O Direito á Comunicação em face da restrição para as Rádios Comunitárias: O caso das Rádios do Rio Grande do Norte 1



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Transcrição:

O Direito á Comunicação em face da restrição para as Rádios Comunitárias: O caso das Rádios do Rio Grande do Norte 1 Marco Lunardi ESCOBAR 2 Paula Apolinário ZAGUI 3 Universidade do Estado do Rio Grande do Norte UERN RESUMO Pela atual regulamentação uma rádio comunitária deve ter alcance de até um quilômetro a partir da antena transmissora, e potência é limitada a 25 watts. Este artigo analisa a legislação atual, com base na situação das rádios comunitárias no Rio Grande do Norte, que têm dificuldades em função da restrição de abrangência do sinal da rádio. Utiliza-se pesquisa bibliográfica, levantamento de leis a respeito do tema, e entrevistas pessoais em cinco rádios comunitárias do Rio Grande do Norte. O estudo sugere a comparação de tais limitações com a possibilidade de qualquer pessoa criar uma rádio na internet, sem a necessidade de outorga, em face da falta de regulamentação. PALAVRAS-CHAVE: Rádios Comunitárias; Alcance; Direito à comunicação. INTRODUÇÃO Pelas ondas do rádio, uma emissora de FM comunitária pode dar condições à comunidade de ter um canal de comunicação próprio, inteiramente dedicado aos interesses da população de uma localidade. Assim, a radiodifusão comunitária foi criada como alternativa ao modelo de comunicação de massa. Indubitavelmente a existência da radiodifusão comunitária significa a possibilidade da população falar diretamente com a população. A linguagem familiar com a abordagem de assuntos que são pertinentes da comunidade faz com que essas emissoras sejam o principal instrumento de democratização da comunicação. Representa a possibilidade de se discutir abertamente vários problemas da comunidade, de forma com que suas soluções sejam mais facilmente encontradas. 1 Trabalho apresentado em Grupo de Trabalho da II Conferência Sul-Americana e VII Conferência Brasileira de Mídia Cidadã. 2 ESCOBAR - Professor Mestre da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte UERN, marcoescobar@uern.br 3 ZAGUI Professora Mestre da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte UERN, paulazagui@uern.br 1

Conforme descreve Ruas (2004) uma rádio comunitária caracteriza-se pela participação dos moradores locais como planejadores, produtores e intérpretes dos veículos de comunicação de uma determinada comunidade, caracterizando-se por um intercâmbio de idéias, uma forma de transmissão que interage com o cidadão. Dessa forma, a Radiodifusão comunitária é um importante instrumento da população local para o incentivo do desenvolvimento regional, tanto na parte cultural, desportiva, econômica, entre outras. O âmbito da prestação de serviço, sem dúvida, está inserido na erradicação de problemas da população menos favorecida da comunidade atingida e, ainda, na tentativa de reduzir os abismos das desigualdades sociais. Atualmente, a legislação define que a rádio comunitária deve ser um meio de comunicação sem fins lucrativos, sendo proibida a veiculação de publicidade, a não ser na forma de apoio cultural. Uma rádio deste tipo tem como obrigação difundir a cultura, o lazer e a educação. Apesar de serem exigências legais, pode-se dizer que são estes atributos que podem garantir a democratização de acesso ao rádio FM. Porém, as rádios comunitárias sujeitam-se a outras regulações, que limitam o serviço de radiodifusão, e são objeto de discussão neste artigo. A Lei 9.612, de 19 de fevereiro de 1998, que institui o Serviço de Radiodifusão Comunitária, prevê que a autorização é concedida somente para associações sem fins lucrativos, e por 10 anos. A legislação é complementada pelo decreto 2.615/98, que determina o uso de uma potência de no máximo 25 watts e antena com tamanho não superior a 30 metros. Ainda conforme a norma, uma rádio comunitária deve ter alcance de até um quilômetro a partir de sua antena transmissora (BRASIL, 1998). 1 - As rádios comunitárias e as restrições da regulamentação A lei da radiodifusão comunitária, que completou 13 anos, traz algumas das restrições já em seu artigo 1º, quando determina que a radiodifusão sonora, em freqüência modulada, opera em baixa potencia e cobertura restrita. 2

Na leitura da lei, entende-se que a definição de comunidade seria limitada a um espaço geográfico, e não a um grupo de moradores, que pode abranger vários bairros e até mesmo a cidade inteira. traz: Como tentativa de deixar a normatização mais clara, o Decreto 2.615, de 03/06/1998, A cobertura restrita de uma emissora de Radcom é a área limitada por um raio igual ou inferior a mil metros a partir da antena transmissora, destinada ao atendimento de determinada comunidade de um bairro, uma vila ou uma localidade de pequeno porte (BRASIL, 1998). Ainda assim, pela leitura do decreto se entende que caracteriza comunidade como espaço físico e não como aspecto cultural, econômico, social, ou qualquer outro meio. A única argumentação do governo a respeito dessa limitação é que, com a definição de um raio de mil metros para alcance da emissora, será possível a instalação de mais de uma rádio comunitária em um mesmo município. A questão é que, pela atual legislação, não se leva em consideração a situação geográfica da população de um mesmo bairro, que pode estar situada em distâncias superiores a um quilômetro da antena. Apesar de a lei na época de criação representar um avanço no sentido de regulamentar um setor da radiodifusão de demanda crescente, observa-se claramente que a norma é restritiva. Desta forma, fica clara a necessidade de preservar-se o direito à comunicação que, para Peruzzo (2004), deve estar diretamente relacionado com o processo histórico-social. A necessidade de informação de âmbito local está ligada ao direito de pertencer a uma nação, igualdade perante a lei, direito à liberdade de acesso à informação, e outros. Pelo Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, temos o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Direito este que inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações de qualquer natureza (PERUZZO, op. cit.). O Pacto de San Jose da Costa Rica, também conhecido como Convenção Americana de Direitos Humanos, assinado em 22 de novembro de 1969, dispõe, em seu artigo 13: 1- Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e 3

idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha; [...] 3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões (grifos nossos). Vale ressaltar aqui que o limite máximo de potência da antena, como preceitua artigo o primeiro do Decreto 2.615/98 - máximo de 25 watts - é ínfimo em comparação a emissoras transmissoras de freqüência modulada de São Paulo, por exemplo. A título de exemplificação, emissoras Bandeirantes e Transamérica FM, operam com potência máxima de 35 mil watts autorizados pelo Ministério das Comunicações, conforme o site do órgão. 4 2- A situação no Rio Grande do Norte Conforme o Ministério das Comunicações, o número de rádios comunitárias existentes no Brasil ultrapassou a marca de quatro mil e duzentas emissoras. A relação de entidades autorizadas pela Coordenação de Radiodifusão Comunitária demonstra, no site do ministério, todas as rádios com operação legalizada. Em abril de 2011, apontava a existência de 121 rádios comunitárias autorizadas no Rio Grande do Norte. 5 Esta pesquisa buscou conhecer em cinco emissoras comunitárias do Rio Grande do Norte a situação de cobertura, a partir dos aspectos legais da criação e funcionamento das rádios, e sua interface com a necessidade de maior participação e alcance. Mesmo com autorização de funcionamento, tais emissoras encontram dificuldades para executarem seus trabalhos. Entre as rádios comunitárias potiguares, há uma crítica generalizada no que se refere à potência máxima de 25 watts, raio de alcance de apenas um quilômetro e limite de altura de antena com relação ao solo de no máximo 30 metros. 4 Fonte: Sistema de controle de radiodifusão (SRD) da ANATEL. <http://www.anatel.gov.br> acesso em 25/03/2011 5 Disponível em <http://www.mc.gov.br/radio-comunitaria/processos-autorizados> Acesso em 20/03/2011 4

Uma das rádios analisadas na pesquisa é rádio comunitária Cidade FM 104.9, do município de Fernando Pedroza no Rio Grande do Norte. Com menos de três mil habitantes, no município não há outro veículo de comunicação local ou regional para que a população possa ser informada. Conforme o gerente de programação Manoel Gerônimo, em entrevista a esta pesquisa, disse que a lei permite muito pouca abrangência para uma comunidade tão extensa, onde o principal bairro possui mais de um quilômetro de extensão. A Cidade FM veicula seis programas religiosos, onde concede diariamente uma hora para cada uma das diferentes igrejas, que se utilizam dos espaços em forma de pregação. Programas informativos também estão presentes na programação, com pelo menos quatro horas diárias, além de um programa voltado para o público que está, em sua maior parte, no meio rural, explicou o diretor da rádio comunitária de Fernando Pedrosa. Para que a Voz do Agricultor, programa que abre a programação da rádio pela manhã, atingisse toda a comunidade que mora no campo, seria preciso uma abrangência maior, disse o representante da emissora. A região não possui nenhum outro veículo de comunicação para informar o público, portanto a rádio comunitária necessitaria uma potência maior para chegar a todos cidadãos. Outra situação semelhante é a vivida pela rádio comunitária do município de Santana de Matos. A Timbaúba FM do Rio Grande do Norte não é captada por todos moradores, que carecem de informações diárias, pois apenas dois jornais impressos regionais trazem as notícias, e somente em peridiocidade mensal. O diretor Luis Macedo, em entrevista, disse que é uma preocupação o cumprimento da lei com a potência e abrangência dentro dos limites. A ANATEL visitou quatro vezes a rádio para fiscalizar, e precisamos cumprir todas regras porque não queremos perder nossa outorga, disse o diretor referindo se ao controle para verificar se rádios comunitárias respeitam os limites. Mesmo que exista concentração no gênero musical, percebe-se que programação da FM é feita por diversas pessoas da comunidade, e os órgãos públicos, quando requisitam espaço, podem utilizar os espaços para informes que a rádio comunitária abre. A rádio comunitária Cidadania FM da cidade de Mossoró, também uma das sintonizadas em locais que estão a mais de um quilômetro do transmissor. O diretor de programação Uguimar Nogueira confirmou que ouvintes de bairros vizinhos ao da emissora 5

deixam de participar dos programas que discutem problemas da comunidade, e até na programação deixam de fazer pedidos musicais, pela dificuldade em sintonizar. A limitação de potência e alcance é também um entrave para a Rádio Comunitária Santa Rita, no ar desde 1997 do município de Santa Cruz no Rio Grande do Norte. Para o diretor Hugo Tavares Dutra, a maior dificuldade é para divulgação de campanhas educativas. Em todos nos de eleição, desde 2004, a radio comunitária desenvolve o Projeto "Cartilha da Eleição, um programa de conscientização política realizado em parceria com a Arquidiocese de Natal. Mas, em função das restrições de transmissão, nem todos os eleitores da cidade podem ouvir as peças radiofônicas para orientar os eleitores sobre a importância de fazer uso correto do voto e ajudar a evitar os crimes eleitorais, declarou o diretor da rádio. Porém, é inevitável que o sinal ultrapasse a distância de um quilômetro a partir da antena, definida em lei, admitem os próprios dirigentes das rádios comunitárias. Em três das cinco rádios pesquisadas, os responsáveis garantiram que o sinal chega a ser captado por ouvintes de municípios vizinhos. Os diretores, no entanto, garantiram que estão dentro do limite de potência e altura de antena prevista em lei, porém a situação geográfica dos transmissores permite a captação acima do raio de abrangência que a norma determina, de um quilômetro a partir da antena transmissora. 3 - A falta de regulamentação para transmissão pela internet Apesar da fiscalização Outras formas democráticas de comunicação, como a colocação do sinal de uma rádio na internet, são totalmente liberadas. Muitas emissoras já disponibilizam o áudio em tempo real via rede mundial de computadores, assim como muitas pessoas já utilizam-se da possibilidade de criar sua própria rádioweb, um serviço totalmente gratuito. Aquelas emissoras que não possuem condições de montar um site, podem colocar, também de forma livre o sinal em outros portais de busca de emissoras. Dessa forma, se legislação é bastante restritiva para a instalação de uma rádio comunitária, qualquer cidadão pode transmitir o sinal fora do espectro radiofônico. A tecnologia permite o tráfego de informações com o sinal da radio acessível a quem está conectado à rede mundial de computadores. 6

Quatro das cinco rádios comunitárias pesquisadas já estão com o sinal disponibilizado via internet. Assim, o sinal ultrapassa as os limites previstas pela legislação (um quilômetro) e pode até passar as fronteiras do Brasil, via rede mundial. Em uma busca pela internet é possível encontrar as rádios comunitárias com o sinal oferecido online. Uma delas é a RadCom do município potiguar de Jucurutu, que utiliza a página da emissora na rede para interagir com o ouvinte: Figura 01 RadCom Fonte: Site Rádio Cidade de Jucurutu. Disponível em: <http://radiocidadejucurutu.com.br/>. Acesso em dez. 2010. Se compararmos as limitações de alcance e potência trazidas pela legislação das rádios comunitárias já vistas com a possibilidade de qualquer pessoa criar uma rádio na internet, estamos diante de uma injustiça. Sem a necessidade de outorga, em face da ausência de lei, as mesmas rádios comunitárias sujeitas as normas federais de radiodifusão, podem também colocar o sinal na internet, livremente acessado por quem está na rede. 7

A rádio do município de Santana do Matos já está também com transmissão online, como se pode ver no site da emissora: Figura 02 Rádio Timbaúba Fonte: Site Timbauba FM. Disponível em: <http://www.timbaubafm.com.br/> Acesso em dez. 2010. Conforme o representante da rádio Timbaúba FM de Santana de Matos, normalmente que faz uso do áudio disponibilizado pela rede é quem está longe da cidade. A internet tira totalmente a limitação, e assim quem é natural de nosso município e está longe pode ter noticias dos seus conterrâneos declarou o diretor da rádio em entrevista a esta pesquisa. 8

4 - As rádios comunitárias e os direitos fundamentais Com relação à limitação de potência das comunitárias, Ruas (2004, p.138) aborda que uma rádio se intitula comunitária pela participação da comunidade em sua gestão e não por sua audiência e/ou alcance de público. A obra aponta muitas dificuldades para o funcionamento destas rádios, e acrescenta que nos modelos atuais de radiodifusão comunitária existem grandes obstáculos para as pequenas emissoras, o que a participação seja reduzida para informar e entreter a população. Para o pesquisador em comunicação Oliveira (2001), o sentido de comunidade ultrapassa o espaço geográfico, por abrigar instâncias de compartilhamento de vivências, crenças, identidades individuais e coletivas. Essa mesma linha de pensamento é seguida por Peruzzo (1999). Para ela, comunidade pressupõe a existência de uma proximidade que pode ser geográfica, mas que não se limita a ela e de elos, profundos entre os membros, como o sentimento de pertença, identidades e comunhão de interesses. De acordo com Silveira (2001, p.47), a instalação de uma rádio é um direito fundamental. Significa que todo indivíduo tem o direito de se comunicar, independente de autorização do governo. Trata-se de um direito de trocar idéias, de informar e de ser informado adequadamente. Dessa forma, o Estado não pode intervir nesse direito fundamental, se uma pessoa quiser abrir um jornal, o governo não pode proibir ou exigir concessão. Em analogia ao caso das comunitárias, a única diferença é que o governo deve gerir para que se faça uso os sinais de rádio de forma adequada. É com este enfoque que Peruzzo (2004) aponta que são preocupações da rádio comunitária valorizar a cultura local e o compromisso com a cidadania, no sentido de se comprometer com a educação voltada para a construção da cidadania e, por fim, a democratização da comunicação. Para López Vigil (2004, p.38) comunicação comunitária deve ser realizada com base em qualquer freqüência, até das numéricas, às quais a sociedade civil tem todo o direito de ter acesso [...]. Em qualquer onda podem viajar mensagens democráticas. Portanto, é necessário que a emissora comunitária tenha o alcance suficiente para que os membros de uma 9

comunidade consigam escutá-la. Amazônia e o direito de comunicar Conforme o artigo 5º da Constituição Brasileira é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Porém, tais limitações impedem claramente o exercício do direito à comunicação, com a garantia de pluralismo das idéias e opiniões. CONCLUSÕES A importância da comunicação comunitária é clara, pois são estes meios que facilitam o exercício dos direitos e deveres de cidadania, além de possuir relevância em muitas localidades no Brasil. Porém, a existência da lei de radiodifusão comunitária no atual modelo, além de restringir a comunicação comunitária e gera conflito com as normas, como o Pacto de San José da Costa Rica, e demais garantias do direito à comunicação que foram citadas. O direito à comunicação é uma premissa do estado democrático, e só com ele é possível construir uma sociedade pautada pela liberdade. Além da prerrogativa de sermos informados, existe também a de informar, introduzindo uma característica de mão-dupla no processo. O direito à comunicação difere do conceito de liberdade de expressão, pois presume o acesso do titular aos meios de comunicação. Neste sentido, no ordenamento jurídico do Brasil existe o chamado direito de antena, que prevê o acesso de organizações civis à mídia. No entanto, este direito é atualmente reservado apenas a quem concorre a cargos eletivos, quando fazem uso da propaganda gratuita no rádio e na televisão. Apesar da previsão legal das rádios comunitárias, ainda não existe, na legislação brasileira, dispositivo que permita a outras organizações usufruírem o direito de antena, o que impede o acesso público à mídia. Em função das limitações de operação deste tipo de emissoras, o direito à comunicação ainda necessita ser garantido. Diante das limitações para o funcionamento das rádios comunitárias, é preciso que seja repensada a aplicabilidade da legislação vigente. E população e todo o setor de 10

radiodifusão ainda aguardam a criação de uma Lei de Comunicação Social Eletrônica, por ser também uma necessidade do processo de implantação da TV digital terrestre no Brasil. Com relação à atual lei, conclui-se que é preciso repensar o atual texto da legislação, de maneira que fosse mais permissiva. Assim, é possível promover o acesso da comunidade às emissoras de maneira efetiva. Demonstra-se, dessa forma, que a população poderia ser mais informada e teria mais oportunidades de levar seus anseios, seus problemas ao conhecimento das autoridades caso a participação das comunitárias garantisse uma audiência maior, sem as limitações que a legislação trouxe desde a criação oficial das emissoras em 1998. Assim, ao analisar-se este ordenamento restritivo a qual se submetem as rádios comunitárias, em face da atual lei, verificamos a necessidade de garantia de uma mídia que garantam ao cidadão um processo de mobilização em torno da ampliação da cidadania. Pela atual normatização restritiva pelas quais as rádios comunitárias se submetem, a conseqüência mais lógica de uma menor propagação de comunicação é certamente a diminuição de possibilidades de abordagens sobre os fatos, o que fatalmente coloca em risco a garantia de democracia. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei n.º 9.612, de 19 de fevereiro. 1998. Institui o Serviço de Radiodifusão Comunitária. Diário Oficial, Brasília:1998. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. BRASIL, DECRETO N 678, DE 6 DE NOVEMBRO DE 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Disponível em <www.planalto.gov.br/ccivil_03/.../d0678.htm>. Acesso em 20 mar. 2001. LÓPEZ VIGIL, José Ignácio. Manual urgente para radialistas apaixonados. São Paulo: Paulinas, 2003. OLIVEIRA, Valdir de Castro. A reconfiguração do espaço público nas ondas das rádios comunitárias. Belo Horizonte: UFMG, 2001. 11

PERUZZO, Cicilia M.K. Participação nas rádios comunitárias no Brasil. In: MELO, José Marques de; CASTELO BRANCO (Orgs.) Pensamento Comunicacional brasileiro. São Bernardo do Campo: UMESP, 1999. p.405-423.. Comunicação nos movimentos populares: a participação na construção da cidadania. 3ª.ed. Petrópolis: Vozes, 2004. RUAS, Claudia M.Stapani. Rádio comunitária: uma estratégia para o desenvolvimento local. Campo Grande: UNIDERP, 2004. SILVEIRA, Paulo Fernando. Rádios Comunitárias. São Paulo: Del Rei, 2001. 12