DISTRIBUIÇÃO ESTRATIGRÁFICA E PROVENIÊNCIA DE MINERAIS PESADOS DAS FORMAÇÕES IPIXUNA E BARREIRAS, REGIÃO DO RIO CAPIM, SUL DA SUB-BACIA DE CAMETÁ



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Transcrição:

Revista Brasileira de Geociências Marivaldo dos Santos Nascimento & Ana Maria Góes 35(1):49-58, março de 2005 DISTRIBUIÇÃO ESTRATIGRÁFICA E PROVENIÊNCIA DE MINERAIS PESADOS DAS FORMAÇÕES IPIXUNA E BARREIRAS, REGIÃO DO RIO CAPIM, SUL DA SUB-BACIA DE CAMETÁ MARIVALDO S. NASCIMENTO & ANA MARIA GÓES Abstract STRATIGRAPHYC DISTRIBUTION AND PROVENANCE OF HEAVY MINERALS OF THE IPIXUNA AND BARREIRAS FORMATIONS, CAPIM RIVER REGION, SOUTH CAMETÁ SUB-BASIN. Heavy mineral and paleocurrent analysis can play an important part in unraveling the extrabacinal (source and source area weathering) and intrabacinal processes (chemical weathering processes) that influence the formation of clastic rocks. Tertiary and cretaceous sandstones from the Cametá Sub-Basin were investigated for their transparent heavy minerals. The Ipixuna (Upper Cretaceous/Lower Tertiary) and Barreiras (Miocene) formations comprise 35m of clastic sedimentary rocks outcropping in the Capim River region, and were deposited in the fluvio-estuarine environments of incised-valleys systems. The Ipixuna Formation is represented by sandstones, claystones and intraformational conglomerates kaolinitic and the Barreiras Formation is composed of sandstones, claystones and conglomerates. The heavy minerals assemblages are composed of zircon, tourmaline, staurolite, kyanite and rutile. The Est/ZTR+Est index and surface textures shows that post-depositional processes less alter heavy mineral assemblage of Barreiras Formation than Ipixuna Formation. The provenance data are still limited, howere the mineralogical assemblages are derived from metamorphic, granitic and sedimentary rocks. The RuZi index and paleocurrent dates record changes in the provenance of sandstones of the Ipixuna and Barreiras formations. The variety of zircon and tourmaline indicate that São Luís Craton and Gurupi Mobile Belt were an important component of provenance to Barreiras Formation, but were insignificant source to the Ipixuna Formation rocks. The Araguaia-Tocantins Mobile Belt and Amazon Craton in the south portion of the Rio Capim Region was an important source to Ipixuna Formation. The RuZi index and dissolution features in the heavy minerals suggest that semi-flint and soft kaolin deposits have different sources and evolutionary history. Keywords: Heavy minerals, provenance, Ipixuna and Barreiras formations, Cametá Sub-Basin. Resumo A análise convencional de minerais pesados transparentes não micáceos de arenitos expostos na porção sul da Sub-Bacia de Cametá, região do Rio Capim, permite uma clara diferenciação entre depósitos cretáceos e terciários, representados pelas formações Ipixuna e Barreiras, respectivamente. As assembléias mineralógicas nestes depósitos são compostas de zircão, turmalina, rutilo, estaurolita e cianita, onde na Formação Ipixuna as características mais marcantes são as feições de corrosão em estaurolita, cianita e turmalina, que justifica e depleção destes minerais nesta unidade. Por outro lado, na Formação Barreiras a assembléia é enriquecida em estaurolita e cianita, embora o zircão e turmalina sejam muito freqüentes e encontram-se pouco afetados pelo intemperismo químico. Denota-se assim, que, ao contrário da Formação Ipixuna, a composição atual da assembléia da Formação Barreiras é mais próxima da fonte dos sedimentos terciários. As feições de dissolução nos minerais da Formação Ipixuna são relacionadas a processos intempéricos que atuaram sobre arenitos arcoseanos, precursores dos depósitos de caulim existentes nesta região. As assembléias de pesados sugerem a participação de fontes metamórficas, ígneas e sedimentares, onde a estaurolita e cianita indicam fontes metamórficas de médio grau, possivelmente relacionadas às faixas Araguaia-Tocantis e Gurupí. As variedades de zircão indicam predominância de fontes metamórficas em relação à ígnea e as variedades de turmalina sugerem contribuições ígneas, seguidas de metamórficas. Os dados de paleocorrentes indicam que o Craton São Luís e a Faixa Gurupi foram as principais fontes para a Formação Barreiras, e que a Faixa Araguaia-Tocantins, incluindo seu embasamento (Craton Amazônico), foram as fontes detríticas para a Formação Ipixuna. A mudança de fonte é corroborada pelo índice RuZi. A presença de turmalina arredondada e, alguns casos, a ocorrência de sobrecrescimentos arredondados, indicam fontes sedimentares em ambas formações. Os dados sobre proveniência ainda são limitados, mas os resultados fornecem dados importantes para a diferenciação estratigráfica de sucessões sedimentares. Palavras-chave: Minerais pesados, proveniência, formações Ipixuna e Barreiras, Sub-Bacia de Cametá. INTRODUÇÃO A análise de minerais pesados é uma das técnicas mais sensíveis e empregada em estudos estratigráficos e na determinação da proveniência de arenitos. Estes minerais formam paragêneses que fornecem dados cruciais sobre tipos de rochas-fonte, que não podem ser adquiridos por outros meios (Morton & Hallsworth 1994, 1999). Entretanto, a distribuição destes minerais em depósitos sedimentares, assim como sua proveniência, não é controlada apenas pela paleogeografia e petrologia da área-fonte. Em virtude de uma série de fatores que atuam durante o ciclo sedimentar, como: intemperismo químico, comportamento hidráulico e diagênese, as assembléias sofrem modificações composicionais que dificultam as interpretações da proveniência (Morton 1985, Mange & Maurer 1991, Morton & Hallsworth 1999). Para minimizar o efeito destes processos são utilizadas técnicas mais sofisticadas como: estudo de variedades de turmalina e zircão, que exibem uma série de propriedades ópticas (cor, forma e estrutura interna) que, qualitativamente, servem como indicador petrológico (Krynine 1946, Lihou & Mange-Rajetzky 1996); índices de proveniência, definidos por meio de razões de minerais com comportamento hidráulico e químico similares (p.e. RuZi, Morton & Hallsworth 1994); índice que permite avaliar o efeito de processos de dissolução intempérica (p.e. Est/ZTR+Est, apud Morton 1985). Outro dado muito importante no estudo dos minerais pesados são as paleocorrentes que auxiliam na localização geográfica Curso de Pós-Graduação em Geologia e Geoquímica, Centro de Geociências, Universidade Federal do Pará, Campus Universitário do Guamá, CP.1611, CEP.66075-110, Belém, Pará. E-mail: msn@ufpa.br, goes@ufpa.br 49

Distribuição estratigráfica e proveniência de minerais pesados das formações Ipixuna e Barreiras, região do rio Capim, sul da Subbacia de Cametá de áreas-fonte. A análise convencional de minerais pesados de depósitos Cretáceos e Terciários, região do Rio Capim (Fig. 1), permitiu utilizar estas técnicas para tecer considerações sobre a proveniência e história pós-deposicional destes depósitos. CONTEXTO GEOLÓGICO Localizada no norte do Brasil, a Sub-Bacia de Cametá ocupa a porção sul da Bacia de Marajó, cuja evolução e estrutura alongada com orientação NW-SE devem-se ao estiramento litosférico quando da abertura do Oceano Atlântico Equatorial, no Eo-Cretáceo (Azevedo 1991, Galvão 1991). Esta Sub-Bacia, onde se encontram os arenitos estudados, limita-se a sudeste pelo Arco do Capim, a norte pelas plataformas do Pará e Bragantina, a sudoeste pelo Arco de Gurupá e a noroeste pelo Lineamento de Tocantins (Fig.1). Seu preenchimento é representado pelas formações: Breves (Aptiano/Cenomaniano) e Limoeiro (Turoniano/Cretáceo Inferior) de ambiente fluvial a marinho raso (Schaller et al. 1971, Villegas 1994); Marajó (Terciário) e Tucunaré (Quaternário) de ambiente marinho transicional (Schaller et al. 1971) (Fig.2). O embasamento é pouco conhecido, mas circundando a área dos afloramentos expõem-se rochas pré-cambrianas dos crátons Amazônico e São Luís, das faixas Tocantins-Araguaia e Gurupi, além de rochas sedimentares paleozóicas da bacia do Amazonas. O Cráton Amazônico possui uma grande variedade de rochas, incluindo gnaisses, migmatitos, granodioritos, riolitos, andesitos, sienitos, monzonitos, metassedimentos, rochas metabásicas e ultrabásicas, granulitos, anfibolitos e granitóides (Cordani et al. 1984). O Cráton São Luís, considerado um fragmento do Cráton Oeste-Africano, é constituído por quatro unidades litoestratigráficas: Grupo Arizona (rochas metapiroclásticas), suítes intrusivas Tromaí, Traquateua (Moura et al. 2003) e Rosário (Gorayeb et al. 1999). A Faixa Tocantins-Araguaia (Brasiliano: Moura & Gaudette 1993), com orientação estrutural N-S, é representada principalmente por metassedimentos de baixo a alto grau metamórfico do Super Grupo Baixo Araguaia, Complexo Colméia e Gnaisse Cantão (Souza et al. 1985, Moura & Gaudette 1993). O Super Grupo Baixo Araguaia é formado pelos grupos Estrondo e Tocantins. O primeiro é composto de meta-conglomerado, quartzito, micaxisto e xisto com estaurolita, cianita e granada (Formação Morro do Campo); xisto feldspático com biotita e granada (Formação Canto da Vazante); e micaxisto, xisto-calcífero, mármore e lentes de anfibolito (Formação Xambioá). O Grupo Tocantins inclui quartzo-clorita-muscovita-xisto e intercalações de filito e quartzito (formações Pequizeiro e Couto Magalhães); filito, ardósia, quartzito, metarcóseo e metacalcário (Hassui et al. 1984). Com orientação NW-SE, a Faixa Gurupi é constituída predominantemente por rochas paleoproterozóicas, composta pela seqüência metavulcanosedimentar do Grupo Gurupi que reúne metaconglomerado, quartzito, ardósia, filito, micaxistos diversos tipos com clorita, muscovita, e/ou biotita, granada, estaurolita, xistos aluminosos, grafitosos, formações ferríferas, metadacitos, metadioritos e veios de quartzo; Complexo Maracaçumé, onde ocorrem tonalito, trondhjemito, granodiorito e anfibolito; e corpos granitóides Itamoari, Cantão, Japim, Ourém e Ney Peixoto (Gorayeb et al. 1999, Sadowiski 2000). Os depósitos estudados encontram-se na região do Rio Capim e compreendem às formações Ipixuna e Barreiras, cujas exposições, de até um quilômetro de extensão lateral por algumas dezenas de metros de extensão vertical, são de excelente qualidade e se destacam por conter estruturas primárias bem preservadas. Formação Ipixuna De acordo com Rossetti (2004), na região do Rio Capim, os depósitos da Formação Ipixuna correspondem à zona caulim soft (Kotschoubey et al. 1996) de grande interesse comercial por causa da sua excepcional qualidade, que inclui argilito, arenitos fino a médio, moderadamente selecionados, essencialmente caulínicos, atribuídos a um sistema deposicional formado por um complexo fluvial na base que grada verticalmente para um complexo estuarino no topo. Estratos cruzados no complexo fluvial mostram mergulhos de paleocorrentes preferenciais para NNE e SE. A Formação Ipixuna pode atingir até 40m de espessura (Kotschoubey et al. 1996) e tem ampla ocorrência na região do médio Rio Capim. Sobreposta à Formação Ipixuna ocorre uma Figura 1 - Localização dos afloramentos na região do Rio Capim, sul da Sub-Bacia de Cametá e as unidades do embasamento. 50 Figura 2 - Quadro estratigráfico simplificado com a correlação das formações Ipixuna e Barreiras, aflorantes na região do Rio Capim, com depósitos da Sub-Bacia de Cametá e Bacia de São Luís-Grajaú.

Marivaldo dos Santos Nascimento & Ana Maria Góes sucessão sedimentar com cerca de 10m de espessura, caracterizada principalmente por argilitos maciços, registrados na literatura como caulim semi-flint (Hust & Bosio 1975, Kotschoubey et al. 1996) ou caulim endurecido Rossetti (2004). Esta sucessão é limitada na base e no topo por superfícies de descontinuidade erosivas, denominadas S1 e S2, respectivamente (Rossetti 2004) o que a torna numa sucessão distinta da Formação Ipixuna (Kotschoubey et al. 1996, Santos Jr. 2002, Rossetti 2004). Entretanto, em função de uma definição estratigráfica mais específica para esta unidade, a mesma será tratada aqui como parte dos depósitos da Formação Ipixuna. Rossetti & Santos Jr. (2003) identificaram falhas e fraturas, diques de areia e brechas e conglomerados intraformacionais nestes depósitos, cuja gênese está relacionada a eventos de sismicidade ocorrentes na Sub-Bacia de Cametá. Kotschoubey et al. (1996) atribuem o aspecto semi-flint desta unidade ao retrabalhamento mecânico de sedimentos argilosos que, posteriormente, foram cimentados por lama caulínica. Formação Barreiras Amplamente reconhecida em falésias e em corte de estrada, com até 30m de espessura, no nordeste do Pará e noroeste do Maranhão, a Formação Barreiras (Mioceno: Arai et al. 1988) consiste de arenitos friáveis e quartzosos, argilitos variegados e conglomerados depositados num sistema estuarino de vales incisos, cuja evolução está ligada a flutuações do nível relativo do mar e eventos tectônicos maiores que afetaram a América do Sul nos últimos 25 milhões de ano (Rossetti 2000, 2001). Estes depósitos podem ser agrupados na forma de três unidade deposicionais 1, 2 e 3 (Rossetti 2000): a Unidade 1 é constituída principalmente por calcários da Formação Pirabas que interdigitam com a porção inferior na Formação Barreiras; a Unidade 2 inclui argilito e arenito da Formação Barreiras e, secundariamente, calcários intercalados da Formação Pirabas; a Unidade 3 é representada por argilito, argilito intercalado a arenito e arenitos, correspondente às porções média a superior da Formação Barreiras. Na região do Rio Capim a Formação Barreiras não ultrapassa 20m de espessura, estando em discordância erosiva com a Formação Ipixuna e sotoposta pelos Sedimentos Pós-Barreiras (Figs. 2 e 3). Esta posição estratigráfica permite uma correlação com a Formação Marajó (Sub-Bacia de Cametá; Fig. 2). Na região do Rio Capim, são reconhecidas três seqüências deposicionais (unidades 1, 2 e 3: Rossetti & Santos Jr. 2004). A Unidade 1 corresponde à parte interna do estuário, representada por um complexo de canais de maré e planície de maré/mangue. As estratificações cruzadas tabulares nos arenitos dos canais de maré indicam mergulhos com direções preferenciais para NW (Santos Jr. 2002). A Unidade 2 consiste de depósitos de baía/laguna estuarina, deltas de maré relacionados à desembocadura do estuário. A Unidade 3 inclui canais de maré com barras em pontal e, também, planícies de maré/ mangue. MÉTODOS Foram analisadas 43 amostras de arenitos, sendo 27 na Formação Ipixuna (17 no caulim soft e 10 no caulim semi-flint) e 16 na Formação Barreira, posicionadas em quatro perfis litoestratigráficos verticais (Fig. 4: 1-4). Os minerais pesados foram extraídos da fração granulométrica 0,125-0,062mm, concentrados com bromofórmio (densidade 2.89g/ml), montados em lâminas com bálsamo do canadá (χ=1.538) para identificação e contagem (100-200grãos/amostra) ao microscópio petrográfico. Foram calculados os índices de Est/ZRT+Est (Morton 1985), para avaliar o efeito do intemperismo nos sedimentos, e o índice RuZi (Morton & Hallsworth 1994), para registrar mudanças de proveniência dos depósitos. As variedades de zircão e turmalina foram definidas através da contagem de 80-100grão/amostra, como base na forma, cor e estrutura interna (no caso do zircão). O zircão foi classificado de Zr1 (irregular zonado ou não zonado, incolor), Zr2 (euédrico a subédrico não zonado, incolor), Zr3 (euédrico a subédrico não zonado, incolor), Zr4 (euédrico a subédrico zonado amarelado) e Zr5 (arredondado, incolor ou amarelado). A turmalina foi classificada como Tu1 (fragmentos irregulares, marrom, verde ou azul), Tu2 (inclui as variedades euédricas ou subédricas, marrons) e Tu3 (inclui formas arredondadas a bem arredondados de todas as cores). A microscopia eletrônica de varredura (MEV) foi utilizada no estudo de microtexturas e morfologia dos minerais pesados, cujos grãos foram montados em fita adesiva (dupla face) e metalizados com ouro por um minuto e meio. As imagens de MEV foram geradas por microscópio LEO 1450VP do Laboratório de Microscopia Eletrônica de Varredura do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). O conjunto de rochas-fonte foi inferido a partir da análise das assembléias de minerais pesados, das variedades de zircão (Caironi et al. 1996) e turmalina (Krynine 1946). A localização geográfica das cochas-fonte, potencialmente mais importantes como fontes de sedimentos foram sugeridas a partir do estudo de paleocorrentes realizado em fácies de canais fluviais e de maré. ASSEMBLÉIAS DE MINERAIS PESADOS A proporção relativa e a distribuição estratigráfica dos minerais pesados nas for- Figura 3 - Aspectos petrográficos das formações Ipixuna e Barreiras: (A e B) arenito com quartzo irregulare, arredondado a subarredondado; (C) argilito maciço (caulim semi-flint) com concentrações de anatásio e zircão (setas); (D) feições de corrosão em quartzo de bolsões de areia do caulim semi-filnt (setas); (E) arenito (caulim soft) com grãos de quartzo orientados segundo os planos de estratificação; e (F) caulim booklet. (S1, S2 e S4 são descontinuidades definidas por Rossetti 2004). 51

Distribuição estratigráfica e proveniência de minerais pesados das formações Ipixuna e Barreiras, região do rio Capim, sul da Subbacia de Cametá mações Ipixuna e Barreiras são mostradas na tabela 1 e figura 5. Com exceção do zircão, as principais espécies de minerais, incluindo, turmalina, rutilo, estaurolita e cianita declinam progressivamente em direção à base das duas unidades sedimentares estudadas. Formação Ipixuna A assembléia de minerais pesados é representada por: zircão muito freqüente com cerca de 85%, apresenta-se nas formas prismáticas euédrica ou subédrica, são incolores, castanhos ou amarelos, exibem freqüentemente zoneamento interno, abundantes inclusões e não se encontram corroídos (Fig. 6). Em termos de variedades têm-se: Zr2 (50%), Zr3 (30%), Zr4 (10%), Zr1 (7%), e Zr5 (3%); turmalina - com apenas 10% de ocorrência é arredondada a subarredondada, com freqüentes feições de corrosão e inclusões. As variedades que ocorrem são: Tu3 (68%), Tu1 (27%) e Tu2 (10%) (Fig. 7); rutilo - com 2% tem características prismáticas ou irregulares, avermelho ou marrom avermelhado, assim como o zircão, não apresenta feições de corrosão; estaurolita - mesmo compondo 2% da assembléia, destaca-se por apresentar geralmente forma irregular, com coloração amarelo pálido e, normalmente exibem bordas corroídas; cianita - com 1% de ocorrências, é ainda menos freqüente que a estaurolita, com seu hábito Figura 4. Seções verticais das formações Ipixuna e Barreiras na região do Rio Capim, incluindo os níveis de amostragem, ambientes deposicionais e as zonas de caulim soft e semi-flint. 52

Marivaldo dos Santos Nascimento & Ana Maria Góes Tabela 1. Minerais pesados das formações Ipixuna (FI) e Barreiras (FB): zircão (Zir), turmalina (Tur), rutilo (Rut), estaurolita (Est), cianita (Cia), sillimanita (Sil), andaluzita (And), topázio (Top), anfibólio (Anf), anatásio (Ant), ZRT. (dados em %). traço (TR). Figura 5. Distribuição estratigráfica dos minerais pesados nas formações Ipixuna e Barreiras (valores em %). (S1, S2 e S4 são descontinuidades definidas em Rossetti 2004). geralmente irregular e incolor, exibe também bordas corroídas (Fig. 6B e C). Apesar de menos freqüentes, ainda ocorrem nestes depósitos, topázio, andaluzita, sillimanita, anfibólio e anatásio, principalmente na porção superior desta unidade estratigráfica. A distribuição relativa mostra que o nível superior (caulim semi-flint), comentado anteriormente, destaca-se do nível inferior (caulim soft) pela presença de rutilo e enriquecimento descendente no teor de zircão. Formação Barreiras A assembléia mineralógica é representada por: zircão com 34% de ocorrência é normalmente prismático arredondado, euédrico ou subédrico e sem feições de corrosão Figura 6. Fotomicrografias dos minerais pesados da Formação Ipixuna: (A) zircão (Zir), (B e C) turmalina (Tur), estaurolita (Est) e cianita (Cia). 53

Distribuição estratigráfica e proveniência de minerais pesados das formações Ipixuna e Barreiras, região do rio Capim, sul da Subbacia de Cametá Figura 7. Variedade de zircão (Zr1, Zr2, Zr3, Zr4 e Zr5) e turmalina (Tu1, Tu2 e Tu3) das formações Ipixuna e Barreiras na Região do Rio Capim. Notar o sobrecrescimento desgastado em turmalina (seta) da Formação Ipixuna. (fig.8a). As variedades encontradas são: Zr5 (50%), Zr1 (25%), Zr2 (15%), Zr3 (8%) e Zr4 (2%) (fig.7); estaurolita - é muito freqüente com até 24% de ocorrência, possui forma angulosa a subangulosa, raramente prismática, nas colorações amarelo intenso e avermelhada, fraturamentos conchoidais são muito pouco comuns feições de corrosão (fig.8b e D); turmalina representa cerca da 19%, tem hábito prismático euédrico a subédrico, as vezes bem arredondado a sub-arredondado, ocorrem também com menos freqüência fragmentos irregulares (fig.8a e C), sem sinais de corrosão. As variedades foram classificadas como: Tu2 (53%), Tu3 (31%) e Tu1 (16%) (fig.8 e 9); cianita com 13% de ocorrência na assembléia, apresenta-se geralmente com seu hábito tabular alongado bem característico, entretanto formas irregulares ou grãos exibindo deformações são observados. Geralmente apresentam boa clivagem, incolores e com raras feições de corrosão (fig.8d); rutilo - com cerca de 9% de ocorrência nestes depósitos, possui forma prismática euédrica ou irregular, sem evidências de dissolução (fig.8a). Além dos minerais supracitados, foram identificados esporadicamente sillimanita, andaluzita, topázio e anatásio. DISCUSÕES E CONCLUSÕES Feições texturais dos minerais pesados A importância estratigráfica dos minerais pesados no estudo de sucessões sedimentares de ambientes continentais e transicionais é amplamente reconhecida (Mange & Maurer 1991, Morton & Hallsworth 1999). Entretanto, nestas circunstâncias o intemperismo químico e a diagênese são os principais processos que modificam a composição das assembléias mineralógicas e determinam sua distribuição nos depósitos sedimentares. Estes processos são responsáveis pela dissolução intraestratal e surgimento de minerais pesados secundários (autigênicos), onde a água intersticial ácida é o principal agente. A taxa e natureza do intemperismo químico variam amplamente e são controladas pelo clima, topografia, atividade biológica, textura, permeabilidade e história de soterramento dos sedimentos, composição das águas 54 Figura 8. Fotomicrografias dos minerais pesados da Formação Barreiras: (A) zircão (Zir), (B e D) estaurolita (Est), (A e E) turmalina (Tur), (A e D) cianita (Cia) e (A) rutilo (Rut). intersticiais e tempo (Morton & Hallsworth 1994, Islam et al. 2002). O efeito da dissolução intraestratal nos minerais, geralmente, manifesta-se através do aumento da maturidade mineralógica das assembléias (ZTR; Hubert 1962) e pode ser evidenciada através de feições texturais dos grãos, observados com auxílio da microscopia eletrônica de varredura (MEV) e utilização do índice Est/ZRT+Est (ver Morton 1985). Estudos desta natureza em minerais pesados transparentes não micáceos das formações Ipixuna e Barreiras permitem evidenciar diferenças substanciais entre estas unidades, que são interpretadas do ponto de vista estratigráfico, levando-se em consideração os processos pós-deposicionais que atuaram sobre as mesmas (Fig. 9). FORMAÇÃO IPIXUNA Uma das características mais importantes identificadas nos minerais pesados na Formação Ipixuna (caulim

Marivaldo dos Santos Nascimento & Ana Maria Góes Figura 9. Variação vertical do índice Est/ZRT+Est nas formações Ipixuna e Barreiras. soft e semi-flint) são as feições de corrosão observadas, principalmente, na estaurolita, cianita e até mesmo na turmalina (Fig. 10). Estes minerais, ao lado do zircão e rutilo, são considerados bastante resistentes ao intemperismo químico (Nickel 1973, Mange & Maurer 1991, Morton 1999), e a abundância de feições dissolução nestes minerais sugere ação de forte intemperismo químico, relacionado à origem dos depósitos de caulim existentes nesta região. Existem diversas teorias a cerca da origem dos depósitos de caulim da região do Rio Capim. Krebs & Arantes (1973) atribuíram uma origem alóctone para o caulim Ipixuna, a partir de sedimentos mesozóicos fortemente intemperizados que foram transportados sob regime de fluxo de massa para a bacia de sedimentação. Hurst & Bosio (1975), por sua vez, consideram uma origem in situ a partir da alteração dos sedimentos Barreiras (Mio-Plioceno). Monteiro (1977), baseado em elementos traços e estudo de minerais pesados, sugeriu uma origem, também, in situ ou a pouca distância do local de acumulação, mas a partir da alteração de rochas graníticas. Costa & Moraes (1998) propõem uma gênese relacionada ao evento de laterização responsável pela formação da bauxita no Terciário inferior. Kotschoubey et al. (1996) sugerem que a gênese do caulim soft da Formação Ipixuna pode ser explicada pelo mecanismo de rebaixamento do nível freático durante um longo período, em ambiente tectônico estável, onde a caulinização, iniciada durante a formação da crosta laterítica/bauxítica, prosseguiu durante os períodos úmidos do Cretáceo Superior e do Quaternário, tratando-se assim de um caso particular de intemperismo profundo. Segundo estes mesmos autores, o estado litificado e a ausência de estruturas sedimentares no caulim semi-flint, que ocupa a porção superior desta formação, não permitem atribuir uma mesma origem para estes depósitos e, dessa forma, sugerem que se trata de depósitos sedimentares que sofreram transformações diferentes. O baixo conteúdo de quartzo nestes depósitos mostra que o caulim semiflint foi originado a partir de sedimentos argilosos que sofreram retrabalhamento mecânico e, posteriormente, foram cimentados por argila caulínica (Kotschoubey et al. 1996). Dentro deste contexto, estes depósitos se formaram em condições estratigráficas diferentes onde a intensidade de dissolução dos minerais pesados atesta esta diferença. Estas feições são mais expressivas nos depósitos de caulim soft. As evidências como: obliteração de tex- Figura 10. Texturas de dissolução em minerais pesados da Formação Ipixuna: (A) estaurolita exibindo cavidades lenticulares orientadas segundo o plano cristalográfico; (B) aspecto cavernoso da cianita; e (C) detalhe da superfície de turmalina exibindo forte corrosão. 55

Distribuição estratigráfica e proveniência de minerais pesados das formações Ipixuna e Barreiras, região do rio Capim, sul da Subbacia de Cametá turas superficiais mecânicas pela dissolução superficial, presença de caulim booklet, fragmentos líticos, pseudomorfos de feldspato e micas substituídos por caulim e a preservação de estruturas sedimentares primárias atestam que os depósitos de caulim soft foram originados in situ a partir de arenitos arcosianos sob regime intempérico efetivo. Consequentemente, a natureza arcosiana destes arenitos sugere que os mesmos foram produzidos durante clima árido a semi-árido, os quais posteriormente foram alterados em condições climáticas úmidas tropicais relacionadas com o evento de bauxitização paleógena. A presença de micas (biotita e muscovita) caulinizadas é mais uma variável que sugere condições de forte intemperismo químico, particularmente, em ambientes tropicais, como atestado por Islam et al. (2002) que estudou mudanças mineralógicas de rochas sedimentares sob forte intemperismo químico em Bangladesh. A presença de anatásio na unidade de caulim semi-flint (Fig. 4C), que possui estrutura maciça e freqüentes feições brechóides, sugere que a porção superior Formação Ipixuna alcançou transformações pedogenéticas, o que não ocorreu na unidade inferior (caulim soft). FORMAÇÃO BARREIRAS Comparando-se a assembléia de minerais pesados da Formação Barreiras, estudada neste (com a da Formação Ipixuma) trabalho, verifica-se que as principais diferenças estão relacionadas com as porcentagens de zircão, turmalina, estaurolita, cianita e, substancialmente, às feições de dissolução intraestratal. Na assembléia da Formação Barreiras as texturas de corrosão são menos expressivas, a não ser em alguns grãos de estaurolita e cianita que apresentam sinais precoces de dissolução (fig.11). Além disso, o índice Es/ZRT+Es nestes depósitos confirma tais evidências, onde o comportamento vertical mostra declínio descendente (ver Fig. 9). Os arenitos desta formação são facilmente reconhecidos pelo aspecto friável, avermelhado e excelente preservação dos minerais pesados, sugerindo que a atual da assembléia de mineralógica pode ser interpretada como uma assinatura composicional mais aproximada da fonte dos sedimentos e, que, o intemperismo químico sobre os mesmos foi menos efetivo do que nos depósitos subjacentes. Proveniência As assembléias das formações Ipixuna e Barreiras sugerem a participação de fontes metamórficas, ígneas e sedimentares, onde a estaurolita e cianita indicam fontes metamórficas de médio grau. Estas assembléias mostram similaridades mineralógicas entre si, entretanto, como visto anteriormente, as diferenças são significativas em termos de percentual relativo que, por sua vez, resultam apenas de fatores relacionados à processos de dissolução intraestratal (pós-deposicionais) e não à proveniência. Entretanto, apesar dos dados de proveniência, apresentados neste trabalho, serem pouco específicos, estes servem para indicar, genericamente, grupos de rochas-fonte de sedimentos, não sendo possível avaliar o potencial das unidades do embasamento na contribuição de sedimentos. A utilização do índice RuZi e dados de paleocorrentes em análise de proveniência é de comprovada eficácia e, no estudo aqui apresentado, atestam claramente que estas duas unidades estratigráficas possuem proveniência distinta (Fig.12), como veremos a seguir. FORMAÇÃO IPIXUNA As paleocorrentes nos depósitos do complexo fluvial da unidade do caulim soft da Formação Ipixuna indicam que os arenitos arcosianos, precursores dos depósitos de caulim, são oriundos de áreas localizadas a oeste/sudoeste, abrangendo preferencialmente a Faixa Araguaia-Tocantins e parte 56 Figura 11 - Aspectos texturais dos minerais pesados da Formação Barreiras: (A) turmalina euédrica com arestas perfeitas, (B) cianita prismática-tabular exibindo sua clivagem característica, (C) estaurolita com feição de dissolução mamelonar e do seu embasamento. Esta região é formada, principalmente, por rochas metamórficas, que justifica a presença de estaurolita, cianita, micas (biotita e muscovita) e fragmentos líticos neste depósito. A estaurolita, cianita e micas ocorrem, sobretudo, em rochas metamórficas de baixo a médio grau, como xistos e micaxistos, representativos da Formação Morro do Campo/Grupo Estrondo (Supergrupo Baixo Araguaia) e são raramente encontradas em gnaisses desta região. As variedades de zircão sugerem predominância de fonte metamórfica em relação à ígnea, tendo em vista que 60% dos grãos representam contribuições de corpos granitóides e ortognaisses, 30% representam migmatito e granulito, e apenas 3% são de riolitos. Contribuições graníticas são significativas na Formação Ipixuna uma vez que 63% das variedades de

Marivaldo dos Santos Nascimento & Ana Maria Góes turmalina representam fonte granítica, 27% fonte metamórfica e 10% fonte pegmatítica. Estes litotipos são encontrados no embasamento da Faixa Araguaia-Tocantins que representa a porção leste do Cráton Amazônico nesta região (Moura & Gaudette et al. 1999). A variedade Zir5 (7%) corresponde a zircões arredondados que podem representar tanto fontes metamórficas (metagabros, leucogranulito e rochas da crosta inferior: Corfu et al. 2003), quanto sedimentos reciclados. A abundância de turmalina arredondada nestes sedimentos sugere fontes sedimentares préexistentes (reciclagem), o que é também corroborado pela presença de turmalina contendo sobrecrescimento arredondado. A avaliação da proveniência para os depósitos a unidade que comporta os depósitos de caulim semi-flint ainda é problemática pelo fato destes possuírem caráter dominantemente maciço sem estruturas sedimentares direcionais, além de outros parâmetros mais específicos que viabilizem uma melhor interpretação. Entretanto, o índice RuZi (Fig. 12) sugere proveniência distinta para estes depósitos em comparação com os subjacentes. A análise convencional do pesados atribui o mesmo grupo de rochas-fonte, embora não seja possível inferir diretamente uma área-fonte para os mesmos. FORMAÇÃO BARREIRAS As paleocorrentes medidas em canais fluviais indicam transporte sedimentar preferencial para NW, permitindo atribuir como área-fonte a Faixa Gurupi e o Craton São Luís que afloram NE e SE. A assembléia mineralógica desta formação sugere fontes, sobretudo, metamórficas de médio grau devido à alta abundância de estaurolita e cianita e, mais raramente, de sillimanita que poderiam ser fornecidas pela Formação Santa Luzia (Faixa Gurupi). A presença de turmalina idiomófica, associada a zircão euhédrico e a topázio, sugere contribuição de rochas granitóides, pegmatitos e veios. Em termos de variedades, o zircão e turmalina mostraram-se excelentes indicadores petrogenéticos para a Formação Barreiras, indicando diversos tipos de rochasfontes, incluindo: granitos, migmatitos, granulto e riolitos, relacionadas ao Craton São Luís (Tracauteua, Mirasselvas e Rosário?). A ausência de turmalina com sobrecrescimento desgastado ou com formas arredondadas indicam pouca participação de material reciclado. Agradecimentos À CAPES pela concessão de bolsa de mestrado ao primeiro autor. Ao Museu Paraense Emílio Goeldi pelo suporte financeiro através do CNPq (chamada universal 2001: Projeto 474978/01-0). À Parapigmentos S/A e à Imery Rio Capim Caulim pelo acesso aos afloramentos e apoio logístico. Aos pesquisadores do grupo de Geologia Histórica (UFPA-MPEG). Aos editores da RBG pela gentil compreensão quanto ao redirecionamento dado ao trabalho. Aos revisores pelas pertinentes sugestões que muito contribuíram para a melhoria do texto. Figura 12 - Variação vertical do índice RuZi nas formações Ipixuna e Barreiras. Notar a mudança brusca dos valores do índice a partir das discordâncias. {RuZi=100xRu(contados)/Ru+Zi (total)}. Referências Arai M., Uesugui N., Rossetti D.F., Góes A.M. 1988. Considerações sobre a idade do Grupo Barreiras no nordeste do Estado do Pará. In: SBG, Congr. Bras. Geol., 35. Belém. Anais, 2: 738-752. Azevedo R.P. 1991. Tectonic evolution of Brazilian Equatorial Continental Margin Basins. Tese de Doutorado, Royal School of Mines Imperial College, Londres, 412p. 57

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