O Estudo da Proteção do Meio Ambiente Cultural Segundo a Constituição Federal



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Transcrição:

O Estudo da Proteção do Meio Ambiente Cultural Segundo a Constituição Federal Graziela Feltrin Vettorazzo Formada pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo em 2012, advogada atuando na área do Direito Ambiental. Resumo: Este trabalho tem como escopo a análise do conceito do meio ambiente, sua conotação multifacetária e, em especial, a tutela do meio ambiente cultural que está previsto nos artigos 215, 216 e 225 da Constituição Federal. Analisa o conceito abrangente instituído pela norma fundamental, o que possibilita uma ampla interpretação. O meio ambiente cultural está atrelado ao nexo vinculante da existência de diversas culturas que de alguma maneira estão ligadas ao processo de formação do país, seu exercício está ligado à dignidade da pessoa humana e à garantia de uma sadia qualidade de vida. Nota-se a garantia do exercício de manifestações que estejam ligadas à identidade, à memória e à história de um povo, independendo se a manifestação seja escrita ou oral, seja através de documentos, obras, ou outros modos de fazer, criar e viver, sejam elas tomadas em conjunto ou individualmente. Compete aos entes legislarem, de modo a proteger e incentivar o patrimônio cultural brasileiro. Palavras-chave: Meio ambiente; patrimônio cultural; dignidade da pessoa humana; qualidade de vida.

O estudo da proteção do meio ambiente cultural segundo a Constituição Federal 65 INTRODUÇÃO O presente artigo tem por finalidade analisar alguns aspectos do direito ambiental brasileiro, previsto em nossa Constituição Federal, e mais especificamente analisar a proteção do patrimônio cultural como bem tutelado em nosso ordenamento, que encontra amparo nos artigos 215, 216 e 225 da Constituição Federal. Inicialmente, cumpre-nos destacar que o ambientalismo passou a ser tema de grande relevância a ser abordado nas Constituições mais recentes, e não foi diferente com a nossa Constituição Federal, que dedicou o Capítulo VI do Título VIII para abordar o assunto. Assim, não apenas como em nossa Constituição Federal de 1988, mas também em Constituições de outros Estados, o direito ambiental não mais se caracteriza como simples atribuição dos órgãos públicos, mas como, acima de tudo, direito fundamental da pessoa humana e isso demonstra, com evidência, a preocupação de consignar regras para sua proteção. A nossa Magna Carta, ao dedicar capítulo próprio à matéria, foi a primeira a tratar, deliberadamente, da questão ambiental que se demonstrava tímida e quase que ausente nas anteriores, Constituições brasileiras. Atualmente, podemos verificar com nitidez a sua existência no plano constitucional, que tem uma abordagem mais ampla e moderna ao trazer parâmetros e critérios para sua correta interpretação e aplicação. DIREITO AMBIENTAL COMO CIÊN- CIA AUTÔNOMA O Direito Ambiental é uma ciência nova e autônoma, porque possui os seus próprios princípios norteadores e trata-se, também, de um direito que deve obedecer não só aos princípios fundamentais previstos no artigo 1º da Constituição Federal, como também se assenta na condição de direito e garantia fundamental, conforme artigos 5º e 6º da Constituição Federal. Apesar de sua essência estar prevista no capítulo da Ordem Social, é necessário que, para sua correta interpretação, outros dispositivos constitucionais, que a ele implícita ou explicitamente se relacionam, sejam considerados, demonstrando de forma clara que o direito ambiental permeia boa parte do texto constitucional e, por consequência, com este deve ser harmonicamente estudado. A importância do tema vem se concretizando cada vez mais, e isso é reflexo das preocupações do homem, que aos poucos está se conscientizando de que o desenvolvimento econômico acelerado, a utilização dos recursos naturais de forma não consciente e o total descuido no manejo da natureza podem trazer consequências graves. Comumente, quando as pessoas pensam em direito ambiental, de imediato, fazem uma relação com a fauna e a flora e tudo aquilo que compõe o meio ambiente natural em que vivemos, mas, cumpre salientar, que o conceito atual e previsto em nossa norma constitucional é muito mais amplo, incluindo patrimônio genético da humanidade, meio ambiente do trabalho, meio ambiente artificial e também o meio ambiente cultural, todos com o evidente objetivo de proteger aquilo que garanta ao homem uma sadia qualidade de vida. A Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a política nacional do meio ambiente, editada e promulgada anteriormente à nossa Constituição Federal de 1988 conceitua em seu artigo 3º, inciso I que se

66 entende por meio ambiente o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;. Trata-se de uma definição restritiva que limita o conceito aos recursos naturais que, apesar de estar correta, não expressa por inteiro o significado de bem ambiental quando se verifica a atual conceituação constitucional. É importante demonstrar que o bem ambiental não possui características nem de bem público e nem de bem privado, pois possui características próprias, separadas do instituto da posse e da propriedade, e isso é que possibilita uma concepção nova que são os chamados direitos difusos. O artigo 225 da Carta Maior dispõe que Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.. Este artigo é o que nos traz os fundamentos básicos da matéria. Ao realizar uma análise mais aprofundada percebemos que a expressão direito de todos é que demonstra a primeira característica dos direitos difusos, onde todos se resumem aos brasileiros e estrangeiros residentes no País. Este conteúdo da expressão todos se justifica com o artigo 5º da Constituição Federal, que prova que são estas as pessoas abarcadas pela soberania da República Federativa do Brasil e destinatárias das tutelas previstas em nossa Constituição. BEM AMBIENTAL Caderno de Iniciação Cientifica 10 Outro ponto a ser esclarecido é a expressão bem ambiental, que se refere a um terceiro gênero de bem pois não se caracteriza, como já dito anteriormente, nem como bem público e nem como bem privado. Isto porque ele é de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida do homem, constituindo, assim, sua própria natureza jurídica, diversa das anteriores. Consequentemente, isto provoca uma nova interpretação daqueles que são considerados bem da União, como rios, lagos, ilhas fluviais e etc., pois tais bens possuem características de bem ambiental. A principal característica do bem ambiental é que tal seja essencial à sadia qualidade de vida. A pessoa humana para ter dignidade, conforme garante a Constituição Federal, precisa ter sua vida resguardada sob diversos pontos que são fundamentais para sua sobrevivência. E o que é essencial para nossa sobrevivência? O artigo 1º combinado com o artigo 6º da Carta Magna traz o conceito de piso vital mínimo. O piso vital mínimo consiste em saúde, educação, lazer, trabalho, segurança, tudo que proporcione ao ser humano um pleno desenvolvimento e o possibilite de desfrutar de uma vida digna. O direito ambiental está vinculado a estes aspectos importantes à vida que constituem um mínimo que deve ser assegurado por nosso Estado Democrático de Direito. Essa finalidade do direito ambiental vai além dos interesses imediatos da humanidade, pois hoje o bem ambiental não somente é resguardado para os que estão vivos, mas também para gerações futuras, sendo no plano constitucional a primeira vez que se faz referência a um direito futuro. Ao analisar o artigo 225 da Constituição Federal, percebemos que o legislador não só disciplinou a existência dos bens ambientais como proporcionou sua proteção determinando ao Poder Público e a toda a coletividade o dever de defender e preservar estes bens. Ao pensar nessa titularidade do dever de defender e preservar, a Constituição Federal criou mecanismos e garantias processuais que

O estudo da proteção do meio ambiente cultural segundo a Constituição Federal 67 serão submetidos ao Poder Judiciário quando ocorrer lesões ou ameaças ao direito ambiental. Isso evidencia a preocupação com a matéria, quando o legislador, além, de garantir o direito, permite a criação de mecanismos para sua contínua proteção. Quando falamos de bem ambiental não podemos imaginar uma relação de propriedade sobre estes bens, porquanto na propriedade há o direito de usar, gozar fruir e dispor, enquanto nas relações que envolvem os bens ambientais tratam-se de relações adjuntas unicamente ao direito de utilizar do bem. Isso corrobora para dizer que a natureza jurídica do bem ambiental é bem de uso comum do povo. O seu conceito indeterminado possibilita ao intérprete uma divisão em aspectos que se concentram, atualmente, em meio ambienta natural, artificial, cultural, do trabalho e patrimônio genético. Sem conceituar e descrever todos os aspectos que compõem todos os bens ambientais, iremos nos aprofundar em meio ambiente cultural, que é o objeto da presente análise. MEIO AMBIENTE CULTURAL Sua conceituação é encontrada no artigo 216 da Constituição Federal: Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. O bem ambiental cultural expressa a origem e a história de uma coletividade e, por consequência, expressa a identidade e toda a memória de um povo. Por constituir um elemento identificador da cidadania, acaba por constituir princípio fundamental da República Federativa do Brasil. Examinando o conceito de bem ambiental, percebemos o quão abrangente é seu significado, englobando todas as formas de expressão, modos de criar, fazer e viver, sendo elas criações científicas, artísticas e tecnológicas representadas através de obras, objetos, documentos, edificações e outros espaços que são destinados às manifestações culturais. Importante citar que anteriormente à nossa Constituição Federal o conceito de patrimônio cultural veio, inicialmente, com o Decreto-Lei nº 25 de 1937 que dizia Constitue o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. A conceituação atual não faz restrições, incluindo os bens que foram criados por intervenção humana. Contudo, podemos observar que, independente de sua forma, o bem ambiental vai receber proteção desde que sua existência esteja relacionada de

68 algum modo com a identidade, a ação e a memória dos grupos formadores da sociedade brasileira. O nexo vinculante de que o bem ambiental de alguma maneira esteja relacionado e retrate os grupos formadores do País é preceito fundamental para que o bem seja considerado patrimônio cultural e passe a caracterizar componente essencial do direito à vida, associado à dignidade da pessoa humana. E quem seriam esses grupos formadores da sociedade brasileira? São aqueles estabelecidos no parágrafo 1º do artigo 215 da Constituição Federal, as culturas populares, indígenas e afro-brasileiras e dos outros grupos que participaram do processo de civilização nacional, considerando estes últimos, os povos europeus. A conclusão dos grupos formadores do nosso País foi constituída levando-se em consideração o tempo em que o Brasil era apenas uma colônia de Portugal. Os portugueses que aqui colonizaram impuseram seus modos e costumes e a cultura indígena, que aqui já habitava, acabou sendo repelida pelos colonizadores, constituindo um plano mais secundário. Caminhando mais à frente em nossa história, chegaram ao Brasil os povos oriundos da África, que vieram como escravos para servirem de mão-de-obra e, com eles, um modo particular de vivência que atualmente é facilmente identificado em nossa população. Então, vieram os povos europeus, mais especificamente os espanhóis e os holandeses. Nossa população, atualmente, é formada por muitas outras culturas, como os italianos, japoneses, chineses, árabes, judeus, poloneses, o que dificulta a identificação de uma população originária. Essa diversificação da população que é formada por etnias tão diversas, dificulta a identificação de uma Caderno de Iniciação Cientifica 10 cultura comum 1. Então cabe identificar aquilo que representa, efetivamente, a história, a identidade e memória do nosso povo. Após estudos e debates ocorridos em sede do curso de A Tutela dos Bens Ambientais em face do Direito Tributário promovido pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, percebi que não podemos considerar como nosso patrimônio todas as culturas dos povos que chegam em nosso país. Primeiro porque devido à hospitalidade, que constitui forte característica da população brasileira, temos uma tendência em continuar recebendo diversos povos de culturas diferentes. Segundo que, nos dias de hoje, com a comunicação em avanço e a facilidade de transmissão e divulgações de informações, no mundo globalizado recebemos, com muita frequência, formas de expressão de outras nacionalidades que à nossa não se vinculam, porém estão aderindo de forma muito intensa em nossas rotinas, devido à mídia de massas. Exemplo disto são as músicas, filmes e expressões norte-americanas que em nada se assemelham à nossa história, mas que recepcionamos todos os dias através dos meios de comunicação e cada vez mais estão se incorporando aos nossos costumes. Tais meios de expressão devem ser protegidos? São estas expressões as destinatárias da proteção constitucional? Obviamente que não! Precisamos separar e entender que, à luz de nossa Carta Maior, a proteção deve alcançar os bens materiais, imateriais, singulares ou coletivos, sejam imóveis ou móveis que se relacionam com nossa história e formação e manter viva essas culturas que influenciaram na formação do nosso país e elas que devem ser incentivadas. 1 FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a Efetividade das Normas Ambientais. P. 95.

O estudo da proteção do meio ambiente cultural segundo a Constituição Federal 69 Assim, compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar de forma concorrente acerca da matéria, sendo que a União disporá sobre normas gerais da matéria, enquanto os Estados, Distrito Federal legislarão de forma complementar, permitindo, ainda, ao Município dispor sobre matérias de interesse local. A proteção, contudo, é competência comum dos entes federativos, devendo estes proteger documentos, obras e bens que representem valor histórico, artístico e cultural, impedindo a destruição e descaracterização destes bens e, ainda, têm os entes federativos o dever de incentivar sua realização e permitir meios para seu acesso. Um meio de tutelar o patrimônio, e mecanismo pelo qual o Estado busca a proteção, é o Tombamento, que constitui a inscrição de um bem no chamado Livro do Tombo. Este livro é um registro dos entes públicos no qual se busca registrar a intenção de proteção do bem. Outro meio de tutelar o patrimônio cultural é a proteção internacional dos bens que é realizada através da Unesco, onde há uma lista do patrimônio mundial. Tal lista tem por objetivo a proteção dos bens ali elencados, pois a sua deterioração constitui uma perda não somente para a cultura local, mas para toda a humanidade. Ademais, o meio ambiente cultural possui outros aspectos, como a questão do racismo, que se expressa em atitudes de preconceito, sendo repudiado pois, à luz do princípio da dignidade humana, é evidente que segundo a Carta Maior as atitudes que importam em segregação social não são apoiadas, de forma alguma, no nosso ordenamento jurídico. Sua prática vai de encontro ao preceito da igualdade entre os homens, evidenciando que sua prática causa lesão aos direitos culturais, de modo a ensejar uma segregação dos indivíduos. O racismo inviabiliza a concretização da dignidade da pessoa humana para todos, pois gera diferenças e desentendimentos, contrariando o próprio conceito de meio ambiente cultural. De fato o racismo em si não necessariamente pode lesionar, porém sua prática pode trazer, como consequência, a violação de direitos. A prática de tais condutas resultam na caracterização de crimes que estão previstos na Lei nº 7.716 de 5 de janeiro de 1989. Em 2010 houve a instituição do Estatuto da Igualdade Racial, criado com o objetivo de garantir à população negra a efetivação das igualdades e oportunidades 2. A prática do racismo inclui, além das origens étnicas, as opções religiosas, a opção sexual, estado civil e a condição física ou social 3. A crença humana da existência de um Deus, ou poder que está acima da humanidade, sempre teve origem de acordo com as diferentes culturas existentes. A crença em uma religião constitui uma forma de expressão que é assegurada pela Carta Magna, portanto, trata-se de um bem cultural que possibilita a proteção jurídica, garantindo, assim, seus meios de expressão, como missas, cultos e outros tipos de encontros religiosos. A idioma constitui outro importante bem cultural, pois sua existência e sua origem sempre estive ligada a determinados grupos históricos. Constitui importante forma de expressão, o que possibilita, inclusive, uma relação das línguas mais faladas no mundo. O lazer, a recreação e o desporto têm previsão constitucional no artigo 217, porém constituem a natureza de bem ambien- 2 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. P. 429. 3 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. P. 432.

70 tal, pois possuem conteúdo que facilmente se integra na descrição do artigo 216, como meios de fazer, criar e viver. O desporto e o lazer contribuem para o desenvolvimento pleno do homem e garantem a cidadania e a socialização, de modo a contribuir com o respeito, educação e interação entre os homens. Ademais, o desporto e o lazer remetem ao conceito de cultura, vez que sua prática pode remeter à identidade, à ação e à memória do povo brasileiro, como é o caso do futebol. CONCLUSÃO O constituinte originário, ao dedicar capítulo especial ao Direito Ambiental, objetivou garantir uma maior proteção para os chamados bens ambientais. Tal previsão constitucional constitui uma inovação, pois anteriormente não havia nos textos das normas fundamentais tamanha dedicação a essa matéria. A Constituição estabeleceu um conceito amplo de bens ambientais, o que possibilita uma abrangente interpretação dos seus elementos. Notamos que o Direito Ambiental, como nova ciência, não se caracteriza mais como uma simples atribuição do Estado, mas constitui um direito fundamental de todos. Tem por objetivo proteger bens que garantem ao homem uma sadia qualidade vida. Essa instituição dos chamados bens ambientais, que constituem no nosso ordenamento um terceiro gênero de bem, tem a Caderno de Iniciação Cientifica 10 natureza jurídica de uso comum do povo, o que tem sua existência atrelada àquilo que se considera como essencial à sadia qualidade de vida. Dentre esses bens ambientais, destacamos a previsão constitucional do meio ambiente cultural. O ambiente cultural expressa a história, a identidade e a memória de um povo, sendo considerado elemento identificador da cidadania. É demonstrado através de obras e criações e meios de criar, fazer e viver que, de alguma maneira, estão vinculados à memória dos grupos formadores da sociedade brasileira. Estes grupos formadores do processo civilizatório não incluem todas as culturas que chegaram no Brasil, mas tão somente aquelas que estiveram ligadas intensamente à constituição do País. Cabe aos entes federativos legislarem sobre a matéria e criarem mecanismos de proteção e incentivo ao Patrimônio cultural e isso abrange, também, o combate às práticas de racismo, o incentivo à liberdade de crença e exercício dos seus meios de expressão, a preservação das línguas existentes no País e o incentivo à prática de atos de lazer, recreação e desporto. Concluímos que o meio ambiente cultural envolve diversos aspectos, mas o que permite a sua identificação é a percepção de que sua existência está atrelada a nossa história e que sua manutenção visa, acima de tudo, garantir a sadia qualidade de vida sob o princípio da dignidade da pessoa humana.

O estudo da proteção do meio ambiente cultural segundo a Constituição Federal 71 BIBLIOGRAFIA 1. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva. 2011. 2. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Princípios do Direito Processual Ambiental. São Paulo: Saraiva. 2010. 3. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; FERREIRA, Renata Marques. Direito Ambiental Tributário. São Paulo: Saraiva. 2010. 4. FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a Efetividade das Normas Ambientais. São Paulo: Revistas dos Tribunais. 2000. 5. SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores. 2010.