Palavras-chave: acesso à informação; servidores públicos; remuneração.



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Transcrição:

A INTERPRETAÇÃO ATRIBUÍDA PELOS TRIBUNAIS SUPERIORES À DIVULGAÇÃO DA REMUNERAÇÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS Elisabete Fernandes Baffa 1 RESUMO O presente artigo tem por objetivo analisar a interpretação atribuída pelos Tribunais Superiores à Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, que regulamentou o direito ao acesso à informação, consagrado no inciso XXXIII do artigo 5º, no inciso II do 3º do artigo 37 e no 2º do artigo 216, todos da Constituição Federal. Atribuir-se-á enfoque, especialmente, à obrigatoriedade de divulgação, ou não, no Portal da Transparência dos órgãos públicos, do nome dos servidores e suas respectivas remunerações. Iniciar-se-á com breve análise das normas que disciplinam a transparência dos atos praticados pelo poder público, passando-se, então, à apreciação da aparente antinomia entre princípios constitucionais e da jurisprudência dos Tribunais Superiores. Palavras-chave: acesso à informação; servidores públicos; remuneração. 1 Procuradora do Município de Diadema. Especialista em Direito Administrativo Econômico pela Universidade Mackenzie. Especialista em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas. 1

SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO...03 2. TRANSPARÊNCIA DOS ATOS PRATICADOS PELO PODER PÚBLICO...04 3. APARENTE ANTINOMIA ENTRE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS...06 4. CONCLUSÃO...15 REFERÊNCIAS BLIOGRÁFICAS...16 2

1. INTRODUÇÃO Este artigo tem por escopo abordar as controvérsias advindas com a publicação, no Portal de órgãos públicos, de relação nominal dos servidores e suas respectivas remunerações. Para tanto, analisaremos a legislação que rege a matéria e a jurisprudência dos Tribunais Superiores para, ao final, demonstrar como o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça estão enfrentando a seguinte controvérsia: a transparência que deve permear os atos praticados pela Administração Pública impõe a divulgação, no Portal da Transparência dos órgãos públicos, de relação nominal dos servidores e suas respectivas remunerações? 3

2. TRANSPARÊNCIA DOS ATOS PRATICADOS PELO PODER PÚBLICO A transparência dos atos praticados pelos órgãos públicos é princípio ínsito ao Estado Democrático de Direito. Desnecessário seria, portanto, normatizá-la, pois quem administra recursos públicos tem o dever de prestar contas de sua gestão. Corolário do dever de prestar contas é, então, o direito de receber dos órgãos públicos informações dos atos por eles praticados. Com efeito, a Constituição Federal assegura a todos o direito à obtenção, dos órgãos públicos, de informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo. Esta a dicção do inciso XXXIII do artigo 5º: XXXIII todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Posto a Lei Maior assegure o exercício do direito à obtenção de informações dos órgãos públicos, era necessário regulamentá-lo. O exercício do direito à obtenção de informações dos atos praticados pelos órgãos públicos foi regulamentado, inicialmente, com a edição da Lei nº 11.111, de 05 de maio de 2005, que disciplinava apenas a parte final do inciso XXXIII do artigo 5º, isto é, as hipóteses em que a informação postulada poderia ser negada por se tratar de informação cujo sigilo era imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Decorridos mais de vinte anos da promulgação da Constituição Federal, em novembro de 2011 veio a lume a Lei nº 12.527/2011, regulamentando 4

o direito de acesso a informações dos atos praticados pelo Poder Público, revogando expressamente a Lei nº 11.111/2005. A novel legislação, aplicável àqueles que gerem recursos públicos 2, estabelece, em estreita síntese, os procedimentos mínimos que devem ser observados para garantir o acesso a informações assegurado pela Lei Maior. Assim, qualquer pessoa poderá obter informações do Poder Público, excetuando-se apenas aquelas que violem a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (inciso X do artigo 5º da Constituição Federal), bem como aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (inciso XXXIII, in fine, do artigo 5º da Constituição Federal). A Lei determina, ainda, que o acesso à informação seja franqueado mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão (artigo 5º), utilizando-se da tecnologia da informação (inciso III do artigo 3º). Interessa, dos aspectos destacados retro, as disposições atinentes à observância aos direitos à intimidade, privacidade, honra e imagem da pessoa, inscritos no inciso X do artigo 5 da Constituição da República, haja vista a aparente antinomia entre eles e o direito assegurado no inciso XXXIII do artigo 5º da Lei Maior, a partir da divulgação nos Portais de alguns órgãos públicos, da relação nominal dos servidores e suas respectivas remunerações. 2 A Lei nº 12.527/2011 é aplicável aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, às Cortes de Contas, ao Ministério Público, à Administração Indireta de todas as esferas de governo, às demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e às entidades privadas que recebem recursos do Poder Público para realização de ações de interesse público (arts. 1º e 2º). 5

3. APARENTE ANTINOMIA ENTRE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS O debate acerca da aparente antinomia entre princípios inscritos na Constituição da República, não é recente. Com efeito, a controvérsia surgiu por ocasião da publicação no sítio De olho nas contas no Portal da Transparência da Municipalidade de São Paulo, do nome e remuneração de seus servidores, com fundamento na Lei nº 14.720, de 25 de abril de 2008, regulamentada pelo Decreto nº 50.070, de 02 de outubro de 2008, ambos do Município de São Paulo. A lei supramencionada determinava a todos os órgãos da Municipalidade de São Paulo, incluindo o Poder Legislativo e o Tribunal de Contas do Município, a inserção, em seus respectivos sítios, de relação de todos os funcionários, contendo o nome completo, cargo e local de exercício. Na mesma linha a redação atribuída ao decreto que a regulamentou. No julgamento das ações propostas por servidores do Município de São Paulo, inicialmente julgadas procedentes, o Judiciário Paulista determinava a exclusão das informações do sítio da Prefeitura de São Paulo, haja vista que a legislação de regência não determinava a divulgação da remuneração dos servidores, mas única e exclusivamente do nome completo, cargo e local de exercício. Prevalecia, à época, o princípio da estrita legalidade: a Administração Pública deve atuar nos estreitos limites da lei; ante a ausência de norma que determine a publicação da remuneração era vedada a divulgação dessas informações. Fixava-se, ainda, indenização por dano moral 3. As decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo desconsideravam a aparente antinomia entre mandamentos insertos na 3 Exemplos: Apelação nº 0013194-59.2010.8.26.0053; Mandado De Segurança nº 180.864-0/7-00; Mandado de Segurança nº 994.09226326-0; Apelação nº 0010200-58.2010.8.26.0053; Apelação nº 0032907-20.2010.8.26.0053; e Apelação nº 0044254-50.2010.8.26.0053. 6

Constituição Federal. A discussão restringia-se à observância ao princípio da legalidade, vetor da Administração Pública. Somente quando a controvérsia chegou ao Supremo Tribunal Federal a matéria foi enfrentada sob o enfoque supramencionado, qual seja: o conflito aparente de normas constitucionais. Destarte, na suspensão de segurança postulada pelo Município de São Paulo contra decisões liminares do Tribunal de Justiça Paulista em autos de mandados de segurança, a Corte Constitucional reconheceu que deveria prevalecer, na hipótese, o interesse coletivo. Em outras palavras: a divulgação dos nomes e respectivas remunerações não representava ameaça à privacidade e à segurança dos servidores públicos. Colacionamos infra a ementa e excerto do r. voto prolatado pelo Ministro Ayres Britto nos autos da suspensão de segurança nº 3902: EMENTA: SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. ACÓRDÃOS QUE IMPEDIAM A DIVULGAÇÃO, EM SÍTIO ELETRÔNICO OFICIAL, DE INFORMAÇÕES FUNCIONAIS DE SERVIDROES PÚBLICOS, INCLUSIVE A RESPECTIVA REMUNERAÇÃO. DEFERIMENTO DA MEDIDA DE SUSPENSÃO PELO PRESIDENTE DO STF. AGRAVO REGIMENTAL. CONFLITO APARENTE DE NORMAS CONSTITUCIONAIS. DIREITO À INFORMAÇÃO DE ATOS ESTATAIS, NELES EMBUTIDA A FOLHA DE PAGAMENTO DE ÓRGÃOS E ENTIDADES PÚBLICAS. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO RECONHECIMENTO DE VIOLAÇÃO À PRIVACIDADE, INTIMIDADE E SEGURANÇA DO SERVIDOR PÚBLICO. AGRAVOS DESPROVIDOS. 1. Caso em que a situação específica dos servidores públicos é regida pela 1ª parte do inciso XXXII do art. 5º da Constituição. Sua remuneração bruta, cargos e funções por eles titularizados, órgãos de sua formal lotação, tudo é constitutivo de informação de 7

interesse coletivo ou geral. Expondo-se, portanto, a divulgação oficial. Sem que a intimidade deles, vida privada e segurança pessoal e familiar se encaixem nas exceções de que trata a parte derradeira do mesmo dispositivo constitucional (inciso XXXII do art. 5º), pois o fato é que não estão em jogo nem a segurança do Estado nem do conjunto da sociedade. 2. Não cabe, no caso, falar de intimidade ou de vida privada, pois os dados objeto da divulgação em causa dizem respeito a agentes públicos enquanto agentes públicos mesmos; ou, na linguagem da própria Constituição, agentes estatais agindo nessa qualidade ( 6º do art. 37). E quanto à segurança física ou corporal dos servidores, seja pessoal, seja familiarmente, claro que ela resultará um tanto ou quanto fragilizada com a divulgação nominalizada dos dados em debate, mas é um tipo de risco pessoal e familiar que se atenua com a proibição de se revelar o endereço residencial, o CPF e a CI de cada servidor. No mais, é o preço que se paga pela opção por uma carreira pública no seio de um Estado republicano. 3. A prevalência do princípio da publicidade administrativa outra coisa não é senão um dos mais altaneiros modos de concretizar a República enquanto forma de governo. Se, por um lado, há um necessário modo republicano de administrar o Estado brasileiro, de outra parte é a cidadania mesma que tem o direito de ver o seu Estado republicanamente administrado. O como se administra a coisa pública a preponderar sobre o quem administra falaria Norberto Bobbio -, e o fato é que nesse modo público de gerir a máquina estatal é elemento conceitual da nossa República. O olho e a pálpebra da nossa fisionomia constitucional republicana. 4. A negativa de prevalência do princípio da publicidade administrativa implicaria, no caso, inadmissível situação de grave lesão à ordem pública. 5. Agravos Regimentais desprovidos.... VOTO 8

12. Inicio pelo juízo de que estamos a lidar com situação demandante de conciliação de princípios constitucionais em aparente estado de colisão. Aparente conflito, e não mais que isso. De um lado, faz-se presente, aí sim, o princípio da publicidade administrativa (caput do art. 37). Princípio que significa o dever estatal de divulgação dos atos públicos. Dever eminentemente republicado, porque a gestão da coisa pública (República é isso) é de vir a lume com o máximo de transparência. Tirante, claro, as exceções também constitucionalmente abertas, que são aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (inciso XXXIII do art. 5º). Logo, respeitadas que sejam as exceções constitucionalmente estampadas, o certo é que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade (...), conforme a 1ª parte redacional do mesmo art. 5º. Com o que os indivíduos melhor se defendem das arremetidas eventualmente ilícitas do Estado, enquanto os cidadãos podem fazer o concreto uso do direito que a nossa Constituição lhes assegura pelo 2º do seu art. 72 [...]. [...] 14. O meu voto já se percebe. A situação dos agravantes cai sob a regência da 1ª parte do inciso XXXIII do art. 5º da Constituição. Sua remuneração bruta, cargos e funções por eles titularizados órgãos de sua formal lotação, tudo é constitutivo de informação de interesse coletivo ou geral. Expondo-se, portanto, a divulgação oficial. Sem que a intimidade deles, vida privada e segurança pessoal e familiar se encaixem nas exceções de que trata a parte derradeira do mesmo dispositivo constitucional (inciso XXXIII do art. 5º), pois o fato é que não estão em jogo nem a segurança do Estado nem do conjunto da sociedade. 15. No tema, sinta-se que não cabe sequer falar de intimidade ou de vida privada, pois os dados objeto da divulgação em causa dizem respeito a agentes públicos enquanto agentes públicos mesmos; ou, na linguagem da própria Constituição, agentes estatais agindo nessa qualidade ( 6º do art. 37). E quanto à 9

segurança física ou corporal dos servidores, seja pessoal, seja familiarmente, claro que ela resultará um tanto ou quanto fragilizada com a divulgação nominalizada dos dados em debate, mas é um tipo de risco pessoal e familiar que se atenua com a proibição de se revelar o endereço residencial, o CPF e a CI de cada servidor. No mais, é o preço que se paga pela opção por uma carreira pública no seio de um Estado republicano. Estado que somente por explícita enunciação legal rimada com a Constituição é que deixa de atuar no espaço da transparência ou visibilidade dos seus atos, mormente os respeitantes àquelas rubricas necessariamente enfeixadas na lei orçamentária anual, como é o caso das receitas e despesas públicas. Não sendo por outra razão que os atentados a tal lei orçamentária são tipificados pela Constituição como crimes de responsabilidade (inciso VI do art. 85). O Supremo Tribunal Federal reconheceu, ainda, a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. Destarte, a matéria é objeto do Tema 483, que tem como leading case o Recurso Extraordinário com Agravo 652.777-SP, em que se discute a configuração, ou não, de responsabilidade civil da administração pública por dano moral, em virtude de publicação do nome de servidor público e sua respectiva remuneração, em site da internet, considerando-se o direito fundamental à intimidade e à vida privada 4. Não obstante o Plenário Virtual da Corte Suprema tenha reconhecido, em 30 de setembro de 2011, a repercussão geral da matéria, restou nela consignado que, no mérito não se está reafirmando a jurisprudência dominante, que será submetida a posterior julgamento, in verbis: Decisão: O Tribunal reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, vencidos os Ministros Min. Marco Aurélio e Min. Celso de Mello, mas, no mérito, não 4 http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciarepercussao/verandamentoprocesso.asp?incidente=412 1428&numeroProcesso=652777&classeProcesso=ARE&numeroTema=483# 10

reafirmou a jurisprudência dominante da matéria, que será submetida a posterior julgamento. Não se manifestaram os Ministros Min. Cezar Peluso, Min. Joaquim Barbosa e Min. Cármen Lúcia. (destacamos) Em consulta ao sítio do Supremo Tribunal Federal, realizada em meados de agosto de 2014, constatou-se que a matéria está pendente de apreciação. A controvérsia chegou, também, ao Superior Tribunal de Justiça. Na r. decisão prolatada nos autos do Mandado de Segurança nº 18.847 o Tribunal da Cidadania sintetizou o escopo da lei nos seguintes termos: O primordial objetivo do normativo consiste em operacionalizar o preceito constitucional da publicidade e promover uma cultura de transparência no setor público, possibilitando um maior controle da sociedade sobre os atos estatais. Assim, a legalidade da divulgação nominal da remuneração dos servidores públicos está sendo apreciada, também, pelo Superior Tribunal de Justiça. Destarte, em cognição sumária nos autos do Mandado de Segurança supramencionado, impetrado pelo Sindicato Nacional dos Analistas e Técnicos de Finanças e Controle, o Superior Tribunal de Justiça indeferiu a liminar postulada, assim se pronunciando: A presente impetração volta-se contra a essa Portaria Interministerial que, segundo a impetrante, teria extrapolado o seu poder regulamentar, disciplinando a divulgação nominal da remuneração dos servidores do Poder Executivo Federal, o que não foi determinado pelos atos normativos hierarquicamente 11

superiores 5. Defendeu-se, ainda, que a exposição da remuneração, na forma como determinada pelo ato impugnado, afronta os direitos fundamentais do indivíduo à inviolabilidade de sua intimidade e privacidade, além de colocar o servidor em posição de excessiva vulnerabilidade. Penso que a Lei de Acesso à Informação constitui importante propulsor da cultura da transparência na administração pública brasileira, intrinsecamente conectado aos ditames da cidadania e da moralidade pública, sendo legítima a divulgação dos vencimentos dos cargos, empregos e funções públicas, informações de caráter estatal, e sobre as quais o acesso da coletividade é garantido constitucionalmente (art. 5º, XXXIII, art. 37, 3º, inciso II e art. 216, 2º, da CF/88). [...] Sob este prisma, a divulgação individualizada e nominal das remunerações dos servidores públicos no Portal da Transparência do Governo Federal, em cumprimento às disposição da Portaria Interministerial ora impugnada, ou seja, com a indicação, dentre outros dados, do nome completo, matrícula, cargo, classe, padrão, número de CPF, órgão de lotação, valores bruto e líquido da remuneração básica, descontos de imposto de renda e contribuição previdenciária, apresenta-se como meio de concretizar a publicidade administrativa, não se contrapondo aos ditames da Lei n. 12.527/2011, que, ao normatizar o acesso a informações, determinou que todos os dados estritamente necessários ao controle e fiscalização, pela sociedade, dos gastos públicos sejam obrigatoriamente lançados nos meios de comunicação. [...] Por fim, cumpre registrar que o indeferimento da liminar não resultará em ineficácia de eventual concessão da segurança. É fato que a Lei de Acesso à Informação Lei Federal nº 12.527/2011 - não contém previsão expressa acerca da publicação nominal da 5 A legislação hierarquicamente inferior mencionada na r. decisão prolatada pelo Ministro Marco Campbell Marques é a Lei Federal nº 12.527/2011 e o Decreto nº 7724/2012 que a regulamentou. 12

remuneração dos servidores públicos. Não obstante isso, algumas esferas de Poder têm inserido essa obrigação em seus atos regulamentadores. Nessa esteira as disposições contidas no inciso VI do 3º do artigo 7º do Decreto Federal nº 7724/2012, que regulamenta a aplicação da Lei de Acesso à Informação no âmbito do Executivo Federal, e no inciso VI do artigo 3º da Resolução nº 102 do Conselho Nacional de Justiça, ato regulamentador da mesma lei na esfera do Poder Judiciário, reproduzidos a seguir: Decreto Federal nº 7724/2012 Art. 7º - É dever dos órgãos e entidades promover, independente de requerimento, a divulgação em seus sítios na Internet de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas, observado o disposto nos arts. 7 o e 8 o da Lei n o 12.527, de 2011. [...] 3 o - Deverão ser divulgadas, na seção específica de que trata o 1 o, informações sobre: [...] VI - remuneração e subsídio recebidos por ocupante de cargo, posto, graduação, função e emprego público, incluindo auxílios, ajudas de custo, jetons e quaisquer outras vantagens pecuniárias, bem como proventos de aposentadoria e pensões daqueles que estiverem na ativa, de maneira individualizada, conforme ato do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. (sem destaques no original) Resolução nº 102 do Conselho Superior de Justiça Art. 3º - Sem prejuízo do disposto nos artigos anteriores, os órgãos referidos no caput do art. 1º publicarão, nos respectivos sítios eletrônicos na rede mundial de computadores, e encaminharão ao Conselho Nacional de Justiça: [...] VI as remunerações, diárias, indenizações e quaisquer outras verbas pagas aos membros da magistratura e aos servidores a 13

qualquer título, colaboradores e colaboradores eventuais ou deles descontadas, com identificação nominal do beneficiário e da unidade na qual efetivamente presta os seus serviços, na forma do Anexo VIII. (grifamos) Em pesquisa efetuada no sítio do Executivo Federal constata-se que a remuneração de seus servidores é divulgada no Portal da Transparência, mediante ferramenta que permite pesquisa nominal. A inserção de um único nome gera a divulgação de lista com remuneração de todos os servidores que possuem o nome informado. Constatou-se, ainda, que os órgãos públicos optaram, em sua maioria, pela divulgação da remuneração de seus servidores sem identificá-los nominalmente. Estão, desta forma, atendendo à determinação legal sem violar a privacidade de seus servidores. 14

4. CONCLUSÃO Atualmente, a situação pode ser assim resumida: (i) a legislação de regência não prevê expressamente que a divulgação da remuneração dos servidores públicos deve ser nominal; e (ii) a obrigatoriedade de identificar nominalmente os servidores decorre, em conformidade com as decisões até o momento proferidas pelos Tribunais Superiores especialmente pela Corte Suprema -, dos princípios da moralidade e da publicidade administrativa. Contudo, a matéria ainda está sub judice. Destarte, ao reconhecer a existência de repercussão geral da matéria controvertida, o Supremo Tribunal Federal, consignou que aquele ato reconhecimento da repercussão geral não caracterizava reafirmação da jurisprudência dominante sobre a matéria, que será submetida a posterior julgamento. A matéria é complexa. A controvérsia acerca da divulgação nominal dos servidores públicos e suas respectivas remunerações no Portal da Transparência dos órgãos públicos está longe de ser dirimida, máxime porque a Corte Suprema, não obstante sua jurisprudência atualmente remansosa, declarou na r. decisão que reconheceu a repercussão geral da questão constitucional suscitada, a possibilidade de modificar sua interpretação. 15

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS www.stf.jus.br www.stj.jus.br www.tjsp.jus.br www.portaldatransparencia.gov.br/servidores/ www4.planalto.gov.br/legislação 16