ESTUDO EPIDEMIOLÓGICO NA ÁREA DE INFLUÊNCIA DA MINA DE URÂNIO EM CAETITÉ, LAGOA REAL E LIVRAMENTO DE NOSSA SENHORA NO ESTADO DA BAHIA ESTUDO CONDUZIDO PELO CENTRO DE SAÚDE DO TRABALHADOR E ECOLOGIA HUMANA CESTEH ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA ENSP DA FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ FIOCRUZ COORDENAÇÃO EQUIPE TÉCNICA Arnaldo Levy Lassance Cunha Antonio Sergio Almeida Fonseca Liliane Reis Teixeira Luiz Antônio Bastos Camacho Daniel Ricardo Soranz Luiz Felipe da Silva Pinto Daniel Valente Soares dos Santos APOIO ADMINISTRATIVO CONSULTOR Daniela Tarta Tarcísio Neves da Cunha Rio de Janeiro, 11 de Setembro de 2013.
SUMÁRIO Apresentação... 1 Introdução e Objetivo... 1 Situação geográfica... 2 Fontes de dados epidemiológicos... 3 Unidade de análise e problematização... 3 Método... 5 Descrição Geral... 5 Agregação Geográfica... 5 Agrupamento das Causas de Óbito... 6 Análises... 6 Resultados... 7 Considerações Finais... 10 Conclusões... 10 Recomendações... 11
APRESENTAÇÃO Este estudo foi realizado para atender à Condicionante Específica 2.5 da Licença de Operação nº 274/2002, concedida pelo IBAMA à Unidade de Concentrado de Urânio das Indústrias Nucleares do Brasil INB. A Condicionante Específica 2.5 requer textualmente: Estudo epidemiológico de morbi-mortalidade relativo à eventual ocorrência de patologias relacionadas a danos genéticos e neoplasias malignas na área de influência da Unidade de Concentrado de Urânio (URA), das Indústrias Nucleares do Brasil (INB) Caetité no Estado da Bahia. O CESTEH, através da FIOTEC, que é o órgão da FIOCRUZ habilitado à apoiar projetos de interesse fora da área governamental, participou e ganhou concorrência pública para realizar o estudo. Para tanto foi celebrado contrato em 28/05/2008. INTRODUÇÃO E OBJETIVO O objetivo do estudo foi elaborar uma análise descritiva das doenças que a literatura especializada lista como as que podem ser relacionadas à exposição à radiação ionizante, típica das províncias uraníferas, tais como a que abrange parte dos municípios de Caetité, Lagoa Real e Livramento de Nossa Senhora, no Estado da Bahia, no período de 1995 a 2010. Trata-se de um estudo descritivo baseado em dados de Saúde Pública obtidos nos bancos de dados oficiais do Governo Federal e que são de livre acesso ao público. Portanto, os procedimentos utilizados neste estudo são de caráter epidemiológico sobre dados populacionais por município, o que significa dizer que: (1) não envolvem nenhuma coleta de amostras fisiológicas ou dados clínicos; e (2) não são utilizados dados individuais o que torna impossível prejudicar qualquer pessoa da população em estudo. - 1 -
SITUAÇÃO GEOGRÁFICA A área de influência da mina compreende um círculo de raio igual a 20km centrado na cava da mina. A Figura 1 ilustra a situação territorial, onde se destacam: (1) o mapa da região, tendo ao centro o local da URA; (2) a indicação da área de influência de 20km de raio a partir da URA; (3) nenhuma das três sedes dos municípios envolvidos se encontra dentro da área de influência; (4) apenas duas localidades estão dentro da área de influência: Maniaçu, pertencente a Caetité e São Timóteo, pertencente a Livramento de Nossa Senhora, ambas a 12km da URA; e (5) os dados são agregados por município impedindo qualquer avaliação envolvendo localidades. Figura 1. Mapa de situação da mina de urânio da INB. Fontes: Elaboração própria sobre dados IBGE e GoogleEarth. - 2 -
A seguir é apresentado um resumo de características geográficas que influenciaram nas escolhas dos municípios da área de influência. Livramento de Nossa Senhora foi incluído por causa da localidade de São Timóteo, mas sua regional de saúde, Brumado, que inclui Botuporã, é tida como região de referência. Os outros municípios listados não possuem nenhuma localidade sob influência da mina embora tenham área marginal dentro do raio de 20km. Municipio Área Total (km²) Área Dentro da Influência (km²) Distância Sede-Mina (km) Lagoa Real 1.004 275,2 26,5 Caetité 2.366 503,2 33,8 Livramento de Nossa Senhora 2.276 466,7 51,5 Tanque Novo 829 11,4 39,5 Paramirim 1.120 9,2 43,8 FONTES DE DADOS EPIDEMIOLÓGICOS Os dados sobre mortalidade foram obtidos do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), desenvolvido pelo Ministério da Saúde em 1975. Possui dados que permitem, a partir da causa mortis atestada pelo médico, construir indicadores e processar análises epidemiológicas que contribuam para a eficiência da gestão em saúde. Mais informações na página do Ministério da Saúde, especialmente em http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/visualizar_texto.cfm?idtxt=32954 Acessado em 13/01/2013. UNIDADE DE ANÁLISE E PROBLEMATIZAÇÃO A unidade de análise adotada foi a contagem do número de óbitos, por município de residência e por grupo de causas de óbito, tomando-se como referência a 10ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10). Estes dados podem ser arrumados e analisados de diferentes formas. Aqui se analisou por sexo, faixa etária, ano do óbito e região geográfica. - 3 -
A pergunta central que se deseja responder nesta análise é a seguinte: Há maior ocorrência de mortes por neoplasia para as populações que residem na área de influência da mina do que para as que residem em outros locais onde não há extração de urânio? De antemão, é preciso observar que este estudo oferece uma primeira aproximação da resposta, uma vez que: (1) não há como saber quem morreu, já que os dados são agregados por município; e (2) somente foram analisados dados sobre óbitos, faltando repetir as análises para ocorrências de doenças, ou seja, dados de morbidade. Estas limitações não invalidam o estudo por ser uma primeira abordagem necessária ao entendimento da questão e por servir de base para novos estudos, os quais são altamente recomendáveis que sejam realizados de forma permanente durante e após a vida útil da mina. - 4 -
MÉTODO DESCRIÇÃO GERAL São comparadas as áreas sob influência da mina com outras áreas semelhantes, porém livres da radiação natural típica de províncias uraníferas, denominadas referência. As áreas de referência foram selecionadas a partir de critérios científicos de semelhanças sociodemográficas, culturais, econômicas e geográficas muito bem estabelecidos. A mortalidade por neoplasias malignas na área de influência da INB foi comparada com a mortalidade pelas mesmas neoplasias nas áreas de referência Os dados epidemiológicos que fazem parte do estudo são óbitos agrupados pelas suas causas. AGREGAÇÃO GEOGRÁFICA As regiões geográficas de estudo compreendem os municípios da área de influência e dois municípios de referência. Adicionalmente foram tomadas para análise as Diretorias regionais que atendem a estes municípios. Por fim o Estado da Bahia foi tomado como elemento de comparação. Segue um resumo da configuração territorial adotada. Agregação Geográfica Área de Influência Área de Referência Município Caetité Maragogipe Município Livramento de Nossa Senhora Maragogipe Município Lagoa Real Botuporã Regional de Saúde Guanambí: Caetité, Lagoa Real Cruz das Almas: Marag. Regional de Saúde Brumado: Livr., Botup. Unidade da Federação Estado da Bahia - 5 -
AGRUPAMENTO DAS CAUSAS DE ÓBITO Os agrupamentos de causas de óbitos foram feitos conforme resumo a seguir. Dos grupos em destaque, o 05 é o que tem possível relação com radioatividade. O grupo 09 foi destacado por seus valores elevados, requerendo melhoria dos registros. Agrupamento Capítulos CID-10 Denominação 01 9 Doenças do aparelho circulatório 02 19 e 20 Causas externas 03 16 Afecções originárias do período perinatal 04 1 Doenças Infecciosas e Parasitárias 05 2 Neoplasias 06 10 Doenças do aparelho respiratório 07 17 Malformações congênitas 08 3 a 8, 11 a 15, 21 Outras causas definidas 09 18 Causas mal definidas ANÁLISES Foram elaboradas quatro análises comparativas entre áreas de influência e áreas de referência. A primeira computou para cada área o número de óbitos dentro do agrupamento de causas e sua distribuição, separados por ano desde 1995 a 2010. A segunda análise foi a distribuição da mortalidade por grupo de causas a cada ano do estudo, permitindo uma comparação da evolução das causas mal definidas com a das neoplasias. A terceira análise calculou as taxas de mortalidade por 100.000 habitantes, e apresentou sua evolução anual estratificada por faixa etária, para os grupos de neoplasias e causas mal definidas. A quarta e última fez a análise anterior por sexo ao invés de faixa etária. - 6 -
RESULTADOS Como exemplo de resultado pode-se comparar o ano de 2004 com o de 2010 para verificar uma diminuição nas causas mal definidas, podendo indicar uma melhoria nos procedimentos de registro de óbitos. As neoplasias tiveram um ligeiro aumento nos municípios da área de influência. Ver Figura 2 a seguir. Na Figura 3 abaixo no texto é mostrada a evolução das neoplasias e causas mal definidas ao longo dos anos. As causas mal definidas tem uma tendência de queda, chegando a 20% em 2010, enquanto as neoplasias tem uma tendência de aumento, chegando até em torno de 20% em 2010. Ambas experimentam uma oscilação atípica em 2009. Com a melhoria dos diagnósticos de saúde e de registros das causas de óbitos, espera-se a redução do número de óbitos por causas mal definidas e a subsequente ampliação do número de casos entre os grupos de causas definidas, inclusive entre as neoplasias. Essa ampliação, na realidade, é artificial, pois significa apenas a transferência de óbitos anteriormente computados como mal definidos para grupos de causa definida. Por outro lado, o teste estatístico recomendado para avaliação das diferenças entre as áreas de influência e de referência demonstrou haver aumento dos óbitos por neoplasias nas áreas de influência quando comparado comas áreas de referência, no período de 1995 a 2010. - 7 -
Figura 2. Distribuição da mortalidade proporcional por grupo de causas segundo unidades geográficas: 2004 (acima) e 2010 (abaixo). Fonte: elaboração própria. - 8 -
Figura 3. Evolução da mortalidade proporcional por causas mal definidas para as unidades geográficas selecionadas: Neoplasias (acima) e Causas mal definidas (abaixo) - 9 -
CONSIDERAÇÕES FINAIS CONCLUSÕES As condições de saúde da população dos municípios das áreas de influência da Unidade de Concentrado de Urânio apresentam resultados que foram alterados ao longo dos anos, se comparados aos valores obtidos para o Estado da Bahia e para os municípios e regiões de referência escolhidos. Em 2008, foram realizadas oficinas com gestores das Secretarias Municipais de Saúde; reuniões com as comunidades dos dois municípios; trabalho de sensibilização em parceria com o corpo médico da Fundação Hospitalar Senhora Santana de Caetité e Conselho Regional de Medicina da Bahia, para melhoria da qualidade de preenchimento dos registros de óbitos; e, curso de capacitação para técnicos da área de vigilância em saúde sobre a notificação e a investigação de óbitos locais. Os dados apresentados neste relatório mostram que houve melhoria dos registros das causas de óbitos, levando à redução do número de óbitos por causas mal definidas e o aumento do número de casos atribuídos aos grupos de causas definidas, inclusive neoplasias, após a sensibilização dos trabalhadores da área da saúde. A avaliação entre as áreas de influência e de referência demonstrou diferença entre a distribuição dos óbitos por neoplasias malignas, com a presença de taxas de mortalidade mais elevadas nas áreas de influência em comparação com as áreas de referência, nos anos de 2009 e 2010. Entretanto, é necessário considerar que a elevada frequência de causas mal definidas no registro de dados de óbitos prejudica qualquer conclusão acerca de eventual relação entre à radiação de ocorrência natural e os óbitos por neoplasia na região de estudo. - 10 -
RECOMENDAÇÕES É imperativo implantar e manter um registro de óbitos de excelência, competência do poder público, para permitir a continuidade do acompanhamento do perfil epidemiológico das populações na área de influência da URA/INB. Além disso, permanece a necessidade de se estruturar um serviço local de Vigilância em Saúde exemplar para possibilitar: o Detecção precoce de todas as doenças possivelmente radioinduzidas, além da intoxicação química causada por inalação do pó do minério, principalmente os que possam ser associados a qualquer atividade mineradora, especialmente, mas não restrita à, lavra de urânio; o Permanente troca de informações com a população sobre as preocupações locais relacionadas à proteção da saúde; o Aprimoramento constante das informações de óbitos prestadas pelos profissionais médicos, tanto do serviço hospitalar quanto do Programa Saúde da Família (PSF), através de ações de sensibilização abordando questões relacionadas à prática profissional e a compromissos deontológicos; o Capacitação para notificação e vigilância dos óbitos para o corpo técnico da área de vigilância em saúde; o Sensibilização dos gestores locais de saúde para a criação de um Sistema de Verificação de Óbitos para os municípios; o Elaboração em conjunto com as equipes de vigilância em saúde de um plano de vigilância epidemiológica dos casos de câncer nos municípios. o Monitoramento dos efeitos da radiação na saúde da população por meio do cruzamento do mapa das ocorrências de câncer com o mapa das concentrações de radiação natural da região do município; - 11 -
o Aprofundamento analítico dos seguintes aspectos: aperfeiçoar o critério de área de influência, considerando a possibilidade de associar ao grau de exposição efetiva da população; neoplasias e malformação congênitas, discriminando as que são reportadas na literatura como radioinduzidas; causas mal definidas, na tentativa de estabelecer seu perfil estatístico, com base na sua evolução temporal; acompanhamento permanente do perfil epidemiológico das populações expostas; acompanhamento da morbidade da população e dos trabalhadores da Unidade de Concentrado de Urânio, das Indústrias Nucleares do Brasil. - 12 -