O CUIDAR E O EDUCAR: UMA RELAÇÃO INDISSOCIÁVEL



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Transcrição:

O CUIDAR E O EDUCAR: UMA RELAÇÃO INDISSOCIÁVEL Aristeo Gonçalves Leite Filho Juliana Carvalho Saraiva de Souza Resumo: O presente trabalho é sobre a importância da relação Cuidar e Educar no ambiente da creche e foi elaborado com base na observação na Creche Institucional Doutor Paulo Niemeyer, no Rio de Janeiro, onde realizo meu trabalho de campo - Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID). Tem por objetivo discutir como tal relação muita das vezes na creche vem sendo pensada de maneira polarizada: Há quem é atribuído o papel de cuidar e quem tem a função de educar, gerando assim a concepção de que estas ações são possíveis de acontecer em separado. Contudo, ao cuidar não está necessariamente educando e ao educar não se está cuidando? A partir deste questionamento, este trabalho pretende debater a relação entre cuidar e educar como sendo uma relação indissociável e como esta ideia dicotômica entre cuidar e educar foi constituído historicamente, além de identificar perspectivas de superação da concepção difusa entre estes. Para tal, serão utilizadas as reflexões de Paschoal e Machado, em A história da educação infantil no Brasil: avanços, retrocessos e desafios dessa modalidade educacional ; Guimarães, em No contexto da creche, o cuidado como ética e a potência dos bebês ; Azevedo Schnetzler em Formação inicial de profissionais de educação infantil: Desmistificando a separação cuidar-educar e em O binômio cuidar-educar na educação infantil e a formação inicial de seus profissionais O Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil. Palavras Chaves: Cuidar- Educar- Creche Introdução O presente trabalho tem por objetivo discutir a relação cuidar e educar na creche como sendo uma relação indissociável e foi elaborado com base nas observações e registro etnográfico da creche Institucional Doutor Paulo Niemeyer na qual realizamos o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID). Partindo do contexto histórico de criação das creches que inicialmente tinham um cunho assistencialista e de guarda e passaram gradativamente a incorporar elementos ditos pedagógicos, é possível compreender como a tensão cuidar/ educar se estabeleceu e como essa concepção ainda é presente e tem influência direta nas práticas da creche, como exemplo, a diferenciação de função atribuída aos profissionais de acordo com a formação. Assim o cuidar entendido como de menor valor é função dos profissionais com menor formação e o educar com os profissionais de formação específica, isso gera inclusive uma divisão de momentos na rotina da creche: hora para o cuidar, hora para educar.

2 Entretanto, este trabalho propõe que esta relação não é passível de acontecer em separado, pois enquanto está havendo um, necessariamente está ocorrendo o outro. Desta forma, os profissionais devem realizar um trabalho integrado entre o cuidar e educar, pois este tem influência direta na relação entre os próprios profissionais e no desenvolvimento da criança, como observado na Creche Institucional Doutor Paulo Niemeyer. 1. Contexto Histórico Para compreender de que forma o binômio cuidar e educar se estabeleceu, se faz necessário conhecer a priori como a criação e disseminação das creches ocorreu. Buscamos em um breve histórico apontar como a mudança no modo de produção influenciou o surgimento dessas instituições na Europa e Estados Unidos e como as transformações sociais foram ao longo das décadas modificando o modo de concepção da creche. Até sua chegada e transformações sofridas aqui no Brasil. A partir da passagem do feudalismo para o capitalismo, a Europa viu seu modo de produção ser transformado: de doméstico para fabril. Com esta reorganização a mulher passou a encontrar novos espaços de atuação para além de seus lares, as fábricas foram um espaço privilegiado da proliferação desta mão de obra. Como consequência, a forma da família cuidar e educar seus filhos também foi modificada. Com as longas jornadas de trabalho nas fábricas, o cuidar e educar, até então obrigação unicamente das famílias e principalmente das mães, teve que encontrar novos espaços para ocorrer. Surgiram então as mães mercenárias, estas abrigavam e cuidavam dos filhos das mães operárias. Por efeito, houve um crescente quadro de mazelas e maus tratos as crianças, sendo naturalizados e aceitos pela sociedade de modo geral. Algumas pessoas se incodomadaram profundamente com este quadro e por filantropia resolveram acolher essas crianças. Desta forma, surgem as primeiras instituições na Europa e Estados Unidos com objetivo de cuidar e proteger as crianças enquanto as mães saíam para o trabalho. Estas instituições tinham como função a guarda, higiene pessoal e cuidados físicos das crianças, demonstrando assim um forte caráter assistencialista. Entretanto, PASCHOAL e MACHADO (2009, p. 81) destacam o fato que algumas dessas instituições para além do seu caráter assistencialista, buscaram incorporar o aspecto pedagógico em suas práticas com as crianças, com exemplos: A Escola de

3 Principiantes ou Escola de tricotar, criada pelo pastor Oberlin na França em 1769, para crianças de dois a seis anos de idade; A Escola de Robert Owen na Escócia que foi criada em 1816 para atender crianças a partir de dezoito meses; A sala de Asilo Francesa, até a criação do Jardim de Infância por Frobel. Em comum, em todas as instituições citadas, para além do cuidar estava fortemente ligada à perspectiva do educar e este educar estava relacionado ao desenvolvimento da inteligência e dos bons costumes na criança. No Brasil, a creche chega predominantemente com o caráter assistencialista, o que como visto já estava modificando-se nos países Europeus e Norte-americano, pois já incluíam o caráter pedagógico nessas instituições. Como fatores que contribuíram para o surgimento dessas instituições no Brasil, pode-se citar: O acolhimento de órfãos abandonados; Necessidade de um local para acolhimento dos filhos das mulheres que trabalhavam fora de casa e as viúvas desamparadas; Além dos altos índices de mortalidade infantil, desnutrição generalizada e o grande número de acidentes doméstico. Tais fatores fizeram com que religiosos, empresários e educadores pensassem em um espaço para cuidar dessas crianças fora do seu ambiente familiar. Outro motivo importante que contribui para a ampliação de creches no Brasil foram os movimentos operários nos grandes centros urbanos brasileiros. Estes reivindicavam melhores condições de trabalho e nestas reinvindicações estava incluso a criação de instituições de educação e cuidados para os filhos das mães operárias que a esta altura lotavam as fábricas brasileiras. Com a expansão das creches KRAMMER (1995) apud PASCHOAL e MACHADO (2009, p. 84) aponta para o fato de iniciar uma diferenciação na configuração das instituições de acordo com a classe social atendida: Enquanto as instituições públicas atendiam às crianças das camadas mais populares, as propostas das particulares, de cunho pedagógico, funcionavam em meio turno, dando ênfase à socialização e à preparação para o ensino regular. Nota-se que as crianças das diferentes classes sociais eram submetidas a contextos de desenvolvimento diferentes, já que, enquanto as crianças das classes menos favorecidas eram atendidas com propostas de trabalho que partiam de uma idéia de carência e deficiência, as crianças das classes sociais mais abastadas recebiam uma educação que privilegiava a criatividade e a sociabilidade infantil. Com a preocupação atendimento a todas as crianças, independente da sua classe social, iniciou-se um processo de regulamentação desse trabalho no âmbito da legislação.

4 Porém, foi somente com a Carta Constitucional de 1988, no artigo 208, inciso IV, que foi efetivado o dever do Estado em oferecer a criança a uma educação de qualidade desde o nascimento:... atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; (BRASIL, 1988). Fruto de muitas lutas de pesquisadores da área da infância, comunidade acadêmica, população civil dentre outros. Esta lei proporcionou um grande revés, visto que as creches até então atribuídas aos órgãos de desenvolvimento social, passaram a pertencer à educação e, além disso, tornou-se dever do Estado fornecer acesso a todas as crianças. Assim essas instituições ganharam novas obrigações para além do assistencialismo, o papel educacional. A partir dessa perspectiva histórica é possível demonstrar como esta tensão entre cuidar e educar se fez presente ao longo da história das creches. Inicialmente com a criação dessas instituições na Europa e Estados Unidos, e após com sua chegada ao Brasil, onde a tensão também se estabeleceu. No princípio com um caráter fortemente assistencialista, algumas creches buscavam aliar aos cuidados os aspectos pedagógicos, o que foi se disseminado gradativamente ao longo da história. Nota-se, portanto que esta visão conflitante entre cuidar e educar ocorreu desde os primórdios dessas instituições, algumas só cuidavam, outras cuidavam e educavam como se fosse possível haver a dissociação entre estes. E esta concepção ainda se faz presente até os dias de hoje. 2. Divisão de Tarefas Como visto, foi construída historicamente uma relação difusa entre cuidar e educar, ideia arraigada nas práticas de muitas creches até os dias atuais. E como uma das consequências dessa relação difusa, pode-se apontar a relação entre os profissionais que atuam neste ambiente, que na grande maioria das instituições dividem suas funções em relação à criança: Os que fazem o papel de educar, e os que têm a função de cuidar. Este fato pode ser atribuído às mudanças na concepção de como deveria ser o ambiente das creches, pois mudou-se também as exigências quanto ao profissional para atuar com estas crianças em diferentes épocas, como aponta AZEVEDO e SCHNETZLER (2005, p. 4) Se no início pensava apenas em cuidar delas, mas tarde propôs educa-la, em resposta as transformações e exigências políticas que se faziam, provocando uma dicotomia nesse atendimento em termos sociais".

5 Essa dicotomia assistência/educação contribui para a criação de dois tipos de profissionais no ambiente da creche, os que cuidam da criança, denominados auxiliares, que são responsáveis pela higiene, alimentação, vigilância e os que muito das vezes tendo formação pedagógica desenvolvem o trabalho educativo, sendo esses os professores. Desta forma, fica a cargo dos auxiliares o cuidar e dos professores o educar, como se a criança fosse um ser passível de divisão na qual essas funções só ocorressem isoladamente. O cuidar e educar não podem ser compreendidos como duas coisas em separado, passíveis de acontecer só um ou outro. Ao contrário, eles coexistem, enquanto se educa necessariamente está cuidando e quando cuida necessariamente está se educando. Compreendido desta fora a relação cuidar/educar não tem como ocorre essa separação de funções, logo não há razão para haver determinado profissional responsável por cuidar e outro por educar. O profissional que trabalha na creche tem que atender as necessidades ligadas ao cuidar e educar de forma integrada. Contudo implementar este conceito ainda é encarado como um desafio, pois devido a diferente formação dos profissionais acontece uma hierarquização de tarefas. Atribui-se assim para os profissionais de menor formação o cuidado... Compreendido como a face negativa da assistência, porque ligado as tarefas domésticas e femininas, desqualificadas em nossa cultura ocidental. (GUIMARÃES, 2008, p.2) e aos profissionais com formação específica fica destinado o trabalho pedagógico de desenvolvimento de atividades e planejamento. Assim sendo, aparentemente cada profissional tem sua função, uns de cuidar, outros de educar. Isto acaba por gerar uma postura em que os profissionais responsáveis por cuidar não compreendem o educar como sua função, e os outros profissionais, por sua vez, não entendem o cuidar como seu papel, gerando assim uma polarização entre as funções e os profissionais. Mas, afinal, quando está se cuidando não está necessariamente se educando? E quando se educa, não está necessariamente cuidando? Um está associado ao outro e não tem como ocorrer em separado, por esta razão a necessidade de integração de ações dos profissionais tem atuam junto às crianças, assim tem que se considerar...o duplo objetivo de educar-cuidar, dois lados inerentes às ações dos seus profissionais. Não se trata de inverter prioridades, mas sim de conjugá-las, forjando um novo conceito de educação infantil como espaço de educação e cuidados ou atenção. (KRAMER, 1994, p. 73 apud AZEVEDO e SCHNETZLER 2005, p. 7).

6 3. Cuidar para crianças pequenas, Educar para grandes. A criança por muito tempo foi pensada como ser em devir, que um dia virá a ser algo, não como já sendo. Esta concepção ainda é muito presente em nossa sociedade e as práticas na creche não fogem a isto. Este fato é facilmente comprovado ao observar as práticas e falas no interior destas instituições. Quando, por exemplo, questiona-se a respeito do trabalho realizado com os bebês não é incomum receber resposta do tipo É muito difícil fazer qualquer atividade porque eles não sabem ou Não tem o que fazer com eles para além dos cuidados estas falas demonstram uma concepção de criança que não sabe nada, incapaz de aprender por ter pouca idade ou por não saber falar, andar. Assim, até mesmo alguns dos profissionais que atuam junto a essas crianças acreditam que não há como desenvolver nenhum trabalho junto a elas, e quando são levadas, algumas propostas restringem-se muitas das vezes a atos mecânicos, feitos rápidos com objetivo de colocar no mural ou ser entregue aos pais, por exemplo. Acreditando que sua função ali é cuidar e resolver conflitos, com ações educativas pontuais. Contudo, o próprio Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil defini objetivos para o trabalho com crianças de zero a seis anos: experimentar e utilizar os recursos de que dispõem para a satisfação de suas necessidades essenciais, expressando seus desejos, sentimentos, vontades e desagrados, e agindo com progressiva autonomia; familiarizar-se com a imagem do próprio corpo, conhecendo progressivamente seus limites, sua unidade e as sensações que ele produz; interessar-se progressivamente pelo cuidado com o próprio corpo, executando ações simples relacionadas à saúde e higiene; brincar; relacionar-se progressivamente com mais crianças, com seus professores e com demais profissionais da instituição, demonstrando suas necessidades e interesses. (MEC, 1998, P.27) Desta forma, o RCNEI aponta ações que precisam ser desenvolvidas junto às crianças, superando o estigma de que não há como desenvolver nenhum trabalho com crianças pequenas. Contudo não é transformar as práticas da creche em práticas escolares, nem transformar a creche em escolinha. Estes são extremos que demonstram uma

7 concepção de criança como ser em devir. Mas é pensar uma criança... muito além dos aspectos dos cuidados, porque ela é rica em conhecimento, cultura, criatividade e está em constante desenvolvimento (MIGUEL, falta o ano, p. 5) é considerá-la como um ser que deve ser assistido integralmente, portanto não tem razão a separação entre o cuidado e a educação. 4. Hora para Cuidar, Hora para Educar Aspecto comum na rotina das creches e que demonstra como a separação entre cuidar e educar é presente é a divisão do tempo: hora para os cuidados e hora para o educar. Assim sendo, o cuidar e o educar se encontram polarizados e... a associação entre esses dois termos acaba por produzir uma dualidade: educar como instruir ou ensinar; e cuidar como dar conta da rotina. (GUIMARÃES, 2008, p. 2). Desta forma, a professora é responsável pelos ditos trabalhos pedagógicos e as auxiliares pelos cuidados. Cada qual cumpre sua função no momento determinado para tal. Construindo uma separação de momentos entre cuidar/educar. Entretanto, se pensado de maneira indissociável, como este trabalho propõe, não tem finalidade profissionais com atribuição específica de cuidar ou educar nem a divisão de momentos para um ou outro. Estes devem ocorrer de forma integrada, para tal se faz necessário pensar o cuidar e o educar como dimensões indissociáveis de todas as ações do professor de Educação Infantil, em especial dos que atuam nas creches. O Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil aponta como a troca de fraldas, por exemplo, deve ser um momento rico de troca entre o professor e a criança: A organização do ambiente e o planejamento dos cuidados e das atividades com o grupo de bebês deve permitir um contato individual mais prolongado com cada criança. Enquanto executa os procedimentos de troca, é aconselhável que o professor observe e corresponda aos sorrisos, conversas, gestos e movimentos da criança. (MEC, 1998, P.58) Não se trata de pedagogizar tais ações, mas considerá-las para além de dar conta da rotina, mas momentos em que se estabelecem trocas importantes entre o educador e a criança é são fundamentais para seu desenvolvimento. Desta forma, trocar fraldas, receber o aluno ou brincar com ele são consideradas ações educativas e fazem parte do ambiente educacional (DUARTE, 2014, p. 59).

8 5. Experiência Formativa O presente trabalho foi elaborado por meio de registro etnográfico realizado na creche Institucional Doutor Paulo Niemeyer a qual realizamos o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID). A creche atende crianças entre 1 a 6 anos de idade, do berçário à Pré Escola II. Nesta creche é possível comprovar como um trabalho integrado entre professores e auxiliares é passível de acontecer na prática. Não há separação entre as funções de cuidar e educar, sendo inclusive imperceptível em um primeiro momento quem é educador, quem é auxiliar. Exemplos de como ocorre o trabalho integrado entre cuidar e educar nesta instituição: Em algumas turmas, como o berçário, há uma escala com todos da equipe para ficar na troca de fraldas e no banho. As reuniões pedagógicas ocorrem todas as quartas-feiras com a coordenadora pedagógica e um representante de cada turma, este representante é um membro da equipe, independente de professor ou auxiliar. Além disso, o planejamento, diário de bordo e escolha de projeto são feitos por toda a equipe em conjunto. Este relacionamento integrado entre professores e auxiliares tem impacto direto sobre as crianças, pois a ação conjunta possibilita agir de modo articulado e compreender a criança como um ser integral e não passível de divisão e além, possibilita refletir junto sobre as ações e processos da criança. Considerações Finais Este trabalho buscou apresentar de que forma a relação difusa entre cuidar e educar se estabeleceu, desde a criação até as transformações que a creche sofreu ao longo do tempo até se transformar em agência de educação, e como esses desdobramentos tem influência direta nas práticas de cuidar e educar que hoje ocorrem nessas instituições. Práticas estas, como visto ao decorrer do presente trabalho, que muitas das vezes compreendem o cuidar e educar de forma dissociada. Ao longo do trabalho buscamos apontar que embora muitas das vezes esteja presente no discurso e nas práticas dos profissionais a dissociação entre o cuidar e o educar, estes coexistem e não podem acontecer em separado.

9 Neste sentido, as instituições de Educação Infantil (creches e préescolas) integram as funções de educar e cuidar, comprometidas com o desenvolvimento integral da criança nos aspectos físico, intelectual, afetivo e social, compreendendo a criança como um ser total, completo, que aprende a ser e conviver consigo mesmo, com o seu semelhante, com o ambiente que a cerca de maneira articulada e gradual. (MIGUEL, falta o ano ainda, p.3) Portanto, se faz necessário a reflexão do cuidar e educar como práticas indissociáveis, na busca de proporcionar uma educação de qualidade e que possibilite o desenvolvimento integral da criança. Na tentativa da superação da constante tensão entre cuidar e educar, ainda tão presente nos dias atuais, apontamos alguns aspectos que consideramos de suma importância para a superação de tal, são eles: 1- Formação específica para todos os profissionais que atuem com a criança e formação continuada; 2- Não haver distinção salarial entre auxiliares e professores, nem tal distinção de nomenclatura; 3- Não ocorre a separação de tarefas entre quem vai cuidar e educar, mas ocorre uma atuação compartilhada entre os profissionais; 4- Ação conjunta entre os profissionais, onde todos, indistintamente, participem da elaboração dos projetos, planejamentos, reuniões, ocorrendo assim uma ação compartilhada entre todos os profissionais; Referências Bibliográficas AZEVEDO, Heloisa Helena Oliveira de; SCHNETZLER, Roseli Pacheco. O binômio cuidar-educar e a formação inicial de profissionais de educação infantil. In: Anais da 28ª Reunião Anual da ANPED. Caxambu, 2005.. Formação Inicial de Profissionais de Educação Infantil: Desmistificando a separação cuidar-educar. In: Anais da VII Encontro de Pesquisa da Região Sudeste (ANPED/Sudeste), Belo Horizonte/MG, 2005. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988, 305 p.. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Vol. II, Brasília: MEC/SEF, 1998. DUARTE, Juliana. TRABALHO EM DUPLA. In: Revista Educação Infantil. São Paulo, n.10, jul./ ago./ set. 2014, p. 58-61.

10 GUIMARÃES, Daniela de Oliveira. No contexto da creche, o cuidado como ética e a potência dos bebês. In: Anais da 31ª Reunião Anual da ANPED, Caxambu, 2008. MACHADO, Maria Cristina Gomes; PASCHOAL, Jaqueline Delgado. A história da educação infantil no brasil: avanços, retrocessos e desafios dessa modalidade educacional. In: Revista HISTEDBR On-line. Campinas, n.33, mar. 2009, p.78-95. MIGUEL, Ana Silvia Bergantini. CUIDAR E EDUCAR : Um Novo Olhar Para A Educação Infantil. Disponível em: http://www.unifafibe.com.br/revistasonline/arquivos/revistafafibeonline/sumario/9/1805 2011155019.pdf; Acesso 20 de julho de 2014.