TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES 1



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Transcrição:

6 TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES 1 International trafficking in women LAÍS COSTA RAINICHESKI 2 Sumário: 1. Introdução. 2. O Tráfico internacional de seres humanos. 2.1. Definição. 2.2. O aliciador, as vítimas e as rotas. 2.3. Espécies de tráfico e tipificação legal. 3. Tráfico internacional de mulheres. 3.1. Breve histórico. 3.2. O tráfico de mulheres na atualidade. 3.3. O Brasil e o tráfico internacional de mulheres. 3.4. A Convenção internacional e o marco legal brasileiro. 3.4.1. O protocolo das Nações Unidas contra o tráfico de pessoas. 3.4.2. A legislação nacional. 3.4.3. A legislação internacional. 4. A aplicação das Convenções pelo Estado brasileiro. 4.1. O papel do UNODOC. 4.2. A política nacional de enfrentamento ao tráfico e o plano nacional de enfrentamento ao tráfico. 4.3. Repressão, denúncia e monitoramento do tráfico. 4.3.1. O papel da Polícia Federal. 4.3.2. O papel das ONGs. 5. Considerações finais. 6. Referências. Resumo: nando cada vez mais comum nas sociedades, apresentando grandes proporções, e encontrando-se entre os principais crimes transnacionais. O sua origem, seu crescimento, suas características, e suas fontes de com- versas modalidades. Palavras-chave: 1 Artigo produzido a partir da Monografia de Conclusão de Curso de Direito, apresentada à Universidade Metodista de Piracicaba, campus Taquaral, sob a orientação do Prof. Dr. Jorge Luís Mialhe. 2 Bacharel em Direito pela UNIMEP. E-mail: ktlais18@hotmail.com CadernoUnisal4.indb 161 16/5/2012 17:42:37

CADERNOS JURÍDICOS LAÍS COSTA RAINICHESKI Abstract: - - - - Keywords: 1. INTRODUÇÃO Impulsionado por vários motivos, como, por exemplo, vulnerabilidade social, instabilidade econômica, discriminação, violência, instabilidade política, leis deficientes, desastres naturais, guerras, baixa aplicação das regras internacionais de direitos humanos, questão de gênero e raça e globalização, o tráfico internacional de pessoas vem assumindo grandes proporções, principalmente na espécie mais praticada desse delito: o tráfico internacional de mulheres. 3 Essa prática esteve presente em várias épocas da história e desde o século XIX, o tráfico internacional de mulheres se tornou preocupação para as Nações. Em meio a grande onda de urbanização e incentivo à migração de europeus, surgiu o tráfico de brancas, apresentando características similares às apresentadas pelo tráfico internacional de mulheres nos dias de hoje. Naquela época, o tráfico era praticado por grupos que traficavam prostitutas e mulheres europeias que não exerciam prostituição, mas que estavam à procura de uma vida melhor, iludindo-as com promessas de casamento e com 3 SOUZA, Luís Antônio Francisco de. Tráfico Internacional de Mulheres, Adolescentes e Crianças Desafios Sociais, Legais e Institucionais na nova democracia do Brasil. Revista do Curso de Direito da Faculdade Campo Limpo Paulista, Porto Alegre, v. 3, p. 34, 2005. Disponível em: <http://www.faccamp.br/ Graduacao/Direito/downloads/revista_faccamp_3.pdf>. Acesso em: 14 out. 2011. 162 CadernoUnisal4.indb 162 16/5/2012 17:42:38

6 TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES a possibilidade de mudar de vida na América do Sul, trazendo tais mulheres para trabalhar em bordéis das grandes cidades da época. 4 Desde então, o tema começou a ser debatido no meio jurídico- -social e documentos internacionais passaram a ser criados com o intuito de discutir o tema. Nas últimas décadas, o tráfico internacional de seres humanos continuou em constante crescimento e passou a ter outras finalidades, como tráfico de crianças para adoção e exploração sexual, tráfico para remoção de órgãos e tráfico para trabalho forçado. Apesar das novas finalidades para o tráfico internacional de seres humanos, o tráfico internacional de mulheres com a finalidade de exploração sexual continua sendo o mais praticado entre as espécies de tráfico, e tal prática se encontra entre os principais crimes transnacionais. 5 Dessa forma, a preocupação dos países em relação ao tráfico se intensificou, produzindo debates e novos documentos internacionais, como o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, especialmente mulheres e crianças. O Protocolo de Palermo, como é conhecido, é o principal documento internacional em relação ao tráfico internacional de mulheres. Porém, apesar do posicionamento de muitos países contra essa prática e do engajamento da sociedade civil na luta contra o tráfico internacional de mulheres, ainda há muito que ser feito. Logo, o presente artigo tem a finalidade de analisar a questão do tráfico internacional de mulheres, abordando sua origem, seu crescimento, suas características, fontes de combate e documentos relativos à luta contra tal prática. 4 ALENCAR, Emanuela Cardoso Onofre de. Tráfico de seres humanos no Brasil: aspectos sociojurídicos o caso do Ceará. 2007. 271 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional, Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2007. 5 MELO, Mônica de; MASSULA, Letícia. Tráfico de Mulheres: prevenção, punição e proteção. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/rev_58/artigos/art_ Monica.htm>. Acesso em: 17 out. 2011. 163 CadernoUnisal4.indb 163 16/5/2012 17:42:38

CADERNOS JURÍDICOS LAÍS COSTA RAINICHESKI 2. O TRÁFICO INTERNACIONAL DE SERES HUMANOS O tráfico internacional de seres humanos é uma prática que viola os direitos humanos, utilizado para alimentar redes internacionais de exploração sexual, tráfico de órgãos, adoção ilegal e trabalho forçado. Tal fenômeno está ligado à globalização, desigualdade social, questão ética e de gênero. 6 2.1. DEFINIÇÃO A primeira definição internacionalmente aceita sobre o tráfico de seres humanos está expressa no artigo 3º do Protocolo Adicional à Convenção da ONU contra o crime organizado transnacional, conhecido como Protocolo de Palermo: a) Tráfico de Pessoas deve significar o recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de pessoas, por meio de ameaça ou uso da força ou outras formas de coerção, de rapto, de fraude, de engano, do abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade ou de dar ou receber pagamentos ou benefícios para obter o consentimento para uma pessoa ter controle sobre outra pessoa, para o propósito de exploração. Exploração inclui, no mínimo, a exploração da prostituição ou outras formas de exploração sexual, trabalho ou serviços forçados, escravidão ou práticas análogas à escravidão, servidão ou a remoção de órgãos; b) O consentimento de uma vítima de tráfico de pessoas para a desejada exploração definida no subparágrafo (a) deste artigo deve ser irrelevante onde qualquer um dos meios definidos no subparágrafo (a) tenha sido usado; c) O recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de uma criança para fins de exploração devem ser considerados tráfico de pessoas mesmo que não envolvam nenhum dos meios definidos no subparágrafo (a) deste artigo; 6 JESUS, DAMÁSIO DE. Tráfico Internacional de Mulheres e Crianças Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 19. 164 CadernoUnisal4.indb 164 16/5/2012 17:42:38

6 TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES d) Criança deve significar qualquer pessoa com menos de 18 anos de idade. 7 Em pleno século XXI ainda são desenvolvidas práticas muito semelhantes à escravidão. Características que esperávamos superadas, como explorar economicamente seus iguais e fazer deles objeto de lucro, ainda se encontram presentes em nosso meio. O tráfico internacional de seres humanos é um crime crescente, que lucra bilhões através do comércio de pessoas e apresenta inúmeras formas de ser praticado, além de diversos fins aos quais é destinado. Além de ser uma violação aos direitos humanos, trata-se de um crime que ofende a dignidade humana e a garantia da ordem pública. 8 A prática do tráfico de pessoas se estende desde o século XVI, quando o tráfico negreiro transportou um grande número de africanos para exercer trabalho escravo em muitos países. 9 No século XIX, a exploração do tráfico negreiro teve seu fim, porém, o problema do tráfico internacional persistiu durante todo o século XX e se tornou uma forma moderna de escravidão. 10 Nos dias de hoje, o tráfico é utilizado com o propósito de alimentar redes internacionais de exploração sexual, tráfico de órgãos, adoção ilegal e trabalho forçado. 11 A discussão em relação ao tráfico de pessoas apresenta proporções internacionais, envolvendo a preocupação dos Estados com suas fronteiras e também de ativistas de direitos humanos. 12 7 JESUS, DAMÁSIO DE. Tráfico Internacional de Mulheres e Crianças Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 8. 8 BRASIL. Ministério da Justiça. Relatório Final de Execução do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Brasília, 2010. p. 21. Disponível em: <http://portal. mj.gov.br/data/pages/mj02fa3701itemid344ace80b8e24d778d759e4c2d15503eptbrie. htm>. Acesso em: 13 maio 2011. 9 JESUS, DAMÁSIO DE. Tráfico Internacional de Mulheres e Crianças Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 15. 10 JESUS, DAMÁSIO DE. Tráfico Internacional de Mulheres e Crianças Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 15. 11 JESUS, DAMÁSIO DE. Tráfico Internacional de Mulheres e Crianças Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 15. 12 GRECO, Alessandra Orcesi Pedro; RASSI, João Daniel. Crimes contra a dignidade sexual. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 186. 165 CadernoUnisal4.indb 165 16/5/2012 17:42:38

CADERNOS JURÍDICOS LAÍS COSTA RAINICHESKI O requisito central do tráfico é a presença do engano, da coerção, da dívida e do propósito de exploração. O aliciador limita o exercício dos direitos, constrange a vontade do aliciado e, muitas vezes, viola seu corpo. Normalmente, os aliciados entram no país estrangeiro com visto de turista e logo passam a exercer atividades ilícitas camufladas de atividades legais; seus passaportes e bilhetes de regresso são confiscados, assim sendo impedidos de retornar ao seu país de origem. 13 O tráfico de seres humanos é uma atividade de baixo risco e alto lucro, segundo dados do Escritório da ONU para o Controle de Drogas e Prevenção do Crime (UNODC), cujos valores movimentados anualmente por essa atividade delituosa giram em torno de 9 bilhões de dólares. Em termos do crime organizado transnacional, o tráfico de pessoas perde, em aquisição de lucros, somente para o tráfico de drogas e para o contrabando de armas. 14 As principais causas do tráfico internacional de seres humanos são a vulnerabilidade social, a instabilidade econômica, a discriminação, a violência, a instabilidade política, as leis deficientes, os desastres naturais, as guerras, a baixa aplicação das regras internacionais de direitos humanos, a questão de gênero e raça e a globalização. 15 Tais problemas motivam as vítimas a entrar nesse meio em busca de melhor qualidade de vida, respeito e felicidade. 2.2. O Aliciador, As Vítimas E As Rotas O aliciador é o sujeito ativo do tráfico de pessoas, cuja conduta, na maioria das vezes, subsume-se a induzir a pessoa a se submeter ao tráfico por meio de falsas promessas de emprego e condições de 13 SALAS, ANTONIO. O Ano em que trafiquei mulheres. Tradução de Sandra Martha Dolinsky. São Paulo: Planeta do Brasil, 2007. p. 39. 14 MELO, MÔNICA DE; MASSULA, LETÍCIA. Tráfico de Mulheres: prevenção, punição e proteção. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/rev_58/artigos/art_monica.htm>. Acesso em: 17 out. 2011. 15 SOUZA, Luís Antônio Francisco De. Tráfico Internacional de Mulheres, Adolescentes e Crianças Desafios Sociais, Legais e Institucionais na nova democracia do Brasil. Revista do Curso de Direito da Faculdade Campo Limpo Paulista, Porto Alegre, v. 3, p. 34, 2005. Disponível em: <http://www. faccamp.br/graduacao/direito/downloads/revista_faccamp_3.pdf>. Acesso em: 14 out. 2011. 166 CadernoUnisal4.indb 166 16/5/2012 17:42:38

6 TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES vida irreais. Os riscos pelos quais os aliciados irão passar, quase sempre deixam de ser revelados pelo aliciador. 16 Esse sujeito atrai as suas vítimas pela internet, por anúncios em jornais e por contato pessoal e direto. Para a consumação mais fácil do tráfico, o aliciador sempre procura o consentimento da vítima. Em sua maioria os traficantes de pessoas estão, ao mesmo tempo, ligados a outros tipos delituosos, como o tráfico de armas, a falsificação de documentos, homicídios, tráfico de narcóticos, entre outros. 17 Segundo pesquisas do Ministério da Justiça, o principal alvo do tráfico de pessoas são as crianças, os adolescentes, as mulheres e os travestis. Entre as vítimas, os homens são aliciados em menor número, sendo mais visadas as mulheres adultas, as crianças e os adolescentes. Em sua maioria, as vítimas são pessoas que apresentam pouca escolaridade, baixa renda familiar, naturais de regiões pobres e pessoas jovens. 18 O tráfico pode ocorrer dentro de um mesmo país e entre diferentes países. As rotas são formadas pelos lugares por onde as vítimas passaram, desde o local de onde partiram até o destino final, sendo as cidades ou países por onde transitaram chamadas de locais de trânsito. Os pontos de partida são normalmente os países pobres e os de destino são os países ricos. 19 2.3. Espécies De Tráfico E Tipificação Legal 16 PROJETO TRAMA. Disponível em: <www.projetotrama.org.br>. Acesso em: 19 out. 2011. 17 SALAS, ANTONIO. O Ano em que trafiquei mulheres. Tradução de Sandra Martha Dolinsky. São Paulo: Planeta do Brasil, 2007. p. 33. 18 BRASIL. Ministério da Justiça. Relatório Final de Execução do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Brasília, 2010. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/data/pages/ MJ02FA3701ITEMID344ACE80B8E24D778D759E4C2D15503EPTBRIE.htm>. Acesso em: 13 maio 2011. 19 INSTITUTO WINROCK INTERNACIONAL; INSTITUTO LATINOAMERICANO DE DEFESA E PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS (ILADH). Manual de capacitação para o enfretamento ao tráfico de pessoas. Salvador, Bahia, ago. 2010. p. 14. Disponível em: <http://www.winrock.org.br/media/ Manual%20Agentes%20Multiplicadores%20Completo.pdf>. Acesso em: 16 out. 2011. 167 CadernoUnisal4.indb 167 16/5/2012 17:42:38

CADERNOS JURÍDICOS LAÍS COSTA RAINICHESKI O tráfico de seres humanos acabou se tornando uma forma de escravatura moderna, que nem sempre é visível. O tráfico pode ser voluntário e involuntário. No tráfico voluntário as vítimas contatam o traficante para transportá-las de um local para o outro. Apesar da voluntariedade o tráfico continua sendo crime, como descrito no parágrafo 3º, alínea b, do Protocolo de Palermo. O que nos leva a deduzir que o princípio da autonomia da vontade não é absoluto quando o que está em jogo é a ordem pública. Já o tráfico involuntário de seres humanos implica a exploração da pessoa para o trabalho forçado ou a exploração sexual. Nesse caso, as vítimas não são autorizadas a deixar seu destino. Os aliciados são detidos através de atos de coerção, e forçados a trabalhar e prestar serviços aos traficantes. 20 Segundo estudo realizado pelo UNODC, em 92% dos casos analisados as vítimas foram aliciadas para exploração sexual e em 21% para servirem de mão de obra escrava. Não restam dúvidas de que as duas principais finalidades para o tráfico de pessoas são essas. Porém, existem outras espécies de tráfico, como o tráfico de crianças para adoção ilegal e o tráfico de órgãos. 21 Em sua redação original, o artigo 231 do Código Penal de 1940 previa apenas o tráfico internacional de mulheres, de modo que apenas as pessoas do sexo feminino poderiam figurar no rol dos sujeitos passivos do delito. Com o advento da Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005, a infração penal em estudo passou a ser denominada de tráfico internacional de pessoas, de modo não apenas as mulheres, mas também os homens passaram a ser considerados vítimas do crime. Esse mesmo dispositivo legal foi novamente modificado, a começar pela rubrica, pela Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, passando a ser conhecido como tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual. Da mesma forma, a referida lei alterou as redações anteriores e criou um terceiro parágrafo ao artigo 231 daquele codex. 20 SALAS, ANTONIO. O Ano em que trafiquei mulheres. Tradução de Sandra Martha Dolinsky. São Paulo: Planeta do Brasil, 2007. p. 64. 21 JESUS, DAMÁSIO DE. Tráfico Internacional de Mulheres e Crianças Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 18. 168 CadernoUnisal4.indb 168 16/5/2012 17:42:38

6 TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES A partir de então, o referido artigo também conceitua como tráfico de pessoas o recrutamento, o transporte, o alojamento ou acolhimento das vítimas. 22 Eis a redação: Tráfico Internacional de pessoa para o fim de exploração sexual Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro. Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. 1º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a transportá-la, transferi-la ou alojá-la. 2º A pena é aumentada da metade se: I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; cessário discernimento para a prática do ato; III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. aplica-se também multa. Tal definição protege a dignidade humana, visando impedir a degradação do ser humano. O artigo descreve duas condutas: promover ou facilitar a entrada de pessoa no território nacional para o exercício da prostituição, ou promover ou facilitar a saída para a vítima exercer a prostituição no exterior. 23 O sujeito ativo do crime é qualquer pessoa que pratique a conduta descrita. O sujeito passivo é a vítima. O elemento subjetivo é o dolo, ou seja, o intuito de praticar o ato, tendo consciência de que a vítima será transportada para exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual. Sendo um crime formal, a consumação ocorre com a entrada ou saída de nosso território, com a finalidade de 22 GRECO, ALESSANDRA ORCESI PEDRO; RASSI, João Daniel. Crimes contra a dignidade sexual. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 194. 23 GRECO, ALESSANDRA ORCESI PEDRO; RASSI, JOÃO DANIEL. Crimes contra a dignidade sexual. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 190. 169 CadernoUnisal4.indb 169 16/5/2012 17:42:38

CADERNOS JURÍDICOS LAÍS COSTA RAINICHESKI exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ainda que a pessoa aliciada não o faça, cabendo assim a figura da tentativa quando o agente, nos casos em que por circunstâncias alheias à sua vontade, vê-se impedido de finalizar a entrada ou saída da pessoa do território nacional. 24 Em seu 1º parágrafo, o artigo incrimina aqueles que agenciam, aliciam e compram a pessoa traficada, como os que conhecendo a situação transportam, transferem ou alojam a vítima, equiparando- -os a figura principal do artigo. 25 Tendo em vista a condição de maior vulnerabilidade e fragilidade da vítima, há aumento de pena nas hipóteses do parágrafo 2º; já tratando-se de tráfico internacional mercenário, aplica-se também a pena de multa, nos termos do parágrafo 3º. Insta registrar, que o consentimento da vítima não afasta a tipificação formal do delito. Todavia, nos casos em que ela não consente, o crime é qualificado pelo emprego de violência, conforme prescreve o inciso IV do parágrafo 2º do artigo 231. 26 Havendo tráfico internacional de pessoas, a competência para julgamento é da Justiça Federal, nos termos do inciso V do artigo 109 da Constituição Federal de 1988. 3. TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES O tráfico internacional de mulheres é a espécie de tráfico internacional de pessoas mais praticada na atualidade. É um fenômeno que se estende desde o século XIX, apresentando crescimento e sustentando redes internacionais de prostituição. 27 24 Ibid., p. 191. 25 Ibid., p. 191. 26 REALE JÚNIOR, MIGUEL; PASCHOAL, JANAÍNA CONCEIÇÃO (Coord.). Mulher e direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p 181. 27 BRASIL. Ministério da Justiça. Relatório Final de Execução do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Brasília, 2010. p. 23. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/data/pages/ MJ02FA3701ITEMID344ACE80B8E24D778D759E4C2D15503EPTBRIE.htm>. Acesso em: 13 maio 2011. 170 CadernoUnisal4.indb 170 16/5/2012 17:42:38

6 TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES 3.1. Breve Histórico Desde o século XIX, o tráfico de mulheres tem sido uma preocupação das Nações. Na virada do século XX, em meio à grande onda de urbanização, busca pelo progresso e incentivo à migração de europeus, surgiu o tráfico internacional de mulheres, à época conhecido como tráfico de brancas. Com as mesmas características apresentadas pelo tráfico de mulheres nos dias de hoje, o tráfico de brancas era feito por grupos que traficavam prostitutas e iludiam mulheres europeias que não exerciam a prostituição, mas que estavam à procura de uma vida melhor, com promessas de casamento e com possibilidade de mudar de vida na América do Sul, trazendo tais mulheres para trabalhar em bordéis das grandes cidades. 28 Diante da grande preocupação com o tráfico de mulheres brancas por parte das Nações, em 1899 ocorreu em Londres o Congresso Internacional de Combate ao Tráfico de Escravas Brancas, ocasião em que um dos principais objetivos era criar para os países participantes uma legislação eficaz no combate ao tráfico. 29 Já no início do século XX, em 1902 foi outorgada à Sociedade das Nações, pela Convenção de Paris, autoridade para reprimir o tráfico de escravas brancas. Em 1933, foi adotada a Convenção Internacional Sobre o Banimento do Tráfico de Mulheres. No ano de 1949, aprovou-se na Assembleia Geral da ONU a Convenção Sobre a Lista Contra o Tráfico de Seres Humanos e Exploração de Terceiros, ampliando a conduta de atos criminosos relativos ao tráfico de mulheres. 30 E, entre outras, em 1950 foi elaborada a Convenção para Proteção dos Direito Humanos e das Liberdades Fundamentais, reafirmando o comprometimento das Américas em relação a repressão ao tráfico de mulheres. 31 28 ALENCAR, EMANUELA CARDOSO ONOFRE DE. Tráfico de seres humanos no Brasil: aspectos sociojurídicos o caso do Ceará. 2007. 271 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional, Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2007. 29 Ibid., p. 93. 30 INSTITUTO WINROCK INTERNACIONAL; INSTITUTO LATINOAMERICANO DE DEFESA E PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS (ILADH). Manual de capacitação para o enfretamento ao tráfico de pessoas. Salvador, Bahia, ago. 2010. p. 14. Disponível em: <http://www.winrock.org.br/media/ Manual%20Agentes%20Multiplicadores%20Completo.pdf>. Acesso em: 16 out. 2011. 31 CUNHA, DANILO FONTELE SAMPAIO. Tráfico Internacional de Mulheres. Revista da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, nº 22, p. 226, 2008. 171 CadernoUnisal4.indb 171 16/5/2012 17:42:38

CADERNOS JURÍDICOS LAÍS COSTA RAINICHESKI 172 3.2. O Tráfico De Mulheres Na Atualidade Segundo o Ministério da Justiça, o tráfico internacional de mulheres e crianças é uma das mais lucrativas ações criminosas de nosso tempo, alimentando a exploração de mão de obra escrava e as redes internacionais de prostituição. 32 O tráfico internacional de seres humanos é um crime em crescente desenvolvimento. Cerca de 700.000 mulheres e 1.000.000 de crianças são traficadas por ano. A cada 100 vítimas, 3 contraem o HIV, 24 alguma DST, 26 sofrem agressões físicas, 19 agressões sexuais, 9 ameaças e intimidações e 15 ficam grávidas. 33 Segundo dados de pesquisa realizada pelo UNODC, 83% dos casos de tráfico de seres humanos envolvem mulheres, e 48% menores de 18 anos, sendo 4% dos casos tráfico com vítimas do sexo masculino. Os dados também mostram que em 21% dos casos de tráfico as vítimas foram aliciadas para prestar mão de obra escrava, enquanto 92% dos casos as vítimas foram aliciadas para a exploração sexual. 34 Na mesma época da pesquisa realizada pelo UNODC, o Governo Norte-Americano estimou entre 600 e 800 mil o número de pessoas traficadas entre países, sendo 80% das vítimas mulheres e crianças e 50% delas menores de idade. Os países com maior número de vítimas são Rússia, Ucrânia, Tailândia, Nigéria, Moldávia, Romênia, Albânia, China, Bielorússia e Mianmar. Já os países industrializados são os principais locais de destino das vítimas, como Alemanha, Estados Unidos, Itália, Holanda, Japão, Grécia, Índia, Tailândia, Bélgica e Turquia. 35 32 SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania. O que é tráfico de seres humanos. Disponível em: <http://www.justica.sp.gov.br/novo_site/modulo.asp?modulo=460&cod=51>. Acesso em: 23 out. 2011. 33 REALE JÚNIOR, MIGUEL; PASCHOAL, JANAÍNA CONCEIÇÃO (Coord.). Mulher e direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 171. 34 ONU. (UNODC). Global Report on Trafficking in Persons. [sine loco], fevereiro, 2009. Disponível em: <http://www.unodc.org/brazil/documents/ Global_Report_on_TIP.pdf>. Acesso em: 23 out. 2011. 35 TRAFFICKING IN PERSONS REPORT. Disponível em: <http://www.state.gov/documents/organization/33614.pdf>. Acesso em: 23 out. 2011. CadernoUnisal4.indb 172 16/5/2012 17:42:38

6 TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES A prática do tráfico internacional de mulheres sustenta quadrilhas transnacionais e redes internacionais de prostituição, que em sua maioria são responsáveis pelo turismo sexual. 36 Sendo o tráfico internacional de mulheres a espécie de tráfico mais praticada entre o tráfico de pessoas, em sua finalidade de exploração sexual, surge como uma das frentes mais lucrativas apresentada pelas organizações criminosas internacionais. Entende-se que quando se fala em Tráfico de Mulheres, refere-se ao tráfico para fim de exploração sexual. Estima-se que o lucro com a atividade do tráfico de pessoas chegue a 13 mil dólares por vítima ao ano, porém, nos casos de tráfico de mulheres para exploração sexual esse quantum alcança os 30 mil dólares. 37 As etapas do tráfico de mulheres são o recrutamento, o transporte e a exploração. O recrutamento pode se dar com o consentimento da vítima ou à força e, nos casos em que a vítima consente, os traficantes financiam a viagem ao exterior, deixando assim as vítimas condicionadas a eles. O transporte pode ser feito de forma legal ou ilegal, e ela pode ou não ser acompanhada pelo traficante durante a viagem. Já a exploração ocorre quando a vítima chega ao local de destino. 38 3.3. O Brasil E O Tráfico Internacional De Mulheres Em 2006, após realização de pesquisa referente ao tráfico de pessoas, o UNODC considerou o Brasil como Estado de alto índice de tráfico de pessoas. 39 36 SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania. O que é tráfico de seres humanos. Disponível em: <http://www.justica.sp.gov.br/novo_site/modulo.asp?modulo=460&cod=51>. Acesso em: 23 out. 2011. 37 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Tráfico de Pessoas para fins de exploração sexual. 2ª ed. Brasília: OIT, 2006. p. 13. Disponível em: <http:// www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/tip/pub/trafico_de_pessoas_384. pdf>. Acesso em: 23 out. 2011. 38 INSTITUTO WINROCK INTERNACIONAL; INSTITUTO LATINOAMERICANO DE DEFESA E PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS (ILADH). Manual de capacitação para o enfretamento ao tráfico de pessoas. Salvador, Bahia, ago. 2010. p. 14. Disponível em: <http://www.winrock.org.br/media/ Manual%20Agentes%20Multiplicadores%20Completo.pdf>. Acesso em: 16 out. 2011. 39 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Tráfico de Pessoas para fins de exploração sexual. 2ª ed. Brasília: OIT, 2006. p. 13. Disponível em: <http:// 173 CadernoUnisal4.indb 173 16/5/2012 17:42:38

CADERNOS JURÍDICOS LAÍS COSTA RAINICHESKI Segundo o INSTITUTO WINROCK INTERNACIONAL, estima-se que existam 70.000 brasileiras sendo vítimas do tráfico para exploração sexual em outros países. 40 Foram mapeadas no Brasil, pela Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial (Pestraf), 131 rotas internacionais do tráfico de mulheres, crianças e adolescentes. As brasileiras recrutadas para o tráfico de pessoas são na maioria dos casos de cidades litorâneas, entre elas Vitória, Salvador, Rio de Janeiro, Fortaleza e Recife. Também são recrutadas em grande número as brasileiras dos estados de São Paulo, Goiás, Pará e Minas Gerais. Entre os principais destinos estão Itália, Portugal, Espanha, Paraguai, Venezuela e República Dominicana. Entre as vítimas brasileiras, as traficadas para fim de exploração sexual são em sua maioria negras e morenas, entre 15 e 27 anos de idade, de baixa renda e com pouca escolaridade. 41 3.4. A Convenção Internacional E O Marco Legal Brasileiro O aditivo da Convenção das Nações Unidas para o Combate ao Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição ao Tráfico de Pessoas é o documento internacional mais recente sobre o assunto, representando um grande passo no combate ao tráfico de pessoas, especialmente o de mulheres e crianças. 42 Após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a questão da discriminação da mulher e do tráfico de mulheres passou a ser mais abordada em novos documentos, implicando no empenho de diversos países no combate à prática do tráfico internacional de mulheres. O Brasil foi um dos países que se engajou no combate ao tráfico. www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/tip/pub/trafico_de_pessoas_384. pdf>. Acesso em: 23 out. 2011. 40 INSTITUTO WINROCK INTERNACIONAL; INSTITUTO LATINOAMERICANO DE DEFESA E PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS (ILADH). Manual de capacitação para o enfretamento ao tráfico de pessoas. Salvador, Bahia, ago. 2010. p. 26. Disponível em: <http://www.winrock.org.br/media/ Manual%20Agentes%20Multiplicadores%20Completo.pdf>. Acesso em: 16 out. 2011. 41 Ibid., p. 27. 42 CUNHA, Danilo Fontele Sampaio. Tráfico Internacional de Mulheres. Revista da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, nº 22, p. 227, 2008. 174 CadernoUnisal4.indb 174 16/5/2012 17:42:38

6 TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES 3.4.1. O Protocolo Das Nações Unidas Contra O Tráfico De Pessoas Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seus artigos I, III, IV e XIII: Art. I - Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Artigo III - Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Art. IV - Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e Art. XIII - Toda pessoa tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a ele regressar. Após a Declaração, os direitos humanos foram universalizados culminando no surgimento de tratados, pactos e convenções internacionais relacionados ao assunto. Seguindo essa direção, o Brasil tornou-se signatário de várias convenções. Logo, em 15 de novembro de 2000 foi adotada a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida como Convenção de Palermo e ratificada pelo Brasil em 12 de março de 2004, através do Decreto nº 5.015. A convenção foi elaborada dentro da lógica da luta global contra o crime organizado, entrou em vigor em 29 de setembro de 2003 e já foi ratificada por 157 países. 43 Tendo em vista que, apesar da existência de instrumentos internacionais com conteúdos relacionados ao combate à exploração de seres humanos, não existia qualquer instrumento que tratasse do tráfico de pessoas. Dessa forma, para combater e prevenir esse tipo de crime, a Convenção foi completada pelo Protocolo relativo à Prevenção, Repressão e Punição ao Tráfico de Pessoas, especialmente o de mulheres e crianças, adotado em Nova York em 15 de novembro de 2000, e ratificado pelo Brasil em 2004, pelo Decreto nº 5.017. 44 43 CRIME organizado gera US$ 119 bi por ano, diz ONU. Veja online. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/crime-organizado-gera-us- 119-bi-por-ano-diz-onu>. Acesso em: 23 out. 2011. 44 BRASIL. Ministério da Justiça. Relatório Final de Execução do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Brasília, 2010. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/data/pages/ MJ02FA3701ITEMID344ACE80B8E24D778D759E4C2D15503EPTBRIE.htm>. Acesso em: 13 maio 2011. 175 CadernoUnisal4.indb 175 16/5/2012 17:42:38

CADERNOS JURÍDICOS LAÍS COSTA RAINICHESKI Posteriormente, através do Decreto nº 5.948, de 26 de outubro de 2006, foi aprovada a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, instituindo ações para o combate ao Tráfico de pessoas. 45 Até esse ano, 142 países já ratificaram o Protocolo, e 128 publicaram leis criminalizando todas as formas do tráfico de seres humanos. 46 O Protocolo representou um avanço fundamental na proteção das vítimas do tráfico internacional de pessoas, reconhecendo a necessidade de especial proteção às mulheres e crianças, uma vez que representam o grupo mais vulnerável ao tráfico e a exploração sexual, bem como as modernas formas de escravidão. 47 Em seu texto, trouxe a definição a partir da qual é possível criminalizar o tráfico, além de também garantir proteção às vítimas. 48 Os objetivos do Protocolo estão descritos no seu artigo 2º: Artigo 2º. Os objetivos do presente Protocolo são os seguintes: a) Prevenir e combater o tráfico de pessoas, prestando uma atenção especial às mulheres e às crianças; b) Proteger e ajudar as vítimas desse tráfico, respeitando plenamente os seus direitos humanos; e c) Promover a cooperação entre os Estados Partes de forma a atingir esses objetivos; 49 45 Ibid. 46 DEPARTAMENTO DE ESTADO DOS EUA. Relatório sobre o tráfico de pessoas. Disponível em: <http://iipdigital.usembassy.gov/st/portuguese/texttrans/2011 /07/20110706114236x0.6291729.html#axzz1cSxL8plo>. Acesso em: 01 nov. 2011. 47 REALE JÚNIOR, MIGUEL; PASCHOAL, JANAÍNA CONCEIÇÃO (Coord.). Mulher e direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 171. 48 CUNHA, DANILO FONTELE SAMPAIO. Tráfico Internacional de Mulheres. Revista da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, nº 22, p. 227, 2008. 49 BRASIL. Decreto n o 5.017, de 12 de março de 2004. Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5017.htm>. Acesso em: 23 out. 2011. 176 CadernoUnisal4.indb 176 16/5/2012 17:42:39

6 TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES Já em seu artigo 3º, o Protocolo trouxe a primeira definição internacionalmente aceita do tráfico de pessoas, a saber: a) A expressão tráfico de pessoas significa o recrutamento, transporte, transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou outras formas de coerção, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravidão, servidão ou a remoção de órgãos; b) O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas, tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea a) do presente Artigo será considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos na alínea a); c) O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma criança para fins de exploração serão considerados tráfico de pessoas mesmo que não envolvam nenhum dos meios referidos da alínea a) do presente Artigo; d) O termo criança significa qualquer pessoa com idade inferior a dezoito anos. 50 Em seu artigo 3º, o Protocolo reconheceu o Estatuto de Roma, de 17 de julho de 1998, que elencou dentre os crimes contra a humanidade de competência do Tribunal Penal Internacional: a agressão sexual, escravatura sexual, gravidez forçada, esterilização forçada, prostituição forçada ou qualquer forma de violência na área sexual de gravidade comparável as citadas anteriormente. Tal Estatuto foi 50 BRASIL. Decreto n o 5.017, de 12 de março de 2004. Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5017.htm>. Acesso em: 23 out. 2011. 177 CadernoUnisal4.indb 177 16/5/2012 17:42:39

CADERNOS JURÍDICOS LAÍS COSTA RAINICHESKI ratificado pelo Brasil em 25 de setembro de 2002, pelo Decreto nº 4.388. 51 3.4.2. A Legislação Nacional O Código Penal Brasileiro de 1890 já tipificava em seu artigo 278 o crime de induzir mulheres, quer abusando de sua fraqueza ou miseria, quer constrangendo-as por intimidações ou ameaças, a empregarem-se no tráfico da prostituição; prestar-lhes, por conta propria ou de outrem, sob sua ou alheia responsabilidade, assistencia, habitação e auxilios, para auferir, directa ou indirectamente, lucros desta especulação. 52 O Código Penal de 1940 tipificou em seu artigo 231 o Tráfico Internacional de Mulheres como promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de mulher que nele venha exercer a prostituição, ou a saída de mulher, que vá exercê-la no estrangeiro. Em 2005 através da Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005, o artigo 231 teve seu texto alterado para Promover, intermediar, ou facilitar a entrada, no território nacional, de pessoa que venha exercer a prostituição ou a saída de pessoa para exercê-la no estrangeiro, passando a ser chamado de Tráfico Internacional de Pessoas. A nova redação teve como objetivo trazer também o indivíduo de sexo masculino como sujeito passivo do crime. Posteriormente, houve nova alteração legislativa, implicando em nova mudança redacional no Código Penal de 1940, promovida pela Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009, cujo artigo 231 passou a se referir ao tráfico internacional de pessoas da seguinte maneira: Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro. Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. 51 CUNHA, DANILO FONTELE SAMPAIO. Tráfico Internacional de Mulheres. Revista da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, nº 22, p. 227, 2008. 52 PIERANGELI, JOSÉ HENRIQUE. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. Bauru/ SP: Javoli, 1980, pp. 300-301. Ortografia original. 178 CadernoUnisal4.indb 178 16/5/2012 17:42:39

6 TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES 1º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a transportá-la, transferi-la ou alojá-la. 2º A pena é aumentada da metade se: I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; cessário discernimento para a prática do ato; III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. aplica-se também multa. A alteração legislativa teve o objetivo de incluir novas formas qualificativas ao crime. 3.4.3. A Legislação Internacional Entre os tratados internacionais relativos ao tráfico de mulheres, destacam-se os seguintes: 53 Em 1904 o Acordo Internacional para a Supressão do Tráfico de Escravas Brancas, que em seus artigos 1º e 3º dizia: Art. 1º Cada um dos Governos contratantes se obriga a nomear ou designar uma autoridade encarregada a reunir todos os dados relativos ao no estrangeiro. Esse funcionário terá a faculdade de corresponder-se diretamente com a repartição similar estabelecida em cada um dos outros Estados contratantes. Art. 3º (...) Os Governos se obrigam, dentro dos limites legais e tanto quan- repatriação, a instituições de assistência pública ou privada ou a particulares que ofereçam as necessárias garantias às vítimas desse trá- 54 53 REALE JÚNIOR, MIGUEL; PASCHOAL, JANAÍNA CONCEIÇÃO (Coord.). Mulher e direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 172. 54 ALENCAR, EMANUELA CARDOSO ONOFRE DE. Tráfico de seres humanos no Brasil: aspectos sociojurídicos o caso do Ceará. 2007. 271 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional, Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2007. p. 98. 179 CadernoUnisal4.indb 179 16/5/2012 17:42:39

CADERNOS JURÍDICOS LAÍS COSTA RAINICHESKI Em 1910 a Convenção Internacional para a Supressão do Tráfico de Escravas Brancas, que em seus artigos 1º e 2º dizia: Art. 1º Qualquer pessoa que, para satisfazer a paixão de outros, tenha contratado, sequestrado ou seduzido, inclusive com seu consentimento, uma mulher ou garota que seja menor, para propósitos imorais, mesmo quando os vários atos que juntos constituem a ofensa foram cometidos em diferentes países, deverá ser punida. Art. 2º Qualquer pessoa que, para satisfazer a paixão de outros, tenha, pela fraude ou pelo uso da violência, engano, abuso de autoridade, ou quaisquer outros meios de constrangimento, contratado, sequestrado ou seduzido uma mulher ou garota maior de idade para propósitos imorais, mesmo quando os vários atos que juntos constituem a ofensa foram cometidos em diferentes países, também deverá ser punida. 55 Em 1921 - Convenção Internacional para a Supressão do Tráfico de Mulheres e Crianças, que em seu artigo 2º dizia: Artigo 2º - Às Partes principais contratantes convém tomar todas as medidas em vista de investigar e punir os indivíduos que se ocupem do tráfico de crianças de um ou de outro sexo, esta infração seja entendida dentro do sentido do artigo primeiro da convenção de 4 de maio de 1910. 56 Foi elaborado o Protocolo de Emenda da Convenção para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças, concluída em Genebra, em 30 de setembro de 1921, e a Convenção para a Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores, concluída em Genebra, a 11 de outubro de 1933. Tais documentos foram elaborados com o intuito de ratificar dispositivos que se referiam à Liga das Nações para que se adaptassem a nova organização a qual estavam ligados. 57 Em 1948, a Declaração Universal dos Direito Humanos, de 10 de dezembro, em seus artigos 3º e 4º declarou: 55 ALENCAR, op. cit., p. 99. 56 ALENCAR, EMANUELA CARDOSO ONOFRE DE. Tráfico de seres humanos no Brasil: aspectos sociojurídicos o caso do Ceará. 2007. 271 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional, Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2007. p. 101. 57 Ibid., p. 102. 180 CadernoUnisal4.indb 180 16/5/2012 17:42:39

6 TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES Artigo III: Toda Pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal... Artigo IV: Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e Em 1966, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, ratificado pelo Brasil em 1992, previu em seus artigos 8º e 9º: Artigo 8º: 1. Ninguém poderá ser submetido à escravidão; a escravidão e Ninguém poderá ser submetido à servidão; Artigo 9º: 1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoal... Em 1966, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que foi ratificado pelo Brasil em 1992, previu em seu artigo 7º, que: Os Estados Membros no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis.... Em 1969, a Convenção Americana de Direitos Humanos em São José da Costa Rica, que foi ratificada pelo Brasil em 1992. Em seu artigo 6º a Convenção declarava: Artigo 6º Proibição da escravidão e da servidão. 1 Ninguém poderá ser submetido à escravidão ou servidão e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as suas formas. Em 1979, a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, que foi ratificada pelo Brasil em 1984, e em seu artigo 1º declarava: ada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo. Em 1988, o Protocolo Adicional à convenção Americana de Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Socias e Culturais, adotado em 17 de novembro do mesmo ano pela Organização dos Estados Americanos, e ratificado pelo Brasil em 1996, previa em seu artigo 6º: 1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, o que inclui a oportunidade de obter os meios para levar uma vida digna e de- 181 CadernoUnisal4.indb 181 16/5/2012 17:42:39

CADERNOS JURÍDICOS LAÍS COSTA RAINICHESKI corosa por meio do desempenho de uma atividade lícita, livremente escolhida ou aceita. Em 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, que em 06 de junho do mesmo ano foi adotada pela Organização dos Estados Americanos, e em 1995 foi ratificada pelo Brasil, sendo chamada de Convenção de Belém do Pará. Em seus artigos 1º, 2º e 3º a Convenção declara: 182 Artigo 1º: Para os efeitos desta Convenção deve-se entender por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público, como no privado. Artigo 2º: Entender-se-á que a violência contra a mulher inclui a violência física, sexual e psicológica: a. que tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica, ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual; b. que tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e que compreenda, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, maus-tratos de pessoas, tráfico de mulheres, prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar, e c. que seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra. Artigo 3º: Toda mulher tem direito a uma vida livre de violência, tanto no âmbito público, como no privado. Em 1988, o Estatuto de Roma, que reconheceu que o tráfico de pessoas, particularmente o de mulheres ou crianças é considerado crime contra a humanidade. Em seu artigo 7º declara: Artigo 7º: Crimes contra a Humanidade a humanidade, qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque: (...) c) Escravidão; CadernoUnisal4.indb 182 16/5/2012 17:42:39

6 TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES (...) e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional; (...) g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; (...) k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental. Em 2000, o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança referente à venda de crianças, à prostituição e à pornografia infantil, que foi promulgado pelo Brasil em 2004. Em seus artigos 1º e 2º prevê: Artigo 1º Os Estados Partes deverão proibir a venda de crianças, a prostituição infan- Artigo 2º uma criança seja transferida por qualquer pessoa ou grupo de pessoas para outra pessoa ou grupo mediante remuneração ou qualquer outra retribuição; dades sexuais mediante remuneração ou qualquer outra retribuição; meio, de uma criança no desempenho de atividades sexuais explícitas reais ou simuladas ou qualquer representação dos órgãos sexuais E em 2000, o Protocolo para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, especialmente mulheres e crianças, que é adicional à Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional. Tal Protocolo contém a primeira definição do tráfico internacional de pessoas aceita mundialmente: Artigo 3º: Para efeitos do presente Protocolo: 183 CadernoUnisal4.indb 183 16/5/2012 17:42:39

CADERNOS JURÍDICOS LAÍS COSTA RAINICHESKI a) A expressão tráfico de pessoas significa o recrutamento, transporte, transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou outras formas de coerção, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravidão, servidão ou à remoção de órgãos; b) O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas, tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea a) do presente Artigo, será considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos na alínea a); c) O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma criança para fins de exploração serão considerados tráfico de pessoas, mesmo que não envolvam nenhum dos meios referidos da alínea a) do presente Artigo; d) O termo criança significa qualquer pessoa com idade inferior a dezoito anos. 58 4. APLICAÇÃO DAS CONVENÇÕES PELO ESTADO BRASILEIRO Em resposta as convenções, o Brasil vem fortalecendo a capacidade no enfrentamento ao tráfico de pessoas, através da cooperação técnica do Ministério da Justiça com o Escritório das Nações Unidas para o Combate às Drogas e ao Crime (UNODC) e também da criação da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e o do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. 58 BRASIL. Decreto no 5.017, de 12 de março de 2004. Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ ato2004-2006/2004/decreto/d5017.htm>. Acesso em: 23 out. 2011. 184 CadernoUnisal4.indb 184 16/5/2012 17:42:39