RECICLAGEM DE RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO EM CANTEIROS DE OBRAS PARA A PRODUÇÃO DE ARGAMASSAS



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Transcrição:

RECICLAGEM DE RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO EM CANTEIROS DE OBRAS PARA A PRODUÇÃO DE ARGAMASSAS 1 Introdução A construção civil é reconhecida como uma das mais importantes atividades para o desenvolvimento econômico e social. Mas, por outro lado, comporta-se ainda como grande geradora de impactos ambientais, quer seja pelo consumo de recursos naturais, pela modificação da paisagem ou pela geração de resíduos. O volume de resíduo de construção civil (RCC) gerado em todo o mundo é alarmante. Por ano, são produzidos na Alemanha cerca de 33 milhões de toneladas (RUCH et al., 1997b). Na Inglaterra, chega a 70 milhões de toneladas por ano (FREEMAN; HARDER, 1997) e, na França, de 20 a 25 milhões de toneladas (BOILEAU, 1997). No Canadá, o volume de RCC representa 35% do total de resíduos produzidos, o que equivale a 11 milhões de toneladas (ACC, 2001). Com todo esse volume, o RCC foi classificado como resíduo prioritário pelo Community European Committee (CEC) (RUCH et al., 1997a) e sua reciclagem tem sido estudada por vários países desenvolvidos, como Holanda, Bélgica, França, Alemanha e Inglaterra. Como exemplo, na Alemanha se recicla cerca de 60% do RCC gerado; na Holanda, cerca de 95% (PUT, 2001). Em média, nos países da comunidade européia, cerca de 60% do RCC gerado (aproximadamente 180 milhões de toneladas) está sendo reciclado correntemente (MOMBER, 2002). O problema do RCC no Brasil começou a ser percebido somente nas últimas décadas, quando os problemas causados pelo mau gerenciamento dos resíduos passaram a influenciar negativamente na qualidade de vida da população. No Brasil, PINTO (1999) mostrou que é gerada, em média, 0,52 t de RCC por habitante e por ano, ou 150 kg/m² construído, representando de 54% a 70% da massa dos resíduos sólidos urbanos. Como regra geral, quanto maior a cidade, mais grave é a questão dos resíduos de construção (JOHN; AGOPYAN, 2003). A Tabela 1 apresenta a estimativa da massa de RCC gerada em algumas cidades paulistas. Para Curitiba/PR, este pesquisador estima uma quantidade diária gerada de 3000 t. Além disso, a construção civil é o setor responsável pelo consumo do maior volume de recursos naturais do planeta, em estimativas que variam entre 15% e 50% das

jazidas minerais exploradas, sendo seus produtos grandes consumidores de energia no processo fabril (JOHN, 1999). Como exemplo, estima-se que no Brasil sejam consumidos cerca de 40 milhões de toneladas de cimento e 240 milhões de toneladas de agregados por ano. Considerando a população brasileira de 180 milhões de habitantes, tem-se a estimativa de geração anual de RCC no país de 90 milhões de toneladas. A reciclagem de todo esse resíduo como agregado poderia economizar anualmente cerca de 37% das reservas de agregados naturais. Assim, a reciclagem dos resíduos de construção e demolição (RCC) tem hoje uma importância premente devido aos diversos problemas sócio-ambientais causados pela sua elevada geração e deposição irregular, como enchentes, poluição visual, escassez de aterros, falta de matéria-prima com conseqüente encarecimento desta, proliferação de doenças como leptospirose. Além de causarem a degradação ambiental, os resíduos da construção civil aumentam expressivamente os custos da administração municipal. São Paulo, por exemplo, gasta R$ 4,5 milhões por mês na remoção de despejos clandestinos (BRITO, 1999). Mesmo em capitais menores, como da Prefeitura de São Luís/MA, estimam-se gastos de R$300.000,00/mês com remoção de resíduos e, portanto, o gasto por habitante em limpeza urbana não é diferente para esses municípios. Tabela 1: Massa de RCC gerada em algumas cidades do estado de São Paulo Municípios SP (SINDUSCON, 2005). Fonte Geração diária (t) Participação em relação aos resíduos sólidos urbanos (%) São Paulo I&T 2003 17.240 55 Guarulhos I&T 2001 1.308 50 Diadema I&T 2001 458 57 Campinas PMC 1996 1.800 64 Piracicaba I&T 2001 620 67 São José dos Campos I&T 1995 733 67 Ribeirão Preto I&T 1995 1.043 70 Jundiaí I&T 1997 712 62 São José do Rio Preto I&T 1997 687 58 Santo André I&T 1997 1.013 54 Reciclar o RCC é uma atividade que traz diversos benefícios, como a economia das

reservas de agregados naturais, preservação do meio ambiente, a criação de novos mercados e novos empregos e a geração de um material mais barato. Aliás, este último aspecto é de grande importância para o país, que enfrenta o déficit habitacional de cerca de 5,5 milhões de casas (ABCP, 2004). A reciclagem pode e deve ser entendida como uma atitude sustentável dentro do setor da construção civil. Aliás, construção sustentável significa que os princípios de desenvolvimento sustentável são aplicados a todo o ciclo da construção civil: extração de matérias-primas, beneficiamento e transporte de materiais, projeto, construção, uso, manutenção e demolição de edificações. Entretanto, para que a reciclagem do RCC classe A seja capaz de produzir grandes volumes de agregado reciclado de qualidade, é necessário evitar a contaminação do RCC com materiais orgânicos, gesso, terra, etc., uma vez que, após contaminado, a descontaminação do RCC é normalmente inviável. E o processo de gestão em canteiro preconizado pela resolução CONAMA 307, aliado a não remoção deste resíduo da obra reduz sua possibilidade de contaminação. Esta correta gestão do RCC já está ocorrendo em diversos canteiros do país, mas o resíduo classe A ainda não está sendo reciclado em obra, mas sim descartado para aterros de inertes. Vale lembrar que, até 2008, o Brasil possuía cerca de 48 usinas instaladas e, caso todas elas estivessem operando em sua capacidade nominal, a taxa atual de reciclagem no país estaria próxima a 4,5%, conforme apresentado na Figura 1 (MIRANDA et al., 2009). Por outro lado, sabe-se que as construtoras são responsáveis por, aproximadamente, 25% do RCC gerado no país (PINTO, 1999). Sendo assim, caso todas elas estivessem reciclando o RCC gerado no próprio canteiro, a taxa de reciclagem nacional seria cerca de 6 vezes maior, sem a necessidade de implantação de tantas usinas e com uma redução significativa no transporte de RCC e de agregado natural. Assim, considera-se que a reciclagem de RCC no canteiro, além de reduzir o risco de sua contaminação, é uma alternativa mais sustentável e mais econômica para a construtora, uma vez que, dessa maneira, ela reduz gastos e emissões com o transporte de materiais.

Figura 1: Relação entre a produção de agregados e de RCC gerados no país (MIRANDA et al., 2009). Na década de 90 foi feita a tentativa de se instalar moinhos argamasseiras nos canteiros de obras com objetivo de reciclar o RCC e, ao mesmo tempo, produzir argamassas para assentamento de alvenaria e revestimento de paredes. O método utilizado nesta época, apesar de aparentemente poder trazer benefícios econômicos às construtoras, apresentou problemas por falta de planejamento e de conhecimento do assunto por parte dos engenheiros. Não existia uma gestão racional do resíduo gerado que reduzisse ao mínimo os gastos com a reciclagem e evitasse a contaminação do RCC por materiais indesejáveis (aço, gesso, plástico, madeira e outros que possam inviabilizar a reciclagem). Para agravar, eram poucos os engenheiros que tinham domínio do processo de moagem, do comportamento dos materiais reciclados e da sua influência nas propriedades das argamassas. Por causa desse processo empírico de reciclagem e dosagem das argamassas com areia reciclada, em muitos casos os revestimentos executados apresentaram manifestações patológicas, sendo as principais a pulverulência e a fissuração generalizada. De fato, o uso de areia reciclada em argamassas é uma alternativa interessante, por esta não apresentar função estrutural, ser muito utilizada nas obras brasileiras

(consumo aproximado de 0,13 m 3 de argamassa por m 2 construído) e por poder reduzir o custo das obras. Entretanto, para isto é necessário que exista um procedimento racional de reciclagem do RCC e dosagem das argamassas em canteiro. O objetivo deste projeto é então apresentar um procedimento racional de reciclagem de RCC classe A para aplicação em argamassas, no próprio canteiro de obra, que garanta a qualidade dos serviços executados, a redução do impacto ambiental e do custo das obras. Este procedimento racional, desenvolvido pelo autor do projeto, foi iniciado na cidade de Recife em dezembro de 2007 com apoio do CNPq (através do Edital Universal), cujas construtoras Romarco e Pernambuco se mostraram interessadas em adotar. Atualmente, ele está sendo aplicado também na cidade de Curitiba junto à Construtora CGL e pretende-se divulgar a metodologia para diversas construtoras do país. 2 Memorial descritivo Apresenta-se aqui um breve resumo de como foi desenvolvido o processo racional de reciclagem de RCC e de produção de argamassas com areia reciclada em canteiro de obras, bem como os resultados obtidos. Durante dois anos foram coletadas diversas amostras de RCC de mais de 15 obras da cidade do Recife/PE, que foram recicladas em moinho de martelos para transformá-las em areia reciclada. Este moinho é de pequeno porte, fácil de ser transportado e manuseado e de custo acessível para uma construtora. As amostras de areia recicladas assim produzidas foram caracterizadas quanto às diversas propriedades física e químicas: massa específica, massa unitária, granulometria, teor de finos < 0,075 mm, absorção de água, presença de sulfatos, cloretos, nitratos e matéria orgânica. Após esta caracterização, as amostras secas em estufa foram utilizadas em diferentes proporções de mistura com areia natural para a produção de argamassas de assentamento de alvenaria, revestimento e contrapiso: 0%, 25%, 50%, 75% e 100%. Nestas diferentes proporções de agregados e com as diferentes amostras de areia reciclada, foram produzidas argamassas com cimento, areia natural e/ou reciclada e

água, em diferentes traços. Estas argamassas foram caracterizadas quanto às suas propriedades nos estados fresco e endurecido: consumo de cimento por m 3, densidade de massa fresca, teor de ar aprisionado, teor total de finos < 0,075 mm, consistência, resistência à tração na flexão e à compressão, retração por secagem, densidade de massa endurecida. Também foram executados diversos revestimentos de argamassa, contrapisos e prismas de paredes para avaliação do desempenho destas argamassas pósaplicadas, conforme a Tabela 2. A Figura 2 mostra exemplos dos revestimentos e prismas executados. Tabela 2: Ensaios de desempenho executados durante o desenvolvimento do projeto. Revestimento de parede Fissuração Aderência à tração Contrapiso Fissuração Aderência à tração Impacto Assentamento de alvenaria Aderência na flexão Aderência ao cisalhamento Execução de revestimentos de paredes internas com areia reciclada.

Execução dos contrapisos com areia reciclada. Ensaios em prismas assentados com argamassa feita com areia reciclada. Figura 2: Execução de revestimentos de paredes, contrapisos e prismas, seguindo o procedimento de dosagem racional desenvolvido. Diferente do que normalmente se encontra em trabalhos de pesquisa, aqui procurouse obter correlações entre as diferentes propriedades de agregados, argamassas e revestimentos caracterizadas, de forma a encontrar uma interdependência entre elas. E isto foi obtido! Através da construção de diversos gráficos, foi encontrado que a maioria das propriedades das argamassas estudadas poderia ter seus resultados previstos através de apenas duas propriedades: o teor total de finos < 0,075 mm e o consumo de cimento das argamassas. Isto significa que, controlando os teores máximos e mínimos destas duas propriedades, seria possível, dentro de uma significativa margem de segurança,

garantir que propriedades como resistência mecânica, retração, aderência, fissuração, densidade fresca e endurecida estariam dentro de valores aceitáveis para a execução de revestimentos e alvenarias com bom desempenho. Através do ensaio de teor de finos < 0,075 mm das areias, é possível definir qual o teor ideal de mistura de areia natural com reciclada. Este valor variou nos testes entre 50 e 100% de areia reciclada no total de agregados, em função das características da areia reciclada. Arbitrando-se inicialmente um traço e com o ensaio de densidade de massa fresca é possível calcular o consumo de cimento por m 3. Se o valor encontrado for menor que o limite especificado, faz-se um novo ensaio de densidade com o traço mais forte. Desta forma define-se a relação cimento:agregado e a argamassa estará pronta para aplicação. Assim, foi possível estabelecer valores máximos e mínimos para as diversas propriedades e que, com apenas dois ensaios que poderiam ser realizados na própria obra em uma manhã por um estagiário, seria possível dosar, de forma racional e sem risco de manifestações patológicas como pulverulência e fissuração, as argamassas produzidas com areia reciclada em obra. As fotos a seguir apresentam a sequência de execução da reciclagem, ensaios e dosagem das argamassas feitas com areia reciclada em obra, por procedimento racional de dosagem. Moinho de martelos utilizado e reciclagem do RCC.

Ensaios de teor de finos < 0,075 mm e densidade de massa fresca para determinação das proporções areia reciclada/natural e cimento/agregados. Figura 3: Sequência executiva de reciclagem e definição do traço da argamassa, seguindo o procedimento de dosagem racional desenvolvido. Nos testes realizados, não foi obtido nenhum revestimento que apresentasse fissuração excessiva ou pulverulência, indicando a validade do processo desenvolvido. Ressalva-se aqui que o procedimento proposto deve ser desenvolvido apenas em construtoras que tenham implantado de forma eficaz um processo de gerenciamento de resíduos em canteiro, conforme exige a resolução CONAMA 307, para evitar que os RCC gerados sejam contaminados. 2.1 INOVAÇÃO Pode-se afirmar que o projeto é inovador, uma vez que apresentou uma solução técnica única para um problema que já vem ocorrendo desde a década de 90 e que impedia que a reciclagem em canteiro fosse desenvolvida. Não existe na literatura técnica um procedimento simples e eficaz como este que permita que todo o processo de reciclagem de RCC em obra seja executado na própria obra sem riscos de manifestações patológicas. Além disto, este processo é o único que permite que todo o RCC classe A gerado na obra seja utilizado na própria obra. 2.2 - MODERNIZAÇÃO DO PROCESSO CONSTRUTIVO O processo de reciclagem proposto apresenta como vantagem uma modernização do processo construtivo.

Não se tem, a partir da implantação da metodologia aqui proposta, a necessidade de se contratar caçambas estacionárias para a remoção do resíduo classe A (restos de cerâmica, concretos e argamassas), que aumenta o custo e reduz o espaço em canteiro. Também não é necessário transportar todo o resíduo gerado em cada andar da obra para o térreo, o que consome mão-de-obra e causa atrasos devido ao uso do elevador de carga. Isto porque, pelo fato do moinho ser facilmente deslocado, o RCC pode ser reciclado no próprio andar de origem ou naquele onde se tem frente de trabalho com argamassas, ou seja, onde estão sendo executados serviços de contrapiso, revestimento ou alvenaria. Também, com os funcionários da obra percebendo que o RCC pode ser reciclado e aplicado nas obras, isto causa um impacto positivo no processo tradicional de construção, uma vez que estes funcionários se tornarão multiplicadores desta tecnologia, repassando-a para demais obras de pequeno e grande porte. Ou seja, tem-se uma mudança cultural no processo construtivo que traz benefícios para diversos setores. 2.3 - AUMENTO DO DESEMPENHO DA CONSTRUÇÃO Com a implantação do sistema de reciclagem em canteiro, pode-se afirmar que o desempenho da construção é melhorado em diversos aspectos: - aspecto de segurança: a obra fica mais limpa, evitando quedas, lesões causadas por pregos e outros tipos de acidentes; - aspecto de espaço em canteiro: com a reciclagem é necessário armazenar uma menor quantidade de material a granel em canteiro, otimizando o lay-out ; - aspecto ambiental: com a reciclagem a obra toma um caráter sustentável, inclusive auxiliando na obtenção de ISO 14000, em função da redução do consumo de matéria-prima não renovável, de emissão de poluentes devido ao transporte de RCC e areia natural, aumento do trânsito urbano, etc.; - aspecto de imagem da empresa: a reciclagem no canteiro reduz a imagem negativa que a construção civil tem devido ao impacto ambiental, melhorando a imagem da construtora perante a sociedade. - aspecto de otimização da infraestrutura da obra.

2.4 - REDUÇÃO DE CUSTOS 2.4.1 - REDUÇÃO DO CUSTOS HOMEM HORA/M 2 É possível que a implantação do sistema de reciclagem em canteiro não mostre, de forma direta, uma possível redução de homem hora/m 2, uma vez que é necessário um funcionário, cerca de 4 horas por semana, para reciclar o RCC gerado na obra de um edifício residencial, por exemplo. Por outro lado, tem que ser considerado que a redução de distância de transporte de resíduos e o menor uso do elevador pode acarretar um ganho de mão-de-obra, que deve ser mensurado caso a caso, podendo compensar a mão-de-obra para reciclagem. 2.4.2 - REDUÇÃO DO CUSTO DE MATERIAIS Como exemplo de vantagem financeira para a construtora, no caso de reciclar o RCC classe A na obra, considerando que cada obra gere, em média, 70 kg de RCC mineral por m 2 construído, para uma obra de 10.000 m 2 seriam geradas 700 t de RCC, resultando em, aproximadamente, 150 caçambas de 4 m 3. Se cada caçamba custar cerca de R$120,00, a economia só em remoção de resíduos em caçamba seria de R$ 18.000,00. Ainda tem que ser considerado que seriam economizados cerca de 600 m 3 na compra de agregados naturais (700 t), que resultam em, aproximadamente, R$24.000,00. Como custos para a reciclagem, pode-se considerar que, com uma produtividade de um moinho de martelos próxima a 1 m 3 /h, temos um custo estimado de mão-de-obra para reciclagem igual a R$6,00/m 3, um custo de manutenção do moinho estimado em R$0,70/m 3 e o gasto com energia próximo a R$1,80/m 3, totalizando R$8,50 de gasto para cada m 3 reciclado ou R$5.100,00 para reciclar os 600 m 3. Sendo assim, a vantagem financeira na reciclagem desta obra seria de, aproximadamente, R$36.900,00. Considerando agora a área construída e o volume reciclado, tem-se que é possível economizar cerca de R$61,00 por m 3 reciclado ou R$3,70 por m 2 de obra. Ou seja, a reciclagem de RCC no canteiro se mostraria viável financeiramente. Deve-se considerar ainda que um moinho é capaz de reciclar o RCC gerado por

uma obra em uma manhã. Isto significa que a construtora pode utilizar o mesmo moinho em diferentes obras, obtendo o retorno financeiro do investimento mais rapidamente, que é de aproximadamente R$15.000,00. 2.5 - REDUÇÃO DO DESPERDÍCIO Com a reciclagem do RCC classe A em obra, cerca de 46% das caçambas normalmente utilizadas deixam de ser necessárias, o que significa uma redução significativa do desperdício em obra. 2.6 - REUTILIZAÇÃO DE MATERIAIS Basta dizer que, com a implantação da reciclagem de RCC em canteiro, é possível reduzir a zero o descarte de resíduos classe A. Os materiais classe B, que serão separados na obra por sua natureza (papel, plástico, metal, madeira, etc.), em virtude da implantação do projeto de gerenciamento de resíduos em canteiro, poderão ser vendidos ou doados para empresas que reciclam ou reutilizam estes materiais. Sendo assim, o projeto proposto tem forte impacto na reutilização e reciclagem de materiais. 3 Referências ACC - ASSOCIATION CANADIENNE DE LA CONSTRUCTION. Guide des meilleures pratiques en matière de réduction des déchets solides. Document normalisé de construction 81. 2001. BOILEAU, H.; LACHAMBRE, V.; ACHARD, G. Waste on new building construction sites: existing situation and proposals for a better management. In: INTERNATIONAL CONFERENCE, 2., Paris, 1997. Proceedings. Paris, CSTB, 1997. v.1, p.717-24. BRITO FILHO, J. A. Cidades versus entulhos. In: SEMINÁRIO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A RECICLAGEM NA CONSTRUÇÃO CIVIL, 2., São Paulo, 1999. Anais. São Paulo, IBRACON, 1999. p.56-67. FREEMAN, L. A.; HARDER, M. K. Environmental impact of transportation during the transfer and disposal of construction and demolition waste to landfill. In: INTERNATIONAL CONFERENCE, 2., Paris, 1997. Proceedings, Paris, CSTB, 1997. v.1, p.707-715.

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