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Transcrição:

O ETHOS DE CREDIBILIDADE DO APÓSTOLO PAULO MANIFESTADO NA II EPÍSTOLA AOS CORÍNTIOS Carlos Cesar Silveira (UNIFRAN) silveira1944@hotmail.com Maria Flávia Figueiredo (UNIFRAN) 1. Introdução A bíblia, como um dos pilares da literatura universal, tem no a- póstolo Paulo um de seus mais relevantes escritores. Para que entendamos melhor quem foi Paulo é fundamental que antes de tudo conheçamos um pouco de suas origens, suas influências culturais e políticas, pois o ethos discursivo que Paulo constrói em seus discursos tem estreita ligação com a experiência cultural que ele obteve durante sua vida. Pertencente a uma família judaica e com grande influência greco-romana, Paulo desde a sua infância recebeu uma séria formação religiosa e filosófica, tornando-se, assim, um dos maiores líderes dentro do cristianismo e sendo considerado, por muitos estudiosos, um dos principais oradores do i- nício da era cristã, se não o maior. Até os dias de hoje seus discursos têm despertado o interesse de pesquisadores de áreas diversas. Diante da importância que o discurso de Paulo e o ethos ocupam para a pesquisa moderna, o presente trabalho, à luz dos estudos retóricos, tem como objetivo analisar o ethos de credibilidade do apóstolo Paulo manifestado na II e- pístola aos Coríntios. Salientamos que seguiremos a ordem de estudo estabelecida por Patrick Charaudeau referente ao Ethe de Credibilidade, que é constituído pelo ethos de sério, ethos de virtude e ethos de competência. O ethos de credibilidade manifestado pelo apóstolo Paulo se prende apenas ao discurso e não a sua pessoa, pois de acordo com A- mossy (Apud MAINGUENEAU, 2005, p. 30), O que o orador pretende ser, ele o dá a entender e mostra: não diz que é simples ou honesto, mostra-o por sua maneira de se exprimir. O ethos está, dessa maneira, vinculado ao exercício da palavra, ao papel que corresponde a seu discurso, e não ao indivíduo real, (apreendido) independentemente de seu desempenho oratório: é, portanto, sujeito da enunciação uma vez que e- nuncia que está em jogo aqui. Segundo Charaudeau (2011, p. 119), o ethos de credibilidade é, Uma qualidade não ligada à identidade social do sujeito. Ela é ao contrário, o resultado da construção de uma identidade discursiva pelo sujeito falante, realizada de tal modo que os outros sejam conduzidos a julgá-lo digno de crédito. Cadernos do CNLF, Vol. XVI, Nº 04, t. 3, pág. 2377

Vejamos o ethos de credibilidade manifestado no discurso de Paulo por meio do texto bíblico. Assim como sempre vos temos dito a verdade, do mesmo modo ficou comprovado como verídico o elogio que de vós fizemos a Tito. Ele sente por vós ainda maior afeição, ao lembrar-se da vossa obediência, e de como o acolhestes com temor e tremor. Regozijo-me por poder contar convosco em tudo (II Coríntios 7. 14, 15, 16). A credibilidade conquistada por Paulo pode ser vista no texto a- cima, onde ele agradece aos membros da igreja pela atenção dada a seu ajudante Tito e por saber que ele (Paulo) também pode contar com a igreja de Corinto. Essa conquista realizada por Paulo é fruto da construção discursiva que ele gerencia em seus discursos. Como vimos na introdução, Paulo teve como influência três importantes culturas, a judaica e a greco-romana. Estas três culturas ofereceram a Ele a oportunidade de estudar e tronar-se um grande orador. Seus discursos não apenas o aproximaram dos fiéis como também o fizeram confiável, levando-o a conquistar a credibilidade dos fiéis de Corinto. À medida que estudamos Paulo na II epístola aos coríntios percebemos que o mesmo se apresenta como digno de crédito, nos passando por meio de seus discursos uma imagem de homem virtuoso e competente, características essas quem compõem o ethos de credibilidade. Vejamos como isso se ocorre. 2. O ethos de virtude Para Charaudeau (2011, p. 122-124) as características presentes no ethos de virtude são: sinceridade, fidelidade, coragem, respeito e honestidade pessoal. No corpus analisado, em relação ao ethos de virtude manifestado no discurso de Paulo, encontramos as seguintes características: Não somos como aqueles muitos que traficam a palavra de Deus; é, antes, com sinceridade, como enviados de Deus, que falamos na presença de Deus, em Cristo (II Coríntios 2.17 grifo nosso). Por isto, já que por misericórdia fomos revestidos de tal ministério, não perdemos a coragem (II Coríntios 4.1 grifo nosso). Com efeito, preocupamo-nos com o bem não somente aos olhos de Deus, mas também aos olhos dos homens (II Coríntios 8.21 grifo nosso). pág. 2378 Anais do XVI CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2012.

Percebemos por meio dos textos acima, que estudar o ethos de virtude manifestado no discurso de Paulo é fundamental para aqueles que trabalham com a imagem, pois é a partir de uma imagem positiva, construída por meio do discurso que o orador não apenas atrai como também ganha a credibilidade de seu auditório. Em relação à imagem do orador, Eggs (apud AMOSSY, 2005, p. 29) diz que aquele que apresenta um caráter honesto parecerá aos olhos do auditório com muito mais credibilidade. Para Charaudeau (2011, p. 119-123) essa credibilidade é conquistada através de uma identidade discursiva que se dá por meio da sinceridade, fidelidade, coragem, respeito e honestidade pessoal. Essas qualidades acabam refletindo uma imagem positiva na vida do orador, qualidades estas bem visíveis na vida de Paulo. Daí o fato dos discursos apresentados por Paulo terem alcançado grande repercussão, pois foram construídos em cima de uma imagem inquestionável, seja pelos cristãos antigos ou contemporâneos. Paulo, de acordo com os textos em análise constrói por meio de seu discurso a imagem de homem sincero, corajoso e bondoso. Estas qualidades são mencionadas pelo apóstolo pelo fato do mesmo perceber que tais qualidades faltavam na vida dos habitantes de Corinto. Corinto era uma cidade grega que ficava ao Sul da Península de Peloponeso, era uma cidade portuária, recebia todo tipo de pessoas, talvez por isso tenha se tornado para alguns uma cidade depravada. Paulo se apresenta em seu discurso como homem virtuoso justamente para chamar a atenção dos membros da igreja de Corinto, pois como líder se sentia no dever de orienta-los. A virtude aqui estudada é sem sombra de dúvida uma das qualidades mais nobres no ser humano. O homem virtuoso se destaca pelo jeito de ser e de agir, pratica o bem, é amigo da verdade e mesmo vivendo em uma sociedade marcada pela corrupção e a falta de honestidade por parte de alguns, não se deixa corromper, pois ao contrário de algumas pessoas, ainda possui sensibilidade para discernir o certo do errado. SÊNECA (2006, p. 46), filósofo contemporâneo de Cristo também associa a virtude a honestidade, dizendo: Eu também não nego que alguém possa viver feliz sem que de modo honesto. Isso não vale nem para os animais nem para quem mede a felicidade só pela comida. Afirmo, de modo claro e categórico: a vida que eu defino como prazerosa não pode ser outra senão aquela associada à virtude. Cadernos do CNLF, Vol. XVI, Nº 04, t. 3, pág. 2379

Portanto, diante do que se percebe por meio deste estudo, o ethos de virtude manifestado no discurso de Paulo é uma das razões que fizeram deste um dos mais influentes oradores dentro do cristianismo. 2.1. O ethos de competência O ethos de competência diz respeito às qualidades que o orador necessita para o desempenho das funções dadas a ele. Para Charaudeau (2011, p. 125), O ethos de competência exige de seu possuidor, ao mesmo tempo saber e habilidade: ele dever ter conhecimento profundo do domínio particular no qual exerce sua atividade, mas deve igualmente provar que tem os meios, o poder e a experiência necessários para realizar completamente seus objetivos, obtendo resultados positivos. Sobre o ethos de competência manifestado no discurso de Paulo, encontramos: Tal é a certeza que temos, Graças a Cristo, diante de Deus. Não como se fossemos dotados de capacidade que pudéssemos atribuir a nós mesmos, mas é de Deus que vem a nossa capacidade. Foi ele quem nos tornou aptos para sermos ministros de uma Aliança nova, não da letra, e sim do Espírito, pois a letra mata, mas o Espírito comunica a vida (II Coríntios 3. 4-6). Eu vos escrevo estas coisas, estando ausente, para que, quando aí chegar, não tenha que recorrer à severidade, conforme o poder que o Senhor me deu para construir, e não para destruir (II Coríntios 13. 10). Na construção discursiva dos textos acima, Paulo se apresenta como escolhido por Deus para desempenhar a função de líder à frente da igreja. Diz se sentir capaz e com muito poder para a realização daquilo que Deus lhe conferiu. Embora nosso objetivo se prenda a análise do ethos de competência manifestado no discurso de Paulo, vemo-nos na necessidade de uma análise mais profunda, indo além do estabelecido, pois o orador nos textos em estudo se faz valer do discurso autoritário, citando os nomes de Cristo e de Deus como fontes de seu discurso. Esse argumento de autoridade utilizado por Paulo em seus discursos é muito comum entre os oradores cristãos contemporâneos, pois ao se referirem aos nomes de Cristo e de Deus, os ministros se sentem revestidos de autoridade, pois falam não em nome deles mesmos, mas em nome de seres divinos, no caso a- qui, Cristo e Deus. Em relação ao discurso autoritário, Citelli (2005, p. 61), diz: pág. 2380 Anais do XVI CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2012.

Estamos diante de um discurso de autoria sabida, porém não determinada, visto que a fala do agente se constrói como verdade não sua, mas do outro, aquele que, por ser considerado determinação de todas as coisas, engloba as falas do rebanho. Não deixa de ser uma situação curiosa estar diante da mais visível forma de persuasão e do mais invisível eu persuasivo. Percebe-se também que Paulo acaba se camuflando de uma falsa humildade, pois alicerçado pela autoridade divina o apóstolo se sente capaz de realizar toda a tarefa que lhe foi conferida. Essa falsa humildade pode ser vista pela maneira como o apóstolo se apresenta aos seus ouvintes: Não como se fossemos dotados de capacidade que pudéssemos atribuir a nós mesmos, mas é de Deus que vem a nossa capacidade (II Coríntios 3.5). Ao dizer em seu discurso que toda a capacidade lhe foi dada por Deus, o orador está se colocando acima de qualquer dúvida e questionamento, e sem perceber acaba camuflando uma humildade que não existe, pois para o auditório cristão não há autoridade maior do que aquela estabelecida por Deus. Desse modo Paulo camufla uma ideia de homem modelo, inquestionável e perfeito aos olhos de seus ouvintes. No texto seguinte Paulo se apresenta como homem onipresente, severo e poderoso: Eu vos escrevo estas coisas, estando ausente, para que, quando aí chegar, não tenha que recorrer à severidade, conforme o poder que o Senhor me deu para construir, e não para destruir (II Coríntios 13. 10). Paulo vai construindo e gerenciando as facetas de sua personalidade por meio de seu discurso. No versículo acima ele constrói a imagem de homem onipresente, mesmo não estando na cidade de Corinto procura fazer-se presente por meio de um texto, procurando orientar seus fiéis contra os hereges. Esse comportamento é muito importante, pois mesmo não estando presente fisicamente ele demonstra preocupação para com seus fiéis, fazendo com que seja lembrado pelos membros da igreja. Em seguida podemos dizer que Paulo revestido pelo argumento de autoridade atinge o ápice da falsa humildade ao dizer: conforme o poder que o Senhor me deu para construir. Como vimos, o ethos de competência segundo Charaudeau se apoia nos pilares do saber e da habilidade. Quanto ao saber e habilidade, Paulo possuía muito conhecimento filosófico e teológico para realização de sua tarefa e utilizava-os com muita habilidade. Conforme a Bíblia de Jerusalém, (2002, p. 1955-1956), Cadernos do CNLF, Vol. XVI, Nº 04, t. 3, pág. 2381

Paulo é, antes, cerebral. Nele se une a um coração ardente a inteligência lúcida, lógica, exigente, preocupada em expor a fé segundo as necessidades dos ouvintes. É graças a isso que temos as admiráveis explanações teológicas com que envolve o querigma segundo as circunstâncias. Sem dúvida essa lógica não é a nossa. Paulo argumenta muitas vezes como rabino, segundo os métodos exegéticos que recebeu do seu meio e da sua educação. Mas seu gênio sabe ultrapassar os limites desta herança tradicional, e é doutrina profunda que faz passar por canais que, para nós, são um tanto ultrapassados. Ainda em relação ao conhecimento filosófico e teológico de Paulo, Sanders, (1986, p. 14-15), diz: Visto que o pai de Paulo era fariseu rigoroso, ele cumpriria para com o filho todas as exigências cerimoniais da Lei com meticuloso cuidado. O próprio Paulo disse haver sido educado escrupulosamente segundo as melhore tradições dos fariseus. (...) Desse modo, todos os anos formativos foram calculados para prepará-lo a fim de ser um eminente fariseu e rabino, como seu grande instrutor Gamaliel. Sua família falava o grego, e ele conhecia também o aramaico (Atos 22, 2). Desde os primeiro anos de vida tinha familiaridade com a versão grega do Antigo Testamento, a Septuaginta, e dela ele teria decorado grandes trechos. Sua educação primária, recebeu-a ele no lar ou numa escola ligada à sinagoga, pois seus pais eram escrupulosos demais para ao confiarem a professores gentios. O saber e a habilidade são qualidades essenciais e precisam ser muito bem dominadas pelo orador, no caso do apóstolo era fundamental que o mesmo dominasse essas qualidades, pois em seus discursos Paulo se concentrava em educar os primeiros cristãos quanto às doutrinas ensinadas pelos hereges que insistiam em pregar o gnosticismo (mistura de filosofia com religião). A maneira encontrada por Paulo para orienta-los era por meio da utilização da técnica aristotélica conhecida como maiêutica, ou seja, com perguntas e respostas aos seus alunos. Isso exigia muito do apóstolo, pois a os habitantes de Corinto eram cultos e muitos sofriam influência dos fariseus, uma seita que tinha como maior característica o conhecimento das leis judaicas. Portanto, Paulo sabia que para e- ducar os membros da igreja de Corinto ele precisaria dominar muito essa técnica aristotélica, e Paulo sabia como poucos. Segundo a Bíblia de Jerusalém (2002, p. 1956) Paulo, Deve à diatribe cínico-estoica seu estilo de argumentação rigorosa, por meio de curtas perguntas e respostas, ou suas explanações por acumulação retórica e quando, ao contrário, usa frases longas e carregadas, nas quais as proposições se acumulam em vagas sucessivas, pode ainda encontrar seus modelos na literatura religiosa helenística. pág. 2382 Anais do XVI CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2012.

3. Considerações finais A imagem que o apóstolo Paulo passa de si por meio de seu discurso é de homem sério, virtuoso e competente, fazendo com que o auditório se identifique com ele, pois seus ouvintes também passam uma i- magem de pessoas sérias, virtuosas e competentes, características comuns na vida de todo cristão. A imagem que Paulo cria em seus discursos se enquadra perfeitamente no perfil do público com que ele se relaciona, pois é construída e gerenciada de acordo com os seus próprios interesses. Podemos dizer também que o ethos de credibilidade uma relação harmoniosa entre o ethos do orador e o pathos do auditório, pois o orador procura usar e trabalhar as habilidades que possuí sem afetar negativamente os conceitos que vão se firmando na mente de seus ouvintes, levando-os a segui-lo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMOSSY, Ruth. Imagens de si no discurso: A construção do ethos. Trad.: Dilson Ferreira da Cruz, Fabiana Komesu, Sírio Possenti. São Paulo: Contexto, 2005. BÍBLIA DE JERUSALÉM. Tradução do texto em língua portuguesa diretamente dos originais. Tradução das introduções e notas de La Bible de Jerusalém, edição de 1998, publicada sob a direção da École biblique de Jérusalem. São Paulo: Paulus, 2002. CHARAUDEAU, Patrick. Discurso político. Tradução Fabiana Komesu e Dílson Ferreira da Cruz. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2011. CITELLI, Adilson. Linguagem e persuasão. 13. ed. São Paulo: Ática, 1999. SANDERS, J. Oswald. Paulo, o líder. São Paulo: Vida, 1986. SÊNECA. A vida Feliz. Trad.: Luiz Feracine. São Paulo: Escala, 2006. Cadernos do CNLF, Vol. XVI, Nº 04, t. 3, pág. 2383