CONFLITO ARMADO NA UCRÂNIA: Legalidade da Intervenção na Ucrânia



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CONFLITO ARMADO NA UCRÂNIA: Legalidade da Intervenção na Ucrânia Gabriela Paulino de Paula. E-mail: g.paulinodepaula@gmail.com Orientador: João Irineu de Resende Miranda Universidade Estadual de Ponta Grossa UEPG Resumo: O presente artigo abordará o tema da legalidade da intervenção russa na guerra civil na Ucrânia frente ao Direito Internacional. Seu objetivo é analisar a intervenção da Rússia na guerra civil da Ucrânia é legal considerando-se o Paradigma da Segurança Coletiva, presente no Capítulo VII da Carta da ONU. Para isso analisou-se o contexto histórico e político da Ucrânia desde sua saída da União Soviética, bem como os fatos que desencadearam a guerra civil naquele país. Sob o ponto de vista das relações internacionais considerou-se que o acontecimento, em meio internacional, foi severamente reprovado, inclusive pelos Estados Unidos da América e Reino Unido, e que Rússia ao explicar sua ação, se fundamenta em fatos irrelevantes para o Direito Internacional Público, como, por exemplo, o consentimento do Estado da Ucrânia para uma possível intervenção. Em contrapartida, em uma análise jurídica baseada na Carta das Noções Unidas e em um novo paradigma de segurança coletiva internacional, é possível esclarecer que há um cunho ilegal na intervenção russa. Palavras-chave:Direito Internacional, intervenção, relações internacionais. Introdução: A legalidade da intervenção da Federação Russa na Ucrânia pode ser avaliada através de uma análise jurídica fundada à luz do Direito Internacional Público. O fato acontecido no ano de 2014 trouxe grande repercussão mundial. Países que possuíam interesses direitos na economia e política da Ucrânia, logo se manifestaram em posição de repúdio a ação internacional tomada pelo governo russo. As relações internacionais entre os países, diretamente e indiretamente interessados no assunto, trazem, em pauta, o debate sobre o conflito. Os representantes dos países membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas são requisitados para votarem sobre uma possível necessidade de intervenção da ONU. Uma série de tentativas de retaliações a Rússia são impostas pelos países, na tentativa de fazer o Estado voltar atrás com suas ações. Economicamente, acordos de comércio, referentes principalmente à exportação sofrem modificações, refletindo no fornecimento de produtos a outros países e consequentemente, a queda na economia. O Direito Internacional Público, através do Paradigma da Segurança Coletiva pode determinar se a intervenção da Rússia foi abusiva ou não, ocasionando a legalidade ou ilegalidade do ato. A Carta das Nações Unidas, em seu Capítulo VII, estabelece uma segunda atitude possível de ser tomada: as medidas provisionais sem o emprego da força 1. Sob o contexto da globalização os Estados encontram-se em interdependência. Acontecimentos internos na política de um país podem acarretar consequências a outros países, movimentando os setores de relações internacionais. 1 Carta das Nações Unidas e Estatuto da Corte Internacional de Justiça, cap. VII, art. 40.

Objetivos: De modo geral, o trabalho tem como objetivo descobrir se a intervenção da Rússia em território ucraniano foi legal ou ilegal. Abordando de maneira específica o assunto, os objetivos específicos serão: entender o contexto histórico; analisar o paradigma da segurança coletiva internacional; e por fim, apresentar os motivos que fazem a intervenção russa ser considerada legal ou ilegal. Métodos e Técnicas de Pesquisa: Para a abordagem de conhecimento científico deste respectivo trabalho, utilizou - se o método dedutivo. Partindo de tratados e costumes internacionais, premissas já instaladas e consideradas verdadeiras, houve a tentativa de se alcançar uma análise jurídica aceitável ao conflito na Ucrânia. Na busca pelo conhecimento, este artigo foi elaborado em contexto com bibliografias de Direito Internacional, reportagens da mídia do ano de 2014 e demais artigos elaborados. Resultados: A Guerra Fria, uma batalha armamentista e tecnológica, entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União Soviética (URSS), teve seu fim no ano de 1989, ocasionando a dissolução da URSS 2. No entanto a Rússia, principal país da União Soviética, desenvolveu o objetivo de reconstrução do espaço soviético ao redor de suas fronteiras 3. A Ucrânia, um país independente desde 1991, adotou uma posição intermediária no cenário internacional. Manteve relações diplomáticas tanto com países europeus e os Estados Unidos, tanto com a Rússia, mantendo a influência desses países balanceada no cenário interno. Com resultados negativos na economia ucraniana, no final da década de 90, houve um movimento em prol da aproximação das relações com a Rússia. O mesmo oferecia generosos subsídios ao setor energético ucraniano 4. A diplomacia europeia não promovia mudanças econômicas ao Estado ucraniano, uma crise se instalava e junto com ela crescia a insatisfação popular em relação à administração de Kuchma, então Presidente da República, e a participação de governos ocidentais na Revolução Laranja 56. Nesse cenário, foi eleito democraticamente para presidente Viktor Yanukovich. Ele mantinha um governo mais próximo da Rússia, um governo de barganha com os vizinhos. Em uma iniciativa, o presidente abandonou acordos comerciais com a União Europeia, e aderiu à iniciativa econômica russa, causando descontentamento da população e manifestações. As manifestações, que se estenderam por alguns meses, dividiu o país entre os que queriam a aproximação com o Ocidente e uma possível entrada na União Europeia, e os que queriam a manutenção das relações com a Rússia e o ingresso na União Eurosiana. Como consequência, em fevereiro de 2014, o presidente e a constituição de governo interino foram depostos pelo Parlamento 7. Por interesses econômicos (gás) e geopolíticos (base militar de Sevastopol), logo após a destituição de Yanukovich, o presidente da Rússia, Vladmir 2 RIBERA, R.A Guerra Fria: breves notas para um debate. Marília, v.49, n.1, p.89. 3 MIELNICZUK, F. A Identidade como Fonte de Conflito: Ucrânia e Rússia no Pós-URSS, p. 225. 4 MIELNICZUK, F. A crise Ucraniana e suas implicações para as relações internacionais, p. 5. 5 A Revolução Laranja foi uma série de protestos que ocorreram entre novembro de 2004 e janeiro de 2005, após as eleições presidenciais de 2004 na Ucrânia. O nome "laranja" vem da cor que os manifestantes do movimento adotaram. Disponível em: <http://noticias.r7.com/internacional/noticias/saiba-mais-sobre-a-revolucao-laranja- 20100207.html>. 6 SLOBODA, P. M. P. A anexação da Crimeia pela Rússia: uma análise jurídica, p. 3. 7 Ibid.

Putin faz uso da força na Ucrânia, iniciando uma concentração militar na fronteira do país. Os países ocidentais como resposta, questionaram a atitude da Rússia dentro das relações internacionais. Em março de 2014, em um referendo na Crimeia, decidiu-se pela proclamação de independência e subsequente incorporação ao território russo 8. Na definição do Direito Internacional, a intervenção ocorre quando um estado, ou grupos de Estados, interfere, para impor a sua vontade, nos assuntos internos ou externos de outro Estado soberano ou independente com o qual existem relações pacíficas e sem o seu consentimento, com a finalidade de manter ou alterar o estado de coisas. 9. Declarações russas informaram a sociedade mundial que eles haviam obtido um suposto consentimento do então presidente Yanukovich e do Parlamento da Crimeia para intervirem 10, no entanto, o consentimento é considerado irrelevante para legitimar uma intervenção 11. Vladimir Putin, presidente da Rússia, considera a crise na Ucrânia uma verdadeira guerra civil 12. A guerra, no ano de 1928, com o Pacto Briand-Kellogg, era proibida, não importando seus motivos. Porém, esse pacto, mesmo sendo de grande impacto ao Direito Internacional, possuiu falhas, como por exemplo, a imprevisão a sanções aqueles que o violassem e não foi realmente eficaz no uso da força, em casos que não foram identificados como guerra. Em 1945, a Carta das Nações Unidas volta a redigir o assunto, em seu Artigo 2 13 (4): Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas. Observa-se que a mesma manteve o raciocínio do Pacto Briand-Kellogg, proibindo assim qualquer uso da força. Em contrapartida aparecem duas formas admitidas: a legítima defesa individual e coletiva ou quando for autorizado pela ONU. A Carta da ONU estabelece competência do seu Conselho de Segurança para a manutenção da paz. O Conselho de Segurança, primeiramente, com o objetivo de não agravar a situação no país deve convidar as partes interessadas para recomendar medidas provisórias às mesmas. Sendo consideradas tais medidas ineficazes, cabe ao Conselho de Segurança, e apenas a ele, fazer a utilização da força por meios aéreos, navais, ou terrestres. Os planos de aplicação das forças armadas serão elaboradas pelo Conselho de Segurança, sendo assistido por uma Comissão de Estado-maior. A Comissão de Estado-maior é composta pelos chefes de Estado- Maior dos Membros permanentes do Conselho de Segurança ou de seus representantes, sendo possível ser composta também por representantes dos Membros Rotativos do Conselho de Segurança, sendo estes convidados. Os Membros das Nações Unidas possuem o dever de prestar assistência a execuções determinadas pelo Conselho de Segurança 14. 8 Referendo realizado no dia 17 de março de 2014, na Crimeia, uma República Autônoma ucraniana de maioria russa, aprovou com 96,8% dos votos a adesão da região à Federação Russa. Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/03/entenda-o-que-muda-na-crimeia-apos-referendo-aprovar-adesaorussia.html>. 9 MELLO, C.A. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Editora Renovar, 2007, p.492. 10 SLOBODA, P. M. P. A anexação da Crimeia pela Rússia: uma análise jurídica. P. 7 11 MELLO, C.A. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Editora Renovar, 2007, p.492. 12 Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/05/ha-uma-verdadeira-guerra-civil-na-ucrania-diz-putin.html>. 13 Carta das Nações Unidas e Estatuto da Corte Internacional de Justiça, cap. I, art.2 (4). 14 Carta das Nações Unidas e Estatuto da Corte Internacional de Justiça, cap. VII, arts. 39-51.

Não é claro que houve uso de força perante os russos na Ucrânia. A Rússia nega envolvimento na tomada dos prédios estratégicos da Crimeia por tropas russas. Há apenas uma presunção por usarem uniformes e armas russas, entretanto, não usavam a bandeira russa em seus uniformes 15. De todo modo, a Rússia violou o primeiro item exposto pelo artigo 2(4) da Carta das Nações Unidas, a ameaça. Em repúdio as ações cometidas pela Rússia na Ucrânia, os Estados Unidos da América e Reino Unido alegaram que os russos haviam violado um acordo de Direito Internacional. O acordo referido é o Memorando de Budapeste, realizado pelas três potências nucleares, Rússia, Estados Unidos e Reino Unido para garantir à segurança na Ucrânia, em troca que o mesmo abrisse mão das armas nucleares soviéticas que ainda estavam em seu poderio. Nesse documento os países se obrigam a garantir a integridade territorial ucraniana, não podendo os mesmos violar a soberania da Ucrânia. Em 2009, esse instrumento foi reafirmado pela Rússia e os EUA 16. Esse acordo é considerado um Tratado de Direito Internacional. Para os tratados possuírem validade em âmbito internacional, devem possuir as seguintes condições: a) capacidade das partes contratantes, no caso, as três partes são Estados soberanos, assim sendo, possuem capacidade; b)habilitação dos agentes signatários - os negociadores devem possuir plenos poderes; c) consentimento mútuo o acordo de vontades não deve conter vícios (erro, dolo a coação) o reflexo do consentimento dos EUA, Reino Unido e Rússia é a assinatura por seus representantes no tratado; e c) objeto lícito e possível. Portanto, o documento em questão me parece possuir total validade 17. Por essa análise jurídica é visível que a Rússia violou os princípios internacionais de não-intervenção e soberania estatal. À Rússia, pode receber sanções da ONU por sua medida. O Conselho de Tutela da ONU pode censurar a potência administradora, no entanto cabe ao Conselho de Segurança determinar as principais sanções impostas à Rússia. Dentre estas podem haver medidas provisórias, sanções verdadeiras que seriam o uso da força armada, rompimento de relações diplomáticas, interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radiofônicos, ou de qualquer espécie... ou o uso da força armada 18. Discussão: A crise na Ucrânia se deu pela falta de capacidade do governo em resolver problemas de transição para uma economia voltada ao capitalismo; um governo sem a devida transparência na gestão do país; e por fim, houve uma ascensão de movimentos nacionalistas, com caráter nazi - fascista 19. A intervenção russa, além de alegar valores universais, para tentar legitimar-se, possui consideráveis interesses econômicos na região ucraniana. Alguns dos principais interesses econômicos a serem consideráveis é a disputa pelo gás natural, tendo a Rússia, em território ucraniano, grande parte da via gasoduto 20. A Rússia possui fortes ligações com países europeus graças ao seu fornecimento de gás natural a 15 SLOBODA, P. M. P. A anexação da Crimeia pela Rússia: uma análise jurídica, p. 10. 16 BARRETO; SENA. Exame da legalidade do apoio russo às forças de autodefesa na Crimeia na crise ucraniana, p. 16 17 MELLO, C.A. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Editora Renovar, 2007, p.214. 18 Ibid., p. 1468. 19 MIELNICZUK, F. A crise Ucraniana e suas implicações para as relações internacionais, p.6. 20 CANÊDO, S. H. G. Rússia e o gás natural: um importante instrumento de política externa, p.2.

grande parte deles. Conflitos e instabilidades no governo da Ucrânia, poderiam implicar a eles, cessões em contratos comerciais e perdas importantíssimas na economia interna. É pretensioso afirmar que os verdadeiros interesses da Rússia no caos iminente na Ucrânia, eram meramente econômicos. A Rússia possui cerca de nove milhões de russos em território ucraniano 21 que sofreriam com a política anti-russos do governo provisório pós Yanukovich. Porém, não há justificativas relevantes para tamanho envolvimento da Rússia na crise instalada em 2014 na Ucrânia, suas justificativas humanitárias são infundadas pelo cenário apresentado de não violação grave aos direitos humanos na região em crise. A interferência russa ocasionou agitação nas mídias internacionais, especulações de sua real legitimidade perante a Ucrânia e desconforto nas relações internacionais com países Ocidentais. Fatores econômicos, em uma época de recuperação após a crise econômica de 2009, foram cruciais para a decisão da Rússia 22. No entanto, justificativas econômicas para uma intervenção na soberania de um Estado não são relevantes perante o Direito Internacional Público. Para essa ciência, as fontes do Direito Internacional Público, devem de antemão ser respeitadas. Os países, por necessidades, estão cada vez mais interligados: respeitar as normas instituídas é a principal forma de manter uma relação internacional permanente. Considerações Finais: O ápice do conflito na Ucrânia gerou se após a interferência da Rússia na região da Crimeia, expressando o país, seu interesse pela região e posteriormente a realização da anexação da Crimeia a Rússia. Verificada toda a violação de norma imperativa de Direito Internacional geral, os demais Estados devem responder ao ilícito não reconhecendo juridicamente a situação de fato que o decorreu. A Rússia, à luz do Direito Internacional, deveria interromper sua atitude considerada ilícita e reparar seu dano, caso que não é verificado. Como consequência, a Ucrânia pode invocar reponsabilidade da Rússia e impor retaliações, porém o mesmo não possui meios materiais para retaliar de modo a fazê-la rever seu comportamento. Graças a políticas e interesses econômicos, retorsões impostas por países não lesionados são ineficazes, em consequência a dependência energética da Europa com relação à Rússia, isto é, tentativas de retaliação podem vir a prejudicar mais países europeus do que a própria Federação Russa. Nota se então que o Direito Internacional possui certa dificuldade para punir o Estado violador, porém, a dificuldade em punir não é toda de sua exclusividade. No âmbito interno de cada Estado, há uma seletividade na aplicação das normas. Está certo em se afirmar: o direito veio para regular a sociedade, no entanto, a ela o direito se influencia. Referências: MELLO, Celso. Curso de Direito Internacional Público. 12. ed, v. I.São Paulo: Editora Renovar, 2000... 15. ed, v. I - II. São Paulo: Editora Renovar, 2007. 21 MIELNICZUK, F. A crise Ucraniana e suas implicações para as relações internacionais, p.9. 22 Disponível em: < http://brasil.elpais.com/brasil/2014/12/16/internacional/1418743966_922455.html>.

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