RESENHA VOLUME 5 - NÚMERO 9 - INVERNO 2008



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Transcrição:

RESENHA VOUME 5 - NÚMERO 9 - INVERNO 2008 REIFICAÇÃO E INGUAGEM EM GUY DEBORD JOÃO EMIIANO FORTAEZA DE AQUINO * Kalagatos - REVISTA DE FIOSOFIA. FORTAEZA, CE, V. 5 N.9, INVERNO 2008 FRANCISCO JOSÉ SOARES TEIXEIRA * * * Doutor em FIOSOFIA pela PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓICA DE SÃO PAUO - PUC-SP. Professor de FIOSOFIA da UNIVERSIDADE ESTADUA DO CEARÁ - UECE. * * Professor de ECONOMIA POÍTICA da UNIVERSIDADE ESTADUA DO CEARÁ UECE e da UNIVERSIDADE DE FORTAEZA - UNIFOR. 207 M

CONTRADIÇÕES E TENSÕES NA SOCIEDADE DO ESPETÁCUO: UMA EITURA DO TEXTO DE EMIIANO AQUINO, REIFICAÇÃO E INGUAGEM EM GUY DEBORD Guy Debord é um autor muito conhecido no concerto da academia brasileira. Infelizmente, muito pouco lido e comentado. Recentemente, a EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUA DO CEARÁ (EDUECE) publicou, de Emiliano Aquino, Reificação e inguagem em Guy Debord, edição parcial de sua tese de doutoramento, Reificação e inguagem em André Breton e Guy Debord, apresentada em abril de 2005 ao Programa de Estudos de Pós- Graduados em Filosofia da PUC-SP. Na banca examinadora estavam Paulo Eduardo Arantes, Celso Fernando Favoretto, Eliane Robert Morais, Antônio José Romera Valverde e Jeanne-Marie Gagnebin. Para quem julga a teoria do fetichismo da mercadoria superada, a exemplo do que faz Habermas e outros teóricos do fim da sociedade do trabalho, o texto de Emiliano Aquino não poderia ser mais oportuno. Sua leitura de Debord oferece novos elementos para o enfrentamento desta questão. Eis a razão por que este artigo faz do seu livro o centro de sua exposição. Kalagatos - REVISTA DE FIOSOFIA. FORTAEZA, CE, V. 5 N.9, INVERNO 2008 A ESPETACUARIZAÇÃO DO FETICHISMO DA MERCADORIA [...] o fundamental à teoria crítica do espetáculo é que, nela, a análise marxiana vai integrada no sentido de que o capitalismo [...] não era voltado só à expropriação da atividade produtiva, mas também e sobretudo à alienação da própria natureza lingüística ou comunicativa do homem [...] sob a categoria de 209 M

AQUINO, JOÃO EMIIANO F. DE. REIFICAÇÃO E INGUAGEM EM GUY DEBORD. RESENHA DE FRANCISCO JOSÉ SOARES TEIXEIRA. P. 207-237. espetáculo, o que está em questão é um modo de produção, no qual a comunicação humana tornou-se mercadoria [...] 1 Esta citação não poderia ser mais clara: a categoria de espetáculo traduz uma nova forma de manifestação do fetichismo da mercadoria, que Marx, talvez por conta das limitações históricas do seu tempo, não pôde investigar. Nem poderia. A exposição das determinações de um objeto historicamente determinado só é possível quando a história já conclui seu trabalho; isto é, já tornou esse objeto maduro para ser pensado na sua racionalidade imanente. Conseqüentemente, a pretensão da teoria do espetáculo seria atualizar a análise de O Capital. Parece ser esse o sentido do texto que abre esta seção. Com efeito, uma leitura mais atenta de uma de suas passagens não deixa dúvida: [...] o capitalismo [...] não era voltado só à expropriação da atividade produtiva, mas também e sobretudo à alienação da própria natureza lingüística ou comunicativa do homem. De modo asseverativo, a citação encerra afirmando que a categoria de espetáculo expressa um modo de produção, no qual a comunicação humana tornou-se mercadoria. Se realmente essa é a pretensão de Debord, cabe perguntar a Emiliano Aquino se a teoria do autor de A Sociedade do Espetáculo é, de fato, uma atualização ou uma revisão de O Capital. Essa questão não é um mero 1 Este trecho reproduz duas citações, de autores diferentes, G. Agamben e P. Virno, que Emiliano Aquino faz referência na nota 25, p. 75, do seu livro Reificação e inguagem em Guy Debord (Fortaleza: EdUECE, 2006). 210 M

exercício epistemológico, de pedantismo intelectual. Ela se impõe porque Marx é um pensador cuja teoria não cabe revisão, no sentido em que procede o marxismo analítico. Como se sabe, os marxistas analíticos, a exemplo de Jon Elster, tentam atualizar Marx excluindo do seu sistema aquelas teorias que julgam irremediavelmente datadas e mortas, para guardar as que permanecem vivas e que podem ser utilizadas como fontes de novas idéias e hipóteses. Ora, O Capital não é um amontoado de categorias que podem ser tombadas à maneira de como se demole um prédio, para usar as sobras do material aproveitável em nova construção. A tessitura da sua arquitetura categorial é construída de tal forma a não permitir remendos. Tampouco a simples substituição de categorias envelhecidas por outras. Ou se nega a obra em sua totalidade, ou se empreende um trabalho de atualização, no sentido de retirar do conjunto de sua apresentação novas categorias, para analisar os novos fenômenos do capitalismo contemporâneo. A categoria de espetáculo, ao que parece, cumpre essa exigência, na medida em que ela amplia o conceito marxiano do fetichismo da mercadoria para dar conta do processo de reificação das relações culturais. Não é esse o sentido da passagem anteriormente citada: o capitalismo [...] não era voltado só à expropriação da atividade produtiva, mas também e sobretudo à alienação da própria natureza lingüística ou comunicativa do homem? Isso, porém, ainda não encerra de todo a questão. É preciso examinar se a categoria de espetáculo está de acordo com a lógica do fetichismo que rege o mundo das mercadorias, tal como Marx expõe n O Capital. Kalagatos - REVISTA DE FIOSOFIA. FORTAEZA, CE, V. 5 N.9, INVERNO 2008 211 M

AQUINO, JOÃO EMIIANO F. DE. REIFICAÇÃO E INGUAGEM EM GUY DEBORD. RESENHA DE FRANCISCO JOSÉ SOARES TEIXEIRA. P. 207-237. Para atender a essa exigência, é necessário, antes, expor as determinações centrais da categoria marxiana do fetichismo da mercadoria. De forma ligeira, essa categoria expressa uma forma de sociabilidade marcada por uma profunda inversão: a transformação da vida humana em objeto da vontade do capital. Como diria Marx, para que as coisas se refiram umas às outras como mercadorias, é necessário que seus guardiões, seus donos, relacionem-se entre si como pessoas cuja vontade reside nessas coisas mesmas. Conseqüentemente, são as coisas que parecem adquirir a capacidade, a virtude, de estabelecer as relações entre os homens. Com efeito, quando se observa o processo de produção como um todo, sob a perspectiva da valorização do valor, salta à vista que não é mais o trabalhador quem emprega os meios de produção, mas, sim, são os meios de produção que empregam o trabalhador. Conclui-se daí que o fetichismo da mercadoria é um fenômeno social, na medida em que os homens, para se relacionarem entre si como pessoas, só podem fazêlo na condição de proprietários de mercadorias; na condição de personificação de relações econômicas, ou seja: ou na pele de industrial, ou na de comerciante, banqueiro, assalariado, proprietário de terra, ou na de outras tantas representações mercantis. O fetichismo, no entanto, não é somente um fenômeno da existência social, é, também, um fenômeno da consciência. De fato, como todas as necessidades humanas, sejam estas provenientes do estômago ou da fantasia, no capitalismo, só podem ser satisfeitas por meio da compra e venda de mercadorias, quem possuir 212 M

dinheiro pode comprar qualquer coisa. Decerto que sim. Quem se julga feio, por exemplo, pode sentir-se bonito; o dinheiro compra-lhe a beleza. Se é preto e se sente objeto de preconceitos, o dinheiro dar-lhe uma pele branca. Se é velho e deseja a mais jovem e bela mulher, o dinheiro pode comprar a juventude que lhe falta. Conseqüentemente, o que o homem é, não o é por seus poderes naturais, mas, sim, pelo que lhe conferem as coisas. É precisamente nesse sentido que Debord emprega o conceito de espetáculo. Não basta, contudo, só afirmar, é necessário dar prova do que se afirma. E a melhor maneira de atestar tal afirmativa é deixar que o autor do texto fale. Concedendo-lhe, pois, a palavra, numa primeira aproximação do conceito de espetáculo, Aquino assevera que [...] sob esse conceito, momento da economia capitalista em que a mercadoria teria atingido a ocupação total da vida cotidiana, Debord diz buscar unificar e explicar uma diversidade de fenômenos aparentes, que são, eles mesmos, as aparências dessa aparência organizada socialmente. 2 Kalagatos - REVISTA DE FIOSOFIA. FORTAEZA, CE, V. 5 N.9, INVERNO 2008 Essa aparência socialmente organizada é fundamental para o conceito de espetáculo. Antes de apresentá-lo definitivamente, seria interessante perguntar em que sentido Debord emprega a expressão aparência socialmente organizada. Emiliano Aquino não deixa seu leitor sem explicação. Esclarece que se trata da 2 Ibidem, p. 67/8. 213 M

AQUINO, JOÃO EMIIANO F. DE. REIFICAÇÃO E INGUAGEM EM GUY DEBORD. RESENHA DE FRANCISCO JOSÉ SOARES TEIXEIRA. P. 207-237. [...] aparência objetiva do intercâmbio mercantil que se constitui numa objetividade fantasmagórica, pois se apresenta aos homens como uma relação natural, constitutiva das próprias coisas, quando é somente uma determinação histórica da forma de suas próprias relações sociais. 3 A explicação prolonga-se um pouco mais para precisar que essa aparência é, na verdade, uma aparência necessária, pois constitutiva da lei do valor que de per se se apresenta na objetiva e necessidade de uma lei natural. 4 Essas três citações resumem quase todas as mediações necessárias para a apresentação definitiva do conceito de espetáculo. Falta apenas elucidar o que de novo essa aparência socialmente organizada acrescenta à forma como a emprega Marx n O Capital. Emiliano Aquino tem a resposta: [...] a aparência objetiva do intercâmbio mercantil, da qual Marx afirma categoricamente a autonomia e independência em face da natureza física e das relações materiais da produção de valores de uso, torna-se agora, ela mesma, fisicamente aparente, sensivelmente visível; torna-se uma aparência socialmente organizada que se manifesta, no capitalismo espetacular, em fenômenos aparentes, visíveis. Graças à extensão das relações mercantis à totalidade da vida cotidiana, a autonomia da aparência das trocas fetichistas de valores passa a 3 Ibidem, p. 68. 4 Ibidem. 214 M

constituir soberanamente, submetido à lógica abstrata, um conjunto de fenômenos aparentes que, desse modo, se tornam, eles mesmos, também autônomos frente aos indivíduos. 5 Aí está, pois, o aspecto histórico novo que Debord acrescenta ao conceito de fetichismo da mercadoria: sua visibilidade sensível, a espetacularização sensivelmente visível do fetichismo. Com isso, o conceito de espetáculo pode ser agora apresentado de forma definitiva. Que o faça Emiliano Aquino, para quem [...] se ele (Debord) pode falar do espetáculo como constituído na produção, como modo de produção, é precisamente porque julga que, com a separação generalizada do trabalhador e de seu produto, perdemse todo ponto de vista unitário da atividade realizada, toda comunicação direta entre os produtores [...] a atividade e a comunicação se tornam o atributo exclusivo da direção do sistema. Em outras palavras, o conceito de espetáculo não diz respeito ao simples olhar, mas, sim, é o que escapa à atividade dos homens, à reconsideração e à correção de sua obra. É o contrário do diálogo. 6 Kalagatos - REVISTA DE FIOSOFIA. FORTAEZA, CE, V. 5 N.9, INVERNO 2008 É o capital tornado imagem, como, assim, mais adiante, Emiliano Aquino conclui o seu raciocínio: [...] o espetáculo, diz Debord, é o capital em tal grau de acumulação que se torna imagem [...]. Mas, cabe 5 Ibidem, p. 69. 6 Ibidem, p. 70. 215 M

AQUINO, JOÃO EMIIANO F. DE. REIFICAÇÃO E INGUAGEM EM GUY DEBORD. RESENHA DE FRANCISCO JOSÉ SOARES TEIXEIRA. P. 207-237. indagar imagem de quê? A resposta não poderia ser outra senão esta: de si mesmo, de sua natureza fetichista e de seu poder material, que é o poder material da sociedade que dela se encontra alienado sob a formacapital. Não se trata, pois, da imagem falsificadora de alguma existência verdadeira transcendente ou de uma natureza humana a-histórica. Sob a forma de espetáculo, é o capital acumulado e sua natureza fetichista que se mostram, de modo distorcido, certamente, mas também em sua verdadeira natureza: como espetáculo, o capital se mostra, se apresenta como uma forma autônoma, força cujo fundamento não é outro que a própria força material social, o próprio resultado do trabalho social tornado autônomo em face da sociedade. De outro modo, é a própria contradição fundamental de toda uma época histórica contradição entre seus poderes materiais, possibilitadores de uma outra vida, e a forma social que aprisiona a realização destas mesmas possibilidades que se apresenta numa necessária aparência invertida, inversão esta que, sendo essencial à forma-valor, se mostra como potência humana sobre-humana. 7 Essas duas últimas citações não deixam dúvidas: o conceito de espetáculo, de acordo com a leitura de Emiliano Aquino, rigorosamente faz justiça ao conceito marxiano de fetichismo da mercadoria. Nele, estão presentes todas as determinações próprias deste último. Com a diferença de que o autor de A Sociedade do Espetáculo acrescenta à concepção matriz do fetichismo novas determinações, criadas pela própria lógica da mercadoria. Destaque-se: a expropriação, tornada visível, da linguagem comunicativa, pelo poder do capital. 7 Ibidem, p. 84. 216 M

Noutras palavras, a lógica contemplativa e passiva do mundo das mercadorias estendeu-se à totalidade da vida cotidiana, de tal sorte que a comunicação humana tornou-se mercadoria. Mas, assim como a crítica da economia política em O Capital insere-se no materialismo histórico como uma teoria parcial, o conceito de espetáculo tem estatuto epistemológico semelhante: é parte da teoria da linguagem geral da comunicação histórica. É justamente essa visão de totalidade da práxis comunicativa que permite Debord ir além dos limites históricos deste conceito. Isso não significa que ele encontre no passado um modelo de sociedade a partir da qual critica o mundo dominado pelo espetáculo. Não se trata de uma crítica alimentada por supostas determinações valorativas da comunidade pré-moderna. A relação entre a crítica do presente e a teoria da linguagem geral da comunicação é uma relação dialética entre universalidade e particularidade, tal como Marx pensa o trabalho como atividade geral, universal, e particular, histórica. Quanto a isso, Emiliano Aquino não deixa dúvida, ao afirmar, em sua crítica contra Anselm Jappe e Michel öwy, que o espetáculo é a consumação do processo histórico de expropriação da potencialidade comunicativa da linguagem. Conseqüentemente, o passado não lhe serve de modelo para pensar o futuro, o mundo pós-espetáculo. É a partir dessa relação dialética que Emiliano analisa a relação entre reificação e linguagem em Debord. Central nessa discussão são as categorias de tempo e linguagem, determinações constitutivas de toda e qualquer práxis comunicativa; elas são pressupostos Kalagatos - REVISTA DE FIOSOFIA. FORTAEZA, CE, V. 5 N.9, INVERNO 2008 217 M

AQUINO, JOÃO EMIIANO F. DE. REIFICAÇÃO E INGUAGEM EM GUY DEBORD. RESENHA DE FRANCISCO JOSÉ SOARES TEIXEIRA. P. 207-237. da teoria debordiana da linguagem comunicativa. Como assim? Uma linguagem comunicativa pressupõe tempo livre, tempo da conversação que é, simultaneamente, tempo da ação. No mundo grego, essa relação entre tempo livre e linguagem punha-se de forma obliterada, estreita, pois nesse mundo só os que não trabalham vivem, dispõem de tempo livre. A comunidade grega é, então, marcada pela separação, que é imanente a toda forma de Estado, como um poder separado, autonomizado da sociedade. Daí a natureza alienante de toda separação. No capitalismo essa separação é plenamente consumada e de forma generalizada, pois nessa forma de vida o tempo vivido é apropriado pelo capital. Essa expropriação esvazia o tempo de sentido e o transforma em coágulos fixos, isolados e intercambiáveis ; numa igualdade quantitativa que tem nos movimentos de rotação do capital a sua medida. Ao mesmo tempo, porém, em que o capitalismo consuma e radicaliza a natureza alienante da separação, o desenvolvimento das forças produtivas do capital cria imensas possibilidades para a construção de uma vida verdadeiramente plena de sentido. Essa contradição prenhe de tensões é, assim, apresentada por Emiliano Aquino: Se, nas atuais relações espetaculares, a história universal é efetiva, consciente e oficialmente admitida em sua linearidade e irreversibilidade [...], no entanto, em virtude do domínio dessa mesma economia e dados os imperativos práticos que esse domínio implica, ela é negada aos indivíduos na forma da livre efetivação 218 M

e livre comunicação de suas experiências imediatas. O isolamento mútuo dos indivíduos enquanto portadores de mercadorias, isolamento já identificado por Marx como uma relação entre egoístas e como alienação com relação ao gênero, é aqui retomada por Debor, com base na centralidade da atividade práxica e da linguagem, como isolamento e solidão até mesmo daquele que se furta à experiência social do tempo reificado. Isolamento e solidão, nesse caso, na forma de uma incomunicabilidade dos usos clandestinos do tempo irreversível no interior de uma linguagem social que desconhece qualquer semelhante uso prático e ativo do tempo vivido e como contraface de uma forma de sociabilidade cuja única possibilidade de relações genéricas reside nas relações de compra e venda, relações que, nucleadas na objetividade reificada do valor, são elas mesmas resistentes a toda comunicação 8. Uma leitura mais atenta dessa passagem, à luz do que se discutiu até então, deixa claro que, para Debord, a expropriação da atividade autônoma no trabalho e a expropriação da linguagem comunicativa são duas determinações reflexivas, isto é: que se implicam reciprocamente. Ao mesmo tempo em que expressam a contradição básica da sociedade espetacular, carregam em seu seio um potencial tensivo, que se manifesta na forma de desejos conscientemente elaborados, que, no entanto, permanecem obliterados pela forma-mercadoria. É então que Debord lança mão da psicanálise como momento fundamenta na formulação de sua crítica da sociedade Kalagatos - REVISTA DE FIOSOFIA. FORTAEZA, CE, V. 5 N.9, INVERNO 2008 8 Ibidem, p. 64/65. 219 M

AQUINO, JOÃO EMIIANO F. DE. REIFICAÇÃO E INGUAGEM EM GUY DEBORD. RESENHA DE FRANCISCO JOSÉ SOARES TEIXEIRA. P. 207-237. do espetáculo. Mas, atenção, Debord apropria-se do conceito de desejos primitivos, numa perspectiva diferente daquela utilizada por Freud. Não são os desejos primitivos, arcaicos, como os considerados pela psicanálise, que interessam ao autor de A Sociedade do Espetáculo. Muito pelo contrário, o que lhe importa são os desejos possíveis, conscientemente elaborados no presente, que a forma mercadoria substitui por necessidades criadas pelo capital e para o capital. Nesse sentido, não são os desejos inconscientes, arcaicos, que são substituídos pela lógica da mercadoria, mas, sim, os desejos possíveis, cuja possibilidade se encontra submetida à valorização do valor, que arranca das pessoas o poder de realizarem os seus desejos de forma autêntica e consciente. Para avançar com o texto, cabe um pequeno desfecho para construir uma ponte com a discussão que vem em seguida. Os elementos estão dados: a imbricação dialética entre a expropriação da atividade autônoma no trabalho e a expropriação da linguagem comunicativa. Como esta última categoria é central para a crítica debordiana da sociedade do espetáculo, é chegado o momento de investigá-la mais a fundo. Para Debord, central nessa crítica é a categoria de expressão, tal como pensada e experimentada esteticamente pelo surrealismo e pela arte moderna. A CRÍTICA SURREAISTA E SUA NEGAÇÃO DA VIDA A demora aqui será extremamente breve; uma exposição quase monossilábica. A razão é simples. A 220 M

nervura central das idéias desenvolvidas por Emiliano Aquino já foi apresentada: o conceito debordiano de espetáculo e sua relação dialética com a teoria da linguagem geral da comunicação histórica. Por isso, julga-se poder apressar o que ainda falta por apresentar. Como se trata de uma apresentação breve, a melhor maneira de fazê-la é indicar as principais passagens do texto, com o devido cuidado, obviamente, de respeitar a sua unidade. Para cumprir essa exigência, em primeiro lugar, cabe destacar o que é central na crítica que Debord faz à categoria de expressão, tal como ela é experimentada esteticamente pelo surrealismo e pela arte moderna. O cerne dessa crítica se dirige à construção de uma concepção da linguagem centrada na interioridade subjetiva, da qual partilham Adorno, Breton e toda geração surrealista. Ora, uma crítica centrada numa linguagem fundada nas profundezas do espírito, diria Debord, é, na verdade, uma não-crítica, porque assentada numa concepção da expressão lingüística não-comunicativa. Trata-se, na verdade de uma crítica ilusória, até mesmo conservadora, na medida em que se refugia na interioridade do espírito. É uma crítica que nega a necessidade de agir. Que o diga Emiliano Aquino, para quem, Debord Kalagatos - REVISTA DE FIOSOFIA. FORTAEZA, CE, V. 5 N.9, INVERNO 2008 [...] se mantém extremamente crítico do horizonte da interioridade, afirmando numa polêmica contra Michel eiris que o que importa não é a estrutura individual do nosso espírito, nem a explicação de sua formação. A realização real do indivíduo, diz ele ainda, passa necessariamente pela dominação coletiva do 221 M

AQUINO, JOÃO EMIIANO F. DE. REIFICAÇÃO E INGUAGEM EM GUY DEBORD. RESENHA DE FRANCISCO JOSÉ SOARES TEIXEIRA. P. 207-237. mundo; antes dela, não há indivíduos, mas sombras girando em torno das coisas que lhes são anarquicamente dadas por outros. Numa outra passagem, Debordse opõe duramente à concepção por Henri efèbvre do romantismo revolucionário, fundado também no desacordo especificamente moderno entre o indivíduo progressista e o mundo. Uma atividade revolucionária na cultura e na sociedade não se poderia basear, segundo diz Debor, na simples expressão do desacordo 9. Daí que, para Debord, uma crítica fundada na simples expressão do desacordo implica numa ruptura com a vida, numa recusa do real. Debord não poupa Adorno de sua crítica. Razão: para este último a expressão é também solilóquio, pura interioridade subjetiva. E não poderia ser diferente. Para o autor da Dialética Negativa, a obra de arte, para não ser manchada pela pobreza de espírito da sociedade da cultura de massa, fecha-se em si mesma e fala para o mundo na forma de enigmas. É o que deixa transparecer Emiliano Aquino, quando afirma que Adorno, [...] para quem a expressão também é solilóquio, assume, em termos estético-filosóficos, o mesmo ponto de vista estético-expressivo e, portanto, radicalmente não-comunicativo de Breton, com recusa da comunicação reificada própria das relações sociais de mercado, ele testemunha, da mesma forma que o fundador do surrealismo, a determinação mais geral que a categoria de expressão 9 Ibidem, p. 107. 222 M

porta com relação à experiência poética moderna. Na concepção da expressão por Breton, que a formula tendo em vista também a experiência estética que ocorre no exterior do surrealismo, trata-se precisamente afirmar com radicalidade uma experiência expressiva que, presente na escrita e na figuração pictórica de diversos autores, é a única que se lhe apresenta como conforme às potencialidades criadoras da linguagem e, nisso mesmo, sua potencial negação da banalidade de seu uso social. Desde sempre, é essa recusa dos imperativos práticos e comunicativos o que constitui sua concepção lírica, logo, expressiva em face à sociedade moderna. A concepção da subjetividade solitária, essencial ao seu lirismo, em razão da crise da tradição e do presente domínio da reificação, é o que constitui sua concepção da expressão não-comunicativa e, por isso mesmo, aversa aos imperativos práticos e ao chamado reificado da ação. 10 Com esta citação, espera-se que se tenha apresentado, ainda que de forma apressada, o centro da crítica debordiana à concepção da linguagem e da arte em geral, cujas formas de expressão não vão além do desacordo entre interioridade e mundo exterior ; permanecem prisioneiras da interioridade subjetiva, da consciência solitária. Mas atenção: Debord não é um pensador niilista, no sentido de negar de forma absoluta os elementos críticos da poesia e da arte moderna, os quais foram radicalizados pelos surrealistas. Quanto a isso, Emiliano Aquino não deixa dúvidas. Segundo ele, o Kalagatos - REVISTA DE FIOSOFIA. FORTAEZA, CE, V. 5 N.9, INVERNO 2008 10 Ibidem, p. 95. 223 M

AQUINO, JOÃO EMIIANO F. DE. REIFICAÇÃO E INGUAGEM EM GUY DEBORD. RESENHA DE FRANCISCO JOSÉ SOARES TEIXEIRA. P. 207-237. autor de A Sociedade do Espetáculo busca articular e mobilizar a reflexão crítica surrealista numa outra prospectiva [...] acerca da linguagem, precisamente a perspectiva comunicativa. Para que não subsistam dúvidas, Aquino esclarece que [...] os elementos críticos da poesia e da arte moderna, os quais o surrealismo radicaliza, são reconhecidos e mobilizados por Debordpara uma reflexão crítica social que, abandonando o horizonte da profundeza e da expressão, buscar articular um sentido prospectivo para essas experiências artísticas (...). Em outras palavras, a superação que ele busca do surrealismo é também a superação do horizonte de toda arte moderna, num mesmo gesto de reivindicação de sua natureza crítica, presente tanto na destruição da linguagem quanto em seus temas; e o faz com base no horizonte específico das vanguardas históricas, no qual aquele conteúdo socialmente crítico e o programa de superação da arte se identificam. 11 INGUAGEM E PRÁXIS REVOUCIONÁRIA A forma como Debord rearticula as potencialidades críticas do programa surrealista e de toda arte moderna lembra a postura de Marx diante da Economia Política. Como se sabe, o autor de O Capital não contrapõe a essa ciência uma teoria simplesmente diferente para explicar a origem da propriedade capitalista e suas leis inerentes de apropriação e distribuição da riqueza. Pelo contrário, Marx apropria-se das conquistas teóricas da Economia 11 Ibidem, p. 115. 224 M

Política, desmonta o seu sistema categorial e o reconstrói numa perspectiva nova, para superar suas limitações e obrigá-la a responder as exigências de seu projeto de saber, qual seja: demonstrar teoricamente o caráter imanente da exploração capitalista. Debord procede de forma semelhante. Não é preciso ir muito longe para dar prova dessa semelhança. A exposição de sua crítica, apresentada na seção anterior, não deixa dúvidas. Ele não nega, de forma absoluta, as potencialidades críticas da concepção expressiva da arte moderna e do surrealismo. Ao invés de simplesmente negar a concepção expressiva da interioridade subjetiva, como aparece em Adorno e nos surrealistas, Debord, segundo Emiliano Aquino, é contra uma perspectiva comunicativa acrítica, como parece ser o caso de Habermas, pois incorpora a negatividade existente na oposição entre expressão e a comunicação reificada, tal como esta oposição foi constituída pela arte moderna e tematizada por Adorno. 12 Como se pode notar, a perspectiva de Debord é de superação, no sentido dialético da palavra, e não de simples negação. E o faz na perspectiva de uma linguagem comunicativa como lugar da ação comum, que ele compreende como diálogo prático, crítica prática, negação do mundo existente. Mas, atenção, não se trata para Debord, como assim esclarece oportunamente Emiliano Aquino, Kalagatos - REVISTA DE FIOSOFIA. FORTAEZA, CE, V. 5 N.9, INVERNO 2008 [...] de tomar a comunicação cotidiana, como existente na presente sociedade alienada, como base de uma 12 Ibidem, p. 142. 225 M

AQUINO, JOÃO EMIIANO F. DE. REIFICAÇÃO E INGUAGEM EM GUY DEBORD. RESENHA DE FRANCISCO JOSÉ SOARES TEIXEIRA. P. 207-237. perspectiva social comunicativa, tal como pretende Habermas, que se refere a uma racionalização da comunicação cotidiana, ligada às estruturas subjetivas do mundo da vida, para a qual a linguagem representa o meio genuíno e insubstituível de entendimento. Para Debord, a presente comunicação cotidiana, em todos os seus níveis possíveis de racionalização, é constituída pela mediação autônoma das relações mercantis, sendo, portanto, uma pseudocomunicação. 13 Mas, se todas as esferas da vida estão colonizadas pelo domínio do capital, a ponto de transformar a comunicação humana numa mercadoria, como é possível uma ação comunicativa transparente? Segundo Emiliano Aquino, para Debord, ação comunicativa é sinônimo de uma política da comunicação. Como política da comunicação, uma linguagem comunicativa transparente só pode nascer da ação revolucionária do proletariado. De acordo com o autor de Reificação e inguagem em Guy Debord, o programa debordiano da [...] superação da arte, buscada pelas vanguardas no início do século, significa nas condições do capitalismo espetacular o programa de passagem da estética expressiva à práxis revolucionária comunicativa. Em outras palavras, a revolução proletária far-se-á herdeira da arte moderna, ao realizar positivamente o programa comunicativo que, em negativo, é imanente a esta última; em contrapartida, a arte moderna realizar-se-á, superando-se a si mesma enquanto arte separada, 13 Ibidem, p. 143. 226 M

com a transformação da inteira vida cotidiana criativa, desalienada, histórica, isto é, fundada na potência construtiva do diálogo prático. Nessa mesma perspectiva interpretativa, V. Kaufmann considera que a inflexão comunicativa operada por Debor, inflexão elaborada com base numa interpretação da experiência artística, se constitui numa política da comunicação que coincide imediatamente com uma poética da revolução 14. Retomando o que se disse antes, quando por ocasião da apresentação do conceito de espetáculo de Debord, agora tudo se esclarece: um mundo fundado numa comunicação transparente só pode nascer da ação política revolucionária. Por isso, como apropriadamente esclarece Emiliano Aquino, [...] não podendo recorrer ao passado, tampouco à interioridade subjetiva, Debord ampara sua perspectiva comunista de uma nova comunidade apenas e exclusivamente nas contradições da própria existência presente e na práxis negativa em face delas. Como para o jovem Marx, a negatividade significa, para ele, a única possibilidade de uma reflexão puramente histórica, não metafísica (...) da experiência social dos homens, pois constituída da própria existência social fabricada, produzida pela atividade humana, ainda que (ou: precisamente porque) sob a forma da autonegação. Negando o mundo que os nega, os sujeitos da crítica prática se negam a si mesmos, isto é, negam as formas alienadas em e sob as quais estão constituídos e reinventam a Kalagatos - REVISTA DE FIOSOFIA. FORTAEZA, CE, V. 5 N.9, INVERNO 2008 14 Ibidem, p. 144/45. 227 M