Aula 4 - Aprofundamento conceitual sobre Antropologia e cultura: etnocentrismo e relativismo

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Transcrição:

Aula 4 - Aprofundamento conceitual sobre Antropologia e cultura: etnocentrismo e relativismo Antropossociologia e Trabalho de campo Faculdade Piaget - Suzano - 1º semestre de 2019 Profº Ms Antonio Gracias Vieira Filho

Conceitos desta aula 1. Etnocentrismo: um dos elementos causadores do preconceito, intolerância e extremismo; 2. Relativismo: uma solução metodológica e política contra tais questões.

1. Etnocentrismo Acima, o antropólogo James Frazer (1854-1941) e a Rainha Victoria (1819-1901, reinado entre 1837 e 1901). O primeiro é associado à escola evolucionista na Antropologia. A monarca, por sua vez, simboliza o apogeu do Império Britânico. A leitura evolucionista e etnocêntrica do mundo e suas diferentes culturas está ligada a essas duas figuras históricas. Fotos: 1933 e 1882, respectivamente, ambas de domínio público.

Etnocentrismo [1] - Como definir? O etnocentrismo pode ser definido como a prática de avaliar hábitos, comportamentos e valores de outra cultura ou grupo cultural a partir dos elementos da própria cultura. Em outras palavras, seria o ato do indivíduo da cultura A de julgar elementos da cultura B a partir de seu próprio conjunto de práticas e valores culturais. De forma geral, a utilização desse mecanismo ocorre com o objetivo de diminuir/discriminar a cultura alheia e valorizar a própria. Embora seja uma atitude que a antropologia se esforça por superar, é um hábito relativamente comum: o olhar de estranheza - ou espanto - diante de costumes com os quais não nos identificamos. Tal estranheza, todavia, pode resultar em atitudes individuais ou coletivas de preconceito e discriminação.

Etnocentrismo [2] - Qual a história do conceito? O etnocentrismo na antropologia aparece em destaque na teoria evolucionista (final do século XIX até 1920) - a primeira grande escola claramente delimitada da disciplina. Os antropólogos evolucionistas, muitos britânicos (como E. B. Tylor e James Frazer), utilizaram ideias retiradas do evolucionismo biológico de Darwin para classificar diferentes sociedades em uma ordem evolutiva. A sociedade britânica do final do século XIX - local e período em que estavam escrevendo -, seria o ideal de civilização e, portanto, o ponto máximo de evolução das culturas humanas. Todas as demais, em uma escala de desenvolvimento, viriam em seguida e ainda deveriam evoluir para alcançar tal patamar. Essa é uma característica importante do etnocentrismo: a cultura do eu é sempre melhor que a do outro.

Etnocentrismo [3] - O que esse fenômeno pode gerar? Tal modelo de classificação é problemático na medida em que cada sistema cultural possui regras e valores próprios, desenvolvendo uma lógica interna particular. Essa compreensão das diferenças e particularidades que envolvem cada grupo deixa claro que uma hierarquia de evolução entre culturas só pode ser fruto de uma atitude etnocêntrica - com resultados tão complexos quanto a xenofobia e o racismo. Malinowski, Boas e outros antropólogos funcionalistas e culturalistas indicaram que um bom antídoto contra o etnocentrismo é a prática da etnografia, com a observação direta e prolongada de outras culturas que não a do próprio pesquisador.

2. Relativismo cultural A superação do evolucionismo cultural está ligada à análise relativista das diversas culturas mundiais. Embora seja um conceito orientador de toda a Antropologia contemporânea, o relativismo deve muito à escola culturalista, com destaque para Franz Boas (1858-1942) e Ruth Benedict (1887-1948). Fotos: ca. 1915 e 1937, respectivamente, ambas de domínio público.

Relativismo cultural [1] Trata-se da ideia de que as crenças, valores e práticas de uma pessoa devem ser entendidos nos termos da cultura da própria pessoa - ao invés de serem julgados levando em conta os critérios de um outro sistema cultural. Por exemplo: devemos analisar as atitudes de um indivíduo pertencente a uma comunidade indígena de acordo com a cultura da qual ele e seu povo fazem parte - e não a partir da cultura de um observador externo que se julga, de algum modo, mais ou menos evoluído. Franz Boas pontuou que a civilização não é algo absoluto, mas sim relativo. Nossas ideias e concepções são verdadeiras somente até onde vai nossa [própria] civilização. BOAS, F. Museums of Ethnology and their classification" in Science, número 9, p. 589, 1887.

Relativismo cultural [2] O relativismo cultural é uma atitude de fundamental importância metodológica pois chama atenção para o contexto local no entendimento do significado de crenças e atividades humanas particulares. O relativismo permite que tomemos contato, de forma equilibrada, com a imensa quantidade de variações culturais presentes na humanidade. Por equilibrada podemos compreender a atitude de perceber que cada uma dessas variações possui uma estrutura interna própria, com seu sistema particular de crenças e valores. Não podemos absorver seu real significado a menos que tomemos contato profundo com cada cultura - daí a importância da etnografia. Somente ao vivermos de forma prolongada entre nativos seremos capazes de entender suas dinâmicas próprias.

Relativismo cultural [3] O relativismo como método. Qualquer entendimento da totalidade da humanidade precisa ser baseado na mais ampla e variada amostra de culturas quanto possível. Somente pela apreciação de uma cultura que é profundamente diferente da nossa poderemos compreender a extensão pela qual nossas próprias crenças e atividades são ligadas à nossa cultura, mais que algo natural ou universal. O relativismo cultural é fundamental porque chama a atenção para a importância da variação em qualquer amostra que é usada para fazer generalizações sobre a humanidade. [Baseado em BENEDICT, R. Patterns of Culture. Boston, Houghton Mifflin Co., 1959 [1934].

Relativismo cultural [4] O relativismo pode ser útil como ferramenta para análise, em perspectiva, de nossa própria cultura. Ao invés de assumirmos nossas crenças como universais, podemos utilizar o conhecimento sobre outras culturas para reflexão sobre nossas próprias práticas. Assim: (...) A antropologia pode servir como uma forma de crítica cultural para nós mesmos. Ao usar retratos de outros padrões culturais para refletir criticamente sobre nossos próprios modos, a antropologia rompe com o senso comum e nos faz reexaminar nossas suposições, que dávamos por verdadeiras. MARCUS, G. & FISCHER, M.M.J. Anthropology as Cultural Critique: The Experimental Moment in the Human Sciences. Chicago, Univ. of Chicago Press, 1986. P.1

Relativismo cultural [5] Talvez a única generalização absolutamente certeira sobre a humanidade é a de que se trata de uma construção incrivelmente diversa.

Bibliografia GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro (RJ), LTC, 2008 [1973]. LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo (SP), Brasiliense, 2003 [1988]. LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro (RJ), Jorge Zahar, 2001 [1986].

Muito obrigado por sua atenção! Profº Ms Antonio Gracias Vieira Filho Contato: antoniofilho@facpiaget.com.br Visite: www.sociologiadagestao.com