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Transcrição:

Modelos femininos comercializados por anúncios publicitários na mídia eletrônica 1 Profª Drª. Denise Castilhos de Araujo 2 Prof. Dr. Rudimar Baldissera 3 Bolsista de Iniciação Científica: Andressa Stoffel 4 Centro Universitário Feevale Resumo O presente artigo é o relato de alguns resultados obtidos ao longo da pesquisa a respeito da imagem feminina em anúncios publicitários da mídia eletrônica veiculados na região do Vale dos Sinos. De posse do material coletado, chegou-se à identificação de alguns modelos femininos presentes nesses textos, os quais serão apresentados no artigo. A pesquisa estabeleceu como objetos de análise, os anúncios publicitários veiculados em quatro canais de televisão, dos quais foram gravados, separados em temas e, posteriormente analisados. No artigo são elencados cinco modelos, todos se relacionando com os papéis femininos vivenciados pelas mulheres na sociedade. Palavras-chave Corpo feminino; Anúncios publicitários; Imagem; Mídia 1. Mídia e beleza Na mídia, a beleza, masculina ou feminina, tem sido apresentada como uma qualidade fundamental, e os textos presentes em jornais, em revistas e na televisão têm corroborado esta afirmativa. Tais produções vendem e faturam através da exploração dos corpos, apresentando ou reiterando uma construção corporal específica, mesmo que esta não seja, nem o ideal para muitos, tampouco um padrão possível de ser alcançado por grande parte dos públicos. As análises de Lipovetsky apud Couto (2001) apontam para a influência advinda da mídia, que grande parte do público feminino sofre na busca pelo ideal de beleza criado e mantido nos veículos de comunicação e na sociedade. A busca pela auto-estima, assim 1 Trabalho apresentado ao GT de Publicidade e Propaganda, do V Congresso Nacional de História da Mídia. 2 Doutora em Comunicação Social pela PUCRS Professora dos cursos de Comunicação Social e pesquisadora do Centro Universitário Feevale. 3 Doutor em Comunicação Social pela PUCRS. Professor dos cursos de Comunicação Social da UFRGS. 4 Bolsista de Iniciação Científica, aluna do curso de Publicidade e Propaganda do Centro Universitário Feevale.

como o medo de parecer diferente, a identificação de características similares aos outros indivíduos de um grupo social, ou com um determinado estilo de vida, podem ser variantes que motivam os seres humanos a modificarem seus corpos, independente dos sacrifícios que deverão ser realizados. A circulação das idéias, preceitos e produtos promovem um ideal de felicidade, glorificada na livre promoção do prazer, obsidiana na saúde e na juventude. Os conselhos dietéticos, estéticos e musculares na total manifestação narcísica desta era que preza pelos discursos, multiplica as imagens e as informações e promove a responsabilidade individual de gestão integral de si mesmo. O corpo, como espetáculo, se converte simultaneamente em causa e efeito de comunicação (Couto 2001, p.37). O corpo atual - o qual deve ser bem cuidado e exibido com intensidade surge na sociedade recoberto de elementos significativos, tornando-se texto carregado de significações, reflexo das características sociais atuais: imagem, efemeridade, opulência; ou seja, é uma construção textual que pode manifestar os ideais, a cultura, e os valores que a sociedade tem prezado, de acordo com as diferentes épocas. E tal corpo, então, sendo bem cuidado, deverá ser exibido e apresentado à sociedade constantemente. Cada vez mais, ele é arrancado dos mistérios da natureza, para ser glorificado pela medicina, estética e informática. Entende-se que o padrão estético preconizado pela nossa sociedade, e que é veiculado pela mídia, conduz, principalmente, as mulheres a uma aparente insatisfação crônica com seus corpos, ora se odiando por alguns quilos a mais, ora adotando dietas altamente restritivas e exercícios físicos extenuantes, como forma de compensar as calorias ingeridas a mais. E todas as ações realizadas visam à correspondência a um modelo corporal presente e estimulado pela mídia. Se há séculos a mulher temia cometer pecados morais, hoje sua preocupação recai sobre os pecados da ingestão de alimentos proibidos, da não realização de atividades físicas, da falta de controle de seu próprio organismo. Parece, então, que o corpo torna-se o que deve ser salvo, ou seja, não mais o espírito, a alma, mas a forma física, a beleza dos cabelos e da pele, a manutenção da impressão de jovialidade, etc. Segundo Castilhos (2001), estar com excesso de peso ou ser obeso é uma condição altamente estigmatizante na sociedade atual, em qualquer faixa etária da vida. O autor refere que as mulheres com excesso de peso, podem ter o convívio na sociedade prejudicado, em virtude de uma não correspondência aos padrões estéticos sugeridos na

sociedade atualmente. Entretanto percebe-se que não somente as mulheres com peso excessivo, mas, também, aquelas que não mantêm seus cabelos bem arrumados, aquelas que não controlam o surgimento de rugas, de manchas na pele, de celulite, entre outros males, podem ter seu contato com a sociedade prejudicado. 2. Corpo e mulher Segundo Del Priore (2000), a identidade do corpo feminino corresponde ao equilíbrio entre a tríade beleza-saúde-juventude(...) essas são basicamente as três condições culturais da fecundidade, portanto, da perpetuação da linhagem. Em todas as culturas a mulher é o objeto de desejo. Viu-se no decorrer do tempo que a mulher tomou para si o controle de seu corpo, principalmente na década de 60, a partir da Revolução Sexual. Apesar desse momento histórico, o qual permitiu às mulheres a busca por sua liberdade em vários aspectos da sua relação com a sociedade, ainda se percebe resquícios de submissão, não mais aos homens, mas, agora, às exigências dessa sociedade, e à busca de uma imagem corporal específica. Por outro lado, o mercado coloca-se como auxiliador nessa busca realizada pelas mulheres, pois oferece recursos como: medicamentos, aparelhos de ginástica, cremes, enfim, um grande número de produtos que auxiliarão a alcançar o ideal corporal sugerido/exigido na sociedade e desejado por grande parte das mulheres. A cultura midiática tem criado/estabelecido imagens de beleza, e, muitas vezes esses ideais são ilusórios, ou seja, algumas vezes, nos textos veiculados pela mídia, há o uso de dublês de corpos e de ferramentas que alteram o formato físico, disfarçam imperfeições, retocando imagens: o photoshop, o que, apesar de construir corpos, parece não ter importância para as pessoas que consomem as informações contidas nesses textos. Algumas mulheres, por outro lado, esperam alcançar o padrão estético ditado pelas passarelas de moda, os corpos exibidos pelas Top Models. Tem-se conhecimento que estas mulheres apresentam características anoréxicas, reveladas pelo excessivo emagrecimento de braços, pernas, rosto; além disto, muitas delas apresentam imperfeições em seus corpos, em virtude de dietas altamente restritivas, justificadas pela exigência do mercado. De acordo com Etcoff (1999), Top models são anomalias genéticas, cujas proporções do corpo e face são projetadas para excitar e agradar. Mas até mesmo eles apresentam as marcas da imperfeição humana (Etcoff, 1999, p.21). O interessante é que, apesar de as pessoas terem

consciência disso, e dos riscos que a saúde pode sofrer, ainda assim, esse padrão estético é o desejo de muitas mulheres. Em matéria recentemente publicada na revista Época 5, discute-se a respeito da necessidade que a maioria das mulheres tem de serem magras, bem como a obsessão por dietas, por exercícios físicos e cirurgias plásticas, uma vez que consideram que ser magra é uma necessidade. A revista apresenta, ainda, os efeitos negativos das dietas muito intensas, como fraqueza, queda de cabelos, maior propensão a outras doenças 6. Kehl (2004) afirma que: Para milhares de brasileiros, incentivados pela publicidade e pela indústria cultural, o sentido da vida reduziu-se à produção de um corpo. A possibilidade de inventar um corpo ideal, com a ajuda de técnicos e químicos do ramo, confunde-se com a construção de um destino, de um ramo, de uma obra. (Kehl, 2004, p.176) Então, a possibilidade desse corpo ideal é a meta da maior parte da população, entretanto é sobre a população feminina que as exigências recaem com maior força. São as mulheres, as consumidoras mais desejadas e seduzidas pela indústria da estética e beleza. Ou seja, para a mulher, manter-se dentro de padrões estéticos é mais extenuante que os rígidos e apertados espartilhos usados décadas atrás. Nas sociedades modernas, pode-se caracterizar a beleza corporal como sendo um fato social, pois há, notoriamente, uma busca coletiva por um corpo belo, embora haja diferentes construções desse corpo, em diversas sociedades e grupos sociais. Essa preocupação pode ser acompanhada através da grande incidência de matérias e reportagens nos veículos de comunicação. Em abril de 2006, a revista brasileira Marie Claire 7 publicou o texto: Por que o mundo odeia as mulheres gordas - o qual foi construído a partir de entrevista realizada com 9405 leitoras do veículo. O surpreendente desta entrevista é que, de acordo com os dados expostos pelo veículo, mais da metade das pesquisadas (52%) afirmaram que engordar seria pior que perder o emprego. Esse resultado reflete o imaginário estabelecido na nossa sociedade, e que remete não só à discriminação, mas também à ditadura em relação ao formato que o corpo feminino deva ter para ser considerado belo. A manutenção do peso, pelas mulheres, é mais importante, que, por 5 Revista Época de 28/08/2006. 6 Vários veículos de comunicação noticiaram a morte de uma modelo brasileira: Ana Carolina Reston Macan, a qual foi vítima das exigências estéticas do mercado. 7 Revista Marie Claire abril de 2006.

exemplo, perder o emprego, ou seja, o corpo ideal é perseguido pelas mulheres de maneira obstinada. A revista aponta, por outro lado, algo que vem sendo discutido há pouco tempo, a necessidade de rever os padrões estéticos até então sugeridos às mulheres. 8 O veículo apresenta um questionamento interessante, porque reproduz a angústia da maioria das mulheres, uma vez que os padrões estéticos exigidos pela mídia são praticamente impossíveis de serem alcançados, porque beiram a doença, ou exigem intervenções cirúrgicas, com o propósito de reestruturar o corpo da mulher, prejudicando, muitas vezes, a saúde dos indivíduos. Segundo Barros (1998), a juventude é sinônimo de saúde, e sua recuperação significa a restauração da saúde plena e exuberante. A saúde, como vida, está sujeita à multiplicidade de fatores ambientais, instintivos, psíquicos e de hábitos voluntários, cujo comportamento orgânico é expresso pelas motivações e pulsões exteriores. Para Andrade (2003), a imagem do que é saúde e do que é beleza, no decorrer do século XX, sofreu um deslocamento em relação aos conceitos apregoados nos períodos anteriores. Conquistar um corpo saudável e belo passa a ser um objetivo individual a ser atingido. Para tanto, é preciso um exercício intencional de autocontrole, o qual envolve força de vontade, restrição e vigilância constantes. Diante dessa realidade, muitos anúncios de produtos são veiculados pela televisão. São produtos que prometem a perda de quilos, a não aquisição de calorias extras, a transformação corporal e, conseqüentemente, a maior aceitação social; como se essa sugerida transformação pudesse acontecer em um passe de mágica. 3. A padronização estética e a publicidade A estética, segundo Coelho Filho (2003), pode trazer benefícios quando vista como aperfeiçoamento pessoal; quando ajuda cada pessoa a aceitar-se como sendo única no universo. Ao contrário disso, muitas pessoas consideram a estética como a busca insensata da beleza ou de um ideal quase sempre fora do alcance. Como a moda do culto ao corpo está cada vez mais em alta, despertou o interesse das indústrias de beleza que vêm se aprimorando a cada dia com inovações tecnológicas para que homens e mulheres estejam cada vez mais próximos da perfeição. 8 Essa nova perspectiva já vem sendo discutida pelos autores em outros artigos que analisam a campanha pela Real Beleza, proposta pela empresa de cosméticos Dove.

Para Queiroz (2000), várias das características femininas e masculinas relacionadas à atratividade sexual, vêm sendo acentuadas pela moda, bem como pela cirurgia plástica implantes de silicone, lipoaspiração, etc. Não importa como, o importante é estar bem esteticamente. Aliás, quem é gordo acaba sendo discriminado pela sociedade, porque a obesidade é considerada o mal do século, por estar diretamente associada à saúde. Esta pode desencadear uma série de doenças como hipertensão, diabete, desgaste articular, e, para a sociedade, a impressão que se tem, é a de que pessoas gordas são desleixadas. As pessoas obesas, com a moda do culto ao corpo, sentem-se rejeitadas e, muitas vezes, deprimidas. Para Ullmann (2004), a beleza tornou-se uma obsessão da humanidade, ela tem um alto valor no jogo da sedução, na aceitação social, no processo de auto-estima e até em uma seleção de emprego. Então, os gordinhos estariam condenados a viverem deprimidos, doentes e solitários, ou dariam a volta por cima correndo atrás do prejuízo? Segundo a autora, nesse tempo de idolatria do corpo, é preciso esculpir cada músculo e eliminar cada grama de adiposidade extra, custe o que custar. A beleza não é mais parâmetro. O que se quer é a perfeição. Em nome dela, litros de suor e montanhas de dinheiro são gastos nas academias. A indústria cosmética se prolifera e há filas de espera nas clínicas de emagrecimento e cirurgia plástica, bem como consórcios, nos quais as cirurgias são parceladas em várias vezes. Anabolizantes também são usados para definir e aumentar a musculatura, na tentativa de acelerar o processo de embelezamento corporal. O curioso é perceber que a maioria das pessoas insatisfeitas com o seu peso não são obesas. Algumas têm sobrepeso, geralmente em indivíduos de meia idade onde a produção de hormônios já não é mais tão eficiente quanto na juventude, ou simplesmente tem uma estatura mais graúda, os quais, ainda assim, buscam o corpo da moda. Outro aspecto relevante percebido hoje em dia é o fato de as pessoas não quererem mais admitir que estão envelhecendo. Querem chegar aos quarenta anos com rosto e corpo de vinte. As mulheres querem ter seus filhos e não querem ter um abdômen saliente que é uma conseqüência natural após a gestação. Para Vargas (1998), com o avançar da idade, a pele apresenta mudanças drásticas. Nos primeiros sinais de rugas, as pessoas sentem-se desvalorizadas frente à sociedade já que ela valoriza tanto a beleza jovem. A vaidade ferida leva a efeitos psicológicos profundos, sobretudo na perda da auto-estima. Então essas pessoas correm para as academias e clínicas de estética para recuperarem sua juventude

sem se dar em conta de que devemos cuidar do corpo a vida toda, não somente pela estética, e sim pela saúde. E, principalmente, porque a produção de hormônios já não é mais tão eficiente. 4. Anúncios coletados Ao longo de um mês (maio de 2006), foram gravados anúncios publicitários de quatro canais de televisão (Rede Globo RBSTV; Bandeirantes; Sbt e Rede Record), com a intenção de observar as características do corpo e da imagem femininos veiculada por esses textos publicitários. As gravações ocorreram de modo ininterrupto, durante o período de 12 horas, em cada uma das emissoras selecionadas. Ao final das gravações, realizou-se a categorização dos tipos femininos presentes, principalmente em virtude da ocorrência desse tipo nos anúncios coletados, em um número total de 665 textos, dentro os quais 142 usavam, de alguma maneira, a imagem feminina nessas produções. A seguir são apresentadas algumas das imagens femininas percebidas, através do uso de tabela, apontando para o canal e o número de textos observados 9. Modelos femininos percebidos Rede Record (canal 4) SBT (canal 5) Bandeirantes (canal 10) Rede Globo (canal 12) Mãe/Dona de casa 4 8 6 8 Sensual 4 3 3 8 Jovem solteira 6 16 4 8 Profissional/Testemunhal 3 2 2 4 Mulheres envolvidas com questões sociais 0 1 2 1 A primeira categoria observada e reconhecida, foi a mãe/dona de casa e tem, na maior parte dos anúncios, a presença de jovens atrizes dramatizando o papel de mãe ou de dona de casa. Observa-se que o figurino de tais personagens é constituído de roupas simples, entretanto sempre elegantes, em cores claras; na maior parte das vezes, a mulher usava calça/saia e blusa, vestido. Nos anúncios havia muitas mulheres de pele clara, olhos e cabelos castanhos, a maioria deles curtos, ou, no máximo, com corte na altura dos ombros. Quanto ao aspecto físico dessas personagens, pode-se dizer que elas eram esbeltas, ou seja, mesmo para uma mulher, dona de casa, que deve zelar pelos filhos e pelas tarefas caseiras, manter boa aparência é algo que não deve ser desmerecido. Pelo contrário, essa mulher 9 As categorias apresentadas são as de maior número, outras categorias foram deixadas fora da análise, porque eram exemplos isolados, não ocorrendo nos quatro canais pesquisados.

deve ser magra, ter cabelos bonitos e bem tratados, mostrando, assim, que, apesar de todas as suas tarefas, ela segue as exigências apresentadas pelo padrão estético estimado na sociedade. Percebe-se que, mesmo que essa mulher já tenha ultrapassado o limite dos 30 anos, ela deve aparentar o frescor da juventude, escondendo a idade que tem, pois um dos requisitos femininos que a sociedade valoriza é a jovialidade. O segundo modelo destacado é a mulher sensual. Nesta categoria de mulher, o uso de charme, como ferramenta para suas conquistas é muito comum. E isto é percebido através de seu olhar, dos cabelos (esvoaçantes, brilhosos, longos) e seu jeito de andar, de se relacionar com os homens presentes no anúncio; ou seja, uma mulher que se cuida e se valoriza, pois se apresenta sempre com boa aparência. Em muitos anúncios, a mulher sensual usa saias curtas ou na altura dos joelhos e, geralmente, blusas decotadas. Os sapatos aparecem com saltos mais altos, o que enobrece a beleza da mulher, dando a ela maior estatura e porte longelíneo. Este tipo de modelo possui olhos e cabelos castanhos, os quais são, na sua maioria, longos e bem tratados. São mulheres que se mantêm magras, dentro do padrão estético ditado pela sociedade, possuindo então, um corpo perfeito, e fazendo com que o olhar do homem se direcione a ela. Neste modelo o corpo está em evidência, ele é oferecido ao receptor, tanto para o deleite como para servir de parâmetro estético. O terceiro modelo, e de maior incidência, presente nos anúncios gravados é a mulher jovem solteira. Esta categoria é caracterizada por personagens que mantém traços de jovialidade, sugerindo pouca idade. Em relação aos traços físicos, observa-se a incidência de mulheres magras, remetendo à idéia de que é na juventude que o indivíduo deve apresentar os primeiros traços de preocupação com sua aparência. Essas mulheres não apresentam um padrão em relação ao tamanho dos cabelos, há, sim, preocupação em que eles tenham um bom corte e estejam sempre arrumados. As roupas usadas por essas mulheres são descontraídas e coloridas, vendo-se com freqüência o uso de calças jeans, camisetas, blusas mais curtas, saias. Apesar da descontração presente nas roupas, os sapatos são, na sua maioria, de salto alto. Tais mulheres, normalmente acompanhadas por outras, da mesma faixa etária, mostram-se contentes, satisfeitas, felizes, pois são bonitas e jovens. Aqui, a exploração do corpo não é tão evidente quanto no modelo anterior, mas é possível perceber a preocupação com a aparência física também.

A mulher profissional/testemunhal, é outra categoria presente nos anúncios publicitários coletados. É uma mulher geralmente de meia idade, que se apresenta feliz e dedicada ao que faz, seu trabalho. São mulheres trabalhadoras e batalhadoras, que sugerem as outras pessoas confiança e credibilidade pelo produto que estão usando/vendendo. Elas vestem roupas leves e confortáveis, como calças e blusas, muitas dessas roupas em tons de vermelho e verde, e sapatos de salto médio. São mulheres esbeltas, talvez não tão magras quanto modelos de passarela, mas que também se preocupam com a sua beleza, a sua aparência e o seu jeito de vestir, pois mesmo que sejam mulheres bem sucedidas profissionalmente, elas também precisam agradar aos olhos dos homens, ou seja, o compromisso com a beleza é para todas as mulheres, independente de seu papel na sociedade. A última categoria feminina reconhecida foi a das mulheres envolvidas com questões sociais, as quais são mulheres que se apresentam em faixa etária mais elevada (mais de 40 anos). Não é a categoria que mais aparece, remetendo, então, à preferência, em anúncios publicitários, por mulheres mais jovens. Essa relação pode-se fazer com a sociedade contemporânea, a qual prefere os mais jovens e com aparência mais bela aos de maior idade. Apesar de ser pouco expressivo o número dessas mulheres, algumas características devem ser elencadas, tais como: roupas bem cortadas, preocupação em ter cabelos arrumados, simpatia, consciência dos problemas sociais. Um aspecto não muito valorizado é o padrão estético atual, ou seja, a aparência física dessas mulheres não combina com as regras estéticas ditadas na sociedade. Então, percebe-se que, depois de certa idade, a mulher pode dar-se ao luxo de não obedecer aos padrões estéticos atuais, se ela comprometer-se socialmente com a solução de questões caras à sociedade como, por exemplo, o respeito aos direitos da mulher. Considerações finais Vive-se numa sociedade cuja construção da imagem do corpo saudável (independente de ser ou não realmente saudável) preconiza como fato do indivíduo se parecer belo e saudável. Isto é decorrente de um processo de estetização da vida cotidiana e das influências da cultura de consumo, na qual realidade e imagem são consideradas sem distinção. Neste processo, a mídia cria ícones de beleza e saúde, produz modelos a serem seguidos, que, muitas vezes, são tipos distorcidos de beleza e até de saúde.

No que se refere à estética do corpo, o que se pode ver, hoje, é que as mulheres estão deixando de visar à sua saúde em função da aparência de seus corpos. Elas estão mais preocupadas com sua aparência física, com sua beleza, e não se importam com o fato de que isso possa interferir em sua saúde, como se esta fosse uma questão fundamental para serem vistas com bons olhos nos diferentes grupos sociais em que vivem. As mulheres estetizavam o próprio corpo mais que os homens, pela roupa, pela maquiagem, adereços, esculpindo-o por exercícios físicos e por dietas variadas e, muitas vezes, perigosas. Pela atividade física e o controle do corpo, as mulheres constroem sua imagem, definindo cada uma a sua maneira, a própria leitura de sua identidade feminina. Durante a pesquisa, observou-se o papel fundamental que a mídia tem como criadora/propagadora de modelos femininos, os quais são reproduzidos, indistintamente, na sociedade. Modelos esses que levam a crer que somente terão sucesso, serão respeitadas, alcançarão a felicidade, as mulheres que se sujeitarem a eles, mantendo-se dentro de um invólucro que, na maior parte das vezes, não se ajusta às características desses indivíduos. Referências bibliográficas ANDRADE, Sandra dos Santos. Saúde e beleza do corpo feminino. Algumas representações no Brasil do século XX Revista Movimento, Porto Alegre, v.9, n.1, p. 119 143, janeiro/abril de 2003. BARROS, Darcymires do Rego. et al. O corpo relacional. In: VARGAS, Ângelo. Reflexões sobre o corpo. Rio de Janeiro. Ed. Sprint, 1998.0 BUCCI, Eugênio. KEHL, Maria Rita. Videologias ensaios sobre televisão. São Paulo: Boitempo, 2004. CASTILHOS, Simone Mancini. A imagem corporal. Santo André. Editoras Associadas, 2001. COELHO FILHO, Carlos Alberto de Andrade. Atividade Física e corpo padrão: Reflexões sobre estética e identidade pessoal. Núcleo de Mídia Esportiva, Belo Horizonte, MG, 2003. COUTO, Edvaldo Souza. et al. Gilles Lipovetsky: Estética corporal e protecionismo técnico higienista e desportista. In: GRANDO, José Carlos. A (des)construção do corpo. Blumenau. Ed. edifurb, 2001. DEL PRIORE, Mary. Corpo a Corpo com a mulher: pequena história das transformações do corpo feminino no Brasil. São Paulo: Editora Senac, 2000. ETCOFF, Nancy. A lei do mais belo: A ciência da Beleza. Rio de Janeiro. Ed. Objetiva, 1999. QUEIROZ, Renato da Silva (org.). O corpo do brasileiro: estudos de estética e beleza. São Paulo: Editora Senac, 2000. ULLMANN, Dora. O peso da felicidade. Porto Alegre: RBS Publicações, 2004. VARGAS, Ângelo. Reflexões sobre o corpo. Rio de Janeiro: Ed.Sprint, 1998.