*Tradução não oficial para o português: Erika M Yamada Advogada do Instituto Socioambiental (ISA)



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Transcrição:

Anexo traduzido*: Relatório sobre a situação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais indígenas. James Anaya em missão ao Brasil de 18 a 25 de agosto de 2008. *Tradução não oficial para o português: Erika M Yamada Advogada do Instituto Socioambiental (ISA) Em: ANAYA, James (Relator Especial da ONU). 14 de agosto de 2009. Relatório sobre a situação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais indígenas. Promoção e proteção de todos os direitos humanos, direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, inclusive o direito ao desenvolvimento. A/HRC/12/34/Add.2. Décima Segunda Sessão do Conselho de Direitos Humanos. Item 3 da pauta. Original em Inglês. Sumário disponível em todas as línguas oficiais. Em: http://www.ohchr.org/en/pages/welcomepage.aspx

Sumário Resumo...3 Introdução...3 I. ANTECEDENTES E CONTEXTO...5 A. Os povos indígenas do Brasil...5 B. Leis aplicáveis e políticas públicas indígenas...6 C. Autodeterminação dos povos indígenas...8 D. Assuntos indígenas no atual cenário político...10 E. O caso Raposa Serra do Sol...11 II. TERRAS E RECURSOS DOS POVOS INDÍGENAS...13 A. Protegendo terras e recursos indígenas...13 B. Processo de delimitação, demarcação e titulação de terras indígenas...14 C. Ocupação não indígena e invasão de terras indígenas...15 D. Projetos de desenvolvimento de grande escala e mineração...18 III. DESENVOLVIMENTO INDÍGENA E PREOCUPAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS RELACIONADAS...19 A. Assuntos Políticos...19 B. Saúde...20 C. Educação...22 IV. Conclusões...23 V. Recomendações ao Governo Brasileiro:...24

Resumo O presente relatório foi elaborado após a visita do Relator Especial sobre a situação dos direitos humanos e liberdades fundamentais indígenas ao Brasil, com foco em assuntos indígenas brasileiros referentes à realização do direito dos povos indígenas à auto determinação e direitos humanos relacionados. O Relator Especial observa que o Governo Brasileiro manifestou um compromisso para avançar os direitos dos povos indígenas de acordo com relevantes parâmetros internacionais, tendo ratificado a Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT Convenção n. 169) sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, e apoiado a adoção da Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Adicionalmente, o Brasil apresenta importantes proteções constitucionais e legais para os povos indígenas, e seu Governo desenvolveu um número de programas significantes nas áreas de direitos indígenas territoriais, de desenvolvimento, de saúde e de educação. Não obstante, o Relator Especial observa que os povos indígenas do Brasil continuam a enfrentar múltiplos impedimentos para o completo gozo de seus direitos humanos. São necessários mais esforços para garantir que os povos indígenas tenham a possibilidade de exercer por completo seu direito de autodeterminação que significa exercer o controle sobre suas vidas, comunidades e terras participando efetivamente em todas as decisões que lhes afetem, de acordo com seus próprios padrões culturais e estruturas de autoridades dentro da estrutura de um estado brasileiro que respeite a diversidade. Consciente destes desafios, o Relator Especial oferece uma série de recomendações que podem servir para fortalecer o reconhecimento e a proteção dos direitos dos povos indígenas no Brasil, em linha com os compromissos assumidos pelo Governo.

Introdução 1. Este relatório examina a situação dos direitos humanos dos povos indígenas no Brasil, à luz dos relevantes parâmetros internacionais de direitos humanos, e faz uma série de recomendações para auxiliar os esforços existentes de implementação desses padrões. Este relatório está baseado em informações reunidas pelo Relator Especial durante visita ao Brasil de 18 a 25 de agosto de 2008 e em subseqüente pesquisa e troca de informações. A visita atendeu às solicitações de várias organizações de povos indígenas em todo o país e se deu com a cooperação do Governo brasileiro. 2. Durante sua visita ao Brasil, o Relator Especial reuniu se com membros do governo, povos indígenas e suas organizações, representantes das Nações Unidas e membros da sociedade civil. Em Brasília, o Relator Especial reuniu se com representantes do Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Justiça, inclusive da Fundação Nacional do Índio (Funai), Secretaria Especial de Direitos Humanos, Ministério Público Federal, Ministério da Educação e Fundação Nacional de Saúde (Funasa), e Advocacia Geral da União e membros da Frente Parlamentar Indígena. Ele também consultou se com o Coordenador Residente das Nações Unidas e com representantes das agências da ONU com escritório no Brasil. 3. O Relator Especial reuniu se com representantes de várias organizações indígenas do país, em nível nacional e regional, inclusive a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e organizações afiliadas; a Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME); a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN); o Conselho Indígena de Roraima (CIR); bem como com organizações da sociedade civil, inclusive o Instituto Socioambiental (ISA). O Relator Especial participou de um fórum com várias organizações indígenas durante um seminário para discutir propostas para um novo estatuto sobre direitos dos povos indígenas organizado pela Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI). 4. O Relator Especial realizou viagens de campo a Manaus e região do Alto Rio Negro no estado do Amazonas; Boa Vista e terras indígenas Raposa Serra do Sol e Yanomami no estado de Roraima; e Campo Grande, Dourados e comunidades indígenas próximas, no estado do Mato Grosso do Sul. Durante essas viagens ele se reuniu com representantes dos governos local e estadual, autoridades militares, comunidades e organizações indígenas, e membros da sociedade civil. 5. No curto período em que a visita ocorreu, o Relator Especial tentou encontrarse com e receber informações de tantas comunidades e representantes indígenas quanto foi possível, e teve a oportunidade de visitar, entre outras, as comunidades: Cunuri no Amazonas; Serra do Sol, Surucucu, Demini, Malacacheta, e Surumú em Roraima; e Panambizinho, Passo Pirajú, Bororó, e

Jaguapiru no Mato Grosso do Sul, bem como a Aldeia Urbana em Campo Grande. 6. O Relator Especial expressa seu apreço e gratidão ao Governo Brasileiro, especialmente ao Ministério das Relações Exteriores e à Funai, e às organizações indígenas pelo apoio que providenciaram à sua visita. O Relator Especial gostaria de agradecer à equipe do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento em Brasília e o intérprete na visita por seu papel instrumental na preparação e execução da mesma. Finalmente, o Relator Especial agradece a Dra. Erika Yamada e à equipe do escritório do Alto Comissariado para Direitos Humanos (OHCHR) em Genebra por sua assistência na condução da visita e na preparação deste relatório. I. ANTECEDENTES E CONTEXTO A. Os povos indígenas do Brasil 7. De acordo com estatísticas governamentais, os indígenas constituem aproximadamente 0,43% da população brasileira, algo entre 700.000 e 750.000 pessoas. 1 Apesar da história de invasão e continuada ameaça à sua sobrevivência, os povos indígenas ainda mantêm uma imensa diversidade e riqueza cultural. Há pelo menos 225 povos indígenas, que falam cerca de 180 línguas diferentes em todo o Brasil, vivendo tanto em terras indígenas tradicionais como em centros urbanos. Suas línguas, costumes, rituais e patrimônio material e imaterial, que são fundamentais para sua sobrevivência, contribuem para a riqueza do mosaico demográfico brasileiro. Os estados da região amazônica têm a maior concentração de indígenas, seguidos pelo estado do Mato Grosso do Sul. Há povos indígenas em todos os outros estados brasileiros exceto, segundo informações do Governo, nos estados do Piauí e Rio Grande do Norte. 8. Estudos acadêmicos estimam que havia cerca de cinco milhões de indígenas vivendo no território que hoje é o Brasil, falando cerca de 1.300 línguas, quando os primeiros europeus chegaram há séculos atrás. Devido a vários fatores, comuns à história vivida em todas as Américas inclusive doenças introduzidas por europeus, remoção forçada e conflitos violentos com invasores a população indígena foi dramaticamente reduzida, e numerosos grupos distintos entre si étnica ou linguisticamente desapareceram. 1O censo nacional de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estimou um total de 734.127 indígenas no Brasil. Os entrevistados foram pedidos para identificar se pela raça ou cor de pele usando a seguinte classificação: branco, preto, pardo, amarelo e indígena.

9. Apesar de políticas governamentais que agora favorecem povos indígenas, padrões de discriminação contra os mesmos, com raízes históricas, persistem e penetram em várias esferas da vida social e política. As manifestações mais freqüentes de tais padrões de discriminação se dão na falta de participação dos povos indígenas sobre decisões que os afetem, as ameaças à integridade cultural, as condições precárias de vida e, frequentemente, a violência. 2 Muitos dos grupos sobreviventes já não vivem em suas terras tradicionais, resultando na urbanização de comunidades indígenas e um conseqüente enfraquecimento de suas culturas, tradições e línguas. Daqueles povos indígenas que permanecem em terras indígenas, muitos vivem em condições precárias. De acordo com o IBGE, enquanto 15,5% da população brasileira vive em situação de extrema pobreza, entre os indígenas essa população chega a 38 %. Ao aplicar o conceito de pobreza neste contexto, devidas considerações devem ser feitas ao reduzido papel do consumismo e economias de mercado entre povos indígenas. No entanto, fica claro que, por qualquer padrão adotado, os povos indígenas como um todo encontram se em desvantagem econômica em termos de acesso ao poder político, comparativamente à maior parte do restante da sociedade brasileira. 10. Há um número significante de grupos indígenas que têm pouco ou nenhum contato com pessoas de fora e sobre os quais pouca informação está disponível. Pesquisas conduzidas pela Funai identificam 65 grupos indígenas isolados e cinco outros que foram recentemente contatados no estado do Amazonas, além de um grupo no estado de Goiás. A Funai encabeçou a política de governo para garantir a esses grupos o direito de manterem se isolados e a integridade de seus territórios. B. Leis aplicáveis e políticas públicas indígenas 11. O Brasil é uma república federativa, composta por uma União federal de 26 estados, um Distrito Federal (onde localiza se Brasília, a capital) e 5.507 municípios. A Constituição da República Federal do Brasil reflete os esforços dos legisladores para consolidar o Estado democrático destinado a como disposto no preâmbulo e na afirmação dos Princípios Fundamentais (Título I) assegurar a harmonia social e os direitos individuais com base na igualdade e nas normas de direito. Os cinco capítulos do Titulo II são dedicados a detalhar o rol de Direitos e Garantias Fundamentais 12. As proteções específicas de direitos fundamentais tratadas na Constituição de 1988 são complementadas pelos diversos tratados de direitos humanos de que o Brasil é parte. De acordo com o artigo 5 o. da Constituição, com emenda de 2004, e de acordo com a doutrina, os direitos humanos garantidos em tratados 2E/CN.4/2006/16/Add.3, 28 February 2006.

devidamente ratificados por atos do Congresso e do Presidente são incorporados na legislação doméstica e, em alguns casos, têm status constitucional. O Brasil ratificou os principais instrumentos de direitos humanos da ONU 3 e alguns dos protocolos opcionais. 13. O sistema legal doméstico para a proteção e promoção específica dos direitos dos povos indígenas está baseado principalmente na Constituição de 1988, que reconhece a diversidade cultural do país e inclui um capítulo específico com dois artigos sobre Índios. Essa Constituição foi uma das primeiras do mundo a assegurar direitos dos povos indígenas dentro da estrutura do pensamento contemporâneo sobre a relação entre estado e indígenas, e continua sendo uma das mais progressistas nesse sentido. O artigo 231 da Constituição determina o reconhecimento de suas organizações sociais, costumes, línguas, crenças e tradições, bem como o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam ; prevê proteção a esses direitos, especialmente em relação à exploração de recursos naturais em terras indígenas; protege os povos indígenas contra remoção forçada e contra a perda de posse de suas terras; e estabelece o dever da União de demarcar as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas e para proteger e fazer respeitar todos os seus bens. O artigo 232 garante aos povos indígenas e suas organizações legitimidade para ingressar em juízo em defesa de seus direitos, e autoriza o Ministério Público a intervir em nome dos povos indígenas em todos os casos pertinentes. 14. Além disso, os povos indígenas e seus direitos são tratados no Estatuto do Índio de 1973 (Lei 6001). Apesar dessa lei ter sido considerada avançada na época de sua adoção, ela passou a ser muito criticada por estar em dissonância com padrões constitucionais e internacionais contemporâneos no tocante à sua posição de incentivo para que os povos indígenas evoluíssem e passassem a ser mais civilizados. A implementação dessa lei foi ajustada para refletir os dispositivos da Constituição de 1988, e desde 1991 o Congresso discute a substituição dessa lei por uma nova, mas esses debates continuam. 15. Em 2002 o Brasil adotou um Novo Código Civil 4 que, alinhado com a Constituição, elimina as restrições discriminatórias no exercício de direitos civis pelos povos indígenas contidas no antigo Código Civil de 1916. Antes da aprovação do novo Código Civil, os indígenas eram classificados como relativamente incapazes e efetivamente tratados como menores sob a tutela da Funai. 16. A Funai é o principal órgão do Estado responsável pela execução de políticas públicas para povos indígenas e por desenvolver programas para avançar interesses indígenas. Foi estabelecida em 1967 e agora é uma autarquia ligada 3 A única exceção é a Convenção Internacional de Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias. 4Lei n.10.406, 10 de janeiro de 2002.

ao Ministério da Justiça. Sua sede fica na capital Brasília, e projetos são desenvolvidos em suas 45 sub sedes regionais, 14 núcleos de apoio indígena e 344 postos indígenas em todo o país. A Funai é responsável por promover e proteger os direitos e interesses dos povos indígenas; demarcar e garantir proteção das terras indígenas; desenvolver estudos sobre os vários grupos indígenas: e estimular a conscientização sobre os povos indígenas e seus desafios. 17. A Funai tem feito um trabalho exemplar em diversas áreas, incluindo o desenvolvimento e execução de uma metodologia para identificar e demarcar terras indígenas, e tem contribuído para melhorar os benefícios de assistência social para as comunidades indígenas. Entretanto, sua história é a de uma instituição dominada por burocratas e cientistas sociais não indígenas que compartilhavam uma postura altamente paternalista em relação aos povos indígenas e por um modelo de desenvolvimento que não coadunam com os padrões contemporâneos de autodeterminação indígena. Ficou evidente para o Relator Especial que a coordenação da Funai está consciente da necessidade de abandonar posturas paternalistas do passado e que a Funai tem feito esforços decisivos para incorporar uma orientação política consistente com as normas internacionais contemporâneas. Ainda assim, ele observou durante sua visita que, de muitas maneiras, a história de paternalismo continua a moldar as ações da Funai. A Funai também tem sido afetada por uma significante falta de recursos e pessoal qualificado para executar suas muitas responsabilidades. 18. Numa ação positiva, o Presidente do Brasil estabeleceu em 2006 a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI). Essa comissão é composta por representantes de órgãos governamentais, organizações indígenas e outras organizações da sociedade civil. Em todos os sentidos, a CNPI é uma bem vinda iniciativa para garantir uma maior participação indígena no processo de definição de políticas públicas sobre assuntos indígenas no Brasil e na reforma de leis e programas de governo relevantes para melhor conformá las com as aspirações dos próprios povos indígenas. 19. Também significativo é o programa governamental chamado Carteira Indígena, lançado em 2007 para avançar uma série de ações interministeriais voltadas a melhorar as condições de vidas dos povos indígenas. O programa estabeleceu metas para ação em três áreas: 1) proteção de terras indígenas; 2) promoção das culturas indígenas e da economia auto sustentável; e 3) melhoria da qualidade de vida dos povos indígenas. 20. Com o compromisso internacional de respeitar e promover os direitos dos povos indígenas de acordo com padrões contemporâneos, no dia 25 de julho de 2002, o Brasil ratificou a Convenção da Organização Internacional do Trabalho (N.169) sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes (doravante Convenção 169 ), e a implementação da Convenção passou a ser mandatória por força de decreto presidencial de 2004 5. Também reflexo desse compromisso, 5 Decreto 5.051, 19 de abril de 2004.

o Brasil votou em favor da adoção da Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas (doravante Declaração ou Declaração da ONU ) no dia 13 de setembro de 2007. C. Autodeterminação dos povos indígenas 21. Em geral, a situação de direitos humanos dos povos indígenas no Brasil pode ser descrita como envolvendo tanto aspectos de avanço, como de persistentes barreiras para a realização de seu direito à autodeterminação. O Relator Especial observa com satisfação a natureza avançada em comparação com outros países das leis aplicáveis no Brasil e de muitas de suas políticas e programas relativas a povos indígenas. No entanto, apesar dos avanços notáveis, os direitos humanos dos povos indígenas a começar pelo direito fundamental à autodeterminação ainda precisam ser integralmente realizados. 22. A Declaração da ONU sobre Direitos dos Povos Indígenas afirma, em seu artigo 3, que Os povos indígenas têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito determinam livremente sua condição política e buscam livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural. Este dispositivo da Declaração, que se espelha no artigo 1o. comum das Convenções Internacionais de Direitos Humanos 6 de que o Brasil é parte responde às aspirações dos povos indígenas em todo o mundo de controlarem seus próprios destinos em condição de igualdade, e de participarem efetivamente na tomada de todas as decisões que os afetam. O direito de autodeterminação é um direito fundamental, sem o qual os demais direitos humanos dos povos indígenas, tanto coletivo como individuais, não podem ser gozados. 23. A Declaração de maneira geral e no artigo 46 esclarece que o exercício da autodeterminação pelos povos indígenas deve se dar dentro da estrutura de unidade e integridade territorial do Estado, tal como deve ser exercitado por todos os outros povos. A promoção da autodeterminação para os povos indígenas apenas fortalece o Brasil como um Estado democrático que respeite a diversidade, a medida que permite com que os povos indígenas participem inteiramente da vida do Estado com a devida consideração aos seus próprios padrões culturais, estruturas de autoridades e conexões com a terra. O Governo expressou seu comprometimento com a autodeterminação nesses termos e iniciou um número de programas para tal fim. 24. Ainda assim, é evidente que os povos indígenas carecem de adequada participação em todas as decisões que afetam suas vidas e comunidades, e que eles não têm o controle adequado sobre seus territórios, em muitos casos, até 6 Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; e Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

mesmo quando as terras já estão demarcadas e homologadas. Como discutido abaixo (Parágrafos 45 53) os povos indígenas sofrem persistentemente com invasões e extração de recursos de suas terras por invasores. Além disso, de acordo com muitos relatos, a administração pública dos recursos naturais nas terras indígenas e programas de ONGs frequentemente impedem os povos indígenas de acessarem uma série de opções de desenvolvimento que envolvem o uso de recursos dentro de suas terras. O Relator Especial notou a falta de um mecanismo efetivo de consulta aos povos indígenas acerca de projetos de desenvolvimento, tais como mineração e hidrelétricas, que mesmo fora de áreas demarcadas como terras indígenas, têm um impacto direto sobre esses povos (veja abaixo, parágrafos 54 57). 25. Como discutido abaixo (parágrafos 60, 63, 65 67), o Estado tem feito significantes progressos ao oferecer educação e serviços sociais culturalmente adaptados a muitas comunidades indígenas, e ao incluir indígenas na administração desses serviços. No entanto, com base nos inúmeros relatos que ele ouviu tanto de representantes indígenas como do Governo, o Relator Especial só pode concluir que é preciso mais para realmente incorporar a esses serviços o objetivo de finalmente empoderar os povos indígenas para que controlem seus próprios interesses em todas as esferas da vida. A falta de poder dos povos indígenas na elaboração, administração e prestação dos serviços, e na tomada de decisões que afetam seus territórios e recursos, através de suas próprias instituições, em parceria com o Estado e outros atores, contribuem para uma persistente relação de dependência e impedem a realização do direito de autodeterminação. D. Assuntos indígenas no atual cenário político 26. Os atuais desafios para a realização do direito de autodeterminação pelos povos indígenas no Brasil estão intrinsecamente ligados a padrões históricos de discriminação racial, cultural, lingüística e étnica com raízes na colonização portuguesa, que durou de 1500 a 1822. Apesar da criação de políticas de Estado para reverter a histórica opressão praticada contra os povos indígenas, ainda se vê uma continuada, ainda que mais sutil, manifestação do histórico desrespeito aos interesses dos povos indígenas e desconsideração por seu bem estar e direitos humanos. 27. Nas últimas duas décadas, o crescimento e fortalecimento de organizações indígenas autônomas contribuiu para a sobrevivência de povos indígenas, permitindo com que eles passassem a ser mais protagonistas de suas próprias lutas em nível local, regional, nacional e internacional. Isso, juntamente com algumas políticas públicas favoráveis e com as proteções constitucionais, proporcionou maiores avanços e visibilidade para os povos indígenas. Ao mesmo tempo, esses avanços atraíram controvérsia e uma freqüente atmosfera de antagonismo político.

28. No Brasil, a mídia noticiária parece ter um papel fundamental no modelar e refletir desse cenário político. Durante sua visita, o Relator Especial testemunhou um clima polêmico com notícias na mídia que revelaram a falta de compreensão e até hostilidade com relação a assuntos indígenas. Com poucas notáveis exceções, enquanto o Relator Especial esteve no Brasil, as demandas dos povos indígenas e vitórias por eles alcançadas em relação ao reconhecimento de seus direitos foram tratadas com desconfiança ou pior. Parecia ser mínima a representação dos povos indígenas ou de suas organizações na mídia, com pouca oportunidade para os povos indígenas influenciarem o conteúdo dos materiais que eram publicados ou transmitidos sobre eles e em seus nomes. O Relator Especial encoraja outras iniciativas como o Programa Pontos de Cultura do Ministério da Cultura e a Lei 11654 (de março de 2008), que visa a promoção da conscientização pública sobre culturas e direitos indígenas, respectivamente na mídia e no sistema geral de educação. 29. No seio dessa atitude de discórdia na mídia estão diversos assuntos de controvérsia política e econômica e que moldam algumas das discussões públicas. Existe uma aparente tensão no debate público entre, o desenvolvimento econômico de um lado e, de outro, a conservação do meio ambiente e o reconhecimento de direitos indígenas, especialmente aqueles relacionados à terra. Ainda que existam programas federais elaborados e inovadores para avançar os direitos dos povos indígenas sobre suas terras e recursos naturais, esses programas nem sempre são entendidos como estando de acordo com a tendência dominante das políticas desenvolvimentistas e objetivos do país. 30. Particularmente em relação a projetos de desenvolvimento de grande escala, mineração e agricultura extensiva, algumas autoridades estaduais e municipais expressaram preocupações quanto aos direitos dos povos indígenas poderem ser um entrave ao desenvolvimento econômico e, têm buscado ativamente uma reversão de ganhos alcançados para a proteção de terras e recursos dos povos indígenas. Além disso, enquanto leis para avançar direitos dos povos indígenas, como por exemplo um substituto ao Estatuto do Índio, estão sendo desenvolvidas, inúmeros projetos de leis foram encaminhados no Congresso Nacional para reverter ou limitar as proteções aos direitos indígenas já estabelecidos. Oficiais militares brasileiros também têm um papel na controvérsia e em algumas ocasiões contribuíram para uma retórica antiindígena na mídia. Algumas autoridades militares chegaram a criticar publicamente a política de Estado para demarcar extensas áreas de terras para povos indígenas, especialmente em terras de fronteiras com outros países na relativamente isolada região amazônica sob alegadas preocupações com a segurança e soberania nacional.

E. O caso Raposa Serra do Sol 31. O caso Raposa Serra do Sol é emblemático dos vários elementos da controvérsia que paira sobre direitos indígenas e envolveu um dramático desafio para a demarcação de um território indígena de 1.74 milhões de hectares. Um Decreto Presidencial de 15 de abril de 2005 homologou a delimitação e demarcação administrativa da terra indígena Raposa Serra do sol, localizada no estado de Roraima, em benefício dos povos Ingaricó, Macuxi, Patamona, Taurepang e Wapichana (somando uma população de 20.000 pessoas). O processo de demarcação foi contestado por poderosos fazendeiros não indígenas que haviam invadido a terra para cultivar arroz em escala industrial e que marcaram sua oposição com violência contra os indígenas. O Decreto de 2005 determinava a remoção dos ocupantes não indígenas da terra demarcada dentro do prazo de um ano, mas os fazendeiros resistiram à desintrusão e ainda incitaram a violência que culminou com o ataque a tiros contra diversos indígenas no dia 05 de maio de 2008. 32. Cumpre ressaltar que tal tipo de violência ocorreu não apenas na Raposa Serra do Sol mas também em outros lugares do país, especialmente nos estados do Mato Grosso do Sul (contra o povo Guarani), Maranhão (povo Guajajara) e Pernambuco (povo Xucuru). Existem inúmeros casos de ativistas pela defesa de direitos sobre as terras e recursos mortos por jagunços ou milícias privadas encomendados por influentes proprietários rurais. Ativistas por direitos territoriais têm sofrido assédio, intimidação e ameaças de fazendeiros, às vezes em conluio com autoridades locais. 7 A seu crédito, o sistema de justiça brasileiro investigou e processou muitos desses casos, mas aparentemente a impunidade persiste em muitos outros e a ameaça de outros confrontos e violências permanece. 33. Os opositores à demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, apoiados pelo estado de Roraima, entraram com uma liminar contra a desintrusão dos arrozeiros e contestaram a demarcação e o reconhecimento da terra indígena Raposa Serra do Sol em área contínua. Muitos dos arrozeiros que se recusaram a sair juntaram se à contestação judicial da demarcação. Esses arrozeiros e o estado argumentaram que a demarcação de tão extenso território não seria apenas inconstitucional como também constituiria uma afronta aos objetivos de desenvolvimento econômico, que de acordo com eles eram protegidos pela Constituição. Oficiais militares brasileiros apoiaram publicamente com pronunciamentos de preocupação sobre um território indígena semiautônomo instalado numa longa faixa de fronteira do Brasil com a Venezuela e Guiana trazer implicações para a segurança nacional, perpetuando uma preocupação mas ampla quanto aos os direitos dos povos indígenas serem uma 7 A/HRC/4/37/Add.2, 19 December 2006, para.18 20 e 68.

ameaça à soberania nacional. Povos e organizações indígenas, particularmente o Conselho Indígena de Roraima (CIR) intervieram apoiando as comunidades indígenas da Raposa Serra do Sol na oposição à contestação da demarcação do território, com estratégias que chegaram à esfera internacional, numa crescente polarização do cenário político. 34. Quando o caso chegou ao Supremo Tribunal Federal, suas potenciais implicações para o futuro dos direitos dos povos indígenas no Brasil, especialmente do direito à terra, tinham adquirido proporções significativas. O caso representou o embate de duas visões opostas de desenvolvimento e do papel dos povos indígenas em relação a tal uma que vê os povos indígenas em posse das terras que tradicionalmente usam e ocupam e outra que vê aquelas terras abertas, por interesses de mercado, a um desenvolvimento econômico com povos indígenas relegados a pequenas porções de terras. 35. Depois de um longo processo, o Supremo Tribunal Federal pronunciou sua decisão final sobre o caso em 19 de março de 2009, com a maioria dos 11 Ministros votando pela manutenção da demarcação da Raposa Serra do Sol como uma terra contínua. 8 Nesse aspecto, a decisão da corte foi indubitavelmente uma vitória para as comunidades indígenas daquela terra e do país, confirmando a essencial legalidade do modelo de demarcação que tem sido replicado em toda a região amazônica e em outras partes do Brasil (ver parágrafos 40 44), e rejeitando o entendimento de que aquele modelo ameaça o desenvolvimento ou a segurança do Estado brasileiro. Porém, enquanto reafirma a demarcação da terra indígena e ordena a retirada dos arrozeiros não indígenas, a corte determina uma série de condições, muitas delas limitantes, sobre os direitos territoriais que ali confirmava e sobre proteções constitucionais para terras indígenas em geral (ver parágrafos 11 19, 35 39). II. TERRAS E RECURSOS DOS POVOS INDÍGENAS 8 Supremo Tribunal Federal, decisão sobre a Petição 3388, 18 19 de março de 2009.

A. Protegendo terras e recursos indígenas 36. É evidente que os direitos assegurados sobre terras e recursos naturais são essenciais para a sobrevivência e desenvolvimento dos povos indígenas no Brasil, e assim para o exercício da autodeterminação indígena. De acordo com a Constituição de 1988, os povos indígenas têm o direito à posse permanente das terras que tradicionalmente ocupam cabendo lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes (artigo 231) ao mesmo tempo, a Constituição define tais terras como propriedades inalienáveis da União (artigo 20). 37. A demarcação e homologação oficial das terras indígenas determinadas pelo artigo 231 da Constituição são indispensáveis para assegurar os direitos dos povos indígenas às suas terras tradicionais. Como os direitos territoriais indígenas na Constituição são considerados originais significando que eles se originam da presença indígena e de uma concessão do Estado os atos de demarcação e homologação reconhecem e não constituem direitos. 38. A Funai relata que existem 611 áreas de terras indígenas que estão em diferentes estágios do processo formal de registro. Destas, 488 estão, pelo menos, no estágio de levantamento do processo de demarcação, sendo que 398 já foram demarcadas e homologadas. As 488 terras indígenas cobrem 105.673.003 hectares, aproximadamente 12,41% do território nacional. Indubitavelmente, o Brasil tem se destacado como um líder mundial em tal aspecto. 39. A decisão do Supremo Tribunal Federal no caso Raposa Serra do Sol, de 19 de março de 2009, estabeleceu 19 condições que, na opinião da maioria dos Ministros da suprema corte, moldam o conteúdo constitucional de reconhecimento e proteção das terras indígenas, inclusive daquelas demarcadas e homologadas. Essas condições ultrapassam as determinações específicas da Constituição ou de qualquer legislação aplicável, razão pela qual a Advocacia Geral da União e alguns observadores consideraram questionável o exercício da autoridade da corte que é um órgão judicial, e não legislativo. Algumas das 19 condições confirmam proteções para terras indígenas, por exemplo com a isenção de impostos e a proibição de caça, pesca e atividades extrativas por não indígenas. Muitas das condições no entanto limitam as proteções constitucionais existentes, ao especificar poderes do Estado sobre terras indígenas, com base na assunção de um direito de propriedade total do Estado. Algumas das condições afirmam a autoridade da União federal, através de seus órgãos competentes, para controlar a extração de recursos naturais em terras indígenas, instalar projetos públicos, e para definir a presença militar e da polícia nessas terras sem a consulta aos grupos indígenas afetados. Outras condições autorizam órgãos específicos do governo a exercerem certos poderes de fiscalização de terras indígenas, particularmente para propósitos de conservação e para regular a entrada de indivíduos não indígenas.

40. Os dispositivos constitucionais que são progressistas sobre povos indígenas devem ser interpretados de acordo com os relevantes padrões internacionais. O artigo 27 da Declaração da ONU afirma o direito dos povos indígenas de possuir, utilizar, desenvolver e controlar as terras, territórios e recursos que tradicionalmente ocupam; e a Convenção 169 da OIT declara em seu artigo 14 que dever se á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Em razão desses padrões internacionais, com os quais o Brasil assumiu compromisso, os povos indígenas devem gozar efetivamente dos direitos sobre suas terras o que é equivalente ao direito de propriedade e os interesses de proprietário do Estado sobre as terras indígenas devem operar apenas como um meio de proteção e não como meio de interferência ao controle indígena. Além disso, tanto de acordo com a Declaração (artigos 19, 30, 32) como com a Convenção 169 da OIT (artigos 6, 15.2), os povos indígenas têm o direito de ser consultados sobre qualquer decisão que os afete com o objetivo de alcançar sua anuência ou consentimento, inclusive com relação à exploração dos recursos de subsolo de propriedade do Estado ou ao estabelecimento de instalações militares. Qualquer que seja a confirmação ou entendimento final das 19 condições elaboradas pelo Supremo Tribunal Federal, as autoridades administrativas, legislativas e militares devem exercer seus poderes em relação às terras indígenas consistentemente com essas normas internacionais. Também, a adoção de legislação doméstica ou regulamentação administrativa para implementar esses padrões é desejável. B. Processo de delimitação, demarcação e titulação de terras indígenas 41. O Brasil meritoriamente desenvolveu uma metodologia avançada para demarcar e homologar terras indígenas, 9 administrada pela Funai e Ministério da Justiça com a participação de povos indígenas. O processo de demarcação inicia se com a identificação da área por meio de um detalhado estudo multidisciplinar da Funai, realizado com a participação de grupos indígenas ou grupos interessados por meio de suas próprias instituições representativas. Na identificação da área, os modos de usos históricos da terra, bem como as necessidades presentes e futuras para a sobrevivência física e cultural dos indígenas, de acordo com o artigo 231 da Constituição, são considerados. 42. O Ministério da Justiça supervisa o processo de demarcação e decide sobre reclamações ou contestações administrativas à demarcação. Qualquer ocupante não indígena da área demarcada deve ser reassentado e receber indenização por benfeitorias de boa fé, de acordo com a legislação pertinente. Os ocupantes 9 Definido em Decreto Presidencial 1775(1996) e Portaria 14 do Ministério da Justiça (1996).

não indígenas podem contestar a demarcação e o valor da indenização oferecida, antes do processo ser finalizado. Normalmente, essas contestações resultam em atraso da homologação das terras demarcadas, na completa recusa dos ocupantes não indígenas saírem uma vez que a terra é homologada, ou até mesmo um aumento das ocupações ilegais, como observado no caso da Raposa Serra do Sol. 43. Uma iniciativa exemplar de integração para assegurar as terras indígenas e oferecer capacitação relevante aos povos indígenas é o Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal (PPTAL), administrado pela Funai. O projeto, que apoiou a identificação e demarcação de 40 milhões de hectares de terras indígenas na região amazônica, é apresentado como projeto que contribuiu para assegurar o acesso dos povos indígenas a recursos naturais e para aumentar a participação e controle dos povos indígenas no processo de segurança e administração de suas terras. 44. Apesar dos avanços e da exemplar iniciativa do PPTAL, outros compromissos orçamentários são necessários para fortalecer e apoiar a demarcação de terras em que vivem povos indígenas nas várias regiões do país. De acordo com informações recebidas pelo Relator Especial, a Funai não tem recursos humanos e financeiros suficientes para o necessário para demarcar os muitos e vastos territórios indígenas no Brasil. Em alguns casos em que o processo de demarcação já foi iniciado, a conclusão do mesmo foi impedida por falta de recursos humanos e financeiros. Sobre isso, o Governo relata aumentos recentes no orçamento da Funai e medidas para reestruturar e melhorar seu quadro. 45. Outro desafio é em relação às forças políticas discordantes que tentam minar, fazer parar, ou até mesmo reverter os progressos de demarcação de terras indígenas. Durante sua visita ao Brasil, o Relator Especial interou se de cinco propostas de emenda aos dispositivos sobre povos indígenas da Constituição de 1988, e de 19 projetos de lei no Senado e 15 na Câmara dos Deputados para suspender os efeitos dos decretos de demarcação de terras indígenas, ou para mudar os procedimentos de identificação e demarcação de terras indígenas. Some se a isso o fato de que uma das 19 condições elaboradas pelo Supremo Tribunal Federal no caso Raposa Serra do Sol, proíbe a ampliação de terras indígenas já demarcadas. Teme se que este dispositivo venha a ser um impedimento aos esforços existentes para garantir áreas de terras para as comunidades indígenas que tiveram asseguradas apenas parcelas relativamente pequenas de terras, antes do atual regime de demarcação.

C. Ocupação não indígena e invasão de terras indígenas 46. Como já observado, a presença de ocupantes não indígenas é um recorrente impedimento à proteção de terras indígenas. Isso pode ser particularmente constatado em áreas como no Mato Grosso do Sul, o estado com a maior população indígenas fora da região amazônica, onde há uma forte presença não indígena com um modelo de uso da terra que desalojou povos indígenas de suas terras tradicionais. Diferentemente da região amazônica, onde vastas áreas de terras permanecem habitadas principalmente por povos indígenas, as áreas rurais do Mato Grosso do Sul foram em sua maioria divididas e destinadas a fazendeiros não indígenas, muitos deles envolvidos com o agronegócio. Este é o resultado de uma política de governo agressiva de titulação de terras para particulares no século passado, bem antes da Constituição de 1988 e seu reconhecimento de direitos indígenas. Os povos indígenas foram forçados a sair de suas terras, ou relegados a pequenas parcelas de terras dentro das suas áreas maiores de uso tradicional, por isso foram privados dos adequados meios de subsistência e de continuidade cultural. Paraná e Santa Catarina são dois outros estados na região sudeste do país em que os povos indígenas tiveram apenas pequenos pedaços de terra deixados para eles, sendo muitas dessas áreas inférteis, que proporcionam pouco para um modo de vida sustentável. 47. A pobreza extrema e uma série de problemas sociais (até subnutrição e desnutrição em alguns casos) agora afligem os povos Guarani Kaiowá e Nhandeva no Mato Grosso do Sul. O estado tem a maior taxa de mortalidade infantil indígena devido às precárias condições de saúde, acesso à água e comida, relacionadas à falta de terras. Em 2007 o governo federal estabeleceu o Comitê Gestor de Ações Indigenistas de Dourados, que tomou uma série de medidas para lidar com os problemas de nutrição, saúde e de outras aspectos de bem estar social dos indígenas no estado, através de parcerias firmadas com diversas agencias federais e autoridades locais. 48. Os povos indígenas têm tentado retomar terras tradicionais que agora estão sob o controle de ocupantes não indígenas. No Mato Grosso do Sul e em outros lugares, a Funai está considerando as demandas por expansão das áreas de terras indígenas registradas sob o regime anterior a 1988 e iniciou o processo, descrito acima, para a demarcação de áreas adicionais. Em alguns casos, antecipando uma decisão final pelo Estado, grupos indígenas simplesmente reocuparam lugares dentro de seus territórios tradicionais que estão titulados em nome dos fazendeiros não indígenas. 49. Os esforços dos povos indígenas para retomar as terras tradicionais levaram a tensões que em muitas ocasiões resultaram em violência. Preocupante é o fato de que a taxa de homicídio entre a população indígena no Mato Grosso do Sul cresceu significantemente nos últimos anos, com 19 homicídios em 2004, 28 em 2005, 27 em 2006 e 53 em 2007. Os homicídios são resultados de tensões internas e externas. E muitas mortes e ameaças de violência contra indígenas

são direta ou indiretamente relacionadas à luta pela terra dos indígenas. O Relator Especial ouviu relatos de conflitos violentos entre a polícia local e povos indígenas, e depoimentos de perseguição pela polícia local. Ele também recebeu relatos de confrontos violentos entre guardas privadas armadas, supostamente contratadas por fazendeiros não indígenas, e grupos indígenas que haviam reocupado terras sobre as quais os fazendeiros alegam ter título. Relacionada a esse tipo de confronto está a criminalização de indígenas pela ocupação de terras ou por engajarem se em outros atos de protestos. 50. No Mato Grosso do Sul, o Relator Especial reuniu se com um grupo de fazendeiros que eles ou seus antecessores adquiriram de boa fé os títulos concedidos pelo estado sobre as terras que eles agora usam para a produção agrícola, considerada espinha dorsal da economia do estado. Eles reclamaram que, quando os ocupantes não indígenas são removidos da terra que é demarcada e homologada como sendo indígena, o governo federal apenas oferece indenização pelas benfeitorias, e não pelo valor da terra em si. Eles também manifestaram preocupação sobre o fato de que não há como certificarse com a Funai sobre quais terras especificamente são alvos de demarcação, deixando os numa condição de perpétua insegurança. A polarização de posições e interesses ficaram evidentes para o Relator Especial durante sua visita, e ele observou a necessidade de empreender todos os esforços para estabelecer um diálogo transparente e construtivo entre todos os interessados, incluindo grupos indígenas, a Funai e os ocupantes não indígenas das áreas que podem ser alvo de demarcação e homologação como terra indígena. 51. Um problema relacionado é a invasão de terras que permaneceram, ou que agora estão, sob a posse dos povos indígenas, inclusive terras que tenham sido demarcadas e homologadas. O Relator Especial ouviu relatos da presença nova ou persistente de invasores (normalmente para atividades ilegais de mineração e corte de madeira) nos territórios dos Yanomami e Yekuana no Amazonas, dos Cinta Larga em Rondônia e Mato Grosso, e dos Guajajara em suas terras no Maranhão. A invasão de garimpeiros e madeireiros tem diversas implicações de segurança e saúde para as comunidades indígenas, incluindo restrições à liberdade de movimento, violência sexual contra mulheres e meninas, e a chegada de novas doenças trazidas para a terra indígena e para as quais os indígenas têm pouca ou nenhuma imunidade, incluindo malária, tuberculose, sarampo, entre outras. Por exemplo, no território do povo Cinta Larga, há relatos de que mulheres e crianças têm sido particularmente afetadas por abusos. No Mato Grosso, a falta de ações adequadas para retirar os ocupantes ilegais da terra indígena Maraiwatsede (homologada em 1998) do povo Xavante intensificou conflitos. 52. Um notável mercado negro para minérios instalou se no Brasil e muitos indígenas têm sido criminalmente processados pela exploração de recursos em suas próprias terras, numa tentativa do Governo de regular a extração e comercialização de minérios. Para alguns povos indígenas com terras ricas em

minérios, a exploração e venda desses recursos permite de um lado uma chance de oportunidade econômica, mas também traz de outro uma problemática interação com os invasores, que tem levado o endividamento de pessoas indígenas e o enfraquecimento dos laços culturais indígenas. 53. O Governo federal tem buscado combater o garimpo e a extração de outros recursos ilegais em terras indígenas, e assegurar esses territórios contra invasão não indígena. Por exemplo, de 2003 a 2008 a Funai manteve uma força tarefa no território do povo Cinta Larga para tratar do assunto, juntamente com forças de segurança. A Funai aplicou sua política de não apenas retirar os invasores não indígenas mas também promover com as comunidades indígenas projetos de uso sustentável de terras e recursos. Esses esforços têm níveis variáveis de sucesso, visto que a invasão de terras indígenas para extração de recursos permanece como um persistente problema para muitos povos indígenas. 54. A retirada de invasores e ocupantes não indígenas das terras indígenas representam um desafio significante. Enquanto forças de segurança do Estado são necessárias para garantir que comunidades indígenas e suas terras estejam protegidas contra invasões, foram relatados também abuso por parte dessas forças. O Relator Especial observou que ao mesmo tempo que mais recursos precisam ser destinados a garantir o policiamento para a proteção dos povos indígenas, precisa existir uma mais coordenada maneira para tratar de segurança, que deve ser definida em consulta com os povos indígenas e em conjunto com o trabalho da Funai. D. Projetos de desenvolvimento de grande escala e mineração 55. Também falta um mecanismo adequado de consulta com povos afetados por importantes projetos de desenvolvimento tais como a construção de estradas e barragens e por atividades de mineração em grande escala, inclusive atividades que acontecem fora das áreas demarcadas como terras indígenas mas que mesmo assim afetam comunidades indígenas. De acordo com vários relatos, com relação a muitos desses projetos, não houve consulta com os povos indígenas afetados por meio de suas próprias instituições representativas, antes da aprovação dos projetos e com vistas a alcançar o consentimento informado, como requer a Convenção 169 da OIT (artigo 6) e a Declaração sobre Direitos dos Povos Indígenas (artigos 19, 32.2). Como observado acima, a falta de um mecanismo adequado de consulta reflete um problema mais amplo: a necessidade de harmonizar por completo as políticas públicas, leis e iniciativas para o desenvolvimento econômico com aquelas para assegurar a realização da autodeterminação e direitos relacionados dos povos indígenas. 56. Em janeiro de 2007 o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), um grande pacote de investimentos para acelerar o crescimento econômico no país. O programa

financiaria US$50.9 bilhões em projetos de infra estrutura e energia na Amazônia e outros lugares, muitos desses a serem desenvolvidos em, ou próximos de, terras indígenas. Representantes de povos indígenas apresentaram preocupações quanto à falta de participação no planejamento e execução dos projetos que os afetam, e da inexistência de garantias claras para proteger direitos dos povos indígenas, como parte da iniciativa do PAC. Do seu lado, o Governo informa que tem redobrado os esforços para garantir o direito de consulta dos povos indígenas em relação aos projetos do PAC, primeiramente através da Funai, e sustenta que as consultas em alguns casos levaram à suspensão de projetos por causa de oposição indígena. De qualquer modo, parece haver uma falta de procedimento bem definido de consulta que esteja de acordo com os relevantes padrões internacionais e que os povos indígenas considerem que lhes proporcionará consistentemente uma adequada oportunidade de serem ouvidos. 57. Importantes projetos de infra estrutura que afetam conjuntamente milhares de indígenas incluem a construção de barragens nos rios Xingu, Tocantins, Madeira, Estreito, Tibagi, Juruena, Cotingo e Kuluene, e a transposição do rio São Francisco. A hidrelétrica de Tucuruí no rio Tocantins causou o desalojamento de inúmeras famílias indígenas. A construção da hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu é uma de uma série de hidrelétricas que foram planejadas como parte do projeto do Complexo Hidrelétrico Xingu, afetando pelo menos 10 grupos indígenas pelas mudanças ambientais causadas pela barragem. Diante de críticas a respeito dos impactos do projeto sobre o meio ambiente e povos indígenas, o Governo informa que prometeu não desenvolver o projeto para além da construção da hidrelétrica de Belo Monte. Ainda assim, grupos indígenas e ONGs reclamam que o projeto Belo Monte está sendo executado sem medidas de mitigação adequadas ou consultas com as comunidades indígenas afetadas. 58. Os povos indígenas também estão sendo afetados por iniciativas internacionais de desenvolvimento econômico, tal como o projeto de Integração Regional de Estrutura da América do Sul (IIRSA). Comum investimento total estimado em $37 bilhões do Banco Interamericano de Desenvolvimento e vários bancos sub regionais, inclusive o banco brasileiro BNDES e a Corporación Andina de Fomento (CAF), um dos objetivos principais do projeto é aumentar o acesso aos recursos naturais da America do Sul e colocá los à disposição de mercados estrangeiros. Por exemplo, o Complexo do Rio Madeira, na região trifronteira do Peru, Bolívia e Brasil é uma das âncoras do projeto que transformaria o sistema Madre de Dios Beni Mamoré Itenez Madeira River num importante corredor de produção de energia e exportação de matéria prima. A proposta inclui a construção de quatro hidrelétricas, sendo Santo Antônio e Jirau em Rondônia as mais importantes, que afetarão inúmeros grupos indígenas. Consultas adequadas com povos indígenas devem ser asseguradas por essas iniciativas de desenvolvimento.