DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE NOS HOMÍCIDIOS OCORRIDOS EM ACIDENTES DE TRÂNSITO



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Transcrição:

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE NOS HOMÍCIDIOS OCORRIDOS EM ACIDENTES DE TRÂNSITO ROSILDA MARILETE REICHERT Itajaí-SC, maio de 2008

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE NOS HOMÍCIDIOS OCORRIDOS EM ACIDENTES DE TRÂNSITO ROSILDA MARILETE REICHERT Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professor Mdo. Fabiano Oldoni Itajaí - SC, maio de 2008

AGRADECIMENTO Aos meus pais e meus irmãos, pelo amor e confiança. Ao meu marido Antonio Luiz Lavarda, que ajudou esse sonho a tornar-se realidade, pelo amor, amizade, carinho e acima de tudo pela presença ao longo desta jornada. À Deus.

DEDICATÓRIA Dedico esse trabalho a minha família, que mesmo longe sempre estiveram torcendo por mim.

A grandeza do homem consiste em sua decisão de ser mais forte que a sua condição. (Albert Camus)

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí - SC, maio de 2008. Rosilda Marilete Reichert Graduando

PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí UNIVALI, elaborada pela graduanda Rosilda Marilete Reichert, sob o título Dolo eventual e culpa consciente nos homicídios ocorridos em acidentes de trânsito, foi submetida em 09 de maio de 2008 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Professor Mestrando Fabiano Oldoni, Professor Mestre Rogério Ristow e Professor Wellington César de Souza e aprovada com a nota 9,5 (nove e meio). Itajaí - SC, maio de 2008 Prof. Mdo. Fabiano Oldoni Orientador e Presidente da Banca Prof. MSc Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS CC/1916 Código Civil Brasileiro de 1916 CC/2002 Código Civil Brasileiro de 2002 CTB Código de Trânsito Brasileiro de 1997 CP Código Penal de 1940 CPP Código Processo Penal de CRFB/88 Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 ART. TJSP STF TACRIM Artigo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Supremo Tribunal Federal Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo

ROL DE CATEGORIAS Automóvel Veículo automotor destinado ao transporte de passageiros, com capacidade para até oito pessoas, exclusive o condutor 1. Conceito analítico de crime O crime é uma ação a que se juntam os atributos da tipicidade, da antijuridicidade e da culpabilidade, donde o conceito analítico do crime como ação típica, antijurídica e culpável 2. Conceito formal de crime O crime é um fato típico e antijurídico. A culpabilidade, como veremos, constitui pressuposto da pena. [...] a culpabilidade é requisito do crime, funcionando como condição de imposição de pena 3. Conceito material de crime Sob o aspecto material, crime é a conduta humana que lesa ou expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal 4. Culpa A culpa é o elemento normativo da conduta, sendo assim considerada porque sua existência depende de um juízo de valor, consistente na comprovação entre a conduta praticada pelo agente no caso concreto e a conduta que um homem de diligência normal teria naquela mesma situação 5. Culpa consciente 1 BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro lei 9.503/97 de 23 de setembro de 1997. São Paulo: Dialética, 1997. p. 73. 2 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral, 2005.p.177. 3 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: Parte Geral. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v.1. p.150. 4 NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. 34. ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 1999, p.97. 5 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2004, p.399.

A culpa consciente é caracterizada pela previsão do agente quanto à probabilidade do resultado que ele espera não venha ocorrer, confiando em suas habilidade ou destreza para enfrentar a situação de risco. É também chamada de culpa com previsão e que aproxima do dolo eventual 6. Crime Sub specie juris, em sentido amplo, crime é o ilícito penal. Mais precisamente é o fato (humano) típico (isto é correspondente ao descrito in abstrato pela lei) contrário ao direito, imputável a título de dolo ou culpa e a que a lei contrapõe a pena (em sentido estrito) como sanção especifica 7. Dolo eventual No dolo eventual, o agente não quer propriamente o resultado, mas admite e aceita o risco de produzi-lo 8. Homicídio culposo É a morte de um homem provocada culposamente por outro na direção de veículo automotor 9. Homicídio doloso Dolo do homicídio é a vontade consciente e antijurídica, de matar. Usa-se, para designá-lo, em linguagem jurídico-penal, a expressão latina animus necandi. Este é o termo corrente no jargão forense para caracterizar o homicídio doloso 10. Trânsito Movimentação e imobilização de veículos, pessoas e animais na via terrestre 11. 6 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.315. 7 HUNGRIA, Nelson. Comentário ao Código Penal. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958. Tomo 2 v.i. p. 9. 8 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral. 5.ed. rev. e atual. por Rafael Cirigliano Filho Rio de Janeiro: Forense, 2005. Tomo II. p. 46. 9 JESUS, Damásio E. Crimes de Trânsito. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p.72. 10 FEU ROSA, Antônio José Miguel. Direito Penal: Parte Especial. São Paulo: Editora dos Tribunais, 1995. p.43.

Veículo automotor Todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétrico) 12. 11 BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro Lei 9.503/97 de 23 de setembro de 1997. São Paulo: Dialética, 1997. p. 77. 12 BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro Lei 9.503/97 de 23 de setembro de 1997. São Paulo: Dialética, 1997. p. 78.

SUMÁRIO RESUMO... XIII INTRODUÇÃO...XIV CAPÍTULO 1... 1 DO CRIME...1 1.1 CONCEITO...3 1.1.1 CONCEITO MATERIAL...5 1.1.2 CONCEITO FORMAL...7 1.1.3 CONCEITO ANALÍTICO...9 1.2 FATO TIPÍCO...12 1.2.1 CONDUTA...15 1.2.1.1 Teoria causal ou naturalista...15 1.2.1.2 Teoria finalista...16 1.2.1.3 Teoria social da ação...18 1.2.2 RESULTADO...20 1.2.2.1 Teoria naturalística...20 1.2.2.2 Teoria jurídica ou normativa...21 1.2.3 NEXO DE CAUSALIDADE...22 1.2.4 TIPICIDADE...24 1.3 ANTIJURIDICIDADE...26 1.4 CULPABILIDADE...28 1.4.1 TEORIA PSICOLÓGICA...29 1.4.2 TEORIA PSICOLÓGICO-NORMATIVA...30 1.4.3 TEORIA NORMATIVA PURA...31 1.3.4.1 Imputabilidade...34 1.4.3.2 Potencial consciência da ilicitude...35 1.4.3.3 Exigibilidade de conduta diversa...35 CAPÍTULO 2... 37 DO DOLO E DA CULPA... 37 2.1 DO DOLO...37 2.1.1 TEORIA DA VONTADE...38 2.1.2 TEORIA DA REPRESENTAÇÃO...39 2.1.3 TEORIA DO ASSENTIMENTO OU CONSENTIMENTO...41 2.1.4 ELEMENTOS DO DOLO...42 2.1.5 DA ESPÉCIE DO DOLO...44 2.1.5.1 Dolo natural...45 2.1.5.2 Dolo normativo...45 2.1.5.3 Dolo direto...46 2.1.5.4 Dolo indireto = alternativo e eventual...48 2.1.5.5 Dolo de dano...51

2.1.5.6 Dolo de perigo...52 2.1.5.7 Dolo genérico...52 2.1.5.8 Dolo específico...53 2.1.5.9 Dolo geral dolo do ímpeto...54 2.2 DA CULPA...55 2.2.1 ELEMENTOS DA CULPA...56 2.2.1.1 A conduta...57 2.2.1.2 A inobservância do cuidado objetivo...58 2.2.1.3 O resultado lesivo involuntário...60 2.2.1.4 A previsibilidade objetiva...61 2.2.1.5 A tipicidade...62 2.2.2 DA MODALIDADE DA CULPA...63 2.2.2.3 Imprudência...63 2.2.2.4 Negligência...64 2.2.2.5 Imperícia...65 2.2.3 ESPÉCIES DA CULPA...66 2.2.3.1 Culpa inconsciente...66 2.2.3.2 Culpa consciente ou com previsão...67 2.2.3.2.1 Requisitos da culpa consciente...70 2.2.3.3 CULPA IMPRÓPRIA...72 2.2.3.4 CULPA MEDIATA OU INDIRETA...73 CAPÍTULO 3... 75 DO DOLO EVENTUAL E DA CULPA CONSCIENTE NOS HOMICÍDIOS DE TRÂNSITO... 75 3.1 CARACTERIZAÇÃO DE TRÂNSITO...75 3.2 DO HOMICÍDIO CULPOSO COMETIDO EM ACIDENTE DE TRÂNSITO...77 3.2.1PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE...84 3.3 DO PROCEDIMENTO PARA JULGAR O HOMICÍDIO CULPOSO COMETIDO EM ACIDENTE DE TRANSITO...86 3.4 ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL QUANTO A FIGURA DOLOSA NOS HOMICÍDIOS OCORRIDOS EM ACIDENTE DE TRÂNSITO...89 3.5 DO PROCEDIMENTO PARA JULGAR O HOMICÍDIO DOLOSO COMETIDO EM ACIDENTES DE TRÂNSITO...95 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 98

RESUMO O presente trabalho monográfico tem por objetivo a análise do dolo eventual e da culpa consciente nos homicídios ocorridos em acidente de trânsito. No primeiro momento conceitua-se o crime, seus aspectos, seus elementos e suas teorias. Em seguida trabalha-se a culpa e dolo, suas teorias, elementos e espécies. Por fim, no terceiro e último capítulo, aponta-se especificamente o dolo eventual e a culpa consciente, demonstrando atuais entendimentos doutrinários e jurisprudências, de forma a apresentar os ritos processuais de cada modalidade, bem como o juízo competente para apreciar a matéria.

INTRODUÇÃO A presente Monografia tem como objeto analisar os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais acerca do dolo eventual e da culpa consciente nos homicídios ocorridos em acidentes de trânsito. Esta pesquisa tem como objetivo institucional a produção de uma Monografia como requisito básico para a obtenção do título de Bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. O seu objetivo geral é a análise na doutrina e na jurisprudência quanto aos homicídios ocorridos no trânsito. Já o objetivo específico é pesquisar o entendimento da doutrina e dos Tribunais, em especial do Estado de Santa Catarina, quanto a figura dolosa nos homicídios de trânsito, bem como a espécie da culpa consciente. Para tanto, principia se, no Capítulo 1, tratando do crime, seus conceitos material, formal e analítico, o fato típico, os elementos da conduta e suas teorias, o resultado, nexo de causalidade e a tipicidade, bem como a antijuridicidade, a culpabilidade. No Capítulo 2, tratar-se-á do dolo e da culpa, respectivamente, com cada um de seus conceitos, elementos e espécies. No Capítulo 3, será tratado do homicídio culposo cometido em acidente no trânsito e seu procedimento, do homicídio doloso cometido em acidente de trânsito e o rito processual para seu julgamento. O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre Dolo eventual e culpa consciente nos acidentes ocorridos em acidentes de trânsito.

2 hipóteses: Para a presente monografia foram levantadas as seguintes A modalidade culposa prevista no Código de Trânsito é regra para os homicídios ocorridos em acidentes de trânsito. O homicídio ocorrido em acidente de trânsito pode também ser reconhecido como dolo eventual. Nos homicídios ocorridos em acidentes de trânsito os tribunais têm admitido o dolo eventual apenas com a previsibilidade do resultado. Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica.

CAPITULO 1 DO CRIME 1.1 CONCEITO O conceito legal é dado pela Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto Lei nº. 3.914/41) que faz a seguinte definição de crime: Considera-se crime a infração penal a qual a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente. Conceitua Nelson Hungria 13 que o crime é uma: Sub specie juris, em sentido amplo, crime é o ilícito penal. Mais precisamente é o fato (humano) típico (isto é correspondente ao descrito in abstrato pela lei) contrário ao direito, imputável a título de dolo ou culpa e a que a lei contrapõe a pena (em sentido estrito) como sanção específica. No que destaca João José Leal 14 : O crime é conduta humana, podendo ser ação propriamente dita, como também, em alguns casos, omissão. Este tipo de comportamento pode ser objeto de estudo da Sociologia, da Filosofia, da Psicologia e de outras disciplinas, principalmente da Criminologia, que o examina como fenômeno humano biológico e/ou sociológico. Assim dependendo da natureza do enfoque poderemos ter um conceito sociológico, moral, psicológico ou criminológico da infração penal. [...] Da doutrina, emergem três categorias conceituais de crime, formuladas a partir de enfoques diferenciados do objeto examinado. 13 HUNGRIA, Nelson. Comentário ao Código Penal. 4 ed. v.1, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p. 9. 14 LEAL, João José. Direito Penal Geral. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC, 2004. p.180-181.

4 conceituação de crime: Damásio de Jesus 15 apresenta quatro formas de Formalmente, conceitua-se crime sob aspecto da técnica jurídica, do ponto de vista da lei. Materialmente, tem-se o crime sob ângulo ontológico, visando a razão que levou o legislador a determinar como criminosa uma conduta humana, a sua natureza danosa e conseqüências. O terceiro sistema conceitua o crime sob os aspectos formal e material juntamente. É assim entendido por Francisco Carrara 16 : A infração da lei do Estado, promulgada para proteger a segurança dos cidadãos, resultante de um ato externo do homem, positivo ou negativo, moralmente imputável e politicamente danoso. Na ótica deste conceito João José Leal 17 define como conceito misto, onde o aspecto formal (infração à lei do Estado) e o material (politicamente danoso) são reunidos para identificar juridicamente a existência da figura criminosa. O quarto sistema para Ranieri 18 define o delito como fato humano tipicamente previsto por norma jurídica sancionada mediante pena em sentido estrito (pena criminal), lesivo ou perigoso para bens ou interesses considerados merecedores da mais enérgica tutela. Já para José Frederico Marques 19 o conceito de crime é a violação de um bem jurídico, que o Estado deve tutelar, pois se consubstancia ali um valor relevante para a comunhão social. Caso uma conduta não estiver expressa em lei não se pode dizer que se trata de crime. 15 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral. 28 ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 150. 16 Apud, JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005. p.150. 17 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.183. 18 Apud, JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005. p.151. 19 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. v.2. Campinas: Millennium, 2002. p.1.

5 Para Romeu Falconi 20 crime é: É um fato (injusto punível) provocado por uma CONDUTA HUMANA que, juridicamente relevante, é tipificada e tem como componente o agente e, como conteúdo, a figura da ilicitude, tornando passível de apuração da culpabilidade, derivando daí uma punibilidade, uma vez provada aquela culpa (culpa lata). Desta forma, apresenta-se o conceito formal, material e analítico de crime, como será visto a seguir. 1.1.1 Conceito material O conceito material de crime destaca o conteúdo terminológico, com base na finalidade da lei, o bem protegido pela lei penal, e pela lei definido ou determinado o fato criminoso ou não. Para Magalhães Noronha 21 sob o aspecto material, crime é a conduta humana que lesa ou expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal. Para Fernando Capez 22 o crime pode ser definido como todo fato humano que, propositada ou descuidadamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade e da paz social. No que tange o entendimento de João José Leal 23 : A concepção material busca apresentar o crime como uma conduta contraria aos valores éticos fundamentais ou os legítimos interesses do grupo social [...] como conduta ofensiva a determinados bens fundamentais para a coexistência social: a vida, a honra, o patrimônio, o meio ambiente, a liberdade individual. 20 FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direito Penal. 3 ed., ver.,ampl.e atual. São Paulo: Ícone, 2002. p. 152. 21 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 34. ed. v.1. São Paulo: Saraiva,1999. p.97. 22 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. v.1. São Paulo: Saraiva, 2000.p. 95. 23 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.181-182.

6 É o que sustenta Francisco de Assis Toledo 24 : crime é o fato humano que lesa ou expõe a perigo bens jurídicos (jurídico-penalmente) protegidos. Também a esse entendimento se filia Aníbal Bruno 25, que define crime como sendo um ato que ofende ou ameaça um bem jurídico ou interesse jurídico julgado fundamental para a coexistência social e por isso protegido pelo Estado sob ameaça de uma pena. No ponto de vista material Damásio de Jesus 26 entende que o conceito de crime visa os bens protegidos pela lei penal, ou seja, nada mais é que a violação de um bem penalmente protegido. Para José Frederico Marques 27 a materialidade do crime se define da seguinte forma: Como a violação de um bem jurídico penalmente tutelado. Essa violação, por outro lado, se realiza através de condutas humanas que vêm definidas e configuradas no preceito primário da norma penal, por uma vez que o princípio da legalidade dos crimes e das penas impede que existam ações ou comportamentos do homem, relevantes para o Direito Penal, sem prévia descrição legal. Cezar Roberto Bitencourt 28 assinala que o conceito material do crime é ação ou omissão que contraria aos valores ou interesses do corpo social, exigindo sua proibição com a ameaça de pena. Para Heleno Fragoso 29, do ponto de vista material crime é a ação ou omissão que, a juízo do legislador, contrasta violentamente com 24 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 74. 25 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral. 5.ed. rev. e atual. por Rafael Cirigliano Filho. Tomo I. Rio de Janeiro : Forense, 2005. p. 271. 26 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005, p.151. 27 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal, 2002. p.7. 28 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 5 ed. ver. ampl. e atual. pelas leis 9.099/95, 9.268/96, 9.271/96 e 9.455/97. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p.177.

7 valores ou interesses do corpo social, de modo a exigir seja proibida sob ameaça de pena. Instrui João José Leal 30 : A concepção material busca apresentar o crime como uma conduta contraria aos valores éticos fundamentais ou aos legítimos interesses do grupo social (o que nem sempre é verdadeiro, pois há interesses de classes protegidos pela ordem jurídica). Para José Geraldo da Silva 31 o conceito material do crime é a violação de um bem jurídico penalmente protegido. É entendimento por alguns autores que a questão da ofensa a bens jurídicos é elemento caracterizador do crime. Por isso, o conceito material de crime se entende por conduta humana, ação ou omissão, que venha a lesar ou a expor a perigo bem juridicamente protegido por lei. 1.1.2 Conceito Formal estruturais do crime. O conceito formal busca estabelecer os elementos Por isso Nelson Hungria 32 afirma que um fato pode ser típico, antijurídico, culpado e ameaçado com pena, isto é, criminoso, e, entanto, anormalmente, deixar de acarretar a efetiva imposição de pena. Em comento a esse conceito ensina Vicente de Paula Rodrigues Maggio 33 : 29 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: Parte Geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p.144. 30 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.182. 31 SILVA, José Geraldo da. Teoria do crime. v.1. Campinas, São Paulo: Bookseller, 1999. p.147. 32 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 1955, v.1, tomo II. p. 24.

8 Desta forma, a pena, pode deixar de ser aplicada: a) por causas de isenção, como, por exemplo, na escusa absolutória, onde um filho que subtrai dinheiro do pai (CP, art. 181, II); no auxílio prestado por ascendente, descendente, cônjuge ou irmão do criminoso para este subtrair-se da ação da autoridade pública (CP, art. 348, 2º); b) pela extinção de punibilidade (CP, art.107). Nestes casos, embora não haja imposição de pena, o crime persiste. O que se verifica é a evolução do conceito formal, onde o crime passou a ser o fato típico, antijurídico e culpável. No entendimento de João José Leal 34 o crime é uma conduta humana contraria à lei penal que dá uma idéia de infração penal, tratando-se de um conceito meramente formal, pois não esclarece a natureza da conduta nem porque ela é assim considerada. Não se preocupa com o conteúdo ético-social nem com as razões que levaram o legislador a estabelecer a incriminação de tal conduta humana. Ainda diz que: A concepção formal, crime é a conduta proibida e sancionada pela lei penal. É exatamente esse caráter de pura contrariedade formal ao Direito, que é acentuado nessa definição: o crime e toda ação ou omissão proibida pela lei, sob ameaça de pena. É como se a nocividade, a perversidade, a imoralidade ou o caráter antisocial da conduta ilícita surgisse como a promulgação da norma incriminadora ou fosse pura criação desta. Para Damásio de Jesus 35 : O aspecto formal do crime é um fato jurídico e antijurídico, a culpabilidade tem outra natureza. [..] A culpabilidade não é requisito do crime, funcionando como condição de imposição da pena. 33 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Direito Penal: Parte Geral. 3. ed. rev. atual. e ampl. Bauru, SP: Edipro, 2002. p.76. 34 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.181. 35 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005, p.150

9 Na ótica deste conceito João José Leal 36 define como conceito misto, onde os aspectos formal (infração à lei do Estado) e o material (politicamente danoso) são reunidos para identificar juridicamente a existência da figura criminosa. crime é: Na ótica de José Frederico Marques 37 conceito formal de De tudo se infere que o crime, como conceito formal de um fato a que se liga, como conseqüente, a sanção penal cominada em lei, é constituído por três elementos: a) fato típico; b) a antijuridicidade; c) a culpabilidade. Daí a definição de crime, em um conceito formal, como fato típico; antijurídico e culpável. Para Celso Delmanto 38 um fato típico e antijurídico, tem-se um crime, mas a aplicação da pena fica condicionada à culpabilidade, que é a reprovação ao agente pela contradição entre sua vontade e a vontade da lei. O conceito formal de crime trata de um fato típico e antijurídico e culpável. Trava-se uma discussão quanto a figura da culpabilidade ser ou não uma condição de imposição da pena. Passa-se a analisado o conceito analítico. 1.1.3 Conceito analítico Para melhor entendimento da figura conceitual analítica de crime busca-se suporte na doutrina de João José Leal 39, que salienta: Até o começo do Século XX a doutrina concebia o crime a partir de um critério bipartido, constituído de dois elementos: um objetivo, representado pela ação omissão e, outro subjetivo, 36 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.183. 37 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal, 2002. p.9. 38 DELMANTO, Celso. Código penal comentado. 3.ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1991. p.19. 39 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.183.

10 representado pela culpabilidade. Em 1906, o jurista alemão Ernst von Beling, reformulou o conceito analítico de crime, inserindo um novo elemento: a tipicidade. O crime passou a ser definido, do ponto de vista dogmático, como a conduta humana, (ação propriamente dita ou omissão), típica, antijurídica e culpável. Esse conceito passou a ser entendido como o mais adequado para definir o crime do ponto de vista técnico jurídico. em Von Liszt Schmidt: Para o conceito analítico de crime Aníbal Bruno socorre-se O crime é essencialmente uma ação, isto é, uma manifestação de vontade humana no mundo externo, mas uma ação antijurídica, isto é, contraria ou Direito, uma ação que contrasta com a proibição ou o comando de uma norma jurídica, e encontram na lei, uma ação que se ajusta ao tipo legal, e finalmente, uma ação culpável, é uma ação pela qual deve pesar sobre o seu autor a reprovação da ordem jurídica 40. Portanto, para Aníbal Bruno 41 o crime é: uma ação a que se juntam os atributos da tipicidade, da antijuridicidade e da culpabilidade, donde o conceito analítico do crime como ação típica, antijurídica e culpável. Leciona Julio Fabbrini Mirabete que o crime passou a ser conceituado com a ação típica, antijurídica, e culpável. Tal definição vem consignada tanto pelos autores que seguem a teoria causalista, como os adeptos da teoria finalista da ação. Para os primeiros a culpabilidade consiste num vínculo subjetivo que liga a ação ao resultado. Já quanto à teoria finalista da ação, proposta por Hans Welzer, passou-se a entende que a ação sempre tem uma finalidade, e por isso o conceito analítico de crime, onde a conduta abrange o dolo e a culpa em sentido estrito, já se a conduta é um fato típico então deve o crime ser entendido como um fato típico e antijurídico 42. 40 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral, 2005.p.177. 41 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral, 2005.p.177. 42 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 22.ed. São Paulo: Atlas, 2005.p.97.

11 Ensina Edílson Mougenot Bonfim e Fernando Capez 43 que para identificar os elementos do crime é necessário: Em primeiro lugar deve ser observada a tipicidade da conduta. Em caso positivo, é só nesse caso, verifica-se se esta é ilícita ou não. Sendo o fato típico e ilícito, questiona-se sobre a culpabilidade do agente (verifica-se se o autor foi ou não culpado por sua prática, isto é, se deve ou não sofrer um juízo de reprovação pelo crime que cometeu); só então em caso positivo, exsurge, pela completude de seus elementos, a infração penal. para a existência da infração penal, portanto, é preciso que o fato seja típico, ilícito e culpável. Leciona René Ariel Dotti 44 o delito se aperfeiçoa com a ação típica e ilícita e que a culpabilidade, como juízo de reprovação post factum, é um pressuposto da pena. René Ariel Dotti foi o primeiro brasileiro a tratar a culpabilidade como pressuposta da pena, veio a influenciar também outros doutrinadores como Damásio de Jesus 45 e outros. Seguindo esse entendimento diz Walter Coelho 46 que: Podemos, pois, reafirmar, em perspectiva bem mais acurada e extensiva, que crime, é o fato humano típico e ilícito, em que a culpabilidade é o pressuposto da pena, e a periculosidade o pressuposto da medida de segurança. Ensina José Geraldo da Silva 47 que: Para os defensores da doutrina tradicionalista, dentre eles E. Magalhães Noronha, Heleno Fragoso, Aníbal Bruno, Paulo José da Costa Junior, Edmundo Oliveira, Francisco de Assis Toledo, Francisco Vani Bemfica etc., como sendo ação típica, antijurídica 43 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 253-254. 44 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2005.p.301. 45 BONFIM, Edílson Mougenot, CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 2004, p. 253. 46 COELHO, Walter. Teoria geral do crime. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991. p.36. 47 SILVA, José Geraldo da. Teoria do Crime. 1999. p.147.

12 e culpável. Ainda, Nelson Hungria e Basileu Garcia acrescentam no conceito a punibilidade. Já para os adeptos da teoria finalista, dentre eles: Damásio de Jesus, Julio Fabbrini Mirabete e Celso Delmanto, o crime é um fato típico e antijurídico, ficando a culpabilidade constituída como pressuposto da pena 48. Preleciona José Geraldo da Silva 49 que o maior problema reside no estudo do dolo e da culpa, que para a doutrina clássica faz parte da culpabilidade, enquanto que para a doutrina finalista faz parte do tipo. Portanto, para os finalistas o conceito de crime é fato típico, antijurídico e a culpabilidade é pressuposto da pena. Diferente é para os causalistas que entendem ser um fato típico, antijurídico e culpável, ainda Nelson Hungria, acrescenta a punibilidade. 1.2 FATO TIPÍCO Para Nelson Hungria 50 o crime antes de qualquer coisa, é um fato, por tal não só a expressão da vontade mediante ação (voluntário movimento corpóreo) ou omissão (voluntária abstenção de movimento corpóreo), com também um resultado (effectus sceleris) ou o que seria a conseqüente lesão ou periclitação de um bem 51 ou de um interesse jurídico penalmente tutelado. Portanto, não se pode falar em crime sem uma vontade objetivada, que se realiza. Nelson Hungria 52 ressalta que, só se pode transgredir a norma penal com um facere ou um no facere (no facere quod debet facere), isto é, fazendo-se o que ela proíbe ou deixando de fazer o que ela manda. O que 48 SILVA, José Geraldo da. Teoria do Crime. 1999. p.147. 49 SILVA, José Geraldo da. Teoria do Crime. 1999. p. 149. 50 HUNGRIA, Nelson. Comentário ao Código Penal, 1958. v.1, tomo II. p.10. 51 Comenta em nota de rodapé, Hungria, que o Bem é tudo aquilo que satisfaz a uma necessidade da existência humana e interesse é a avaliação ou representação subjetiva do bem comum. 52 HUNGRIA, Nelson. Comentário ao Código Penal, 1958. v.1, tomo II. p.11.

13 torna imprescindível para autor que a existência da ação ou omissão, para haver um resultado. Ainda, para toda ação ou omissão penalmente relevante corresponde um eventus damni ou um eventus periculi. Por isso, todo crime produz um dano, o um perigo de dano que afeta a existência, ou a segurança do mundo externo, onde o bem e o interesse são penalmente tutelados por sanções penais 53. Diante disto, o legislador procurou organizar juridicamente as ações e omissões que podem ser classificadas como crime no intuito de que elas estejam expressa para o Direito Penal aplicar as sanções que cabem a cada conduta. Assim entende José Frederico Marques 54. O fato típico compreende a conduta humana e respectivo resultado, ligados entre si pelos laços da causalidade, e que a lei prevê como ato punível. É do enquadramento desta conduta comissiva ou omissiva (da ação ou omissão do agente), na definição legal, que resulta fato típico, cujas conseqüências será o exercício do jus punitioonis do Estado, caso se ajustem, a esse elemento, a culpabilidade e a antijuridicidade. É o entendimento Raoul Frosalli 55 que o fato típico é o fato constitutivo del reato ou, o fato que se adapta ao modelo legal dos elementos necessários para que se configure infração penal. O fato típico no entendimento de Damásio de Jesus 56, é o comportamento humano (positivo ou negativo) que provoca um resultado (em regra) e é previsto na lei penal como infração. Assim, fato típico do homicídio de a conduta humana que causa a morte de um homem. 53 HUNGRIA, Nelson. Comentário ao Código Penal, 1958. v.1, tomo II. p.11. 54 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal, 2002. p. 10. 55 Apud, MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal, 2002. p. 40. 56 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005, p. 155.

14 E ainda, o fato típico é composto de conduta humana dolosa ou culposa, resultado (salvo nos crimes de mera conduta); nexo de causalidade entre conduta e o resultado (salvo nos crimes de mera conduta e formais); enquadramento do fato material (conduta, resultado e nexo) a uma norma penal incriminadora 57. Como já foi visto o crime é um fato típico e antijurídico. E para que se possa dizer que o fato concreto tem tipicidade, é necessário que exista perfeita adequação ao tipo penal. Os elementos que compõe o fato típico são: conduta, resultado, a relação de causalidade e a tipicidade 58. Se no caso concreto não estiver presente um desses elementos não se poderá falar em crime, com exceção a tentativa que não ocorre o resultado. Para José Geraldo da Silva 59 o fato típico ocorre quando: O comportamento humano se ajusta ao modelo legal, contido na lei penal, em todos os seus elementos. Não basta o comportamento do agente; dever-se-á verificar o resultado da conduta, que á a modificação do mundo exterior. É o caso do furto, em que ocorre a subtração da coisa alheia móvel. No caso do homicídio, em que o agente atira na vítima, temos uma conduta (atirar), e um resultado (morte), e o nexo causal entre a conduta e o resultado, pois a vítima veio a falecer em virtude dos ferimentos produzidos pelo ferimento. Todos estes elementos juntos se amoldam à definição legal do crime de homicídio, previsto no art. 121 do CP. Portanto, para que formular o fato típico é necessário estudar seus elementos quais são: conduta, resultado, nexo causal e a tipicidade. 57 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005, p. 155. 58 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p101. 59 SILVA, José Geraldo da. Teoria do Crime. 1999. p. 149.

15 1.2.1 Conduta Ensina João José Leal 60 que diante da concepção analítica, crime constitui-se por uma ação ou omissão humana, pode-se dizer que de uma conduta positiva ou omissiva do homem, e para a análise de crime deverá começar no estudo da conduta, pois, sem esta não se pode falar da existência do crime. E ainda salienta que: Somente através de um comportamento objetivamente exteriorizado é que o homem poderá praticar uma infração penal. A mera intenção ou cogitação de matar, de estuprar, de roubar ou cometer outros atos reprováveis, poderá constituir uma atitude profundamente imoral ou anti-religiosa, mas não terá qualquer relevância jurídico-penal [...] o Direito Penal não pune conseqüências humanas, mas sim atos humanos voluntariamente manifestos no plano objetivo. Para compreender-se melhor a conduta é necessário analisar as principais teorias divulgadas, a saber, a teoria da causal ou naturalista, teoria finalista e a teoria social da ação. 1.2.1.1 Teoria causal ou naturalista O penalista alemão Von Liszt 61, que foi o precursor desta corrente teórica, definindo a ação como a conduta (Verhaten) voluntária causadora ou não impeditiva de uma modificação no mundo exterior. Na mesma visão causalista, Ernest von Belling 62 afirmou que a ação é o procedimento corporal voluntário, consistente numa ação positiva ou omissiva. Já Aníbal Bruno 63 defensor desta teoria entende que constitui um comportamento humano voluntário que produz uma modificação no mundo exterior. 60 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.206-207. 61 Apud LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p. 208. 62 Apud LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p. 208.

16 João José Leal 64 define que para esta teoria, não há diferença quanto à natureza subjetiva da conduta. Tanto a conduta dolosa quanto a culposa deveriam ser apreendidas como simples manifestação causadora de um resultado penal. teoria clássica: Na visão de Vicente de Paula Rodrigues Maggio 65 quanto à É tratada como um simples comportamento humano consistente em fazer ou não fazer, sendo irrelevante a finalidade ou a intenção do agente, para caracterizar a prática do crime. Em outras palavras, a conduta é uma simples exteriorização de movimento ou abstenção de comportamento, desprovida de qualquer finalidade. Em suma, a conduta é toda ação ou omissão que provoca um resultado, independente do questionamento da finalidade. Para a teoria clássica 66, o crime é um fato típico, antijurídico e culpável. Portanto o dolo e a culpa residem na consciência da ilicitude, que integra-se a culpabilidade. Assim, poderá existir um fato típico, mesmo que o agente não tenha agido com dolo ou culpa 67. 1.2.1.2 Teoria finalista Tal teoria foi analisada por Hans Welzer 68, em sua obra Causalidade e Ação, da seguinte forma; Como la finalidad se basa en la capacidad de la voluntad de prever en determinada escala las consecuencias de la intervención causal, y con ella dirigirla según un plan hacia la obtención de un objectivo, la voluntand conciente del objetivo, que 63 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral, 2005. I, tomo I, p. 184. 64 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p. 209. 65 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues Direito Penal: Parte Geral, 2002, p.84. 66 A teoria clássica é adotada, entre outros, por Franz von Liszt, Ernest von Belling e Luis Jimenez de Asua. Já no Brasil é adotada por Nelson Hungria, Basileu Garcia, Aníbal Bruno, Frederico Marques e Magalhães Noronha. 67 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues Direito Penal: Parte Geral, 2002, p.84. 68 Apud. LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.210.

17 dirige el acontecimiento causal, es la espina dorsal de la accion finalista. O que se resume é que a conduta humana é sempre o exercício de uma atividade finalista e não apenas causal. Para João José Leal 69 : A conduta realizadora de um tipo penal passou a ser entendida como a ação ou omissão conscientemente dirigida a um fim. Para justificar a base teórica do finalismo [...] A vontade humana sempre visa a um fim e, se vontade é querer, querer é sempre um querer alguma coisa conscientemente desejada. insuficiente em face do crime culposo. Entendem alguns que a teoria finalista é discutível, por ser Para Vicente de Paula Rodrigues Maggio 70 : A conduta é o comportamento humano voluntário e consciente dirigido a uma finalidade. Com efeito, no crime doloso, a finalidade da conduta é a vontade de concretizar um fato ilícito. No crime culposo, o fim da conduta não esta dirigido ao resultado lesivo, porém, o agente é o autor do fato típico por não ter empregado em seu comportamento os cuidados necessários para evitar o evento. Damásio de Jesus 71 ensina que a doutrina finalista da ação: Não se preocupa apenas com o conteúdo da vontade, o dolo, que consiste na vontade de concretizar as características objetivas do tipo penal, mas também com a culpa. O Direito não deseja apenas que o homem não realize condutas dolosas, mas, também, que imprima em todas as suas atividades uma direção finalista capaz de impedir que produzam resultados lesivos. 69 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p.210. 70 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Direito Penal: Parte Geral, 2002, p.84-85. 71 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005, p. 235.

18 Com efeito, a teoria finalista 72 deslocou o dolo e a culpa da culpabilidade, o que existia na teoria clássica, passando a conduta para o primeiro elemento do fato típico. Teoria esta adotada pelo Código Penal Brasileiro. Julio Fabbrini Mirabete 73 acentuou que na visão finalista: Na hipótese de ter o agente acionado o gatilho voluntariamente, efetuado disparo e atingindo uma pessoa que vem a morrer, somente terá praticado um fato típico se tinha como fim esse resultado ou assumiu conscientemente o risco de produzi-lo (homicídio doloso) ou se a arma disparou em consciência de não ter sido tomadas as cautelas necessárias ao manejá-las. Para a teoria finalista, a conduta é o comportamento humano voluntário com consciência dirigida a uma finalidade, o que é valorado é o resultado não a conduta. 1.2.1.3 Teoria social da ação 74 Na visão de Vicente de Paula Rodrigues Maggio 75 a teoria social da ação (ou da adequação social): O Direito Penal só deve cuidar das condutas voluntárias que produzam resultados típicos de relevância social. Esta teoria é, na realidade, uma ponte entre as teorias clássica e finalista. Assim, mesmo o agente praticando fato típico, se tal comportamento não afronta o sentimento de justiça ou de adequação social do povo, não pode ser considerado relevante para o direito penal. Como bem afirma Damásio de Jesus 76 : 72 A teoria finalista é adotada, entre outros, por Hans Welzer, Maurach e Giuseppe Bettiol. No Brasil por Damásio de Jesus, Julio Mirabete, Heleno Fragoso, Manoel Pedro Pimentel, José Henrique Pierangeli e Francisco de Assis Toledo. 73 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.103. 74 Defende a teoria social: Johannes Wessels, Eberhardt Schmidt, Engisch Jescheck, Maihofer, Mezger, R. Lange, Oehler, E. A. Wolf, Sabatini, Petrocelli, C.Fiore, Soler e, entre nós, Miguel Reale Júnior, Nilo Batista e Evandro da Cunha Luna. 75 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Direito Penal: Parte Geral, 2002, p.85. 76 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005, p. 233.

19 Esta teoria, como a causal propriamente dita, dá importância ao desvalor do resultado, quando o que importa é o desvalor da conduta. Se a ação é a causação de um resultado sociamente relevante, então não há diferença entre uma conduta de homicídio doloso e um comportamento de homicídio culposo, já que o resultado é idêntico nos dois casos. A diferença será feita não na ação ou no fato típico, mas no terreno da culpabilidade. Quanto a essa teoria Vicente de Paula Rodrigues Maggio 77 acentua que há criticas em relação na dificuldade de se conceituar adequadamente a relevância social da ação, tornado imprecisos os limites da tipicidade e da antijuridicidade. João José Leal 78 comenta que a ação passou a ser definida como sendo conduta sociamente relevante, dominada ou dominável pela vontade humana. Para tal conceito Johannes Wessels 79 leciona que: Oferece a possibilidade de compreender o conteúdo de sentido social do acontecimento, em seu integral significado objeto, sob a consideração do fim subjetivo do autor e da expectativa normativa de conduta da comunidade jurídica. Conclui o ensinamento João José Leal dizendo que a relevância social encontra fortes resistências na doutrina, porque seu significado é amplo, e é matéria própria do juízo de adequação típica da conduta e ali deve ser tratada 80. Como visto, a teoria social tem como relevante a conduta voluntária que produza um resultado previsto em lei de relevância social. Porém, a teoria da desvalor importância ao resultado, não há diferença entre homicídio 77 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Direito Penal: Parte Geral, 2002, p.86. 78 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p. 211. 79 Apud. LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p. 211. 80 LEAL, João José. Direito Penal Geral, 2004, p. 211.

20 dolo e culposo, o que difere não é ação do fato típico, mas da análise da culpabilidade. 1.2.2 Resultado Para que exista o crime não basta a conduta. O resultado é o segundo elemento do fato típico. Damásio de Jesus 81 conceitua o resultado como a modificação do mundo exterior provocada pelo comportamento humano voluntário [...] pode ser físico (dano, por exemplo), fisiológico (lesão, morte) ou psicológico (o temor no crime de ameaça, o sentimento do ofendido na injuria etc). Existem duas teorias que tratam do assunto, uma entende que há crime sem e outra que não há crime sem resultado, que se passa expor. 1.2.2.1 Teoria naturalística Conforme Damásio de Jesus 82 segundo a concepção naturalística resultado é a modificação do mundo externo causada por um comportamento humano. O conceito resulta da relação entre a conduta e a modificação, prescindindo-se de sua análise em face da norma jurídica. Para os naturalistas há crime sem resultado, o que não se confunde com interesse tutelado pela norma, por haver delitos que o comportamento do agente não cause modificação no mundo externo. Para Heleno Cláudio Fragoso 83 é efeito natural da ação que configura a conduta típica, ou seja, o fato tipicamente relevante produzido no mundo exterior pelo movimento corpóreo do agente e a ele ligado por relação de causalidade. Quanto à existência de resultado naturalístico os crimes podem ser materiais, formais ou de mera conduta. Como acentua Julio Fabbrini 81 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005, p. 243. 82 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005, p. 244. 83 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: Parte Geral, 1990, p.170.

21 Mirabete 84, no crime material há necessidade de resultado externo a ação, descrito na lei que se destaca lógica e cronologicamente da conduta (homicídio = morte); o crime formal, não há necessidade daquilo que é pretendido pelo agente, e o resultado previsto no tipo ocorre no mesmo tempo em que se desenrola a conduta (injúria é suficiente que o ofendido fique sabendo); nos crimes de mera conduta, contenta-se com a ação ou omissão do agente, não sendo relevante o resultado material, havendo uma ofensa presumida pela lei diante da prática da conduta (ato obsceno). 1.2.2.2 Teoria jurídica ou normativa De acordo com concepção jurídica Damásio de Jesus 85, o resultado da conduta é a lesão ou perigo de lesão de um interesse protegido pela norma penal (afetação jurídica). Para os normativistas o resultado é elemento do delito, para tanto que não há crime sem resultado: Todo crime produz um dano (real, efetivo), ou um perigo de dano (relevante possibilidade de dano, dano potencial), isto é, cria uma alteração do mundo externo que afeta a existência ou a segurança do bem ou do interesse que a lei protege com a ultima ratio da sanção penal 86. Para os normativistas todo crime possui resultado, mesmo os de mera conduta, havendo nestes uma coincidência temporal e espacial entre a ação e o evento. Por isso entende Giuseppe Maggiore 87 em consideração aos artigos 40 e 43 do Código Rocco, nos quais fala de resultado do que depende a existência de crime em conformidade com a seguinte colocação; Es perentoria y vale para todo delito. Y es también significativa la calificación de cualquer resultado como dañoso o peligroso. Esta determinación quiere decir que la conducta criminosa es 84 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.134. 85 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005, p. 244. 86 HUNGRIA, Nelson. Comentário ao Código Penal, 1958, v.1. tomo II. p.13. 87 Apud. JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005, p. 245.

22 importante en ésta algun acontecimiento que ofende (daño o peligro) el orden jurídico. Em síntese na visão dos normativistas não existe crime sem um resultado, que para toda ação ou omissão penalmente relevante corresponde um eventus periculi, embora, às vezes, não seja perceptível pelos sentidos 88. Ensina Julio Fabbrini Mirabete 89 que nem sempre o crime modifica o mundo exterior é o caso da injúria oral, no ato obsceno, na violação de domicílio, mas depende de resultado por isso entende que: Deve-se buscar um conceito jurídico ou normativo de resultado, evitando-se a incompatibilidade absoluta entre os dispositivos que descrevem comportamentos que não provocam a modificação no mundo exterior e o disposto no art.13. Assim, resultado deve ser entendido como lesão ou perigo de lesão de um interesse protegido pela norma pena. Como todos os crimes ocasionam lesão ou, ao menos, perigo ao bem jurídico tutelado harmonizamse aos dispositivos legais. Para esta teoria não há crime sem resultado, até mesmo os crimes de mera conduta, nem sempre o crime modifica o mundo exterior, mas de alguma forma lesa um bem penalmente protegido. O resultado neste caso é entendido com lesão ou perigo de lesão de interesse protegido pela norma penal. 1.2.3 Nexo de Causalidade A relação de causalidade é o terceiro elemento do fato típico, como acentua Vicente de Paula Rodrigues Maggio 90 : é o nexo causal entre o comportamento humano (conduta) e a modificação do mundo exterior (resultado). 88 HUNGRIA, Nelson. Comentário ao Código Penal, 1958, v.1.tomo II. p.13. 89 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.110. 90 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Direito Penal: Parte Geral, 2002, p.89.

23 Acentua Julio Frabbini Mirabete 91 que o conceito de causa não é jurídico, mas da natureza; é a conexão, a ligação que existe numa sucessão de acontecimentos que pode ser entendida pelo homem. Heleno Cláudio Fragoso 92 diz que para que se possa reconhecer se a condição é causa do resultado, utiliza-se o processo hipotético de eliminação, segundo o qual causa é todo antecedente que não pode ser suprimido in mente sem afetar o resultado. E para entender causa no sentido jurídico penal, foram elaboradas teorias, quais são: a da causalidade adequada (causa é a condição mais adequada para produzir o resultado); a da eficiência (é a condição mais eficaz na produção do evento); a da relevância jurídica (é tudo que concorre para o evento ajustado à figura penal ou adequado ao tipo) etc 93. O Código Penal, no artigo 13, segunda parte, adotou a teoria da equivalência dos antecedentes causais, ou da conditio sine qua non, considerando como causa toda ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido 94. Damásio de Jesus 95 acontece o nexo de causalidade: ensina, com um exemplo, como A mata B golpes de faca. Há o comportamento humano (atos de desferir facadas) e o resultado (morte). O primeiro é a causa; o segundo, o efeito. Entre um e o outro há uma relação de causalidade, a vítima faleceu em conseqüências dos ferimentos produzidos pelos golpes de faca. 91 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.111. 92 Apud. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.111. 93 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 2005, p.111. 94 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005, p.247. 95 JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, 2005, p.247.

24 E conclui que somente após apreciar a existência do fato típico, no qual se inclui o nexo causal entre a conduta e o evento, é que fará juízo de valor sobre a ilicitude e a culpabilidade. Explica Vicente de Paula Rodrigues Maggio 96. É predominante na doutrina o entendimento de que inexiste nexo causal entre a omissão e o resultado, mas simples avaliação normativa. Desta forma, o agente acaba punido não por causa do resultado, mas por não ter procurado evitá-lo. [...] A relação de causalidade não é eliminada pela existência de uma concausa (preexistente, concomitante ou superveniente). A concausa é outra causa que, ligada a primeira, concorre para o resultado. Assim a possibilidade da existência de causas concorrentes para o resultado, preexistentes ou concomitantes com a do agente, nunca exclui a imputação, já que há rompimento da cadeia causal entre a conduta dele e resultado. de seu posicionamento: Vicente de Paula Rodrigues Maggio 97 exemplifica o porquê A, ferido por B, socorrido rapidamente, vem a falecer no hospital, num incêndio ali ocorrido, ou por complicações na cirurgia. Na primeira hipótese (morte no incêndio) exclui a imputação a B, por que este fator não está na linha natural de desdobramento físico do fato por ele praticado, ou seja, o incêndio não é decorrência natural do ferimento. Na segunda hipótese (complicações da cirurgia) a morte relaciona-se diretamente com o ferimento, em cujo tratamento ocorreu a complicação. 1.2.4 Tipicidade A tipicidade, na definição de Vicente de Paula Rodrigues Maggio 98, e o quarto e último elemento do fato típico. Consiste na correspondência exata, na adequação perfeita entre o fato natural, concreto, e a 96 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Direito Penal: Parte Geral, 2002, p.89. 97 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Direito Penal: Parte Geral, 2002, p.89. 98 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Direito Penal: Parte Geral, 2002, p.90.