexual e dos que possuem desenvolvimento mental incompleto, atribuindo punições rigorosas para aqueles que violam os direitos inerentes a dignidade sexual. A motivação da pesquisa se deu em razão da atualidade do tema e dos efeitos que atingiram os delitos praticados durante a vigência do antigo Título VI do Código Penal de 1940 Dos Crimes Contra os Costumes durante a fase de execução da pena, procurando

11 destacar a ocorrência ou não da abolitio criminis, em face dos princípios da continuidade normativa e da extra-atividade da lei penal, a partir da publicação da Lei n.º 12.015/2009 que modificou o mencionado título e quase todos os tipos penais descritos. Dessume-se que o legislador, ao editar a Lei n.º 12.015/2009, procurou garantir uma proteção maior a pessoa que se encontra em desenvolvimento, bem como tutelar a liberdade sexual do ser humano contra as ações que ofendam a liberdade do indivíduo em exercer sua sexualidade, escolher seu parceiro e manter ou não uma relação sexual. O objetivo geral do trabalho refere-se aos efeitos provocados pelas alterações promovidas no Título VI do diploma penal pela Lei n.º 12.015/2009, publicada com aplicação imediata, aos agentes que praticaram os delitos ainda sob a dicção Dos crimes contra os costumes. Como objetivo específico, o presente trabalho pretende: 1. Conhecer os novos crimes contra a dignidade sexual e os efeitos da extra-atividade da lei penal em relação aos delitos sexuais praticados sob a rubrica dos costumes; 2. Estudar as hipóteses e os efeitos dos novos tipos penais sobre as condutas praticadas sob a rubrica Dos crimes contra os costumes e, abordando o recente entendimento jurídico dos Tribunais acerca da não incidência da abolitio criminis dos crimes anteriormente previstos nos artigos 214 e 216 do Código Penal, reconhecendo a fusão com outras condutas que também têm por objeto a tutela da liberdade sexual. E, por fim, os efeitos da novatio legis que alcançaram a Lei n.º 8.072/1990 que trata dos crimes hediondos- e o Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei n.º 8.069/1990; 3. Aprofundar o estudo acadêmico em relação aos efeitos da retroatividade da lei penal benéfica durante a execução penal. O método abordado no presente trabalho é o hipotético-dedutivo, por partir da fixação do problema, apresentando hipóteses e debatendo-as. A técnica de pesquisa utilizada foi a revisão bibliográfica de fontes baseadas em renomados autores e obras que abordam o tema, apresentando diferentes opiniões, além de ilustrar o posicionamento assumido pelo Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, por meio da jurisprudência. Destarte, através de sete capítulos, passou-se a demonstrar os efeitos das alterações produzidas no Título VI do Código Penal com a constante edição de leis modificativas, em especial a Lei n.º 12.015 de 7 de agosto de 2009, em relação às condutas praticadas ainda sob a rubrica criada pelo legislador do Código Penal de 1940, durante a execução penal.

12 No primeiro capítulo, realizou-se uma abordagem acerca dos aspectos históricos do direito penal brasileiro e da evolução da penalização dos crimes sexuais no Brasil, analisando diplomas penais pátrios, desde a época do Brasil colônia até os dias atuais, abordando a inclusão dos crimes sexuais de estupro e atentado violento ao pudor no rol de crimes hediondos, em obediência ao mandamento constitucional, bem como suas recentes alterações na legislação que criaram novas condutas, adequaram algumas à realidade social e extinguiram outras. O segundo capítulo registrou o tratamento dispensado aos crimes sexuais no Brasil, previstos no Título VI do Código Penal de 1940, em sua redação original, e na atual rubrica introduzida pela Lei n.º 12.015/2009. No terceiro capítulo passou-se a tratar dos delitos sexuais em espécie. Para tanto, traçou-se breve comparação entre os delitos previstos sob a rubrica Dos crimes contra os costumes e os atualmente denominados Dos crimes contra a dignidade sexual, destacando as principais modificações produzidas. No quarto capítulo, apresentou-se as disposições gerais concernentes as causas de aumento de pena, extinção da punibilidade, ação penal e concurso de crimes, nas espécies formal e material, além do crime continuado. No quinto capítulo, realizou-se uma abordagem acerca da lei penal no tempo, dos princípios do direito penal relacionados ao estudo, em face da atividade da lei penal no tempo, como o princípio da irretroatividade da lei penal; anterioridade; continuidade normativotípica; intervenção mínima, fragmentariedade, dignidade da pessoa humana e proporcionalidade. Por fim, encerrou-se o capítulo, expondo acerca do instituto da abolitio criminis. O sexto capítulo tratou da execução penal, passando pela aplicação da lei penal até a edição da Lei n.º 7.210/1984, que dispõe sobre a execução penal. No sétimo capítulo registrou-se os efeitos da repercussão das alterações dos crimes contra os costumes em sua execução penal, os efeitos da novatio legis àquelas condutas praticas antes de sua publicação e os benefícios proporcionados pela retroatividade da lei penal mais benéfica aos agentes. O trabalho é concluído com a exposição objetiva do autor sobre as alterações promovidas no Título VI do Código Penal e ainda, acerca da ineficaz abrangência penal provocada pelas mudanças que propiciaram uma situação benéfica para os condenados pelos crimes contra os costumes.

13 CAPÍTULO I ASPECTOS HISTÓRICOS No momento em que os homens se agruparam para formar as sociedades, antes mesmo do estabelecimento do pacto social em que os indivíduos abriram mão de alguns direitos em prol da coletividade, com vistas a ordem social teoria defendida por Thomas Hobbes em Leviatã (1651), John Locke em o Segundo tratado sobre o governo civil (1690), e Jean- Jacques Rousseau em O Contrato Social (1762), as penas eram aplicadas desordenadamente, baseadas principalmente em princípios religiosos. As execuções eram espetáculos que as multidões assistiam e deliravam com os gritos do condenado e com a habilidade do carrasco em fazê-lo sofrer o máximo possível, o que transformou a história das penas em uma história de horrores (GRECO, 2009, p. 115). Somente com a Revolução Francesa, no século XVIII, surgiu a fase de humanização do Direito Penal, onde houve a busca pela não aplicação de penas cruéis e desumanas e pela valorização da dignidade da pessoa humana. De acordo com Greco (2009, p. 76), Efetivamente, o século XVIII foi marcante para as principais modificações sofridas pelo Direito Penal. Novos princípios foram desenvolvidos sob o fundamento da dignidade da pessoa humana.. E assim, a partir das idéias iluministas, a teoria do bem jurídico se desenvolveu e se projetou no Direito Penal, passando a ser uma garantia do cidadão aceitar a criação de tipos penais incriminadores pelo Estado somente quando um bem jurídico estivesse sendo por ele protegido. Para tanto, o tipo penal passou a exercer uma função seletiva de bens jurídicos, necessários à manutenção do corpo social (GRECO, 2009, p. 64). Dentre os bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal brasileiro, podem ser citados a vida, a honra, o patrimônio, a fé pública, a dignidade da pessoa humana e a liberdade sexual. 1.1 DIREITO PENAL BRASILEIRO Com relação ao conceito de Direito Penal, Capez (2010a, p. 19) ensina que: O Direito Penal é o segmento do ordenamento jurídico que detém a função de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais para a convivência social, e

14 descrevê-los como infrações penais, cominando-lhes, em consequência, as respectivas sanções [...] A história do direito penal brasileiro remonta ao período colonial, época em que a legislação portuguesa instalou-se no Brasil, predominando a vingança pública, orientada por uma ampla e generalizada criminalização das condutas. Inicialmente, vigoraram as Ordenações Afonsinas em 1446, seguidas pelas Manuelinas de 1521 e, por derradeiro, as Filipinas em 1603. Contudo, apenas as Filipinas tiveram aplicação plena no território pátrio, prevendo penas sem nenhum tipo de sistematização, de caráter cruel e desumano. Foi, inclusive, sob a égide desse ordenamento que Tiradentes foi executado em 21 de abril de 1792. Greco (2009, p. 77) registra que as Ordenações Filipinas previam a punição daqueles que renegassem ou blasfemassem a Igreja Católica, dos hereges, dos apóstatas, dos feiticeiros e dos que benziam animais sem autorização das autoridades. Ensina que o período iluminista veio romper com a chamada secularização, ou seja, separou o direito da moral, de forma, que nem tudo que fosse considerado imoral poderia ser considerado ofensivo ao Direito. Ademais, destaca que a religião também foi separada do direito, não confundindo mais o Estado, direito com fé. Por sua vez, Tasse (2004, p. 50-53) afirma que nas Ordenações Filipinas não havia a distinção entre o direito da moral e o da religião, sendo o pecado e os vícios elevados à categoria de crime. A regra era combater a justiça privada, admitida apenas nos casos de adultério e de revelia; as sanções penais eram extremamente rigorosas, sendo atribuída, na maior parte dos delitos, a pena capital. Após a proclamação da independência do Brasil em 1822 e da promulgação da primeira Carta Constitucional de 1824, editou-se o Código Criminal do Império de 1830, que influenciado por idéias iluministas da Constituição de 1824, promoveu a sistematização penal, o que trouxe aspectos humanitários ao ordenamento jurídico pátrio. Entretanto, vigorou por pouco mais de meio século, sendo editado em 1890, o Código Republicano. Tasse (2004, p. 55-58) leciona que o Código Criminal do Império vigorou até sobrevir a abolição da escravatura, quando se fez necessária a alteração dos preceitos normativos contidos no diploma penal, retirando do ordenamento pátrio as disposições contrárias a nova condição social, sendo então publicado o Código Republicano de 1890. Este, a seu turno, sofreu interferência de inúmeras modificações penais e sociais, sendo substituído pela Consolidação das Leis Penais, em 1932. Aduz ainda, que o Código Penal de 1940, influenciado pelos Códigos Italiano e Dinamarquês de 1930, além do Suíço de 1937 e pelo

15 então denominado Projeto Ferri, manteve a pena privativa de liberdade como mecanismo avançado de defesa da sociedade. Portanto, o diploma penal de 1890, não trouxe nenhuma alteração significativa em relação ao Código Criminal do Império, mas inovou ao introduzir no ordenamento jurídico a previsão da retroatividade da lei penal mais benéfica. Entretanto, sofreu interferência de inúmeras leis modificativas durante a sua vigência, o que culminou com a criação, em 14 de dezembro de 1932, da Consolidação das Leis Penais, que vigorou em complemento ao Código Republicano até a publicação do Código Penal de 1940. Acerca dos aspectos históricos do Código Penal de 1940 (CP), Nucci (2010, p. 76) afirma que em 1969 houve uma tentativa de modificar integralmente o Código Penal, quando os militares, então no poder, editaram o Decreto-lei n.º 1.0004/1969, no entanto, permaneceu em vacatio legis por cerca de nove anos, sendo revogado definitivamente pela Lei n.º 6.578 de 11 de outubro de 1978. Com o advento da Lei 7.209 de 11 de julho de 1984, o Código Penal passou por uma ampla reforma na Parte Geral, visando reduzir a aplicação da pena de prisão e reintroduziu no ordenamento o sistema de dias-multa, criado quando da edição do Código Criminal do Império. Dessa forma, o legislador buscou fortalecer na aplicação da pena, as noções de individualidade, personalidade e culpabilidade, seguindo a tendência à descriminalização de condutas e à despenalização (TASSE, 2004, p. 62). No mesmo ano foi publicada a Lei n.º 7.210, que trata da execução penal, disciplinando a maneira em que a sentença ou decisão criminal é cumprida, ou seja, efetivada em seus termos. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88), diversas garantias penais passaram a gozar de tutela constitucional, como o princípio da legalidade, da anterioridade da lei penal, da culpabilidade, da individualização da pena, bem como a proibição de determinados tipos de penas, conforme artigo 5º e incisos. Destarte, no ano de 1995, o legislador, em atenção ao disposto no artigo 98 da CF/88, instituiu o Juizado Especial Criminal Estadual e Municipal, através da Lei n.º 9.099. Porquanto, somente em 2001, por intermédio da Lei 10.259, institui-se o Juizado Especial no âmbito Federal. A Lei 9.099/1995 inovou ao introduzir no ordenamento jurídico pátrio o instituto da transação penal, que permite ao Ministério Público (MP) ofertar a imposição de uma pena alternativa para os agentes que cumprirem os requisitos legais, se eximirem do inconveniente proporcionado pela instrução processual, encerrando, após o cumprimento das

16 medidas, a persecução penal, sem que incidam os efeitos da condenação, previstos nos artigos 91 e 92 do Código Penal. Posteriormente, com o advento da Lei n.º 9.714 de 1998, promoveu-se a ampliação da aplicação de penas alternativas à pena de prisão para aqueles crimes em que a pena não ultrapasse 4 (quatro) anos, desde que não fosse praticado com emprego de violência ou grave ameaça. A previsão da substituição da pena privativa de liberdade pelas penas alternativas de multa e restritivas de direito gerou uma alteração significativa no ordenamento pátrio, no que diz respeito à matéria punitiva, sendo estipulado pelo legislador diversas modalidades de penas restritivas de direito: a prestação de serviços à comunidade ou pecuniária; a perda de bens e valores; a proibição do exercício do cargo ou da profissão; a suspensão da habilitação para condução de veículos; a proibição de frequentar determinados locais e estabelecimentos; e a limitação de finais de semana (TASSE, 2004, p. 62-63). 1.2 OS CRIMES SEXUAIS NO ORDENAMENTO PENAL BRASILEIRO Nucci (2010, p. 166) apresenta o seguinte conceito de crime: É a concepção da sociedade sobre o que pode e deve ser proibido, mediante a aplicação de sanção penal. É, pois, a conduta que ofende um bem juridicamente tutelado, merecedora de pena.. Por sua vez, Greco (2008, p. 140) assevera que: Sob o aspecto formal, crime seria toda a conduta que atentasse, que colidisse frontalmente contra a lei penal editada pelo Estado. Considerando-se o seu aspecto material, conceituamos o crime como aquela conduta que viola os bens jurídicos mais importantes. Com relação aos aspectos históricos dos crimes sexuais, as Ordenações do Reino não distinguiam os crimes que ofendiam a moralidade sexual e a família. Nesse sentido, Prado (2010, p. 597) ensina que nas Ordenações Filipinas a previsão do crime de estupro voluntário de mulher virgem descrevia a obrigação do autor do crime em se casar com a vítima, sendo que, na impossibilidade, surgia o dever de constituir um dote; ou, na falta deste, o açoite. Havia a previsão do estupro violento, sancionado com a pena capital, que subsistia ainda que o autor se casasse com a vítima após o crime. Já no Código Criminal do Império, o tipo penal do estupro abrangeu diversas outras condutas sexuais, estipulando pena privativa de liberdade de 3 a 12 anos mais o pagamento de um dote. No entanto, se a vítima fosse considerada prostituta, a pena era mais branda, de 1

17 mês a 2 anos. Ademais, havia a previsão da extinção dos crimes sexuais com o casamento do agente com a vítima. Os crimes sexuais eram descritos no título que previa os crimes contra a segurança da honra, caracterizando proteção a outros bens jurídicos que não fossem aqueles relacionados à vítima, como o pai ou marido, a ordem familiar e os princípios religiosos. A respeito, Taquary (2005, p. 25-26) anota que por estarem descritos ao lado do crime de estupro, delitos como a calúnia e a injúria demonstram o pensamento confuso do legislador em relação ao atributo da liberdade sexual e a honra individual. O Código Republicano inovou ao prever a retroatividade da lei penal mais benéfica para o réu. Os crimes sexuais descritos no Título VIII, ostentam a rubrica: Dos crimes contra a segurança da honra e a honestidade das famílias e do ultraje público ao pudor. Descreveu em cinco capítulos, as condutas de violência carnal; estupro; defloramento; rapto; lenocínio; adultério ou infidelidade conjugal e do ultraje público ao pudor. No tocante às inovações trazidas ao ordenamento, o novo diploma penal não fez distinção de gênero quanto às vítimas de crimes de violência carnal, contudo, restringiu o crime de estupro à mulher honesta. Seguindo o raciocínio expresso no Código Criminal do Império, no caso da vítima de estupro ser prostituta ou mulher pública, mantendo pena mais branda em relação a atribuída para o crime praticado contra a denominada mulher honesta. 1 A Consolidação de Leis Penais não trouxe nenhuma inovação no que diz respeito ao tipo penal dos crimes sexuais, apenas reduziu a pena máxima prevista para os referidos delitos. Assim, por também prever a retroatividade de lei penal para a hipótese de uma novatio legis atribuir pena mais branda para determinada conduta, a nova previsão legal alcançou as condutas já praticadas, diminuindo a pena aplicada ou que seria aplicada, no caso de condenação. 2 No ano de 1940, o Código Penal editado promoveu a tutela dos crimes sexuais sob o enfoque dos costumes, considerando, o legislador, que o dano causado não se refere somente a vítima, mas a toda coletividade, atingindo um bem jurídico maior. 3 Nesse sentido, Silva (2006, p. 43) define que [...] ao lado da liberdade sexual o Código protege, em síntese, os costumes, entendidos como valores morais.. O Código Penal inovou ao prever a presunção de violência ou presunção de violência ficta, em razão da idade, alienação ou debilidade da vítima, e no caso de impossibilidade da vítima oferecer resistência (SILVA, 2006, p. 224). Além disso, o crime de adultério, 1 PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: Evolução histórica. 2. ed. RT, 2004, passim. 2 Idem. Ibidem, passim. 3 TAQUARY, Eneida O. de B.; LIMA, Arnaldo L. Temas de Direito Penal & Direito Processual Penal. 3. ed. Jurídica: 2005, p. 26.

18 contemplado pelo Código Republicano entre os crimes sexuais, com o Código Penal de 1940, passou a figurar no título que define os crimes contra família. A Parte Especial do Código Penal de 1940 promove, divida em onze títulos, promove a tutela de diversos bens jurídicos diferentes. Por sua vez, os títulos são divididos em capítulos, e estes, subdividos em seções. Os crimes contra os costumes foram dispostos, originalmente, em seis capítulos. Em 1990, editou-se a Lei dos Crimes Hediondos (LCH), sob o n.º 8.072, em atenção ao preceito constitucional contido na Carta Magna de 1988, em seu artigo 5, inciso XLIII. Acolhendo o clamor popular, promoveu-se o recrudescimento das sanções previstas para determinadas condutas tidas como repugnantes, definidas no artigo 1.º da referida Lei. Contudo, a referida lei ao dispor de um tratamento diferenciado, ofende princípios penais e até mesmo constitucionais. No ano de 2001, por intermédio da Lei n.º 10.224, foi incluído no Título VI, Capítulo I do Código Penal, o tipo penal do assédio sexual, elencado no artigo 216-A, em atenção a exigência da sociedade em se criminalizar a conduta do agente que se prevalece da condição hierárquica ocupada para obter vantagem ou favorecimento sexual sobre a vítima. Com o advento da Lei n.º 11.106/2005, o legislador descriminalizou as condutas de sedução, rapto e adultério. Além disso, revogou a causa de aumento de pena em razão do agente ser casado, prevista no inciso III do artigo 226, bem como as causas extintivas da punibilidade previstas nos incisos VII e VIII do artigo 107 do Código Penal. No que tange a conduta do rapto, a transferiu para um crime contra liberdade individual sequestro e cárcere privado, artigo 148, do qual, qualquer pessoa pode ser vítima (SILVA, 2006, p. 23). A publicação da Lei n.º 12.015/2009, alterou substancialmente o Titulo VI do Código Penal ao promover a tutela da dignidade sexual da pessoa humana, em vez de, segundo define Teles (2006, p. 2), promover a subordinação da liberdade sexual do indivíduo à conveniência e aos costumes sociais, determinados segundo regras de natureza ética e moral. Os crimes sexuais, dispostos no Título VI do Código Penal, atualmente estão agrupados em seis capítulos levando-se em conta, a revogação do Capítulo III. A partir das modificações promovidas, Greco (2010, p. 580) apresenta a seguinte descrição dos Capítulos: Capítulo I Dos crimes contra a liberdade sexual [estupro (art. 213); violação sexual mediante fraude (art. 215);assédio sexual (art. 216-A)]; Capítulo II Dos crimes sexuais contra vulnerável [estupro de vulnerável (art. 217- A); corrupção de menores (art. 218); satisfação de lascívia mediante a presença de criança ou adolescente (art.218-a); favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável (art. 218-B)]; Capítulo III revogado integralmente pela Lei n.º 11.106 de 28 de março de 2005;

19 Capítulo IV Disposições gerais [ação penal (art. 225); aumento de pena (art. 226); Capítulo V Do lenocínio e do tráfico de pessoa para fim de prostituição ou outra forma de exploração sexual [mediação para servira lascívia de outrem (art. 227); favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual (art. 228); casa de prostituição (art. 229); rufianismo (art. 230); tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual (art. 231); tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual (art. 231-A)]; Capítulo VI Do ultraje público ao pudor [ato obsceno (art. 233); escrito ou objeto obsceno (art.234)]; Capítulo VII Disposições gerais [aumento de pena (art. 234-A); segredo de justiça (art. 234-B)]. Calha ressaltar que o artigo 201, 6, do Código de Processo Penal (CPP), prevê que compete ao juiz tomar as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, a fim de evitar exposição aos meios de comunicação. Porquanto, a previsão do artigo 324-B, refere-se apenas aos crimes sexuais definidos no Título VI do Código Penal, sendo que nos demais casos, o juiz terá competência para adotar as medidas necessárias, conforme dispõe o Código de Processo Penal. 1.3 DOS CRIMES HEDIONDOS O fundamento constitucional dos crimes hediondos está estampado no artigo 5, XLIII, da CF/88, que assim dispõe: XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; 4 A Lei 8.072/90 é composta por treze artigos que veiculam normas de natureza material e processual, definindo os crimes hediondos, atribuindo inúmeras consequências para as condutas previstas em seu rol taxativo - artigo 1º -, como a impossibilidade de concessão de indulto, graça, anistia, fiança ou liberdade provisória e o aumento no tempo necessário para concessão de progressão de regime, bem como para o livramento condicional. Inicialmente, a redação do 1º do artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos descrevia o regime integralmente fechado para o cumprimento da pena. Contudo, ao entrar em vigor a Lei n.º 11.464/2007, a redação do referido parágrafo, foi alterada, estipulando a partir de então, 4 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em:17/02/2010.