MEIO AMBIENTE, JOGOS E COM-VIVÊNCIA: PRINCÍPIOS PARA UMA EDUCAÇÃO AMBIENTAL PELO LAZER



Documentos relacionados
O AMBIENTE MOTIVADOR E A UTILIZAÇÃO DE JOGOS COMO RECURSO PEDAGÓGICO PARA O ENSINO DE MATEMÁTICA

Educação Patrimonial Centro de Memória

A PRÁTICA PEDAGÓGICA DO PROFESSOR DE PEDAGOGIA DA FESURV - UNIVERSIDADE DE RIO VERDE

EDUCAÇÃO NÃO FORMAL E MOVIMENTOS SOCIAIS - PRÁTICAS EDUCATIVAS NOS ESPAÇOS NÃO ESCOLARES

Desafiando o preconceito: convivendo com as diferenças. Ana Flávia Crispim Lima Luan Frederico Paiva da Silva

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES 1

OS SENTIDOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NA CONTEMPORANEIDADE Amanda Sampaio França

CASTILHO, Grazielle (Acadêmica); Curso de graduação da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás (FEF/UFG).

PEDAGOGIA EM AÇÃO: O USO DE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS COMO ELEMENTO INDISPENSÁVEL PARA A TRANSFORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA AMBIENTAL

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

EDUCAÇÃO AMBIENTAL & SAÚDE: ABORDANDO O TEMA RECICLAGEM NO CONTEXTO ESCOLAR

RESENHA. Desenvolvimento Sustentável: dimensões e desafios

UMA EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO CONTINUADA NO CONTEXTO DE CRECHE

O ESTUDO DE AÇÕES DE RESPONSABILIDADE SOCIAL EM UMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR MUNICIPAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

O ESTÁGIO SUPERVISIONADO COMO ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE DE LICENCIANDOS EM MATEMÁTICA

Educação Física: Mais do que um espaço de desenvolvimento físico, um espaço de possibilidade dialógica.

DITADURA, EDUCAÇÃO E DISCIPLINA: REFLEXÕES SOBRE O LIVRO DIDÁTICO DE EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA

A Alienação (Karl Marx)

RELAÇÕES DE GÊNERO E VIOLÊNCIA

A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM COMO PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO E INCLUSÃO

TUDO O QUE APRENDEMOS É BOM

A política e os programas privados de desenvolvimento comunitário

A IMPORTÂNCIA DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO PARA OS CURSOS PRÉ-VESTIBULARES

REDE DE EDUCAÇÃO SMIC COLÉGIO SANTA CLARA SANTARÉM-PARÁ RESUMO DOS PROJETOS

ESTATÍSTICA E PROBABILIDADE A PARTIR DO JOGO TRAVESSIA DO RIO. Palavras-chave: resolução de problemas; jogo; problematizações.

A MEMÓRIA DISCURSIVA DE IMIGRANTE NO ESPAÇO ESCOLAR DE FRONTEIRA

Sua Escola, Nossa Escola

RESUMO. Palavras-chave: Educação matemática, Matemática financeira, Pedagogia Histórico-Crítica

EXPERIÊNCIAS NA FORMAÇÃO DOCENTE

VIVÊNCIA EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL: REUTILIZAÇÃO DO PAPEL COMO RECURSO EDUCACIONAL

Tecnologia sociais entrevista com Larissa Barros (RTS)

CONCEPÇÃO E PRÁTICA DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: UM OLHAR SOBRE O PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO RAFAELA DA COSTA GOMES

A EPISTEMOLOGIA NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

O professor que ensina matemática no 5º ano do Ensino Fundamental e a organização do ensino

JOGO DE PALAVRAS OU RELAÇÕES DE SENTIDOS? DISCURSOS DE LICENCIANDOS SOBRE EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA PRODUÇÃO DE TEXTOS EM UMA AVALIAÇÃO

JUSTIFICATIVA DA INICIATIVA

POLÍTICA DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA DA ESCOLA DE APLICAÇÃO DA UFPA: REPERCUSSÕES OBSERVADAS NA ESTRUTURA CURRICULAR

AS CONTRIBUIÇÕES DO SUJEITO PESQUISADOR NAS AULAS DE LEITURA: CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS ATRAVÉS DAS IMAGENS

Palavras-chave: Creche. Gestão democrática. Projeto Político-Pedagógico.

UNIDADE I OS PRIMEIROS PASSOS PARA O SURGIMENTO DO PENSAMENTO FILOSÓFICO.

6. Considerações Finais

Só viverá o homem novo, não importa quando, um dia, se os que por ele sofremos formos capazes de ser semente e flor desse homem.

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E MEIO AMBIENTE: CONCEPÇÕES DE PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO 1

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA À DISTÂNCIA SILVA, Diva Souza UNIVALE GT-19: Educação Matemática

ITINERÁRIOS DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA

UNIDADE III Análise Teórico-Prática: Projeto-intervenção

Título: QUALIDADE VOCAL NAS ESCOLAS DE SALVADOR. Autor: Profª. Ana Paula Corona, Profº Penildon Silva Filho

Gênero no processo. construindo cidadania

O ENSINO DA DANÇA E DO RITMO NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA: UM RELATO DE EXPERIENCIA NA REDE ESTADUAL

Projetos Interdisciplinares Por quê? Quando? Como?

MÍDIAS NA EDUCAÇÃO Introdução Mídias na educação

4. O Comunicador da Sustentabilidade

A DOCÊNCIA: APONTAMENTOS DE ALGUNS AUTORES QUE DISCUTEM O ENSINO NA PÓS-GRADUAÇÃO

ERRADICAR O ANALFABETISMO FUNCIONAL PARA ACABAR COM A EXTREMA POBREZA E A FOME.

Meio Ambiente PROJETOS CULTURAIS. 3 0 a O - fu dame tal. Cuidar da vida também é coisa de criança. Justificativa

Gustavo Noronha Silva Higina Madalena da Silva Izabel Cristina Ferreira Nunes. Fichamento: Karl Marx

A ARTE DE BRINCAR NA ESCOLA

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E O ESTADO DE DIREITO DO AMBIENTE 1. Domingos Benedetti Rodrigues 2.

Colégio Ser! Sorocaba Sociologia Ensino Médio Profª. Marilia Coltri

PROCESSO DE ATUALIZAÇÃO. apresentação em 21/03/13

EDUCAÇÃO ESCOLAR: GESTOR OU ADMINISTRADOR?

EXPRESSÃO CORPORAL: UMA REFLEXÃO PEDAGÓGICA

A origem dos filósofos e suas filosofias

A GESTÃO DO TEMPO NA ATIVIDADE REAL DE TRABALHO ARTICULAÇÕES DE LÓGICAS E IMPOSIÇÕES DE RITMOS

Construção, desconstrução e reconstrução do ídolo: discurso, imaginário e mídia

A APAE E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE

Curso: Diagnóstico Comunitário Participativo.

PEDAGOGIA ENADE 2005 PADRÃO DE RESPOSTAS - QUESTÕES DISCURSIVAS COMPONENTE ESPECÍFICO

RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES ENTRE EDUCAÇÃO E SUSTENTABILIDADE

INCLUSÃO DIGITAL NA EJA - AGRICULTURA FAMILIAR: COLETIVIDADE E COOPERAÇÃO NO ESPAÇO-TEMPO DE NOVAS APRENDIZAGENS

A EDUCAÇÃO PARA A EMANCIPAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE: UM DIÁLOGO NAS VOZES DE ADORNO, KANT E MÉSZÁROS

A PERCEPÇÃO DE GRADUANDOS EM PEDAGOGIA SOBRE A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA FORMAÇÃO DO EDUCADOR EM UMA FACULDADE EM MONTE ALEGRE DO PIAUÍ - PI

Denise Fernandes CARETTA Prefeitura Municipal de Taubaté Denise RAMOS Colégio COTET

PROJETO MEDIAR Matemática, uma Experiência Divertida com ARte

POLÍTICA DE DIVERSIDADE DO GRUPO EDP

REFLEXÕES INICIAIS DE ATIVIDADES PEDAGÓGICAS PARA INCLUIR OS DEFICIENTES AUDITIVOS NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA.

Filosofia da natureza, Teoria social e Ambiente Ideia de criação na natureza, Percepção de crise do capitalismo e a Ideologia de sociedade de risco.

EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA E AS NOVAS ORIENTAÇÕES PARA O ENSINO MÉDIO

PLANO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO (PME)

Palavras-chave: Educação Física. Ensino Fundamental. Prática Pedagógica.

Utopias e educação libertadora: possíveis fazeres na prática escolar participativa

PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO: ELABORAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE PROJETOS PEDAGÓGICOS NO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM

CÍRCULO DE CULTURA: CONTRIBUIÇÕES PARA CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA E DA CRIATIVIDADE

Elaboração de Projetos

PROGRAMA: GRAVIDEZ SAUDÁVEL, PARTO HUMANIZADO

JOGOS ELETRÔNICOS CONTRIBUINDO NO ENSINO APRENDIZAGEM DE CONCEITOS MATEMÁTICOS NAS SÉRIES INICIAIS

Palavras-chave: Formação continuada de professores, cinema, extensão universitária.

SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS ÀS AÇÕES DE FORMAÇÃO CONTINUADA DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DO RECIFE/PE

ALTERNATIVAS APRESENTADAS PELOS PROFESSORES PARA O TRABALHO COM A LEITURA EM SALA DE AULA

AÇÕES FORMATIVAS EM ESPAÇO NÃO ESCOLAR: UM ESTUDO DE CASO NO PROJETO SORRIR NO BAIRRO DO PAAR

Mental Universidade Presidente Antônio Carlos ISSN (Versión impresa): BRASIL

ORIENTAÇÃO PEDAGÓGICA N. 15/2014 TÓPICO DE ESTUDO: PLANO DE TRABALHO/PLANO DE AÇÃO OS SENTIDOS E AS RAZÕES! 1 INICIANDO...

Profa. Ma. Adriana Rosa

definido, cujas características são condições para a expressão prática da actividade profissional (GIMENO SACRISTAN, 1995, p. 66).

O DOGMATISMO VINCULADO ÀS DROGAS RESUMO

CLASSE ESPECIAL: UMA ALTERNATIVA OU UM ESPAÇO REAL DE INCLUSÃO?

EDUCAÇÃO, DIREITOS HUMANOS E MOVIMENTOS SOCIAIS: IMPLICAÇÕES PARA A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE

EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO ENSINO BÁSICO: PROJETO AMBIENTE LIMPO

A LEITURA NA VOZ DO PROFESSOR: O MOVIMENTO DOS SENTIDOS

Transcrição:

MEIO AMBIENTE, JOGOS E COM-VIVÊNCIA: PRINCÍPIOS PARA UMA EDUCAÇÃO AMBIENTAL PELO LAZER Cae Rodrigues 1 Ricardo Peixoto Stevaux 2 RESUMO A principal motivação para o desenvolvimento desse trabalho fundamenta-se na afirmativa de que o lazer (enquanto área de conhecimento) compartilha alguns dos mesmos ideais da educação ambiental, em especial a busca pela legitimação por meio de um trabalho crítico e interdisciplinar. Tanto o lazer quanto a questão socioambiental passaram a ocupar espaços significativos na comunidade acadêmica nas últimas décadas, destacando-se a organização de grupos de pesquisa oriundos das mais diversas áreas do conhecimento, a realização de eventos científicos e o incremento do número de publicações específicas relacionadas a esses assuntos. Como consequência, tanto lazer quanto a problemática socioambiental passam a ser caracterizados por um conjunto de conhecimentos que transitam por diferentes campos e espaços numa constante disputa entre o tradicional e o emergente, abrangendo discursos situados em um lugar de fronteira entre a legitimação e a busca pela legitimação. Diante dessa realidade, discursos e práticas associadas aos diversos espaços sociais contribuem para a compreensão desses fenômenos. Dessa maneira, compreendemos como principal objetivo desse trabalho, sustentado por pesquisa teórica, analisar a relevância da com-vivência nas práticas de lazer (compreendidas como práticas sociais), especialmente no que diz respeito aos jogos que abrem caminho para uma possível educação ambiental pelo lazer. Palavras-chave: Lazer. Educação ambiental. Com-vivência. Introdução e objetivos A principal motivação para o desenvolvimento desse trabalho fundamenta-se na afirmativa de que o lazer (enquanto área de conhecimento) compartilha alguns dos mesmos ideais da educação ambiental, em especial a busca pela legitimação por meio de um trabalho crítico e interdisciplinar. Segundo Gomes e Melo (2003), nas últimas décadas o lazer passou a ocupar um espaço significativo na comunidade acadêmica, destacando-se a 1 Doutorando em Educação, Universidade Federal de São Carlos. E-mail: cae_jah@hotmail.com 2 Licenciado em Educação Física, Universidade Federal de São Carlos. E-mail: risanca@hotmail.com

organização de grupos de pesquisa oriundos das mais diversas áreas do conhecimento, a realização de eventos científicos relacionados ao assunto e o incremento do número de publicações específicas. Como consequência dessa valorização acadêmica, o lazer passa a ser caracterizado por um conjunto de conhecimentos e de práticas que abrangem discursos situados em um lugar de fronteira entre a legitimação e a busca pela legitimação. Da mesma maneira, a problemática ou questão socioambiental também se caracteriza por esse processo, transitando por diferentes campos e espaços numa constante disputa entre o tradicional e o emergente, e os discursos em torno da problemática socioambiental têm ganhado força cada vez maior nos espaços de disputa. Diante dessa realidade, observa-se um encontro cada vez mais frequente entre temáticas do campo do lazer e temáticas do campo ambiental em trabalhos científicos. Entretanto, esses trabalhos, em sua maioria, têm como foco principal as relações entre as atividades na natureza (compreendidas como práticas de lazer) e a conscientização ambiental, que ocorreria especialmente pela sensibilização decorrente do envolvimento do indivíduo com uma natureza bela, distante e frágil (RODRIGUES, 2010). Nesse sentido, essas relações ficam demasiadamente presas a um conceito preservacionista, deixando de contribuir para o sentido mais amplo de educação ambiental, que reconhece que as raízes da aparente crise ambiental contemporânea se desdobram na natureza simbólica do ser humano, ou seja, estão associadas à maneira como o ser humano compreende o mundo, e se formam e reformam por meio de um projeto sociocultural que envolve o conhecer e o reconhecer num constante e permanente jogo de ideias e discursos. Pensando em sinergias entre lazer e educação ambiental que possam contribuir para esse conceito mais amplo de educação ambiental, compreendemos lazer enquanto fenômeno historicamente constituído, e que possui relações dialéticas com a sociedade, ou seja, a mesma sociedade que o gerou e exerce influências sobre o seu desenvolvimento também pode ser por ele questionada na vivência de seus valores (MARCELLINO, 1995). Nessa perspectiva, o lazer se configura para nós como uma prática social, que se constitui enquanto:

Dimensão da cultura capaz de promover a conscientização dos indivíduos através de suas vivências e experiências (lúdicas ou não lúdicas) de diversos conteúdos culturais em um tempo e espaço próprios, tendo como dimensão fundamental a intencionalidade do ser (SILVA, 2008, p.20). Esta perspectiva do fenômeno nos possibilita um debate sobre diversos olhares, considerando ainda diferentes aspectos da realidade social. De acordo com o objetivo desse trabalho, sustentado por pesquisa teórica, vamos jogar um olhar mais atento à relevância da com-vivência nas práticas de lazer, especialmente no que diz respeito aos jogos que possibilitam a educação ambiental pelo lazer. Problemática socioambiental, jogos e com-vivência: encontros e sinergias Mesmo pertencendo a campos diferentes, o discurso de um período obedece a regras linguísticas e formais comuns, reproduzindo eventuais cisões historicamente determinadas (REVEL, 2005). Dessa maneira, cada período histórico cria uma ordem (determinada por contínuas disputas de força) que acaba por legitimar um discurso central ou hegemônico, criando, ao mesmo tempo, uma periferia constituída pelos discursos que não encontram a mesma facilidade de reconhecimento social (especialmente nos espaços significativos de disputa), ou seja, que não se ajustam às formas do pensamento hegemônico daquela época (FOUCAULT et al., 1996). As disputas em torno da problemática socioambiental indicam que essa se configura enquanto objeto de saber e eixo de uma prática discursiva, configurando um novo campo de poder e de luta no interior do qual são disputados interesses e sentidos concernentes ao acontecimento 3 ambiental (FOUCAULT, 2006). Dessa forma, enquanto discurso contemporâneo, o saber ambiental 4 inscreve-se no campo discursivo do ambientalismo, que se desdobra nas práticas discursivas do desenvolvimento sustentável, incorporando princípios e valores relacionados à 3 A ideia de acontecimento apoia-se no surgimento de novas linhas de pensamento consequentes de uma série de ocorrências relacionadas a um mesmo fenômeno provocando questionamentos e instabilidade nos conceitos e processos sociais. Dessas ocorrências germinam novos discursos e práticas, por conseguinte, novos objetos de conhecimento, que surgem, sobretudo, diante dos conflitos e controvérsias entre esses discursos e práticas emergentes (Foucault, 2006). 4 Compreendido enquanto prática discursiva, o saber ambiental situa-se no campo das cisões, lutas e conflitos que ocorrem em diferentes espaços e práticas institucionais das distintas áreas do conhecimento, consequentemente, sendo os modos de sua constituição nesses domínios constantemente questionados (LEFF, 1997).

diversidade cultural, às questões de equidade e solidariedade e à sustentabilidade ecológica, social e econômica, constituindo um saber que, consciente da racionalidade dominante no campo das ciências, busca diferentes estratégias na construção de uma racionalidade ambiental (FARIAS, 2008). A edificação dessa racionalidade ganha força na incorporação do discurso ambiental por diferentes discursos contemporâneos, como o científico, o econômico, o jurídico, o educacional e o comunitário, e em diversos contextos, como no âmbito da inovação tecnológica, das práticas de autogestão comunitária, dos novos direitos socioambientais, do ativismo dos movimentos sociais, da produção do conhecimento científico e tecnológico, dos programas curriculares, das práticas pedagógicas e dos espaços institucionais de diálogos interdisciplinares. Esse diversificado campo de disputa reflete em transformações simultâneas no Estado e no comportamento das pessoas em suas atividades cotidianas, e a manifestação da questão ambiental como nova fonte de legitimidade e de argumentação nos conflitos ganha força em praticamente todas as esferas da vida pública e privada, inclusive nas práticas de lazer. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que os processos de ambientalização 5 implicam em transformações nas diversas esferas sociais, cada uma dessas esferas também contribuem, a partir de suas particularidades, para a construção dos conceitos e práticas que envolvem o ambiental. Dessa forma, justifica-se um olhar atento para as transformações que ocorrem dentro de cada uma dessas esferas, e o lazer, enquanto fenômeno social global, certamente destaca-se enquanto interessante campo de investigação diante desses questionamentos. Compreendendo o lazer enquanto prática social, destacamos a importância da com-vivência diante dessas práticas. Quando falamos em com-vivência buscamos enfatizar o caráter humano implícito na expressão, ou seja, enfatizar o viver-com, que significa considerar a complexa teia de relações de seres humanos sendo-uns-com-os-outros-ao-mundo. Importante salientar o caráter dinâmico da expressão, apresentado especialmente pelo uso do hífen, pois homens e mulheres 5 A noção de ambientalização associa-se ao processo de adoção do discurso ambiental por parte de diferentes grupos sociais, e à incorporação de justificativas ambientais para legitimar práticas institucionais, políticas e científicas (ACSELRAD, 2010).

não são no mundo, como objetos estáticos, estão sendo ao mundo num movimento constante e transformador. Nesse sentido, um dos pilares fundamentais da comvivência é o diálogo, fenômeno de interação intersubjetiva entre seres humanos que se dá não só de maneira verbal, mas por todo tipo de manifestação corporal que possibilita a expressão e a compreensão entre indivíduos que interagem. Olhar para as práticas de lazer enfatizando os processos de com-vivência implica em compreender que a atividade humana observada está encharcada de intencionalidade, e essas se manifestam pelo movimento entre indivíduos que interagem uns-com-os-outros e com-o-mundo, reconhecendo-se, questionando-se, contrapondo-se, apoiando-se. Para Paulo Freire (2005, p.20), (...) mais do que um ser no mundo, o ser humano se tornou uma presença no mundo, com o mundo e com os outros. Presença que, reconhecendo a outra presença como um não-eu se reconhece como si própria. Da mesma maneira, é pelo reconhecimento da minha presença no mundo que me reconheço como parte constituinte do mundo. Dessa maneira, observar o movimento do corpo é observar as suas relações com o mundo em sua trajetória, as vivências e experiências que o torna cúmplice de seus momentos, pois o corpo carrega sua historicidade, repleta de significados próprios. Paulo Freire (2005) se refere a esse movimento como a busca do ser humano por algo que ainda não é, pois, diferentemente dos outros animais, os seres humanos são dotados da consciência de sua inconclusão, e isso torna essa busca incessantemente inesgotável. Nessa busca, a educação aparece como elemento indispensável para a transformação, como manifestação exclusivamente humana na busca pelo ser mais. Homens e mulheres possuem seus caminhos, suas histórias de vida, que são particulares e únicas, mas não individuais, são compartilhadas, trajetórias distintas que possuem algo em comum, a com-vivência. Nesse sentido, a com-vivência, considerando as complexas relações dos seres humanos sendo-uns-com-os-outros-ao-mundo, é um elemento imprescindível para a compreensão do lazer enquanto prática social, pois são nelas que os processos educativos acontecem, nas trocas interpessoais, nas ações afirmativas, e até mesmo nos erros. Nesse contexto, o jogo aparece como elemento essencial na constituição dos espaços de com-vivência.

Nosso interesse nesse estudo não está associado apenas ao jogo em si, mas, especialmente, no jogar, visto que a reflexão que se busca não é sobre algo que existe por si só, mas sobre a ação de um sujeito, caracterizada por aspectos marcantes, buscando-se visualizá-los e discuti-los. Jogar por jogar, pelo prazer de competir, pela possibilidade de vitória ou derrota, ou, talvez, simplesmente participação em uma dada situação. A princípio, visto dessa forma, ao jogar não se produz nada, não se almeja nada além do triunfo sobre o adversário (no caso do jogo competitivo), ou a representação de um papel (para os jogos dramáticos), tudo em busca do prazer contido na participação. Nesse sentido, o jogo pede que os participantes se entreguem à dinâmica, se envolvam e, para tanto, torna-se fundamental que se tenha iniciativa para desenvolvê-lo, ou seja, o desenrolar do jogo depende da iniciativa de seus protagonistas. Outra característica marcante do jogo é sua associação a uma fuga do cotidiano, já que seus participantes passam a vivenciar uma situação que não faz parte da sua vida cotidiana, mesmo que se jogue todos os dias. No entanto, não é possível desmembrar o momento do jogo da vida do sujeito que o pratica. A vida não para no momento do jogo, pois enquanto se joga se vive. O que muda é a atitude daquele que joga, pois ele se dispõe a uma prática que contribui para ampliação de situações diferenciadas das situações cotidianas. Dessa forma, apesar do jogo ser visto como um momento isolado, tendo suas resultantes consideradas apenas durante a partida ou brincadeira, os jogadores carregam para o jogo seus valores e preconceitos. Nesse sentido, durante a execução do jogo não é incomum a manifestação de valores externos ao jogo, como a exclusão (mesmo que involuntária) condicionada por características sociais (como gênero e raça) ou físicas (associadas à obesidade ou à fragilidade de um indivíduo). Todas essas características são essenciais na constituição do jogo enquanto espaço privilegiado para o desenvolvimento de processos educativos, uma vez que carrega valores como o da espontaneidade, da não obrigatoriedade e até mesmo do prazer. Além disso, constatando-se que, apesar da aparente associação a uma fuga da realidade, carrega consigo os valores e preconceitos associados à realidade

cotidiana de seu jogadores, constitui-se enquanto interessante espaço para se dialogar e refletir sobre esses valores. Dessa forma, considerando a susceptibilidade do campo ambiental às transformações que ocorrem nas diversas esferas sociais, a crescente influência das práticas de lazer na constituição da realidade social e a importância da constituição de espaços de com-vivência para a compreensão do lazer enquanto prática social, o jogo aparece como uma interessante alternativa para se trabalhar as questões ambientais, abrindo portas para uma educação ambiental pelo lazer (RODRIGUES e SILVA, 2010). Considerações finais: jogos, com-vivência e a educação ambiental pelo lazer Um possível caminho para a educação ambiental pelo lazer passa, necessariamente, pela compreensão do duplo aspecto educativo do lazer (objeto e veículo de educação). A ideia de uma educação para e pelo lazer é inicialmente apresentada por Renato Requixa (1980), sendo posteriormente desenvolvida por outros autores, como Marcellino (1995) e Camargo (1998 e 2003). Para estes, o lazer se configura enquanto objeto (educação para o lazer) e veículo (educação pelo lazer) de educação. A ideia do lazer enquanto veículo de educação (educação pelo lazer) desenvolve-se sobre o potencial educativo das vivências de lazer, especialmente na vivência de valores, condutas e comportamentos (MELO; ALVES JUNIOR, 2003). Compreendendo o lazer enquanto prática social susceptível aos processos de ambientalização, que têm se fortalecido em praticamente todas as esferas sociais (públicas e privadas), podemos pensar não só na influência que esses processos exercem sobre as práticas de lazer, mas também a influência que as práticas de lazer exercem sobre os processos de ambientalização. Em outras palavras, ao mesmo tempo em que as práticas de lazer sofrem transformações associadas aos processos de ambientalização, podem, principalmente pelas particularidades da área, promover transformações nos conceitos e princípios que definem o ambiental.

Para tanto, surge a necessidade de criar-se espaços para o desenvolvimento de práticas de lazer que possibilitem a com-vivência de indivíduos com especial atenção às questões ambientais. Nesse sentido, os jogos aparecem como uma interessante possibilidade, compreendendo as características particulares do jogo diante do com-viver. Enquanto atividade espontânea (dissociada de obrigatoriedade), o jogo torna-se um espaço privilegiado para o desenvolvimento de processos educativos associados à com-vivência, possibilitando, inclusive, a transposição dos valores, condutas e comportamentos vivenciados dentro do espaço do jogo para situações do cotidiano, um dos princípios da ideia da educação pelo lazer. Desta maneira, podemos apontar o jogo não só enquanto importante instrumento para a criação de espaços de com-vivência, mas também para o desenvolvimento da educação ambiental pelo lazer. Referências Bibliográficas ACSELRAD, H. Ambientalização das lutas sociais o caso do movimento por justiça ambiental. Estudos Avançados, v.24, n.68, 2010. p.103-119. CAMARGO, L. O. L. Educação para o lazer. São Paulo: Moderna, 1998.. O que é lazer? 3a ed. São Paulo: Brasiliense, 2003. FARIAS, C. R. O. A produção da política curricular nacional para a educação superior diante do acontecimento ambiental: problematizações e desafios. 2008. 215 p. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2008. FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola, 2006. FOUCAULT, M. et al. O homem e o discurso: a arqueologia de Michel Foucault. Rio de Janeiro, RJ: Tempo Brasileiro, 1996. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 12ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. GOMES, C. L.; MELO, V. A. Lazer no Brasil: Trajetória de estudos, possibilidades de pesquisa. Revista Movimento. Porto Alegre, v.9, n.1, p.23-44, 2003. LEFF, E. Ambiente, interdisciplinariedad y currículum universitario: la educación superior en la perspectiva del desarrollo sustentable. In: ALBA, A. (Coord.). El

currículum universitario: de cara al nuevo milenio. México: Centro de Estudios sobre la Universidad/UNAM/Plaza y Valdés Editores, 1997, p.205-211. MARCELLINO, N. C. Lazer e educação. 3a ed. Campinas: Papirus, 1995. MELO, V. A.; ALVES JUNIOR, E. D. Introdução ao lazer. Barueri: Manole, 2003. REQUIXA, R. Sugestões de diretrizes para uma política nacional de lazer. São Paulo: SESC, 1980. REVEL, J. Michel Foucault: conceitos essenciais. São Carlos: Claraluz, 2005. RODRIGUES, C. Observando os "estudos do meio" pela lente da Educação Ambiental Crítica. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, v.24, p.503-517, jan./jul. 2010. RODRIGUES, C.; SILVA, R. A. Educação ambiental pelo lazer: uma experiência a ser vivida. Natal, Anais do XI Seminário Lazer em Debate, 2010. SILVA, R. A. Lazer e processos educativos: o olhar de gestores de clubes de empresa. 2008. 65p. Monografia (Pós-Graduação Lato Sensu em Lazer) - Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008.