NO VIÉS DA MEMÓRIA: IDENTIDADE E CULTURA DOS REMANESCENTES QUILOMBOLAS DE SÃO ROQUE- PRAIA GRANDE/ SC Giovana Cadorin Votre 1, Talita Daniel Salvaro 2, Elisandro Raupp Prestes 3 1 Aluna do 2 o ano do curso Técnico em Agropecuária - IFC/campus Santa Rosa Sul 2 Professora de História no IFC/campus Santa Rosa do Sul 3 Aluno do 3 o ano do Curso Técnico em Agropecuária - IFC/campus Santa Rosa do Sul Agência de Fomento: PROEX/IFC INTRODUÇÃO Este trabalho faz parte de um projeto de extensão que contempla a comunidade remanescente quilombola, São Roque, localizada nos atuais municípios de Praia Grande (litoral sul do estado de Santa Catarina) e Mampituba (litoral norte do Rio grande do Sul). O território foi reconhecido como tradicional quilombola em 2004 pela Fundação Cultural Palmares e, encontra-se incluso dentro do Parque Nacional Aparados da Serra. A localidade é caracterizada pela vasta mata e canyons que marcam o final da serra Geral, de onde descem os rios que cruzam a comunidade. Nos tempos da escravidão, eram dos caminhos da serra que se utilizavam os escravos em busca de um lugar para se refugiarem de seus senhores, como os Nunes e os Fogaça, lembrados por Dona Maria (2014), quando se referiu aos seus antepassados escravos, foi de parte do meu bisavô, parte do pai um lado foi escravo de Fogaça, um lado foi escravo de Nunes. O local encontrado naquela época para abrigar esses escravos foi o atual São Roque, um lugar propício para a fundação do que seria chamado quilombo. A motivação desse trabalho se deu a partir da obra Memórias do Cativeiro: família, trabalho, e cidadania no pós-abolição de Ana Lugão Rios e Hebe Mattos. As autoras se utilizaram de pesquisa em acervos e principalmente de entrevistas para levantar dados relacionados a vários aspectos da vida escrava, principalmente depois da abolição. Com base nessa obra, percebemos que seria possível trazer por meio da memória dos moradores de São Roque, aspectos da cultura de uma comunidade que está próxima a nós e que muito pouco se conhece. O princípio desse projeto é que por meio da Metodologia de História Oral, os verdadeiros autores seriam os próprios descendentes de escravos, moradores do local fundado por seus antepassados, ressaltando o fortalecimento da identidade do grupo.
Os quilombos, espalhados por todos os cantos do Brasil, são uma das mais representativas formas de luta e resistência contra a escravidão. Nestas comunidades é possível perceber aspectos da história e cultura do povo, viva na memória dos descendentes de escravos e repassadas de geração em geração por meio da oralidade. As comunidades remanescentes de Quilombo são a presença e a memória viva do dispersar africano em nosso país. Sendo um espaço privilegiado para conhecer e vivenciar a história e cultura afro-brasileira. O objetivo desse projeto de extensão é realizar um conjunto de entrevistas por meio da Metodologia de História Oral, e, fotografias dos entrevistados com o propósito de registrar a memória dessas pessoas em um livreto para que, as futuras gerações tenham conhecimento da história de seus descendentes e para que fortaleça a identidade e cidadania. Dando voz ao passado por meio da memória, a história reconstrói experiências da vida dando visibilidade da existência e realidade dos descendentes quilombolas. Nossa proposta se justifica por contemplar aspectos da Lei n o. 11.645 de 10 de março de 2008, que no seu artigo 26-A diz que nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. A realidade e o estudo dessas etnias assim como de muitas outras, passaram séculos sem terem importância na história do país, e ainda são desconhecidas mesmo estando ao nosso lado. A comunidade São Roque, está próxima a sede do IFC Catarinense/campus Santa Rosa do Sul e dos municípios que advêm nossos alunos. Entretanto, a proximidade, não corresponde ao conhecimento. A maioria dos alunos, não tem contato à realidade de uma comunidade quilombola, muitas vezes nem sabem da sua existência. Um dos nossos objetivos é aproximar essa realidade, buscando superar e diminuir as distâncias. MATERIAL E MÉTODOS A principal metodologia usada nesse trabalho é a Metodologia da História Oral, que segundo Meihy (2002, p.13) é um recurso moderno usado para a elaboração de documentos, arquivamento e estudos referentes à experiência social de pessoas e de grupos. A história oral é inserida no campo da história na medida em que a
historiografia passa a contemplar a história social e cultural. Ela é formada por etapas que são: elaboração do projeto, gravação, confecção do documento escrito e sua eventual análise (MEIHY, 2002, p. 76). Primeiramente reunimos algumas bibliografias sobre a temática e, com base na Metodologia da História Oral organizamos roteiros de entrevistas a serem realizadas com membros da comunidade quilombola. No que se refere à etapa das entrevistas, estamos apenas no início, sendo que foram realizadas duas entrevistas, uma com Dona Maria Rita dos Santos, 55 anos de idade e a outra com seu esposo Afonso Pereira dos Santos Filho de 75 anos de idade, ambos moradores da localidade. As entrevistas são realizadas na própria comunidade quilombola em saídas de campo de um dia, pois o Quilombo fica a aproximadamente, à uma hora e meia da escola andando de carro, em estrada de chão. No momento da entrevista são realizadas as perguntas do roteiro e outras que surgem durante a conversa. Também fotografamos os entrevistados, pois nosso projeto contempla como um dos resultados, uma exposição com fotografias dos colaboradores, enfatizando a importância do seu conhecimento e de suas lembranças na história da comunidade. Voltando para o campus Santa Rosa do Sul, damos início à transcrição da entrevista, que consiste em escutar e digitar a entrevista da forma em que ela é falada, esse momento requer tempo e atenção, poucos minutos levam horas para serem transcritos. Nesta etapa, a entrevista passa a compor um documento, como outros que os historiadores estão habituados a analisar em arquivos, bibliotecas, acervos pessoais, sejam estas fontes iconográficas, multimídia, documentos oficiais, jornais, cartas. Sendo assim, no momento da transcrição, a entrevista produzida de acordo com os critérios metodológicos, constitui-se em uma fonte histórica, com os problemas, cuidados e análises requeridos por qualquer outra. Após a transcrição, retornamos a comunidade para ler com os colaboradores e ter a autorização para utilizarmos a entrevista em nosso projeto. RESULTADOS O resultado mais concreto desse projeto será após a análise das entrevistas que ainda serão produzidas e onde partes delas irão compor o livreto de memórias da
comunidade. Entretanto, já podemos perceber por meio das entrevistas realizadas que muitos aspectos da comunidade, como ervas medicinais, agricultura, lendas, partos, cultura, estão presentes na memória das pessoas mais velhas. Nas entrevistas com o casal, D. Maria e o Sr. Afonso, as lembranças permeavam muitos momentos individuais e coletivos, elas iam desde os antepassados escravos, como os ex-escravos e a comunidade atualmente. Esse vai e vem da história é riquíssimo, pois agrega temporalidades que se cruzam na memória e que enfatizam que esse relembrar é significativo para fortalecer a identidade do povo quilombola. De acordo com Romão (2010, p. 101) os remanescentes de São Roque se auto-identificam através de um profundo conhecimento dos seus ancestrais escravizados. Identificam e descrevem com precisão, nomes, locais e relações entre senhores e escravos. Figura 1 Da esquerda para direita: Elisandro, Giovana, D. Maria, Sr. Afonso, Talita. É notável também que a comunidade vê o projeto como algo que colabora na divulgação do quilombo São Roque, levando-o ao conhecimento tanto dos municípios aos arredores como também de outras cidades do país. CONCLUSÃO
Concluímos até o presente momento que, esse projeto de extensão está cumprindo seu principal objetivo, que consiste em elaborar um livreto com o registro de memórias da comunidade Quilombola São Roque, no intuito de contribuir com os saberes da comunidade e auxiliar no conhecimento do quilombo para outras regiões. As histórias narradas pelos moradores complementam a história da região e possibilitam abertura para trabalhos futuros, pois muitas vezes nas memórias encontramos referências que não estão nos documentos escritos e que nos levam a outros estudos. REFERÊNCIAS MATTOS, Hebe Maria; RIOS, Ana Lugão. Memórias do cativeiro: família, trabalho e cidadania no pós-abolição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. MEIHY, J. C. S. B. Manual de História Oral. 4 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 13. ROMÃO, Jeruse Maria. A África está em nós: história e cultura afro-brasileira: africanidades catarinenses. João Pessoa: Grafset, 2010. Livro 5. SANTOS, Maria Rita dos; FILHO, Afonso Pereira dos Santos. Entrevista concedida a Giovana Cadorin Votre, Talita Daniel Salvaro e Elisandro Raupp Prestes, em 08/08/2014 Quilombo São Roque.