Categoria Relato de Experiência Eixo Temático Relações de Trabalho, Produção e Ambiente VESTIMENTAS PARA A PROTEÇÃO DO TRABALHADOR QUE ATUA EM INSTALAÇÕES E SERVIÇOS EM ELETRICIDADE Luiz Carlos de Miranda Junior CPFL Enegia miranda@cpfl.com.br; miranda@vivax.com.br RESUMO: A adoção de vestimenta retardante de chama e atenuadora do calor incidente gerado por arcos elétricos é uma das exigências trazidas pela revisão da Norma Regulamentadora 10 SEGURANÇA EM INSTALAÇÕES E SERVIÇOS EM ELETRICIDADE fundamental para a prevenção de acidentes e promoção da segurança e saúde dos trabalhadores do setor elétrico. Esse novo EPI Equipamento de Proteção Individual que passa a ser utilizado pelos trabalhadores requer especificação técnica coerente com as condições de trabalho às quais se expõem, assim como a participação dos mesmos em todas as fases de implantação para que compreendam a importância do equipamento e auxiliem no processo. Para maior proteção ao trabalhador os tecidos das vestimentas tiveram suas gramaturas aumentadas trazendo com isso incômodo inicial amplamente recompensado pelo importante decréscimo na gravidade das possíveis lesões. Relata-se aqui a experiência da implantação desse EPI na CPFL Energia, empresa de grande porte do setor elétrico brasileiro, abordando os aspectos preponderantes que garantiram o sucesso do trabalho que contribuiu decisivamente com a segurança dos trabalhadores. Através da participação dos eletricistas em cada fase do processo, pode-se garantir a compreensão e aceitação de todos para a utilização desse novo EPI. Palavras-chave: Vestimenta FR Fire Retardant. Retardante de Chama. NR-10 Norma Regulamentadora 10. Proteção do Trabalhador.
1 INTRODUÇÃO Desde sua publicação em junho de 1978, a Norma Regulamentadora n 0 10 não havia sofrido alterações tão profundas quanto as que foram aprovadas pela Portaria nº 598, de 07 de dezembro de 2004, publicada no D.O.U. em 8 de dezembro de 2004. Inúmeros aspectos discutidos de forma tripartite foram aperfeiçoados e passaram a fazer parte da nova NR-10 intitulada Segurança em Instalações e Serviços em Eletricidade. O sistema tripartite de discussão para a revisão de normas regulamentadoras tem mostrado eficácia e os resultados obtidos representam avanços negociados entre as três partes diretamente envolvidas com a segurança dos trabalhadores: sindicatos, seus legítimos representantes, empresas e governo. Inúmeros são os benefícios da nova norma que trouxe o conceito de gestão para a prevenção e organização do trabalho em eletricidade. O planejamento e decorrentes ações dele originadas permeiam todo o conteúdo da norma e a consagrada metodologia do PDCA Plan / Do / Check / Act tem sua utilização incentivada. Assuntos de crucial importância para a preservação da integridade física dos trabalhadores, tais como: prontuário das instalações, EPIs Equipamentos de Proteção Individual e EPCs Equipamentos de Proteção Coletiva, treinamento e autorização para o trabalho, APR Análise Prevencionista de Risco e Vestimentas Retardantes de Chama são alguns que a norma aborda, sempre com a preocupação que melhorias sejam sistematicamente incorporadas a cada um deles, o que evidencia a visão de gestão que baliza toda a norma. Nesse trabalho aborda-se a importância da determinação do tecido adequado à confecção das vestimentas retardantes de chama, tanto sob a ótica das propriedades exigidas para a proteção dos trabalhadores, quanto no que tange a aspectos relativos ao conforto mínimo que viabilize sua utilização. Também é destacada a metodologia da implantação da vestimenta utilizada cotidianamente pelos trabalhadores, bem como a participação dos mesmos no processo desenvolvido. O envolvimento dos trabalhadores desde a escolha dos tecidos, até o modelo da vestimenta adotada, passando por testes de aceitação com a utilização em campo e conseqüentes ajustes decorrentes das opiniões dos trabalhadores foram os alicerces do sucesso obtido.
2 OBJETIVO GERAL Discutir a importância da utilização de vestimentas FR pelos trabalhadores do setor elétrico e evidenciar processo participativo de implantação desse EPI. 3 OBJETIVOS ESPECÍFICOS 3.1. Apresentar os objetivos da alteração proposta pela NR-10 em relação às vestimentas utilizadas pelos trabalhadores expostos a riscos elétricos. 3.2. Apresentar o processo de escolha de tecidos para a confecção de vestimentas FR à luz do conhecimento técnico atual. 3.3. Discutir a atual impossibilidade dos fabricantes nacionais no fornecimento dos tecidos especiais necessários ao atendimento da NR-10. 3.4. Discorrer sobre o processo de discussão e implantação da vestimenta em empresa do setor elétrico, responsável pelo sucesso obtido. 4. METODOLOGIA 4.1. Considerações iniciais Até a revisão da NR-10, a maioria dos trabalhadores expostos aos riscos elétricos não dispunha de vestimentas capazes de agregar algum tipo de proteção para o caso da ocorrência acidentes que originassem arcos elétricos. A nova NR-10 passou a exigir propriedades específicas das vestimentas, o que lhes conferiu o status de EPI. O item 10.2.9.2 que a seguir transcrevemos evidencia tais propriedades: As vestimentas de trabalho devem ser adequadas às atividades, devendo contemplar a condutibilidade, inflamabilidade e influências eletromagnéticas. Segundo Merino (1985), corpos condutores de eletricidade são os que permitem, com alguma facilidade, a passagem de cargas elétricas através de si. Já a inflamabilidade para o professor Rosseti (2008) está associada à temperatura na qual se desprendem vapores de uma determinada substância suficientes para que o material combustível se inflame. E o eletromagnetismo é a junção de campos elétricos e magnéticos que se propagam e podem agir sobre o ser humano (Wikipédia, 2008). À partir dessas breves definições pode-se depreender, respectivamente, os fatores de proteção almejados pela utilização das vestimentas exigidas pela NR-10: o tecido adotado para a confecção das vestimentas não pode ser condutor de eletricidade, não pode ser inflamável, ou seja, não pode manter a chama após cessar a fonte de calor e deve resistir ou atenuar a energia calorífica (energia incidente) originada pela ocorrência de arco elétrico, energia eletromagnética, sobretudo infravermelho (calor).
Infelizmente ainda não há no Brasil empresa que fabrique tecido com tais características. Assim, foi necessário pesquisar empresas fora do país para chegar ao tecido adequado. 4.2. O tecido FR Fire Retardant com proteção contra energia calorífica (energia incidente) Alguns estudos e informações obtidas junto a fornecedores nacionais davam conta de que empresas européias e norte-americanas confeccionavam tecidos com as propriedades exigidas pela NR-10. Após estudo básico das características desses tecidos, decidiu-se pela visita a uma empresa dos Estados Unidos da América, usuária de um determinado tecido FR, para verificar sua eficácia e viabilidade nas condições de trabalho e do clima brasileiros. Buscando a maior similaridade de condições possível, a visita foi realizada na ConEdison, empresa que distribui energia elétrica para a cidade de Nova Iorque que nos meses de verão apresenta temperaturas similares as regiões brasileiras. O verão novaiorquino tem apresentado temperaturas de até 40 0 C. Também foi visitado o laboratório do IEEE - Institute of Electrical and Electronics Engineers que realiza diversos testes com tecidos FR, assim como uma das empresas fabricantes de tecido com essas características. Toda essa experiência resultou na elaboração de normativo para a especificação da vestimenta exigida na NR-10 e que está disponível para download no site da Fundação COGE (www.funcoge.org.br) para todos os interessados. Dessa forma, não serão tratados os detalhes técnicos dos tecidos que podem ser verificados na especificação. Como já mencionado, uma das características fundamentais das vestimentas utilizadas pelos trabalhadores expostos a riscos elétricos é a não inflamabilidade, ou seja, o tecido que se queima na presença de chama não dá continuidade à queima quando a chama é retirada. Em termos técnicos pode-se dizer que o tecido deve ser ignífugo. Após os estudos desenvolvidos, a CPFL Energia adotou para seus trabalhadores o tecido composto de 88% algodão e 12% nylon cujos fios recebem tratamento ignífugo anteriormente à trama do tecido. A tecnologia aplicada faz com que essa importante característica, tecido ignífugo, persista por toda a vida útil da vestimenta. Além dessa, outra importante propriedade já descrita é a da proteção contra a energia incidente. Para que se pudesse chegar à conclusão da proteção mais adequada, foram utilizadas as formulações de cálculo de energia incidente propostas por Ralh Lee
(LEE, 1982). Embora tal metodologia não tenha sido desenvolvida considerando as peculiaridades do setor elétrico, na ausência de outro método, foi esse o utilizado. A partir da consideração de uma série de dados, tais como: amperagem e voltagem das redes de energia elétrica consideradas, tempo de atuação dos sistemas de proteção, distância entre fases, tempo de duração do arco elétrico, distância do trabalhador à rede, dentre outros, calcula-se a energia incidente no trabalhador originada por acidente com a presença de arco elétrico. Com base na energia incidente calculada, adota-se a categoria de proteção da vestimenta que se subdivide em 5 classes, como detalhado na TABELA 1: TABELA 1 Classes de Risco e correspondentes ATPV Classe de risco Descrição da roupa ATPV Mínimo / Categoria (número total de camadas de tecido) (cal/cm 2 ) 0 Algodão não tratado (1 camada) Não aplicável Calça e camisa ou macacão confeccionados com tecido FR 1 4 (1 camada) Calça e camisa ou macacão confeccionados com tecido FR 2 8 (1 camada com gramatura superior a classe 1) Roupa interna de algodão mais calça e camisa ou macacão 3 ou calça e capa confeccionados com tecido FR (2 camadas + 25 tecido de algodão) Roupa interna de algodão mais calça e camisa ou macacão 4 ou calça e capa confeccionados com tecido FR (3 camadas + 40 tecido de algodão) Fonte: Adaptado de NFPA 70E (2004) Como se pode observar na TABELA 1, cada categoria está associada a um intervalo de proteção contra o arco elétrico o que se convencionou chamar de ATPV Arc Thermal Performance Value. O ATVP é então expresso em cal/cm 2 e, por exemplo, quando trabalhamos com um ATPV 2, significa dizer que a atenuação da energia incidente será, no mínimo, de 8 cal/cm 2. Aparentemente pode parecer conveniente que se adote a máxima proteção. No entanto, categorias de proteção 3 e 4 são obtidas com camadas sobrepostas de tecidos o que trás problemas de ordem ergonômica aos trabalhadores, sobretudo em clima tropical como o do Brasil. Assim, na CPFL Energia decidiu-se pela adoção do tecido FR de categoria 2, ou seja, ATPV mínimo de 8 cal/cm 2. Finalizada essa etapa, passamos à convecção das vestimentas, testes de campo, aplicação de questionários de avaliação e sugestões, implantação das modificações objeto das sugestões e implantação final.
5. RESULTADOS Acordada a utilização do tecido 88/12 de classe de risco 2 e com base nas opiniões dos trabalhadores, definiu-se o modelo da vestimenta que pode ser visto na Figura 1. Figura 1: Vestimenta FR, Categoria 2 adotada na CPFL Energia Fonte: CPFL Energia Com as respostas de quase dois mil dos questionários distribuídos junto com as vestimentas, decidiu-se pelas seguintes alterações: modificação do layout das camisas para se obter a diminuição do tecido azul que se encontrava na região dos ombros, o que resultou em menor calor radiante, adoção de camiseta FR para os eletricistas que trabalham em regime de LV Linha Viva e que para tal, além da vestimenta, precisam utilizar outros equipamentos como mangotes e luvas de proteção que agravam o desconforto térmico, adoção de camisas tipo pólo para os momentos de deslocamento dos eletricistas, visto que as características de seu trabalho impõem grandes períodos de deslocamentos onde o risco elétrico não está presente. Essas alternativas podem ser verificadas nas Figura 2, a seguir. Figura 2: da esquerda para a direita, diminuição dos detalhes em azul na parte frontal e sua eliminação nas costas; adoção de camiseta de manga longa com tecido de categoria 2 em malha de algodão para os eletricistas de LV e camisetas tipo pólo 100% algodão para ser utilizada nos deslocamentos dos eletricistas. Fonte: CPFL Energia
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS O avanço na proteção do trabalhador proporcionado pela aplicação das novas exigências da NR-10 é inegável. Particularmente no que se refere à vestimenta, o ganho foi expressivo com a adoção de conceitos de proteção contra os efeitos nocivos do arco elétrico que resultaram na adoção de tecidos FR. A qualidade técnica do tecido adotado e a participação coletiva em todo o processo desenvolvido garantiram o sucesso na introdução desse importante item de segurança para os trabalhadores do setor elétrico. REFERÊNCIAS LEE, Ralph. The other Electrical Hazard: Electrical Arc Blast Burns. IEEE Transaction on Industrial Applications, Vol. 1A-18, No 3, p. 246 May/June 1982. MERINO, Djalma. Física: 2 0 Grau, volume 3. Editora Ática, São Paulo, 1985. MTE Ministério do Trabalho e Emprego. NR-10 Segurança em Instalações e Serviços em Eletricidade. Aprovada pela Portaria n 0 598, de 07 de dezembro de 2004, publicada no D.O.U. em 8 de dezembro de 2004. NFPA 70E National Fire Protection Association. Standard for Electrical Safety Requirement for Employee Workplace, 2004 Edition. ROSSETI. Dicionário Rossetti de Química. Disponível em www.rossetti.eti.br/dicuser/detalhe.asp?vini=9&vfim=91&vcodigo=2157, acesso em 22 de maio, 2008. WIKIPEDIA. Dicionário. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/campo_eletromagn%c3%a9tico, acesso em 22 de maio, 2008.