MEMÓRIAS LUIZ OTÁVIO DE SEIXAS QUEIROZ: UM PIONEIRO DA ANÁLISE DO COMPORTAMENTO NO BRASIL



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Transcrição:

REVISTA BRASILEIRA DE ANÁLISE DO COMPORTAMENTO / BRAZILIAN JOURNAL OF BEHAVIOR ANALYSIS, 2005, VOL.1 N O. 2, 269-273 MEMÓRIAS LUIZ OTÁVIO DE SEIXAS QUEIROZ: UM PIONEIRO DA ANÁLISE DO COMPORTAMENTO NO BRASIL LUIZ OTÁVIO DE SEIXAS QUEIROZ: A PIONEER OF THE ANALYSIS OF BEHAVIOR IN BRAZIL CECILIA GUARNIERI BATISTA 1, ELENICE A. DE MORAES FERRARI UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS, BRASIL & DIANA TOSELLO LALONI PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS, BRASIL RESUMO O presente texto relata fatos e comentários que caracterizam Luiz Otávio Seixas de Queiroz (1938-2003) como um dos pioneiros da análise do comportamento no Brasil. Enfatiza-se a importância do âmbito de ação da sua atuação profissional, que abrangeu a instalação do curso de Psicologia com sistema de ensino programado individualizado na Universidade de Brasília e do Laboratório de Análise Experimental do Comportamento na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, a formação de alunos, e a aplicação de princípios de análise comportamental à clínica e ao trabalho em hospital psiquiátrico. Como professor, pesquisador e clínico, estabeleceu as contingências efetivas para a formação de várias gerações de analistas do comportamento. Palavras-chave: Luiz Otávio de Seixas Queiroz, psicologia clínica, análise comportamental aplicada, analista do comportamento. ABSTRACT This paper examines issues relating to the work of Luiz Otávio Seixas de Queiroz (1938-2003), a pioneer of the experimental analysis of behavior in Brazil. Emphasis is given to the wide ranging influence of his work, including participation in the institution of the personalized system of teaching in the Psychology course at the University of Brasilia, the Laboratory of the Experimental Analysis of Behavior in the Pontificate Catholic University of Campinas, undergraduate teaching and utilization of applied behavioral analysis in the psychological clinic and to routines in a psychiatric hospital. His work as an educator, researcher and clinician was effective for shaping and maintaining several generations of behavior analysts. Key words: Luiz Otávio de Seixas Queiroz, clinical psychology, applied behavior analysis, behavior analyst Luiz Otávio de Seixas Queiroz (1938-2003), psicólogo, Doutor em Ciências pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, foi um pioneiro da Análise do Comportamento no Brasil, seja na implantação de cursos e na montagem de laboratórios de ensino dos princípios do comportamento, seja na formação de alunos como pesquisadores e na aplicação de princípios comportamentais à clínica e ao trabalho em hospital psiquiátrico. Foi aluno da segunda turma do curso de Psicologia da USP, o primeiro curso de graduação em Psicologia implantado no Brasil. Nesse curso, teve os primeiros contatos com a aná- 1 Endereço para correspondência: Cecília Guarnieri Batista, CEPRE FCM Unicamp, Rua Tessália Vieira de Camargo, 126. CP 6111, Bairro Barão Geraldo, Cep.13084-971 Campinas, SP, e-mail: cecigb@fcm.unicamp.br 269

LUIZ OTÁVIO DE SEIXAS QUEIROZ: UM PIONEIRO lise experimental do comportamento, por meio dos ensinamentos dos professores Fred S. Keller, Carolina M. Bori, Rodolfo Azzi e Maria Amélia Matos, entre outros (Matos, 1996). Ainda como aluno de graduação, foi convidado pela professora Dra. Carolina M. Bori para, juntamente com outros colegas, transferir-se para a então nascente Universidade de Brasília, DF (UnB) e atuar como membro da equipe que iniciaria uma experiência pioneira no Brasil (Keller, 1983, 1987, 1996a; Todorov, 1997; Todorov, 2003). O curso de Psicologia da UnB foi estruturado com a participação de vários professores norte-americanos que colaboraram na implantação do ensino da análise experimental do comportamento (AEC). Nessa universidade foi ministrado no Brasil, pela primeira vez, um curso utilizando o Sistema de Ensino Programado Individualizado, elaborado pelos professores Fred S. Keller, Carolina M. Bori, Rodolfo Azzi e Gilmour Sherman (Keller, 1968; Keller, 1996b). Luiz Otávio atuou como monitor nesse curso, e sempre relatava o fato, com muito orgulho, para seus alunos. Os projetos da nascente UnB foram devastados pelos acontecimentos políticos decorrentes da ditadura militar de 1964, os quais culminaram com a demissão coletiva da maioria de seus professores. Retornando a São Paulo, Luiz Otávio foi docente do curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro (atual Unesp), onde, em pouco tempo de trabalho, entusiasmou muitos alunos para o estudo e a pesquisa em análise experimental do comportamento. Em 1966, foi admitido como professor da então UCC (Universidade Católica de Campinas), que iniciara seu curso de Psicologia em 1965. Nessa universidade, teve papel importante, em várias instâncias. Como docente da UCC deveria ministrar a disciplina de Psicologia Experimental, porém, logo no início foi informado de que a Universidade, preocupada em propor um curso de alto nível, havia importado da Itália os equipamentos para o laboratório de Psicologia experimental, os quais tardavam a chegar. Luiz Otávio, então, iniciou o ensino da psicologia experimental sem contar com esse material. Tendo em vista os sucessivos atrasos na chegada do equipamento, propôs a aquisição de caixas de condicionamento operante da FUNBEC (caixas de Skinner) e montou, assim, o Laboratório de Psicologia Experimental da UCC, posteriormente denominado de Laboratório de Análise Experimental do Comportamento. Essa montagem envolveu uma série de providências inéditas na Universidade, como a instalação de um biotério de ratos que seriam utilizados como sujeitos experimentais pelos alunos. Cada aluno dispunha de um animal para a realização de uma série completa dos experimentos didáticos e demonstrativos dos princípios comportamentais da AEC, ao longo de um ano letivo. Todo o curso era ministrado no Sistema de Ensino Programado Individualizado, o que demandou esforços didáticos (como o treinamento de monitores), e administrativos (como a alocação de salas para as diferentes atividades envolvidas nessa modalidade de ensino). O sistema foi alvo de críticas pela administração superior da Universidade, devido a seu procedimento de avaliação, que não previa notas em provas tradicionais, e sim a aprovação do aluno ao final da execução de todos os passos. Luiz Otávio conseguiu resolver o impasse, com pequenas modificações que não alteravam a essência do sistema. Essa foi uma característica observada nas várias situações em que ele liderou a implantação de propostas novas: adaptá- 270

C. G. BATISTA ET AL las ao contexto, sem perder de vista suas características centrais. O conteúdo do ensino de Psicologia Experimental foi organizado em três disciplinas anuais, a saber: (a) Psicologia Experimental I, ministrada a alunos do 2º ano de Psicologia, na qual eram ensinados os princípios básicos e desenvolvidos os exercícios de laboratório sobre condicionamento operante com ratos; (b) Psicologia Experimental II, ministrada a alunos do 3º ano, na qual eram abordados estudos do comportamento humano, com leitura e discussão de estudos experimentais realizados com humanos; e (c) Psicologia Experimental III, oferecida a alunos do 4º ano, centralizada na ampliação das discussões sobre comportamento humano, com a apresentação e discussão de exemplos de análise aplicada. Entre os textos utilizados, havia muitos que não estavam publicados em português, e que eram apresentados, ora em apostilas recém traduzidas, ora no original em inglês (inclusive o livro de B.F. Skinner, Ciência e Comportamento Humano ). Quando a primeira turma de Psicologia chegou ao 5º ano, a grande maioria dos alunos manifestou interesse em aplicar os conceitos da análise do comportamento na clínica. Luiz Otávio criou, então, a supervisão de estágio em Modificação de Comportamento, sendo um pioneiro na formação do Terapeuta Comportamental nos cursos de Psicologia no Brasil. Como diretor do Instituto de Psicologia, Luiz Otávio mostrou dinamismo na implantação do curso, buscando professores qualificados, muitos de São Paulo, de modo a atender às múltiplas necessidades de um currículo bastante diversificado. Para o planejamento e acompanhamento do projeto do Curso de Formação de Psicólogos (5º ano), que funcionou pela primeira vez em 1969, propôs uma Comissão Paritária, a primeira da PUC-Campinas, com professores de diferentes orientações teóricas e com igual número de alunos. A Comissão começou seus trabalhos em 1968, e se reunia semanalmente, muitas vezes em São Paulo, onde residia a maioria dos professores. Movida pelo entusiasmo e idealismo, a Comissão não recebia qualquer ajuda da Universidade. Contudo, surgiram problemas com a administração superior quando ele insistiu na Comissão Paritária, que não foi reconhecida oficialmente. Em agosto de 1969, após uma longa crise na PUC-Campinas, ocorreu a demissão coletiva de 40 professores do Instituto de Psicologia e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, vários deles em postos de direção e coordenação, incluindo Luiz Otávio. A partir de então, ele passou a atuar principalmente em clínica particular, criando o Instituto do Comportamento em Campinas, SP. No Instituto atuavam diferentes profissionais de psicologia e pedagogia, que ofereciam atendimento a crianças e adultos. Paralelamente à atividade clínica, Luiz Otávio manteve atividades de formação, promovendo grupos de estudo e supervisão, atividade essa que deu início à formação de terapeutas comportamentais, fora dos muros da Universidade. Eram oferecidos estágios a estudantes de graduação, e realizados encontros de discussão e formação de terapeutas comportamentais, provenientes de várias cidades do estado. Cabe destacar que tais atividades constituíram o ponto de partida para a criação, em 1975, da Associação de Modificação do Comportamento, a primeira sociedade científica do Brasil voltada para a Análise Aplicada do Comportamento. 271

LUIZ OTÁVIO DE SEIXAS QUEIROZ: UM PIONEIRO No início da década de 70, Luiz Otávio teve mais uma breve experiência docente, ao participar da elaboração das disciplinas da área da Terapia Comportamental, que começavam a ser oferecidas no curso de graduação da PUC-SP. Nessa mesma época, novamente a capacidade criativa e entusiasta de Luiz Otávio é focalizada num trabalho pioneiro em uma enfermaria psiquiátrica de pacientes crônicos, a maioria com muitos anos de internação, no Instituto Bairral de Psiquiatria, em Itapira, SP. Tratava-se de uma experiência ímpar, em que adaptou para a realidade brasileira um sistema de economia de fichas (token economy) em uma ala de 50 pacientes crônicos, fundamentado em trabalhos norte-americanos recém- publicados. A realização do trabalho no Instituto Bairral representou a implantação de um projeto integrado de pesquisa e intervenção, envolvendo dois psicólogos contratados (alunos recém-formados da PUC-Campinas), os médicos psiquiatras responsáveis pela ala, os atendentes de enfermagem e os estagiários de Psicologia. De uma enfermaria com pacientes crônicos, que tinha rotinas pré-estabelecidas, administradas, principalmente, por atendentes com baixo nível de instrução, passou-se à realização de um projeto que envolvia oficinas de trabalho e reorganização das atividades dos pacientes. Mais uma vez, a tarefa envolveu providências técnicas, como o treinamento da enfermagem, a estruturação de um sistema de registro e de programação de controle por contingências de reforço operante. Somaram-se a isso todos os esforços no sentido de implementar as providências administrativas que garantissem a infra-estrutura necessária para a efetivação do programa. O programa obteve resultados positivos, que incluíram a instalação e o fortalecimento de repertórios comportamentais que permitiam a participação ativa de pacientes, usualmente apáticos, em várias atividades de trabalho, autocuidados e lazer. O relato parcial dessas atividades resultou em sua tese de doutorado, defendida em 1973 no Instituto de Psicologia da USP (Queiroz, 1973). Além disso, sua experiência em Terapia Comportamental foi relatada em congressos nacionais e internacionais e também publicada em periódico científico especializado (Queiroz, 1981). Luiz Otávio destacou-se por sua habilidade no estabelecimento de condições motivadoras para e de reforço da busca de conhecimento e da aquisição de repertórios eficazes para a análise do comportamento. Estabeleceu os fundamentos da formação de várias gerações de estudiosos do comportamento. A convivência com ele não resultava apenas em aprendizagem de princípios e conceitos comportamentais, mas também na reflexão sobre as implicações desses princípios na vida pessoal, na sociedade e nos conflitos sociais, políticos e culturais que explodiram nos anos sessenta. Era uma época de transformação social mundial e ele sabia conduzir, como poucos, a análise crítica das implicações da mudança dos valores e das regras nas ações humanas. Ele questionava e levava ao questionamento. A sua influência deverá se manter viva ainda por muito tempo. É lamentável que, devido à história de repressão nos anos 60, a universidade brasileira tenha perdido o trabalho desse mestre e, dessa forma, outras gerações tenham sido privadas da sua influente ação acadêmica. Sem dúvida, Luiz Otávio foi sempre um exemplo de liderança, especialmente de fomento a ações coletivas ligadas à renovação de estruturas. Como presidente do CRP-São Paulo de 1980 a 1982, propôs a discussão do papel 272

C. G. BATISTA ET AL dos Conselhos Profissionais, centrado no incentivo à formação do psicólogo, ao invés do enfoque na aplicação de sanções. Destacouse por uma postura de busca de ações cooperativas, e de reconhecimento do mérito de colegas, antigos professores e de alunos. Buscava uma compreensão profunda dos fundamentos teóricos e metodológicos das ações, e não apenas a replicação, sem reflexão, de trabalhos realizados em contextos econômicos e culturais diversos da realidade brasileira. Sua influência e sua ação formadora são atestadas por inúmeros profissionais que hoje atuam expressivamente tanto no âmbito da docência em universidades ou da prática clínica, os quais sem dúvida lastimam, a sua ausência e reverenciam a sua memória. REFERÊNCIAS Keller, F.S. (1968). Good-bye, teacher... Journal of Applied Behavior Analysis, 1, 79-89. Keller, F.S. (1983). Imagens da vida de um professor. Psicologia, 9, 1-18. (Reproduzido em Psicologia: Teoria e Pesquisa, 1996, 12, 05-10, sem as fotos e as figuras do original). Keller, F.S. (1987). O nascer de um departamento. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 3, 198-205. Keller, F.S. (1996a). What happened to the Brasília Plan in the United States? Psicologia: Teoria e Pesquisa, 12, 115-119. Keller, F.S. (1996b). Report on the Brasilia Plan. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 12, 193-197. Matos, M. A. (1996). Contingências para a análise comportamental no Brasil: Fred S. Keller. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 12, 107-111. Queiroz, L.O.S. (1973). Modificação de comportamento numa ala de pacientes crônicos utilizando sistema de economia de fichas. Controle das respostas de higiene matinal através de instruções orais e esmaecimento. Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Queiroz, L.O.S. (1981). A functional analysis of obsessive-compulsive problems with related therapeutic procedures. Behavior Research and Therapy,19, 377-388. Todorov, J. C. (2003). Science and Human Behavior translated into portuguese: Ciência e Comportamento Humano. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 80, 341-343. Todorov, M.S.R. (1997). A Psicologia na Universidade de Brasília de 1963, criação do primeiro departamento, até 1986 quando foi criado o Instituto de Psicologia. Brasília: CEDOC UnB. 273

ANNOUNCEMENT THINK TANK ON METACONTINGENCIES AND CULTURAL ANALYSIS Association for Behavior Analysis International (ABA), Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental (ABPMC, ABA-Brazil) and Instituto Brasilense de Análise do Comportamento (IBAC) promoted the event Think Tank on Metacontingencies and Cultural Analysis in Campinas, São Paulo, Brazil, fom August 22 to August 27 of 2005. The participants were, in alphabetical order: Mark P. Alavosius, University of Reno, Nevada (USA); Maria Amália Andery, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Brazil); Marc N. Branch, University of Florida (USA); Deisy das Graças de Souza, Universidade Federal de São Carlos (Brazil); Sigrid S. Glenn, University of North Texas (USA); Alexander (Sandy) Hobbs, University of Paisley, Scotland (UK); Ramona Houmanfar, University of Reno, Nevada (USA); M. Jackson Marr, Georgia Tech (USA); Maria E. Malott, Malott & Associates (USA); Mark A. Mattaini, Univerdsity of Illinois, Chicago (USA); Jorge Mendes de Oliveira-Castro, Universidade de Brasília (Brazil); Inguun Sandaker, Akershus University College (Norway); Joào Claudio Todorov, Universidade Católica de Goiás, Universidade de Brasília and IESB (Brazil); Jerome D. Ulman, Ball State University, Illinois (USA). The products of the meeting were briefly presented at three panels in the XIV Encontro Brasileiro de Psicoterapia e Medicina Comportamental in August 27, 2005, and will be fully printed in special issues of Behavior and Social Issues (English version) and Brazilian Journal of Behavior Analysis (Portuguese version). Three major questions were addressed: 1. How should behavior analysis interact effectively with the social sciences? (Facilitator: Sigrid S. Glenn) 2. What are the avenues of effective action? (Facilitator: Marc N. Branch) 3. How does one develop empirical studies of cultural change using the concept of metacontingency? (Facilitator: Mark A. Mattaini) The participants express their gratitude for the suport given by Universidade Católica de Goiás, Universidade de Brasília, Universidade de São Paulo, Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB), Fundaçào Universitária de Brasília (FUBRA), Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (FINATEC), CNPq (Brazil) and Hélio Guilhardi, Presidente da ABPMC. 274